Conduta fisioterapêutica na ataxia cerebelar

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Conduta fisioterapêutica na ataxia cerebelar Por NovaFisio | 0 comentários. Artigos Científicos Estudo de caso Ana Cláudia Oliveira da Fonseca , Lisiane da Silva Clemente . lisyanny@yahoo.com.br RESUMO Este relato de caso tem como objetivo descrever a evolução fisioterapêutica de uma paciente portador de ataxia espinocerebelar que apresentava, em sua avaliação inicial, problemas na marcha e na transferência de postura,déficit de equilíbrio , incoordenação motora e outras disfunções características da ataxia. A intervenção da fisioterapia proporcionou uma melhora importante no equilíbrio e na coordenação motora,porem por se tratar de um distúrbio degenerativo, o paciente precisa dar seqüência a fisioterapia. Palavras-chave: ataxia, avaliação e Fisioterapia. INTRODUÇÃO A ataxia é essencialmente um distúrbio que afeta o controle postural e a coordenação dos movimentos das múltiplas articulações (De Souza, 1990). De acordo com Sanvito (2000),a ataxia compreende os movimentos voluntários,com força normal,não associados a hipertonia,que são irregulares e imprecisos. O paciente está a par do distúrbio de movimento e adota estratégias compensatórias para realizar as funções (Gordon,1990).Há três tipos de ataxia: sensorial,labiríntica (vestibular) e cerebelar.A ataxia pode ser classificada em dois grupos: as adquiridas, que são aquelas causadas por problemas ao longo da vida como tumor no cerebelo ou AVE.Um outro grupo é das ataxias hereditárias ou espinocerebelares ,nesse caso ocorre alteração genética que leva a morte precoce dos neurônios,porém as manifestações podem começar a surgir no fim da infância,adolescência ou idade adulta.Já foram diagnosticados pelo menos 20 tipos diferentes de alterações genéticas. Para melhor entender o quadro da ataxia cerebelar faz-se necessário compreender o cerebelo, o qual possui duas funções principais: a comparação do movimento em curso com o movimento pretendido, e a correção do movimento quando necessária. Essa informação é levada ao cerebelo por meio de vias colaterais das fibras córtico-espinhais, que fazem sinapses na ponte com neurônios que se projetam para o cerebelo. A informação proprioceptiva e a informação sobre a atividade dos interneurônios medulares são transmitidas por meio dos tratos espinocerebelares. Trata-se das vias de alta fidelidade e os tratos de feedback interno. As vias espinocerebelar posterior e cúneo cerebelar compreendem as vias de alta fidelidade e dão informações sobre a atividade dos receptores musculares tendinosos e articulações dos neurônios periféricos. Já as vias de feedback interno monitoram a atividade dos interneurônios medulares e dos sinais motores descendentes


