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Entrevista

Um debate sobre o RACISMO INSTITUCIONAL

Dissertação de mestrado de padre da Arquidiocese de Londrina refletiu sobre o preconceito, dentro e fora da Igreja, a partir da história do fundador da Pastoral Afro-Brasileira

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Padre Cristiano defendeu a dissertação de mestrado no dia 8 de maio

Foto: Arquivo pessoal

Estudar também faz parte da rotina dos religiosos e no caso do padre José Cristiano Bento dos Santos, os últimos três anos foram dedicados, entre outras demandas, a um mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). A dissertação foi defendida recentemente e com sucesso. A temática do trabalho foi a trajetória do padre Antônio Aparecido da Silva, fundador da Pastoral Afro-Brasileira. A dissertação trouxe debates pertinentes para uma realidade que pode ser encontrada dentro e fora da Igreja, como o racismo.

Natural de Terra Boa, no Noroeste paranaense, padre José Cristiano atualmente está à frente da Paróquia Santo Antônio (Decanato Sul). Iniciou o processo de formação religiosa e acadêmica na Diocese de Campo Mourão, em 2004. Sua ordenação diaconal foi em agosto de 2013 e a sacerdotal em 15 de dezembro de 2013, esta sob o lema: “O Espírito do Senhor me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres” (Lc 4,18). Fez filosofia no antigo Seminário São José (Diocese de Campo Mourão), teologia na Pontifícia Universidade Católica (PUC).

Padre Cristiano também possui capacitação profissional em Ensino de Filosofia e Ciências da Religião, Especialização em Gestão Escolar: Administração, Supervisão e Orientação. É coordenador e professor da Escola de Doutrina Social da Igreja e assessor da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Londrina.

De acordo com o sacerdote, trazendo apontamentos do professor Renold Blank, doutor em teologia e em filosofia, a “Igreja como um todo é desafiada a se adaptar à nova mentalidade da pós-moderna” , levando em conta o “contexto de rápida aceleração e evolução social” .

QUAIS MOTIVOS O FIZERAM TER ESSA ESCOLHA?

A pesquisa científica é consequência de um problema. O problema do meu trabalho foi: ‘A presença do racismo na Igreja Católica. Uma instituição religiosa pode manter ideias racistas e as praticar ao longo dos séculos?’ A partir dessa problemática, resolvi analisar a trajetória do Pe. Antônio Aparecido da Silva, conhecido como

Pe. Toninho, uma liderança que criou a Pastoral Afro-Brasileira na Igreja Católica. Uma iniciativa revolucionária que incluiu o negro no centro do debate dessa instituição. A atuação social e religiosa de Pe. Toninho fora marcada, na década de 1970, num contexto de mudança estrutural na Igreja, com o surgimento da Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), dos Movimentos Populares, sindicais e sociais e teve o apoio de bispos progressistas, como dom Hélder Câmara, dom José Maria Pires, dom Paulo Evaristo Arns, dom Luciano Mendes de Almeida.

Pe. Toninho nasceu em 28 de novembro de 1948, em Lupércio, uma pequena cidade no interior de São Paulo, e faleceu em 17 de dezembro de 2009. Ele era especialista em Teologia Moral e foi o primeiro reitor negro do Instituto Teológico de São Paulo - ITESP, onde também atuou como professor. Acrescente-se ainda que atuou como assessor das discussões em torno da atenção pastoral à questão negra, junto à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), como a Campanha da Fraternidade de 1988; e trabalhou pela visibilidade e pelo combate ao drama do

racismo nas assessorias que prestou ao episcopado durante as Conferências de Medellin (1968), Puebla (1979) e Santo Domingo (1992).

COMO FOI O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA DISSERTAÇÃO?

