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A música brasileira em Montreal
Maria Bruna Hildebrando
A música brasileira está presente no cenário musical quebequense pelo menos desde os anos oitenta com apresentações de nomes fortes como Tom Jobim, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Bebel Gilberto (vencedora em 2022 do prêmio Antônio Carlos Jobim durante a programação do Festival de Jazz de Montreal), além de Eliane Elias, Hamilton de Holanda, Mônica Salmaso, Pedro Quental, Céu, Nuno Mindelis e muitos outros.
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Também desde os anos 80, artistas brasileiros escolhem Montreal para viver, como aconteceu com Mestre Vovô Saramandá e Paulo Ramos – artista conhecido do público francófono de Montreal que conta com turnês internacionais e visibilidade na mídia quebequense.
O primeiro álbum de Bïa Krieger, La Mémoire du Vent, foi lançado em 1997 e recebeu o Grand Prix da Académie Charles-Cros, sendo um sucesso tanto de público quanto de crítica francesa. Bïa se apresentou no Festival de Jazz de Montreal em 2003, e em 2007 foi indicada ao Juno Award World Music. Mônica Freire, por sua vez, chegou a Montreal aos dezoito anos de idade, e em 2003 participou da primeira parte do show de Cesária Évora, no Festival de Jazz de Montreal. Em 2010, Mônica decidiu retornar ao Brasil, mas dez anos depois voltou
para o Canadá. Outros artistas brasileiros vieram, mas ficaram pouco tempo em Montreal, como Jorge Vercilo, Oze no Mundo e Rael da Rima que, apesar de terem retornado ao Brasil, deixaram sua contribuição musical na cidade. No início dos anos 2000, surgiu o grupo Maracujá em um show no Casino de Montreal, com o baterista Sacha Daoud, o baixista André Faleiros, o cantor Elie Haroun e o pianista John Sadowy. Outros artistas desta mesma época foram Oswaldo Barbosa e Nico Beki, uma cantora brasileira de coração.
André Rodrigues chegou a Montreal em 2007. Guitarrista clássico e acústico formado pela UNICAMP com mestrado e doutorado em música pela Universidade de Montreal, foi vencedor do prestigiado World Music Opus Prize oferecido pelo Conseil Québécois de la Musique na categoria concerto do ano 2012-2013 por seu recital solo “Choros and Waltzes from Brazil”. Hoje em dia, André viaja em turnê pelas Américas, Europa e Ásia.
Júlia Pessoa é uma cantora brasileira natural de Recife e que há vários anos mora em Montreal. Ela afirma que muitos músicos brasileiros fizeram cursos acadêmicos no Quebec, mestrado e mesmo bacharelado, o que é valorizado em Montreal. “A cidade não só acolhe como respeita essas pessoas”, mencionando o termo “rassembleur communautaire” que significa alguém que reúne a comunidade.
Um outro artista premiado é Rômmel Ribeiro que recebeu em 2010-2011 o primeiro “Prêmio Diversidade” concedido pelo Conseil des Arts de Montréal, o prêmio “Grande Revelação” pelo Festival Nuits d’Afrique em 2012-2013 e, ainda em 2012/2013, o “Prêmio Revelação do Ano” da Radio-Canada pelo álbum “Egológico”, com produção de Diogo Ramos. Diogo, aliás, também foi produtor da série de shows de Farine Biriba no Les Bobards, e que teve ainda a participação de Rômmel Ribeiro, Dan Gigon, Evandro Gracelli, Sacha Daoud e Mestre Vovô, além de convidados entre os músicos brasileiros e locais.
Para quem não conheceu, o bar Les Bobards, localizado na esquina do boulevard Saint-Laurent com a rua Marianne, em frente à Praça de Portugal, esteve na ativa durante 25 anos e suas noites de domingo eram dedicadas à música brasileira. Por ali se apresentaram artistas como Diogo de Almeida Ramos e Rômmel Ribeiro, Isaac Neto, Paulo Bottas, André Rodrigues, Jully Freitas, Júlia Pessoa e outros.