originados no córtex cerebral e no tronco encefálico. São os tratos espinocerebelar anterior ( medula espinhal tóracolombar) e o trato rostroespinocerebelar (medula espinhal cervical para o cerebelo ipsilateral). Segundo Edwards, 1999, os sintomas relacionados com a ataxia cerebelar incluem: Dismetria: Refere-se à imprecisão em alcançar uma posição de extremidade final (hipermetria = atingir acima do alvo; hipometria = atingir abaixo do alvo). Isso é nitidamente demonstrado pelo paciente que tenta realizar o teste de dedo no nariz. Tremor: Pode ser cinético, que é a oscilação durante o curso do movimento; tremor de intenção, que é o aumento do tremor em direção ao fim do movimento; ou ainda, tremor postural, que ocorre quando se segura um membro numa determinada posição. -Dissinergia e incoordenação visuomotora: a dissinergia é a incoordenação do movimento envolvendo múltiplas articulações. O cerebelo está envolvido na programação inicial,e progressão do controle dos movimentos das múltiplas articulações,voltado para os objetivos gerais. -Disdiadococinesia: é uma incapacidade para desempenhar movimentos alternados rapidamente, tais como batidas (leves) alternadas com a palma da mão para cima e para baixo. O ritmo é fraco, e a força de cada batida é variável. -Decomposição do movimento: uma pessoa com uma lesão cerebelar pode realizar um movimento em uma seqüência distinta de passos o invés de um padrão de movimento homogêneo. O cerebelo funcionaria para dar seqüência e cadenciar movimentos simples em um ato homogêneo e complexo.Na ausência dessa função,o movimento torna-se separado em componentes individuais (Nitrini,2006). -Fala: a fala na lesão cerebelar não altera na gramática ou na seleção das palavras, mas a qualidade melódica da fala é mudada, sendo chamada de disartria. As palavras ou silabas são pronunciadas lentamente,os acentos são mal colocados,e as pausas podem ser inapropriadamente curtas ou longas.A voz pode tornar-se sem variações do volume,tom,pode ficar tremeluza,anasalada ou muito atenuada (Umphred,1994). -Postura e marcha: as anormalidades da marcha com ataxia cerebelar incluem a dificuldade com a localização precisa dos pés, que geralmente estão muito separados. A dismetria é comum, mas a elevação da perna não é ta exagerada como na ataxia sensorial (Edwards, 1999). MATERIAIS E MÉTODOS Para a realização deste estudo de caso contamos com a participação de um paciente do sexo masculino com diagnostico clinico de ataxia espinocerebelar G11. Foi realizada avaliação neurológica seguindo os seguintes parâmetros: Anamnese, exame físico, inspeção, palpação, alterações neurovegetativas, avaliação postural, integridade dos nervos cranianos, avaliação do tônus muscular, ADM (passiva e ativa) e força muscular; alterações troficas, avaliação sensorial (superficial e profunda), reflexos, coordenação; equilíbrio estático e dinâmico e deambulação. Todo o acompanhamento foi realizado na Clinica escola de Fisioterapia da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul. Para coleta de dados e tratamento, foram utilizados os seguintes instrumentos: goniômetro, fita métrica, algodão, lixa, martelo de reflexo, alfinete, rampa-


escada, barras paralelas, bicicleta ergométrica, escada, bola terapêutica, bastão, colchonete, tatame, espaldar, cama elástica. As sessões foram realizadas duas vezes por semana com duração media de 40 minutos,durante o período de três meses. Após esse período o paciente foi reavaliado. RELATO DO CASO A.N.M.P, sexo masculino, 49 anos, casado, segundo informações fornecidos por ele, aposentado, natural de Nova Prata/RS e residente Florianópolis no bairro do Abraão. Faz uso de medicação:Revortil e ametiprilina.Paciente calmo,bem orientado quanto á pessoa,espaço e tempo. Relatou estar fazendo acompanhamento com a Psicologia e Naturologia Aplicada. No momento da avaliação fisioterapeutica paciente encontrava-se lúcido, orientado e coerente (LOC), em bom estado geral (BEG), a pele apresentava escoriações que segundo relato do paciente era devido às quedas. Chegou deambulando com auxilio de muleta canadense unilateral e sem acompanhante. Apresentava alterações na fala devido à presença de disartria. As amplitudes de movimentos (ADM’s) e força muscular diminuída e tônus muscular relativamente aumentado, onde segundo a escala de Ashworth modificada variou entre 1 e 1+ nos movimentos de flexão e extensão de MMSS. O paciente negativou todas as manobras deficitárias realizadas (Manobra dos braços estendidos, Manobra de mingazzini, Manobra de Barre e prova da queda do membro inferior em abdução); e apresentava normorreflexia no MSE e hiporreflexia no MSD. O paciente apresentou dismetria na realização dos testes de coordenação index-nariz, prono-supinção e calcanhar-joelho (realizado somente na postura sentada). Quanto ao equilíbrio, na postura sentada não mantém a cabeça na linha média; possui oscilação de tronco antero-posterior e latero-lateral. Segundo a escala de equilíbrio de O’Sullivan, (Schimitz, 2004), seu desempenho foi de 1 e 2. A marcha é do tipo embriosa, com base larga, os pés arrastavam no solo durante a passada, e uso inadequado do dispositivo auxiliar; deslocava-se em bloco sem dissociação de cinturas. A queixa principal do paciente em relação à sua funcionalidade eram os tremores e espasticidade de MMSS que dificultavam a realização das AVD’s como pentear-se, barbear-se e de se alimentar. O paciente classificouse como independente segundo o índice de Barthel com pontuação 90, pois de acordo com MAHONEY & BARTHEL, 1965, os pacientes com pontuação abaixo de 70 necessitam de supervisão ou assistência para a maioria das AVD’s. O tratamento fisioterapêutico escolhido foi a Cinesioterapia cujos objetivos foram: Ganho de equilíbrio, ganho de ADM em MMSS, estimular as reações de balance, melhorar a coordenação motora e motricidade fina, treinar transferências e mudanças de posturas, treino de marcha e melhorar desempenho nas AVD’s. As condutas escolhidas foram: alongamento passivo e ativo, exercícios ativo livre e ativo resistido para MMSS e MMII; FNP – facilitação neuromuscular proprioceptiva, mudanças de postura, exercícios ativos para as mãos (preensão e pinça), bicicleta estacionária, exercícios com uso da bola suíça e marcha nas barras paralelas com e sem obstáculos, e marcha sem auxílio. DISCUSSÃO


