Relatório sobre a conferencia internacional sobre investigações em ataxias realizada no reino unido

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Relatório sobre a Conferencia Internacional sobre Investigações em Ataxias realizada no Reino Unido em Março de 2015

Generosa contribuição de Mary Kearney, do grupo BabelFAmily Tradução livre de Amália Maranhão

Tive a sorte de poder participar da recente Conferência de Londres sobre Ataxias. Fiz um resumo dos tópicos sobre ataxia de Friedreich que achei interessantes para nossa comunidade. Juan Carlos pode-me corrigir, se necessário. Havia uma atmosfera em que todos queriam aprender e compartilhar.

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Esta conferência internacional foi organizada por quatro organizações de pacientes: Ataxia UK (Reino Unido), Irlanda Ataxia, FARA (EUA) e Go FAR (petição para a investigação na ataxia de Friedreich).

Outras organizações de ataxia, tais como FARA (Austrália), FARA (Irlanda), Federacion de Ataxias de España (Espanha) e National Ataxia Foundation (EUA), também se associaram ao evento.

A conferência contou com apresentações sobre todas as ataxias. Devido aos fatos abaixo, - a maioria dos neurologistas está a acompanhar todos os tipos de ataxia; duas das quatro associações de pacientes que financiaram essa conferência abrangem todos os tipos de ataxia; e a existência de algum cruzamento entre ataxias - foi muito proveitoso, tanto em termos de bom uso do tempo como de conhecimento, cobrir todas as ataxias na conferência. Este relatório tem como objetivo informar as pessoas com ataxia de Friedreich (FA) sobre os mais recentes desenvolvimentos nesse campo.

* Novos genes e progresso no diagnóstico de ataxias *

Esta é uma área que os “fredericos” podem considerar não relacionada a eles. No entanto, todos nós sabemos de pessoas que foram erroneamente diagnosticadas, às vezes com consequências desastrosas. Confusão entre FA, carência de Vitamina E e deficiência de CO-Q10me vem à mente. No entanto, a FA não é sempre de fácil diagnóstico e uma apresentação (UCL Londres Brown S 2014) sobre este tema mostrou que mesmo que tenha sintomas atípicos há probabilidade de que seja FA. De cada 2.000 pessoas com sintomas da SCA (ataxia espinocerebelosa), 4 tem diagnóstico de FA confirmado, 11 são portadores, e 25 ainda estão sob investigação. Embora esse número pareça muito pequeno, elas são importantes do ponto de vista da genética de cada família. Apresentações sobre diversas ataxias recessivas e dominantes mostrou a prevalência de diferentes ataxias ao redor do mundo, alem da constatação de manifestação rara de FA na Finlândia e na África do Sul.

* Mecanismos genéticos e moleculares das ataxias *

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Essa sessão se concentrou em como o gene doente e ampliado em FA afetou outras áreas do gene. Houve apresentações de EUA, Reino Unido, Austrália, alem de apresentações especificas sobre SCA da Alemanha e Portugal. Foi uma enorme troca de ideias.

O Dr Arnie Koeppen falou da remodelação cardíaca que acontece em FA. Embora seja especialista em espécimes post-mortem, ele acha que anormalidades no coração podem começar antes mesmo de uma pessoa desenvolver os sintomas da FA. Ele também acha que inflamação está envolvida na patologia do coração dos portadores de FA. Ressaltou também que o acúmulo de ferro no coração de um paciente de FA é muito diferente do acúmulo de ferro no coração de um portador de hemocromatose, doença de armazenamento de ferro. Ele gostaria muito de receber mais amostras de tecidos cardíacos post-mortem e outros detalhes clínicos, incluindo exames recentes de ressonância magnética de comunidade FA e de todas as outras ataxias também. Em relação aos portadores de ataxia esporádica, ele opinou que uma quantidade considerável deles poderia ter atrofia de sistemas múltiplos (MSA).

* Modelos celulares e de animais na ataxia de Friedreich *

Os modelos celulares e de animais de FA foram discutidos durante uma tarde inteira com uma sessão separada para FA e SCA. Tem sido difícil reproduzir em cobaias a patologia exata da FA e, por isso, a FARA fez um acordo com a Universidade de Jackson (EUA) para disponibilizar nove diferentes modelos de cobaias. Tem sido possível desenvolver cobaias com anormalidades sensoriais tipicas de FA e escoliose. Atualmente, outros modelos celulares novos incluem neurônios derivados de células estaminais pluripotentes induzidas (IPSC), grandes neurônios sensoriais, leveduras e moscas.

* Vias celulares e sistêmicas *

Vias celulares e sistêmicos focadas na SCA3. Houve uma sessão da manhã focada na FA e em ataxias espinocerebelosas (SCA). O investigador Javier Diaz-Nido descreveu o seu trabalho com modelos de células como neurónios a partir de células estaminais da mucosa olfativa de pessoas com FA, o qual mostrou proteínas relacionadas ao reparo do ADN bem como um aumento dos 3


marcadores inflamatórios. Ambos estariam envolvidos na fisiopatologia da FA. Foram discutidos os efeitos que a deficiência de frataxina provoca no coração e no gânglio da raiz dorsal.

