Ataxias hereditárias

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Ataxias hereditárias

A seguir apresentamos algumas das ataxias hereditárias presentes em Portugal. Todas as descrições foram obtidas através do site da “Orphanet – O portal para doenças raras e medicamentos órfãos” (http://www.orpha.net), que tem página em português.

► Autossómicas dominantes ►Gene identificado ►SCA3/DMJ A ataxia espinocerebelosa tipo 3 (SCA3), também conhecida como doença de Machado-Joseph, é o subtipo mais comum de ataxia cerebelosa autossómica dominante tipo 1 (ADCA tipo 1; ver este termo), como os outros uma doença neurodegenerativa. É caracterizada por ataxia e oftalmoparésia externa progressiva, e outras manifestações neurológicas. A prevalência está estimada em 1-2 em 100.000 com significativas variações geográficas e étnicas: a maior prevalência foi encontrada nos Açores (Ilha das Flores (1 / 239), as taxas de prevalência intermediária em Portugal, Alemanha, Holanda, China e Japão, e menor prevalência na América do Norte, Austrália e Índia. Não estão disponíveis estimativas precisas de prevalência. No entanto, a SCA3 é a forma mais comum de ADCA1 nas populações geneticamente mais caracterizadas e é responsável por até 72% das famílias com ataxia. Com base numa avaliação da literatura em inglês foram publicados 600 casos. A SCA3 está dividida em três formas. A SCA3 tipo 1 (MJD tipo 1, ver este termo) está associada a ataxia, oftalmoparésia, sinais piramidais tais como espasticidade e hiperreflexia e sinais extrapiramidais, incluindo distonia e outros alterações de movimento com apresentação na adolescência. A SCA3 tipo 2 (MJD tipo 2, ver este termo) apresenta-se na idade adulta média com ataxia, espasticidade e distonia. A SCA3 tipo 3 (DMJ tipo 3, ver este termo) ocorre depois dos 40 e inclui oftalmoparésia e sinais de lesão dos cornos anteriores da medula, ou


seja, fasciculações, atrofia e fraqueza muscular. O parkinsonismo também pode ser uma característica de SCA3. A característica provavelmente desvalorizada mas comum é o comprometimento da sensação de temperatura que envolve o corpo inteiro. A doença está associada a uma mutação por expansão de repetições de CAG no gene ATXN3 (14q21) com fenómeno de antecipação. O comprimento da repetição normal é de 13-41 enquanto as repetições superiores causativas de SCA3 são superiores a 56. O diagnóstico é baseado no quadro clínico, história familiar e, finalmente, em testes genéticos. O diagnóstico diferencial é vasto e inclui outros tipos de SCA que podem ter características semelhantes. Pode ser oferecido diagnóstico pré-sintomático e pré-natal em doentes com história familiar de SCA. A SCA3 segue um padrão de hereditariedade autossómica dominante com penetrância completa e fenómeno de antecipação. O aconselhamento genético é recomendado em doentes ou aqueles com história familiar da doença causada por uma mutação de SCA conhecida, e os testes pré-sintomáticos devem ser discutidos nos adultos. Na ausência de tratamentos específicos para retardar ou parar a progressão da doença, as medidas são de apoio. Por exemplo, o parkinsonismo, o síndrome das pernas inquietas, a espasticidade, as alterações do sono e a depressão podem ser tratados farmacologicamente. A distonia e a espasticidade podem ser controladas com injecções locais da toxina botulínica. A terapia ocupacional e a fisioterapia são essenciais. A terapia da fala também pode ser um benefício para a gestão da disartria. O prognóstico é fraco, mas foram descritos doentes que sobreviverem décadas após o início dos sintomas.

► DRPLA A atrofia dentatorubro-palidoluisiana (DRPLA) é um subtipo raro de ataxia cerebelosa autossómica dominante tipo I (ADCA tipo I; ver este termo). É caracterizada por movimentos involuntários, ataxia, epilepsia, perturbações mentais, declínio cognitivo e antecipação marcada. A prevalência mundial é desconhecida. No entanto, a doença é mais frequentemente encontrada no Japão, onde a prevalência está estimada em 1: 208.000. A idade de início varia entre 1-60 anos (idade média = 28,8 anos). Os doentes com início mais precoce (abaixo dos 20 anos de idade) tendem a apresentar epilepsia mioclónica e atraso mental. Os doentes com início tardio (acima de 40 anos de idade) tendem a apresentar-se com ataxia cerebelosa, coreoatetose e demência.