Após a realização de exame físico do paciente,o fisioterapeuta deve ser capaz de identificar o diagnóstico de suas limitações funcionais ou incapacidades e/ou de suas deficiências e com base nessas informações é estabelecido o plano de tratamento Os objetivos do tratamento da ataxia cerebelar resumem-se em nivelar as relações de propriocepção, cinestesia e equilíbrio através de exercícios que trabalhem dissociação de cintura, precisão de movimentos, manutenção e transferências de posturas e a marcha, proporcionando ao paciente a capacidade de realizar suas AVD’s e obter uma melhor qualidade de vida. Na ataxia cerebelar tanto o equilíbrio estático (manter uma posição) como o dinâmico (marcha) estão comprometidos, e dessa forma, faz-se necessário que o fisioterapeuta esteja certo da lesão, no que se diz respeito aos componentes envolvidos no equilíbrio do paciente, ou seja, organização sensorial, a visão e o sistema vestibular. Com base na avaliação subjetiva e objetiva do paciente, bem como nos exames complementares, o fisioterapeuta pode chegar a um diagnóstico funcional que proporcione a elaboração de estratégias eficazes para manter o equilíbrio e, portanto promover a realização das AVD’s normalmente. Segundo EDWARDS (1999), muitas estratégias foram desenvolvidas no tratamento da ataxia. Referem-se mais a apresentação do tipo cerebelar, inclui o uso de pesos, direção/resistência manuais, estabilização rítmica, andar a cavalo e a bola de ginástica. As metas do exercício terapêutico (cinesioterapia) são prevenir a disfunção e promover o desenvolvimento, melhorar, restaurar ou manter a força, resistência á fadiga e preparo cardiovascular, mobilidade e flexibilidade, estabilidade, relaxamento, coordenação, equilíbrio e habilidades funcionais. Pois a fraqueza muscular, os déficits proprioceptivos e de ADM podem desafiar a capacidade do paciente de manter seu centro de gravidade dentro da base de apoio corporal, ou seja, resultam na perda do equilíbrio, a qual compreende a principal conseqüência da ataxia cerebelar. O alongamento proporciona mobilidade e flexibilidade dos tecidos moles que estão envolta da articulação e mobilidade articular, alem de prevenir novas lesões ou lesões recorrentes. Quando alongamos corretamente um músculo (de forma lenta) ocorre disparo do OTG – órgão tendinoso de golgi, que inibe a tensão muscular resultando no alongamento e permitindo ao sarcômero atingir um melhor ganho de ADM. Os exercícios ativo livre e ativo assistido contribuem dando um feedback sensorial da contração músculo,desenvolvendo a coordenação e a habilidade motora para as AVD’s e mantêm a elasticidade e contratilidade fisiológica dos músculos. Porém com os exercícios resistidos pretende-se melhorar a função e atingir metas especificas como: aumento da força e da resistência muscular a fadiga, aumentar a potencia muscular, e o uso de resistência elástica, servem para treinar e fortalecer o músculo. Diante das disfunções causadas pela ataxia cerebelar já citadas anteriormente o uso da bola terapêutica como recurso na cinesioterapia, proporciona aumento de tônus muscular (impulsos proprioceptivos), fortalecimento muscular, desenvolve coordenação de troncos e membros, desenvolve precisão, velocidade, harmonia nos movimentos, melhora do equilíbrio e prepara para a marcha. A técnica de FNP – facilitação neuroproprioceptiva, baseia-se nos mecanismos neurofisiológicos que envolvem reflexo de estiramento que incluem o fuso muscular (que responde as mudanças de comprimento da fibra muscular) e o OTG (detecta as alterações na