* A descoberta de medicamentos e estratégias terapêuticas emergentes*

A parte inicial desse debate foi dominada por apresentações das empresas farmacêuticas. A Repligen começou a sessão falando sobre inibidores de histona deacetilase (HDACi). Duas novas drogas foram identificadas e mais testes precisam ser feitos para ver se não produzem efeitos colaterais tóxicos. A Bioblast Pharma disse que a sua nova droga BB-FA (9CS TAT-MTS) Frataxin) tem potencial promissor como um substituto para a FA. A Rana Therapeutics informou sobre o desenvolvimento de uma estratégia para controlar genes a partir de regiões finais de mARN.

O Dr Kevin Kemp, da Universidade de Bristol, Reino Unido, nos contou sobre as suas experiências com mobilizações de células estaminais da medula óssea e fatores de células estaminais que mostraram fortes propriedades neuroprotetoras e ativaram vias de sobrevivência celular em neurônios maduros e células derivadas de pessoas com FA.

O laboratório Dr Roberto Testi, Roma, Itália, está a tentar aumentar os níveis de frataxina com a prevenção da degradação usando um novo composto, a frataxina 3 ligase, que também aumenta a frataxina nas células. Uma outra apresentação de seu laboratório mostrou-nos que o inibidor Src aumenta a expressão de frataxina em células deficientes de pacientes com FA.

O Dr. Tremblay, Canadá, mostrou o seu trabalho com a terapia genética de injeção do vetor AAV9 no abdómen em 5-9 dias e 21 dias depois, mas os sintomas reapareceram 15-20 dias depois. O vetor melhorou o coração tal como medido pelo volume de batidas. O hFXN foi detetado no músculo, fígado, coração, rim e em quantidade muito pequena no cérebro. Em essência, ele comprovou os dados produzidos pela Dra. H Puccio, de Estrasburgo, na sua investigação de terapia genética em ratos e seus corações.

* Biomarcadores e medidas funcionais * 4


A FARA (EUA) produziu ideias nesta área a partir de uma reunião de colaboração, que incluiu académicos, médicos e empresas interessadas no desenvolvimento de drogas para FA. Os biomarcadores potenciais incluem:

• proteína Frataxina e mARN (especificamente nos tecidos afetados, a proteína é geralmente considerada mais informativa).

• compostos metabólicos (medem indiretamente a atividade da frataxina).

• estudos de ressonância magnética cardíaca ou outras investigações olhando aspetos cardíacos da FA.

• exames de ressonância magnética estrutural para monitorizar alterações neurológicas.

• medições da marcha para observar alterações funcionais.

• estudos de audição, fala e visão

Uma opinião que tivemos nesta área foi a do Dr. David Lynch, da Universidade da Pennsylvania (EUA), para quem deve-se usar o biomarcador mais adequado para cada população. Um australiano na clínica do Dr. Martin Delatycki concluiu que a fala foi a única coisa que mudou em um ano de extensos exames neurológicos. O Dr. Ian Harding, psicólogo de Melbourne, Austrália, fez alguns testes extensivos sobre a integridade da atividade cerebral e conectividade com os sistemas cerebrais e cerebeloso-hipotálamo. Ele não encontrou evidência de patologia cerebelosa e cerebral quando conceituações complexas foram testadas.

Estudos de imagens neurológicas foram feitos pelo Dr. Pierre-Gilles, Minnesota, EUA, e Dr. Vavla, Pádua, Itália, e os resultados foram bastante semelhantes. Ambos mostraram que um protocolo MRI abrangente identifica 5


de forma consistente pacientes com FA dos controles com diferenças significativas quando exames de ressonância magnética foram repetidos anualmente. Nessa seção, o Dr. Mark Payne, Indiana, EUA, deu um depoimento emocionado quando falou sobre os telefonemas que recebe de parentes angustiados de pacientes com FA submetidos a cirurgias. Ele citou alguns dos problemas que podem surgir em cirurgia:

• NPO (nada pela boca)

• Falta de glucose nas aplicações intravenosas durante a cirurgia

• BP (perfusão cardíaca) reduzida durante a cirurgia e o fato de os “fredericos” terem perfusão limitada piora a situação

A sua palestra abordou a oxidação de graxos em corações de portadores de FA. Em geral o coração usa gordura mas também pode usar glucose, se necessário. A investigação dele mostrou que os pacientes com FA têm dificuldade em usar ácidos graxos para gerar energia no coração. Analises de biomarcadores feitas anteriormente sugerem que os biomarcadores de inflamações e ácidos graxos aumentam, o que indica que os corações dos “fredericos” respondem de forma fraca a stress fisiológico (cirurgia ou inflamação no peito) e, consequentemente, exigem apoio metabólico adicional para garantir o suprimento de glucose.