Os aspectos clínicos e a idade de início estão significativamente correlacionados com o tamanho de repetições CAG. A ressonância magnética encefálica (RM) mostra atrofia do cerebelo, do tronco cerebral, cérebro e hipersinal da substância branca periventricular. Foi demonstrada expansão instável de repetições CAG no gene ATN1 (12p13.31). O prognóstico é grave: a DRPLA progride rapidamente, a duração média da doença é de cerca de 13 anos. As convulsões recorrentes e a disfagia com aspiração frequente de fluidos e alimentos leva a broncopneumonia e morte consequente. No entanto, alguns doentes podem chegar a 60 anos de idade ou mais.

► SCA2 A ataxia espinocerebelosa tipo 2 (SCA2) é um subtipo de ataxia cerebelosa autossómica dominante do tipo I (ADCA tipo I; ver este termo), caracterizada por ataxia truncal, disartria, sacadas desaceleradas e menos frequentemente oftalmoparésia e coreia. A prevalência está calculada em 1-2 em 100.000, com variações geográficas e étnicas significativas. A SCA2 apresenta-se na 3ª ou 4ª década (idade média = 30 anos; faixa etária = 2-65 anos). Não há nenhum aspeto clínico que distinga de forma confiável a SCA2 da SCA1, embora tremor e disfunção autonómica sejam mais comuns na SCA2. O parkinsonismo é também uma manifestação menos comum, mas bem documentada. O curso da doença é semelhante em ambas. A doença é causada por mutações no gene da ataxina 2 ATXN2 (12q23-q24.1). O número normal das repetições CAG é 15-24; repetições de 35 ou superiores estão associadas a manifestações clínicas da SCA2. O prognóstico é relativamente bom na maioria dos casos. Foram descritos casos com duração da doença superior a 20 anos. No entanto, nalguns doentes, especialmente aqueles com idade de início mais jovem (inferior a 20 anos), a progressão pode ser rápida.

► SCA8 A ataxia espinocerebelosa tipo 8 (SCA8) é um subtipo de ataxia cerebelosa autossómica dominante do tipo I (ADCA tipo I; ver este termo), caracterizada por ataxia cerebelosa e disfunção cognitiva em quase três quartos dos doentes e sinais piramidais e sensitivos em aproximadamente um terço dos doentes. A prevalência é desconhecida. No entanto, a SCA8 representa aproximadamente 3% dos casos de ataxias dominantes.


Outras características psiquiátricas.

incluem

alterações

executivas

e,

frequentemente,

alterações

A SCA8 é causada por repetições de trinucleotídeos no cromossoma 13q21, uma expansão poliglutamínica, no gene da ataxina 8 ( ATXN8 ). Pensa-se que a SCA8 resulta de neurotoxicidade mediada pelo RNA. O prognóstico é relativamente bom: a doença geralmente progride lentamente ao longo de décadas. A esperança de vida não é significativamente reduzida.

► SCA14 A ataxia espinocerebelosa tipo 14 (SCA14) é um subtipo raro ligeiro de ataxia cerebelosa autossómica dominante tipo I (ADCA tipo I; ver este termo). É caracterizada por ataxia lentamente progressiva, disartria e nistagmo. A doença foi descrita em mais de vinte famílias da Europa, Estados Unidos e Austrália. O início é geralmente na idade adulta, enquanto o início da doença sintomática pode ser entre 10-70 anos (média = 33,9 anos). Para além da ataxia cerebelosa, hiperreflexia e sensibilidade vibratória diminuída são frequentemente observadas. Alguns doentes têm compromisso cognitivo, parkinsonismo caracterizado por rigidez, bem como distonia focal, mioclonias axiais, mioquimias faciais, movimentos coreicos das mãos e epilepsia. A SCA14 é causada por mutações missense no gene PRKCG (19q13.4) que codifica a proteína quinase C, gama (PKC-gama). O prognóstico é bom. Alguns doentes necessitam de apoios na marcha, como bengala ou cadeira de rodas. No entanto, vários doentes têm vivido para além dos 80 anos de idade.