Após as orientações da Banca de Qualificação do Mestrado, minha orientadora, professora Maria Nilza da Silva, e eu resolvemos fazer uma análise sociológica da biografia do Pe. Toninho. A Sociologia da Biografia é uma análise sociológica da vida de um indivíduo, situado num determinado contexto histórico e social. A vida de um indivíduo é inseparável do conjunto de acontecimentos da experiência pessoal concebida como história e relato dessa própria história (Pierre Bourdieu, 1986). As ‘pressões sociais’ são mediações que direcionam a construção de uma trajetória existencial: a biografia (Norbert Elias, 1995). A realização de uma análise sociológica da biografia do Pe. Toninho foi o objetivo geral do trabalho, mas, para atingir isso, precisamos dos objetivos específicos, como investigar a relação da Igreja Católica com o negro; indicar até que ponto

a cor da pele influencia a Igreja; analisar a ação do Pe. Toninho na criação da Pastoral Afro-Brasileira; identificar a importância do seu legado para a Igreja; e debater o racismo na Igreja Católica.

Por isso, para o trabalho, realizamos uma pesquisa qualitativa, com a pesquisa bibliográfica. Realizou-se também entrevista, trabalhado individualmente com pessoas do círculo familiar de Pe. Toninho e da Pastoral Afro-Brasileira.

QUE REFLEXÕES APONTOU NA DISSERTAÇÃO?

Constatamos que é de suma importância que existam mais estudos científicos, que se debruce um olhar analítico para a trajetória de Pe. Toninho, visto que sua atuação social remete às questões mais latentes da Igreja e da sociedade, como o racismo, abordado conceitualmente, através de sua implicação histórica nas ações da Igreja Católica em relação à população negra, buscando compreender suas perspectivas individual, institucional e estrutural, que contribui para a rejeição do negro.

A partir dessas perspectivas, a pesquisa priorizou o racismo institucional que não se limita às subjetividades individuais, mas ao funcionamento das instituições que operam na dinâmica de conceder, ainda que indiretamente, desvantagens, privilégios, a partir da raça, sem necessidade tanto de ideologias científicas, para justificar os atos racistas, visto que é no operacional da sociedade, que se configura uma estrutura inscrita nos seus mecanismos cotidianos, garantindo a dominação e inferiorização do negro (Michel Wieviorka, 2007).

A trajetória de Pe. Toninho é um campo científico de pesquisa (BOURDIEU, 1997), tendo em vista que um dos seus principais papéis é o da criação da Pastoral Afro-Brasileira por atuar no processo de inclusão do negro na Igreja Católica e da superação do racismo no interno dessa instituição religiosa. Por isso, de acordo com os apontamentos nessa pesquisa, a biografia de Toninho suscita questões complexas e profundamente relevantes para o debate, no que tangem o racismo: a identidade negra, a discriminação racial, preconceito, a desigualdade racial e o

silenciamento do protagonismo negro dentro do catolicismo institucional.

A pesquisa não só evidenciou a trajetória de Pe. Toninho na criação da Pastoral Afro-Brasileira, mas também que a própria Igreja Católica, como outras instituições, tem suas contradições históricas em matérias raciais (Abdias Nascimento, 2017). O seu discurso teológico ao longo da história serviu de sustentação para a escravidão do negro, resultado de um processo de desumanização dos povos africanos que foram transformados em mão de obra, fonte de lucro para o sistema econômico do Estado e do catolicismo institucional, baseados numa cumplicidade histórica.

QUE MENSAGEM ESTE ASSUNTO PODE TRAZER PARA NOSSA SOCIEDADE E IGREJA?

Segundo Florestan Fernandes, “quase quatro décadas depois, a maioria da população negra forma um bolsão de excluídos - da riqueza, da cultura e do poder” (1989, p. 9). Essa afirma

ção dele possibilita a compreensão da causa de exclusão do negro nos espaços sociais de decisão e prestígio do próprio país, como os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Mercado Financeiro, Medicina, Dramaturgia, Academia.

O racismo é elemento pertencente ao presente da humanidade e não somente ao seu passado, pois sua presença é consequência de uma manutenção estrutural, na qual se desfazem velhas relações sociais e se constituem novas, respondendo, a partir de formas novas, a uma função antiga. O racismo é também uma reação à sua dissociação, pois ele pode expressar uma rejeição de sua evolução, um meio de apelo à manutenção cada vez mais artificial daquilo que se dissolve e interpretar um recuo no qual, sob uma pluralidade de modalidades, o racismo contribui para estruturar um discurso com o objetivo de manter, nas diversas condições materializadas, as regras do funcionamento institucional (Michel Wieviorka, 2007).

PEDRO MARCONI PASCOM Arquidiocesana