Muitos dos músicos brasileiros que vivem em Montreal de forma permanente ou temporária têm a carreira já estabelecida e com forte respaldo de público. Alguns têm carreira internacional, como é o caso de Lara Klaus, natural de Recife e que atua no Brasil, no Canadá, Suíça, Alemanha e em outros países. Gabriel Schwartz é natural de Curitiba e membro do Trio Quintina, um grupo com mais de quinze anos de trabalho e sete CD’s.
Rodrigo Simões teve seu álbum Brazilian Jazz entre os 5 me-lhores discos de jazz em Quebec em 2018 de acordo com a seleção feita pela Sorties Jazz Nights. Rodrigo, aliás, comanda uma série de shows de chorinho e de música brasileira chamada Clube do Choro de Montreal.
Cruzando fronteiras culturais Mas não são apenas músicos brasileiros que tocam música brasileira na bela província. Artistas locais, quebequenses de origem ou por adoção, tanto francófonos quanto anglófonos, costumam incluir canções brasileiras em seus espetáculos, muitas vezes, inclusive, em parceria com músicos vindos do Brasil. Artistas locais como Jessica Vigneault, Sacha Daoud, David Ryshpan e Daniel Bellegarde tornaram-se conhecidos em shows com músicos brasileiros em Montreal. Vox Sambou, membro fundador do coletivo de hip hop “Nomadic Massive”, trabalha em parceria com diversos artistas brasileiros em Montreal, com destaque para a presença de Rael da Rima durante o festival Afro-Latin Soul em 2010.
O grupo Forrótimo era formado por Nico Beki, Daniel Bellegarde, Fabrice Laurent e Rodrigo Salazar, mas eles tinham vários músicos convidados, como Isaac Neto, Batone Neto e João Linhares que, segundo Júlia Pessoa, “toca trompete e é respeitado no Brasil, vive indo e vindo para Montreal e já fez turnê com Roberto Carlos”

Júlia Pessoa, Silvio Caldadeiro ao fundo e Oswaldo Barbosa no violão (foto: Júlia Pessoa).

Júlia Pessoa, Jully Freitas e Rodrigo Salazar, logo atrás estão Willian Chan, Daniel Bellegarde (no fundo) e Mestre Vovô Saramandá (foto : Júlia Pessoa).
Em 2012 surgiu o Tupi Collective, com Marcus Freitas e Wallace Roza respectivamente como Dj Mks e Dj Skambo. Eles se apresentaram no Festival Les Weekends du Monde em 2013 e no Festival Nuit Blanche em 2014, além de terem feito trabalhos com artistas como Nomadic Massive (Vox Sambou), Dj Andy Williams, Nego Moçambique, Rômmel Ribeiro, Dj Lexis, Dj Kobal, Canicule Tropicale, Vovô Saramandá, Diogo Ramos, Dj Jonathan Kim, João Lenhari e muitos outros.
Um nome que surgiu recentemente em Montreal é Thiago Di Luca, compositor e educador
musical. Thiago promove festas de forró como a “Fête Brésilienne de Montréal” e também o “Forró na rua”, além de continuar trabalhando com o ensino de música para crianças e de dança e percussão para adultos.
Novas iniciativas
Em 2015, surgiu o Coro Cênico Brasileiro, que usa cenários, figurinos e chega a contar com mais de trinta vozes, o que faz com que os espetáculos fiquem sempre mais envolventes. As produções do Coro contam com a criação e a direção artística de Taia Goedert e a direção musical de Auro Moura. Ambos também trabalham com outro projeto musical: um programa de ensino da língua portuguesa para crianças de famílias brasileiras chamado “Les Brasileirinhos”.
Já em 2019 surgiu um outro coral também especializado em música brasileira, o Alegríssimo, que atua sem fins lucrativos e foi fundado por Eliana Saia e outros. Formado por cantores e cantoras voluntários, o Alegríssimo se apresenta em ONGs que cuidam de pessoas em situação de vulnerabilidade, muitas vezes sendo crianças e idosos.