► SCA17 A ataxia espinocerebelosa tipo 17 (SCA17) é um subtipo raro de ataxia cerebelosa autossómica dominante tipo I (ADCA tipo I; ver este termo). É caracterizada por um quadro clínico variável que pode incluir demência, alterações psiquiátricos, parkinsonismo, distonia, coreia, espasticidade e epilepsia. A prevalência mundial é desconhecida. A prevalência local é 0,47 por 1.000.000 na população japonesa e 0,16 por 100.000 no Nordeste da Inglaterra. Até ao momento foram descritas menos de 100 famílias. As características clínicas assemelham-se com muitos síndromes neurodegenerativos, nomeadamente com a doença de Huntington (ver este termo).


A SCA17 é causada por uma expansão de repetições CAG no gene TBP da proteína de ligação à caixa TATA (6q27). O prognóstico é fraco. Mais de 60% dos doentes apresentam disfagia que frequentemente resulta em aspiração e morte. Duração média da doença é inferior a 18 anos e poucos doentes sobrevivem além dos 60 anos de idade.

► Autossómicas recessivas ► Congénitas ► Síndroma de Joubert O síndrome de Joubert (JS) é caracterizado por malformação congénita do tronco cerebral e agenesia ou hipoplasia do vérmis cerebeloso levando a um padrão respiratório anormal, nistagmo, hipotonia, ataxia, e atraso no desenvolvimento motor. A prevalência está estimada em aproximadamente 1/100,000. No período neonatal, a doença manifesta-se frequentemente por um padrão respiratório irregular (taquipneia e/ou apneia episódicase nistagmo. Durante a infância, pode aparecer hipotonia. Pode desenvolver-se mais tarde ataxia cerebelosa (marcha instável e desequilíbrio). É frequente um atraso na aquisição das etapas motoras. As capacidades cognitivas são variáveis, variando desde défice intelectual grave a inteligência normal. O exame neuro-oftalmológico pode mostrar apraxia oculomotora. Em alguns casos, podem ocorrer convulsões. O exame cuidadoso da face mostra uma aparência característica: cabeça grande, fronte proeminente, sobrancelhas altas e arqueadas, epicanto, ptose (ocasionalmente), nariz antevertido com narinas proeminentes, boca aberta (que tende para uma forma oval no início, uma aparência rombóide mais tarde, e finalmente pode ter uma aparência triangular com cantos virados para baixo), protusão da língua e movimentos rítmicos da língua, e ocasionalmente orelhas de inserção baixa e rodadas posteriormente. Outras características por vezes presentes no síndrome de Joubert incluem distrofia da retina, nefronoftise, e polidactilia. O síndrome é geneticamente heterogéneo. Até ao momento foram associados 7 genes AHI1 (6q23), NPHP1 (2q13), CEP290 (12q21), TMEM67 (8q22), RPGRIP1L(16q12), A RL13B (3p12.3-q12.3) e CC2D2A (4p15), e dois loci nos cromossomas 9q34 (JBTS1) e 11p12-q13 (CORS2/JBTS2). A transmissão é autossómica recessiva. O diagnóstico é baseado nas principais características clínicas (hipotonia, ataxia, atraso no desenvolvimento e apraxia oculomotora), que deve ser acompanhado pela presença de uma característica neurorradiológica, designada por "sinal do dente molar" (MTS) na ressonância magnética (MRI). O MTS resulta de hipoplasia do vérmis cerebelar e malformações do mesencéfalo-rombencéfalo.


