Livro desafios

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Ao propor a discussão da relação entre Memória e Prática Docente, Vani Kenski (s/d), aponta que “um dos objetivos fundamentais desses estudos está na reflexão individual ou coletiva sobre as influências deixadas pelas vivências marcantes do passado sobre a prática pedagógica dos professores” (p.103). Pautando-se em pesquisas anteriores, próprias e de outros pesquisadores da área, a autora afirma que:

...os professores criam formas personalizadas de atuar em sala de aula, não apenas baseadas no conhecimento do conteúdo da disciplina e da metodologia de ensino específica, mas também de acordo com as vivências que tiveram e que são recuperadas com a ajuda da situação de ensino em que se encontram.” - Kenski, s/d, p.104 -

Alunos que se preparam para suas primeiras experiências docentes encontram-se, também, às voltas com os conhecimentos que foram e estão sendo apreendidos em diálogo, e em conflito, com a ação educativa a ser construída e colocada em prática. Encontram-se, portanto, na eminência de se tornarem professores e ávidos por subsídios que os auxiliem na conquista dessa tarefa. Nesse caso, o trabalho com a memória, mais especificamente, a rememoração de experiências vividas como estudantes em diferentes níveis de escolarização, aparece como uma forma de subsidiar uma prática reflexiva e pessoal, pautada em experiências reais - individuais ou coletivas. Experiências, talvez, esquecidas em meio a tantas outras, mas que retornam com força impulsionadas pelo ato de rememorar em consonância com a necessidade de construir algo novo e importante, algo de muita responsabilidade, que amedronta ao mesmo tempo em que os coloca em movimento, os faz refletir, fazer escolhas, reafirmar convicções e procurar maneiras de dar forma a elas. Em uma outra carta encontramos as convicções de uma aluna, descritas com bastante propriedade. Ela mostra o caminho que quer trilhar como educadora de uma forma clara e precisa, mas pede por recursos: Gostaria de saber como propiciar um momento de descoberta que fosse realmente significativo a cada uma das pessoas com quem eu puder trabalhar. Saber como fazer para que estas pessoas acessem algo dentro delas que lhes mova a realizar o que precisam. Como fazer para que se percebam como seres únicos que são e como criadores? Como lhes mostrar que precisam só de um pouco de coragem para que assumam e descubram quem realmente são? Essa aluna não escolheu uma professora e sim uma médica com quem vivenciou, por dez anos, uma prática de meditação. Ela fala da experiência com sua mestra e elege a lucidez como uma de suas principais características. Parece-nos interessante destacar que não é apenas o conteúdo ensinado que move a escolha do mestre, mas também a sua conduta. Inclusive, a sua conduta em relação ao conteúdo ensinado, como podemos ver no trecho de uma carta já citada: Me lembrei de você, porque você foi um dos professores que tive, que mais me marcou pelo seu carinho com o assunto ensinado. Mais do que possuir memória, somos capazes de reconstruir memórias. Reconstruções realizadas com a participação do que somos e do que vivemos no presente, pois, o passado nos chega trazido pelas mãos do presente e já ressignificado por ele: “A memória aparece como tessitura, a representar não a vida como ela foi, mas como se apresenta na lembrança” (Pesavento, 2002, p.27)15 E, é justamente, a

15 A autora, neste trecho do seu texto, faz uma citação indireta à: BENJAMIN, Walter. A imagem de Proust. IN: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, São Paulo, Brasiliense, 1986, v.1. 77


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