O grupo Maracatu Raio de Ouro é um coletivo de música conhecido pelas suas performances com percussão brasileira. Participou do festival Falla Saint-Michel em 2022 organizado nas instalações da ToHu, famosa instituição especializada em circo contemporâ-
neo. Já o grupo Terrato foi fundado em 2008 por Joe Mephisto e pode ser definido como um grupo de percussão brasileira no estilo Olodum e Timbalada. Desde 2015 Cesar Rezer, que por duas vezes seguidas foi jurado do maior prêmio da música canadense, o Juno Awards, em suas versões 2021 e 2022, é o cantor oficial do Terrato.
A capoeira e o carnaval
A música faz parte do universo da capoeira, e por isso, diz Júlia Pessoa, “é até natural que a promoção da música brasileira também seja feita por grupos ligados à capoeira”. E foi assim mesmo quando, no início dos anos 2000, surgiu o grupo Balako do Samba que, entre 2006 e 2012, foi o responsável pela festa brasileira mais popular em Montreal que acontecia no sábado de carnaval e era chamada de Rio 40 Graus.
O grupo amador Afro-Malungos foi criado em 2008 por Wilson Xavier, também conhecido como Mestre Cascavel, responsável pelo grupo Abadá Capoeira em Montreal. A primeira apresentação deles aconteceu no Festival Gourmand de Montréal, no Parque Jean Drapeau, começando com um bloco de batucada tipo samba-reggae. Logo depois, Akawi Riquelme foi chamado para participar dos shows e o Afro-Malungos fez então participações nas três primeiras edições do “Carnaval d’été brésilien” e, em 2010, esteve presente também no Afro-Latin Soul Part 4 quando Rael da Rima se apresentou neste festi-


Ulysses di Paula, Dudu Nobre (centro) e Vanessa Gurjão (foto: Une Images).
val ao lado de Vox Sambou no Les Bobards, que era um dos palcos do festival.
Wilson Xavier diz que o público canadense, especialmente o quebequense, gosta muito tanto da música quanto do gingado da arte marcial brasileira e que, por isso, os grupos de capoeira trabalham bastante com a comunidade francófona. O mesmo acontece com os latino-americanos. Segundo ele, nas festas promovidas pelos capoeiristas é comum encontrar mais latinos que brasileiros. “Talvez seja a realidade mais antiga, quem sabe seja diferente com os novos eventos”, diz Wilson.
Do samba ao funk carioca
As musas do carnaval são uma imagem popular em Montreal, seja em eventos corporativos ou culturais. Um grupo em atividade há muitos anos é a Quebra Entertain-
ment, empresa fundada por Rose Santos, que hoje já extrapolou a temática do carnaval, fazendo shows com figurinos variados e muito criativos, e sempre em grupo.
O grupo Gafieira de Montreal, liderado por Marcos Brasil, existe pelo menos desde 2007, e oferece às pessoas um ambiente para dançar ao som de música brasileira, tal como se faz com salsa e tango, atraindo não só brasileiros, mas também pessoas de outras culturas.
Uma iniciativa que também vem desde 2007 é o grupo Levanta Poeira, organizado pela coreógrafa Raquel Bastazin, e que conta com a participação de suas alunas em cursos de samba e de outras danças brasileiras. O grupo se identifica como centro cultural e oferece aulas de samba, pagode, carnaval e funk carioca, além de fazer apresentações em diversos eventos culturais brasileiros.
Em setembro de 2022 surgiu um outro grupo de dança chamado Rabaterapia, que organiza eventos com música pop brasileira, com apelo junto às mulheres e também ao público LGBTQIA+. Participaram desses eventos a DJ Thatz, a DJ Tati Garrafa e o DJ Henrique Viana. Falando em público LGBTQIA+, no verão de 2022 Pabllo Vittar participou da programação da Fierté Montréal e deve voltar à cidade no mês de setembro. Aliás, Valesca Popozuda deve trazer seu funk carioca para Montreal no mês de julho deste ano.