O diagnóstico diferencial inclui doenças relacionadas com o síndrome de Joubert (JSRD), malformações do vérmis cerebeloso sem MTS (que inclui a malformação de Dandy-Walker), hipoplasia cerebelosa ligada ao X, ataxia com apraxia oculomotora tipos 1 e 2 (AOA1, AOA2), doenças congénitas da glicosilação (CDG), síndrome 3-C, hipoplasias/atrofias pontocerebelares, síndromes orofaciodigitais II e III, e síndrome de Meckel-Gruber (ver estes termos). O diagnóstico pré-natal é possível através de estudos moleculares e imagiológicos (ultrassonografia fetal e MRI). O teste pré-natal pode estar disponível para famílias em que ambas as mutações causadoras da doença tenham sido anteriormente identificadas num membro da família afectado. O aconselhamento genético é uma ferramenta clínica importante para prevenção de novos casos, especialmente para casais com um primeiro filho afectado. O risco de ter uma criança afectada gravidezes subsequentes é de 25%. O tratamento é sintomático e deve ser multidisciplinar. Os programas educacionais, fisioterapia e terapia ocupacional da fala podem melhorar a hipotonia e reduzir o atraso na aquisição das capacidades motoras. O seguimento dos doentes com as formas mais graves deve ser realizado num centro de referência especializado. O prognóstico é favorável para formas moderadas da doença.

► Metabólicas ► Ataxia de Friedreich A ataxia de Friedreich é uma patologia com um modo de hereditariedade autossómico recessivo. O início dos sintomas ocorre habitualmente na infância ou adolescência, podendo também acontecer na idade adulta. Em França, a prevalência está estimada em 1 em 50.000, afectando igualmente ambos os sexos. A ataxia de Friedreich é caracterizada por dificuldades de coordenação dos movimentos, associada a outros sinais neurológicos (disartria, perda de reflexos, diminuição da sensibilidade profunda, pés cavus e escoliose), miocardiopatia e, por vezes, diabetes mellitus. A ataxia é progressiva, surgindo incapacidade da marcha autónoma 10 a 20 anos após o início dos sintomas. O gene causal foi identificado em 1996 e codifica para a frataxina. O diagnóstico genético é possível. A doença é devida a deficiência de frataxina, que afecta a função mitocondrial e o metabolismo energético da célula. Actualmente, estão a ser avaliadas novas terapias para restaurar as funções mitocondriais. As complicações neurológicas, cardiológicas, bem como a diabetes mellitus devem ser cuidadosamente abordadas. A reabilitação funcional é fundamental no seguimento da doença.

► Doença de Niemann-Pick tipo C A doença de Niemann-Pick tipo C, distinta das formas tipos A e B, é uma lipidose lisossomal complexa que resulta em hepatosplenomegalia e envolvimento neurológico progressivo.


A prevalência estimada é de 1/130.000 nascidos vivos. O quadro clínico é muito heterogéneo, variando a idade de início entre o período perinatal e a idade de 50 anos ou mais. Foram descritos raros casos de hidropsia fetal. Em 40% dos casos, o período neonatal é marcado por hepatosplenomegalia associada a icterícia colestática prolongada que, em geral, regride espontaneamente, mas por vezes progride rapidamente para insuficiência hepática fatal. O achado de hepato- e/ou esplenomegalia na criança é sinal muito frequente, que pode permanecer isolado por um período muito variável, antes do inicio dos sintomas neurológicos. A idade de início destes sintomas e a sua evolução irá determinar o grau de gravidade da doença. Na forma infantil grave (20% dos casos), o envolvimento neurológico ocorre antes dos 2 anos de idade com atraso nos marcos de desenvolvimento motor e hipotonia, seguido de sinais piramidais. Nas outras formas, muito mais frequentes, os sinais neurológicos típicos incluem ataxia cerebelar e disartria (muito frequente), cataplexia (20% dos casos), distonia (frequente), oftalmoplegia vertical supranuclear (quase constante), convulsões (relativamente frequente), e habitualmente demência progressiva, com apresentação entre os 3 e 15 anos (formas tardias infantis e juvenis, 60% a 70% dos casos), ou mais tardias (forma do adulto, 10% dos casos, com frequência elevada de doenças psiquiátricas). A evolução é marcada por agravamento dos sinais neurológicos, com disfagia progressiva que pode necessitar de gastrostomia e frequentemente sinais piramidais. A hepatosplenomegalia pode estar ausente (10 a 15% dos casos), porém poucos casos de adultos apresentando esplenomegalia isolada foram descritos. A transmissão é autossómica recessiva. Foram descritos dois grupos de complementação. O gene NPC1 (18q11, 57Kb, 25 exões) está mutado em 95% das famílias. Já foram descritas mais de 230 mutações, sendo a mais frequente: L1061T (20% dos alelos), P1007A (fenótipo ''variante''). A mutação G992W é típica da forma ''Nova Escócia'' (designada anteriormente como tipo D). O gene NPC2 (14q24.3, 13.5 Kb, 5 exões) está apenas envolvido em algumas famílias (foram descritas 22). As proteínas NPC1 e NPC2 parecem desempenhar, concomitantemente, um papel no sistema endolisossomal para facilitar o transporte intracelular de colesterol e outras moléculas, mas a sua exata função não foi ainda identificada. Seja qual for o gene mutado, o defeito celular característico consiste no comprometimento do transporte intracelular de colesterol exógeno derivado de LDL, causando acumulação de colesterol não esterificado nos lisossomas, com atraso na indução das reações homeostáticas do colesterol. O diagnóstico é estabelecido através da demonstração destas alterações em culturas de fibroblastos (especialmente através do ''teste da filipina'' citoquímico). A gravidade da deficiência bioquímica varia entre o ''fenótipo clássico'' com reacções de esterificação muito comprometidas (85% dos casos), e uma ''variante'' com alteração moderada (15% dos casos). Não existe correlação próxima entre os achados clínicos e os bioquímicos. O diagnóstico pré-natal é mais facilmente obtido por biologia molecular, mas pode também ser realizado por biologia celular (excepto nas famílias ''variantes''). Até ao momento não existe tratamento disponível. Foram testados agentes redutores de colesterol, mas estes não têm qualquer efeito nas manifestações neurológicas da doença. Contudo, foram obtidos resultados promissores em modelos animais (gato e ratinho) com