Garantir perfusão cardíaca adequada (BP)

Monitorização para evitar comprometimento cardíaco (ex.troponina)

O Dr. Schulz nos falou sobre o que a comunidade europeia aprendeu a partir dos seis milhões de euros recebidos da União Europeia via programa de pesquisa EFACTS. Os maiores centros encontram-se em Londres (Reino Unido) e Milão (Itália). Há quase 600 pacientes inscritos. A comunidade classificou o inicio da manifestação da doença da forma abaixo: 6


a) cedo <14 anos b) intermediários, 15 ate 25 anos c) tarde, >25 anos.

(Os australianos classificaram a manifestação da doença em idades mais baixas). A idade de início e progressão da doença está relacionada a um maior número de repetições, mas a repetição de GAAs representa apenas 36% da variabilidade da idade de aparecimento.

A escala de classificação ataxia SARA foi usada e bem comparada com as informações dos pacientes sobre qualidade de vida. De passagem, o Dr. Schulz disse que 27% dos pacientes estavam com idebenona (ele não deu dosagem) mas não mostraram nenhuma melhora em relação as pessoas que não tomavam antioxidante.

A apresentação final sobre esse tópico coube ao Dr. Martin Delatycki, que abordou o teste pré-sintomático de menores. Isso é algo que, eu suspeito, todos na comunidade de FAPG tem uma opinião a respeito. Ele prepara um questionário que espera enviar aos irmãos de FAers. Essa questão também foi abordada em outra sessão pelo Dr. Muthuswarmy, Nova Deli, Índia.

*Testes clínicos e sua concepção* O Dr. Festenstein, Londres, Reino Unido, abriu a discussão explicando a ciência por trás do recente ensaio clinico de oito semanas com HDCAi, nicotinamida e sobre a segurança do uso em FA. Ele explicou que o medicamento pode causar náuseas, mas acrescentou que isso não é grave o suficiente para que as pessoas parem de tomá-lo. Eles usaram o biomarcador para frataxina mARN frataxin e observaram melhoras. Há planos bastante avançados para um teste clínico de acompanhamento em nicotinamida.

O Prof. Pandolfo continuou a sessão e discutiu ideias gerais sobre a qualidade dos testes clínicos e, em particular, a necessidade de indicação clara e um bom trabalho de base antes de iniciar um ensaio clínico. Ele enfatizou que ensaios clínicos randomizados (RCT) são padrão ouro em pesquisa e prestou 7


homenagem ao Dr Mariotti, Milão, Itália, como um líder a frente de seu tempo na execução de um estudo randomizado controlado antes mesmo de a idebenona se tornar popular em 2002.

O professor Pandolfo apresentou, em seguida, o Dr. Pavel Balabanov, um neurologista que atualmente trabalha a para EMEA (European Medicines Agency). Em seu discurso de abertura, o Dr. Pavel elogiou o trabalho do Dr Festentein, acrescentando que esta era exatamente a base necessária antes de solicitar pedido de aprovação do EMEA. Ele disse que apesar de haver um custo inicial na solicitação de uma licença, eles foram reduzidos consideravelmente para os medicamentos órfãos e mais ainda para pequenas empresas ou departamentos universitários. Ele aconselhou todos os interessados no desenvolvimento de medicamentos a se registrar com antecedência ou até mesmo procurar o conselho de EMEA. Dada a composição internacional da audiência, ele chegou a dizer que seria aconselhável aos interessados se registrar simultaneamente para a FDA e EMEA. Há também ligação considerável entre EMEA e EURORDIS, a organização europeia para as doenças raras .

A empresa farmacêutica Retrotope informou sobre seu próximo trabalho, de uso de ácidos graxos polissaturados estabilizados em FA. Eles planeiam começar em breve um teste clinico fase 1b / 2a de seis meses em 33 pessoas com FA. Infelizmente eu tive que sair quando a Reata Pharmaceuticals falou do seu estudo com RTC que estudará 16 pessoas ao longo de um período de 12 semanas. Acredito que houve mudanças consideráveis no gráfico do pipeline de pesquisas da FARA, o qual mostra isso em detalhe.

*Observações gerais*

A escala desta conferência não pode ser subestimada quando se considera que a primeira conferência internacional aconteceu na Filadélfia (EUA), em 2003, com apenas 50 delegados. Houve bastante divulgação junto aos médicos e cientistas. Desta vez 300 pessoas se inscreveram e pagaram pelo privilégio de participar. No curso da conferência houve vários novos pedidos de participação de médicos e cientistas. Os nossos colegas farmacêuticos estavam lá em número significativo. Alguns eram das empresas farmacêuticas já envolvidas no tratamento de FA. Como um representante afirmou, a FA é uma doença de longo prazo. Se houver um 8


tratamento que requeira que as pessoas tomem medicação ao longo da vida, há um benefício para eles. Há também vantagens para as empresas olharem para as pesquisas nesta área e verem se podem aplica-las em outros campos. O debate sobre a necessidade de ensaios clínicos duplo-cego randomizado (RCT) registrou a posição contraria de algumas das empresas farmacêuticas. A orientação para o tratamento e gestão da FA estão no site FARA.

fonte: https://www.facebook.com/groups/52801039038/permalink/1015299498167903 9/

Fonte:

http://faataxia.blogspot.pt/2015/04/relatorio-sobre-conferencia.html

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