tensão muscular). O FNP busca aumentar a habilidade do paciente em mover-se e permanecer estável, guiando o movimento com a utilização de contatos manuais adequados e de resistência apropriada, promove a coordenação motora e sincronismo e aumento da resistência do paciente a fadiga, além de possuir uma abordagem holística que engloba aspectos sensoriais, motores e psicológicos de um programa de reabilitação. As mudanças de posturas e transferências proporcionam dissociação de cinturas, melhoram o controle neuromuscular e aumentam o equilíbrio estático e dinâmico que resultam no melhor desempenho das AVD’s. Para a reeducação da marcha foram utilizadas as barras paralelas que auxiliam na transferência de peso, promove equilíbrio e proporcionam estabilidade para propulsão durante as passadas. RESULTADOS Forma realizadas um total de 14 sessões. Após reavaliação foi observado melhora acentuada na marcha, que deixou de ser tão cambaleante, houve diminuição do arrasto dos pés ao solo, havendo maior flexão dos joelhos e quadris; suas passadas tornaram-se mais precisas quanto ao tamanho, cadencia e ritmo. A base ficou mais estreita, porém havia ainda, a ausência da dissociação das cinturas pélvica e escapular, continuando, em bloco. O paciente durante o tratamento passou do uso da muleta canadense unilateral para o uso da bengala. Para melhor apresentar os resultados obtidos, segue abaixo tabela contendo os resultados da primeira avaliação em 16/09/2006 e da reavaliação no dia 30/11/2006.



Conforme o resultado das tabelas acima houve melhora significativa tanto da coordenação quanto no equilíbrio. A transferência de postura ,houve uma pequena evolução. O paciente apresentou um ganho de amplitude de movimento visível em MMSS ,conforme tabela abaixo.


O paciente continuara fazendo fisioterapia, pois com já foi descrito anteriormente, trata-se de um distúrbio degenerativo, portanto faz-se necessário que o tratamento seja continuado. No dia da alta o índice de Barthel foi de 90 pontos. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente trabalho podemos verificar que existe uma melhora significativa do paciente com ataxia cerebelar através do tratamento fisioterapêutico baseado na cinesioterapia. Vale salientar que o paciente deve adotar medidas preventivas e um programa de exercícios domiliares para manuntenção dos resultados obtidos. A prática de atividade física adequada, bem como atividades de lazer contribuem favoravelmente para que o paciente tenha uma boa qualidade de vida.

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FONTE: http://www.novafisio.com.br/artigos_cientificos/conduta-fisioterapeutica-na-ataxia-cerebelar/


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