um inibidor da síntese glicolipidica, o que levou ao início de um ensaio clínico ainda em andamento. O prognóstico depende da idade de início das manifestações neurológicas, com o prognóstico sendo mais grave nos casos de início precoce de envolvimento neurológico.

► Defeitos ADN ► Ataxia-telangiectasia A ataxia-telangiectasia (A-T) é a associação de imunodeficiência grave combinada (afetando principalmente a resposta imune humoral) com ataxia cerebelar progressiva. É caracterizada por sinais neurológicos, telangiectasias, aumento da suscetibilidade a infeções e maior risco de cancro. A prevalência média está estimada em 1/100,000 crianças. A gravidade das manifestações do sistema neurológico, imunitário e pulmonar varia amplamente entre os doentes. A apresentação ocorre entre 1 e 2 anos de idade com movimentos da cabeça anormais e perda do equilíbrio, seguido por um discurso arrastado e movimentos oculares anómalos. Por volta dos 9-10 anos de idade podem aparecer diminuição da coordenação e tremores das extremidades agravando-se progressivamente. A coreoatetose é muito comum. Na maioria dos casos, a inteligência é normal: cerca de 30% dos doentes têm dificuldades de aprendizagem ou atraso mental ligeiro. As telangiectasias cutaneomucosas aparecem entre os 3 e os 6 anos de idade, ou durante a adolescência. A imunodeficiência causa infeções de repetição sinusais e pulmonares, sendo que as últimas podem causar bronquiectasias. O atraso no crescimento é também relativamente frequente. A A-T é uma doença autossómica recessiva causada por mutações de inativação do gene ATM (11q22.3). Este gene é expresso ubiquitariamente e codifica uma proteína cinase que desempenha um papel chave no controlo da reparação da quebra da cadeia dupla (DSB) do DNA, notavelmente nas células Purkinje do cerebelo e do cérebro, e nas células cutâneas, endoteliais e conjuntivas . A doença tipo A-T (A-T-like) é uma variante rara da forma A-T causada pela inativação do gene MRE11 (11q21), que também codifica uma proteína envolvida na reparação da DSB. A determinação do diagnóstico clínico precocemente no decurso da doença é problemático mas o aumento quase constante dos níveis de alfa-fetoproteina (AFP) sérica e a análise citogenética podem ajudar na confirmação do diagnóstico (translocações 7; 14). O diagnóstico molecular pode ser por vezes necessário. O diagnóstico diferencial deve incluir ataxia – apraxia oculomotora, tipos 1 e 2 (ver estes termos). O diagnóstico pré-natal é possível sempre que pelo menos seja identificada uma mutação de inativação do gene ATM no caso em estudo.