Festivais com música brasileira
O Festival Lusarts foi uma série anual de eventos artísticos ligados à cultura dos países lusófonos promovidos entre 2006 e 2013, e incluía shows com música ao vivo, workshops de dança, produções de teatro, exposições de fotografia, pintura e gravura, não só com artistas brasileiros, mas também portugueses, angolanos, além de músicos locais que gostam da música brasileira e se apresentam com brasileiros.
Entre 2013 e 2018, um “Carnaval d’été brésilien” foi incluído na programação do Festival Les Weekends du Monde no Parc JeanDrapeau. Era um festival de quatro dias que reunia diferentes tipos de eventos, como as celebrações pelo dia da Jamaica, o dia da Colômbia, além do carnaval brasileiro.
O Festival Sambakana de Montréal é um evento que teve sua primeira edição no final do ano de 2013 e que ainda hoje acontece, celebrando a dança e a música brasileiras. O grupo responsável pelo Sambakana oferece cursos de dança e shows ao longo do ano e, durante o festival propriamente dito, reúne artistas do Canadá, Estados Unidos, Brasil e Europa. Pela sua perenidade e pela participação popular, podemos afirmar que suas atividades representam uma importante força cultural, trazendo a música brasileira para o público montrealense. Mas ele não é o único. Festivais como Nuits d’Afrique e casas noturnas como Club Ballatou,
La Casona, entre outros, também oferecem espetáculos com música e artistas brasileiros.
O mercado do entretenimento
Neste ano, o Quebec está recebendo alguns grandes nomes da música brasileira. Yamandu Costa fez uma apresentação no Teatro Granada, em Sherbrooke, no dia 19 de maio. Marisa Monte tem show marcado nos dias 4 e 5 de julho no Festival de Jazz de Montreal – os ingressos se esgotaram no primeiro dia de vendas e por isso foi aberta uma segunda data. Zeca Pagodinho estará no Teatro Olympia em Montreal no dia 31 de maio em uma produção da Showzaço, uma agência especializada em produções artísticas com sede em Toronto e liderada por Ulysses de Paula.
Ulysses mora no Canadá desde 2018 e já trouxe Alceu Valença e Fundo de Quintal, Monobloco e Dudu Nobre para shows em Toronto e, no dia 30 de junho, fará o mesmo com Jorge Aragão. Segundo Ulysses, os artistas brasileiros costumam vir para os Estados Unidos, mas não incluem o Canadá em suas turnês. A ideia do empresário é colocar Toronto, Montreal e Vancouver na rota dessas turnês.
Ulysses já trabalhou com parceiros em Montreal como o Sambakana, Raquel Bastazin, Diogo Ramos e Rômmel Ribeiro. Ele diz que apesar de “não ser fácil trabalhar com cultura, seja em Toronto ou Montreal, em ambas as cidades o mercado está em expansão e a
comunidade brasileira cresceu e tem crescido muito nos últimos anos”. Ele já vem investindo nisso com o seu projeto “Terreiro do Samba” produzido em Toronto, Ottawa e Montreal desde 2019. A ideia desses eventos é mostrar a cultura do samba carioca com a realização de uma roda de samba no meio do salão com o público ao redor. Dessa maneira, acrescenta Ulysses, ocorre “um maior engajamento do público”.
Por fim, gostaríamos de dizer que o que narramos aqui não é mais que um resumo muito breve da história da música brasileira no Quebec, especialmente em Montreal. Com certeza mais nomes poderiam ter sido mencionados, pois são muitos músicos brasileiros e quebequenses que amam a nossa música. O Brasil é conhecido pelo futebol, pelo carnaval, pelas novelas e, com certeza, pela sua música também. Por este motivo os músicos da nossa comunidade representam a cultura brasileira, ajudando a enriquecer o patrimônio cultural de Montreal.