O controlo é sintomático e envolve fisioterapia, terapia da fala e tratamento de complicações infecciosas e pulmonares. Os beta-bloqueadores podem reduzir os tremores e melhorar a realização dos movimentos finos. Como as células dos doentes com A-T mostram suscetibilidade crescente a raios X, radioterapia juntamente com algumas formas de quimioterapia, devem ser usadas com precaução. As crianças afetadas necessitam frequentemente de cadeira de rodas pelos 10-11 anos de idade. O prognóstico é mau refletindo a ocorrência de infeções respiratórias, neurodegeneração, envelhecimento cutaneomucoso acelerado e aumento de risco de cancro (35% dos doentes desenvolvem cancro por volta dos 20 anos).

► Outras ataxias degenerativas ► Ataxia de Charlevoix-Saguenay A ataxia espástica de Charlevoix-Saguenay autossómica recessiva (ARSACS) é uma doença neurodegenerativa caracterizada por apresentação precoce de ataxia cerebelar com espasticidade, uma síndrome piramidal e neuropatia periférica. Foi inicialmente descrito na região de Charlevoix-Saguenay do Quebec onde a incidência de ARSACS à nascença foi estimada de 1,932. A incidência e a prevalência mundial permanecem desconhecidas, mas ARSACS é muito raro noutros países com casos descritos na Turquia, Japão, Holanda, Itália, Bélgica, França e Espanha. A idade de apresentação em doentes não-Quebec é variável (variando de infantil e juvenil tardia até ao início da vida adulta) mas em indivíduos de Quebec, a apresentação ocorre entre os 12 e os 18 meses de idade com distúrbios de marcha ou dificuldades no movimento. Outros sinais precoces de ataxia cerebral incluem disartria e nistagmo. A espasticidade é progressiva e eventualmente domina o quadro clínico. A síndrome piramidal é caracterizada por ativação dos reflexos dos tendões patelares e o sinal Babinski. A apresentação da neuropatia periférica ocorre geralmente mais tarde e leva à ausência do reflexo do tendão de Aquiles, amiotrofia distal e distúrbios sensoriais profundos (sentido de vibração comprometido). Hipermielinação da retina (sem perda de visão) é uma característica constante em doentes com ARSACS de Quebec mas pode estar ausente em doentes de outros países. A falta de espasticidade na perna tem sido descrita em algumas famílias japonesas e o atraso mental pode ser uma característica em alguns doentes não Quebec. Outras manifestações podem incluir prolapso da valva mitral, pes cavus, e disfunção da bexiga. A ARSACS é causada por mutações autossómicas recessivas no gene SACS(13q11), que codifica uma grande proteína de função desconhecida chamada sacsina. O diagnóstico clínico baseia-se nos resultados de estudos de neuroimagem (scans de MRI e CT revelam atrofia do vermis superior cerebral e do cordão espinal cervical) e informação neurofisiológica (sinais de ambas as neuropatias axonal e desmielinatizante, com os estudos da condução nervosa a revelarem perda da condução nervosa sensorial e velocidades de condução motora reduzidas). A examinação da retina também pode ser útil para o diagnóstico. O diagnóstico pode ser confirmado pela deteção de mutações no gene SACS.


O diagnóstico diferencial inclui outras ataxias autossómicas recessivas, ataxia de Friedreich e ataxia com deficiência da vitamina E (AVED), e formas hereditárias de paraplegia espástica (ver estes termos), em particular paraplegia espástica 20 (SPG20síndrome de Troyer). O diagnóstico pré-natal é possível quando a mutação causadora da doença foi identificada e o aconselhamento genético deve ser oferecido às famílias afetadas. O tratamento é sintomático visando o controlo da espasticidade e deve incluir fisioterapia, farmacoterapia e o uso de ortóteses tornozelo-pé. A maioria dos doentes torna-se dependente de cadeira de rodas por volta da 5ª década de vida. A morte normalmente ocorre durante a sexta década mas foi descrita sobrevivência até aos 70.

NOTA: Este artigo foi redigido a partir da tabela referente às ataxias hereditárias presentes em Portugal, que pode ser consultada no site da APAHE (http://www.apahe.pt.vu), Página “Ataxias”.


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