As doenças neuromusculares

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As doenças neuromusculares (DNM) compõem um grupo de desordens, hereditárias ou adquiridas, que afetam especialmente a unidade motora (corpo neuronal na medula, nervo periférico, placa mioneural e tecido muscular). No entanto, doenças que afetam o trato córticoespinal (trato piramidal) na medula espinal, o cerebelo e as vias espinocerebelares também têm sido incluídas dentre as DNMs devido ao importante comprometimento motor que acarretam. Podemos dividir, de modo didático, as principais patologias que fazem parte das DNMs em:

1- Cerebelo e Vias Cerebelares Ataxias Hereditárias (ataxia de Friedreich e doença de Machado-Joseph) 2- NMS e Trato Córticoespinal Esclerose Lateral Amiotrófica Paraparesia Espástica Familiar 3- NMI e Corno Anterior da Medula Esclerose Lateral Amiotrófica Amiotrofia Espinal Progressiva 4- Nervos Periféricos Polineuropatia Periférica Hereditária (doença de Charcot-Marie-Tooth) 5- Junção Mioneural Miastenia Gravis 6- Músculos Miopatias Distrofias


A seguir, seguem as breves descrições de cada uma das patologias citadas. ATAXIAS HEREDITÁRIAS Compreende um grupo de doenças no qual a manifestação predominante é a incoordenação motora progressiva, especialmente na marcha. Na infância e adolescência, a forma mais comum é a ataxia de Friedreich, enquanto que as ataxias espinocerebelares (AEC) tendem a ocorrer após os 20 anos de idade. A ataxia de Friedreich é uma doença de herança autossômica recessiva causada por mutações no gene frataxina localizado no cromossomo 9. O início da doença é precoce (até a segunda década de vida) e as manifestações são decorrentes do envolvimento do cerebelo e do cordão posterior da medula espinal, havendo atrofia e degeneração dessas regiões do SNC. O primeiro sinal observado pelos pais das crianças afetadas pela doença é a frequente tendência à queda. Os principais achados são incoordenação motora, marcha atáxica, desequilíbrio, nistagmo, fala escandida e arreflexia tendínea profunda. A doença progride lentamente e os pacientes perdem a capacidade de deambular por volta dos 25 a 35 anos de idade. A sobrevida varia de 20 a 30 anos após o início da doença e os fatores prognósticos são as cardiomiopatias, a cifoescoliose e a insuficiência respiratória restritiva. As ataxias espinocerebelares (AEC) compõem um grupo heterogêneo de doenças genéticas, de herança autossômica dominante, cuja principal manifestação clínica é a incoordenação motora. Em geral, o início das manifestações ocorre na vida adulta, após a adolescência. A doença progride lentamente e a sobrevida varia de 20 a 30 anos após seu início. O cerebelo e as vias espinocerebelares são predominantemente afetados. No entanto, outros sistemas neurológicos tais como o piramidal, o extrapiramidal e o oftalmológico são também envolvidos. Assim, ao lado da ataxia, outras manifestações que estão usualmente presentes são: espasticidade, fraqueza e atrofia muscular, oftalmoparesia, atrofia óptica, degeneração de retina, distonia, parkinsonismo, coréia, fasciculação, disfunção cognitiva, polineuropatia periférica e retração palpebral. No Brasil, a forma mais comum de AEC é o tipo 3, também conhecida como doença de MachadoJoseph. Os pacientes deste tipo de AEC possuem etnia portuguesa-açoriana e os sinais neurológicos mais importantes são ataxia cerebelar, espasticidade, distonia, parkinsonismo e atrofia muscular. As funções corticais são poupadas. ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA (E.L.A.) É uma doença degenerativa que afeta os neurônios do trato córticoespinal e do corno anterior da medula espinal, produzindo sinais e sintomas tanto de comprometimento de neurônio motor superior (NMS – sinais positivos: espasticidade e hiperreflexia) quanto de neurônio motor inferior (NMI – sinais negativos: hipotonia, arreflexia, atrofia muscular e fasciculações). A doença afeta preferencialmente pacientes do sexo masculino e, em geral, após os 40 anos de idade. Os sinais clínicos mais proeminentes são fraqueza, atrofia e fasciculações nos membros, de início assimétrico. Posteriormente, os músculos bulbares e respiratórios são também afetados. Os pacientes não apresentam comprometimento sensitivo, autonômico ou visual. Os nervos que controlam os movimentos oculares e os segmentos sacrais inferiores da medula espinal, que controlam os esfíncteres, não são afetados. As funções corticais superiores não são comprometidas. Atrofia e fasciculação da língua e de músculos distais das mãos estão


frequentemente presentes. A espasticidade dos membros inferiores é também uma característica comum. A E.L.A é uma doença progressiva de rápida evolução, com o óbito ocorrendo em geral de 2 a 5 anos após seu início. A insuficiência respiratória é a principal causa de óbito. A fisioterapia motora é indicada em uma fase inicial visando a manutenção do maior grau de independência possível. A fisioterapia respiratória deve ser iniciada precocemente e intensificada com a progressão da patologia, buscando fortalecer a musculatura respiratória, auxiliar na higiene brônquica e, consequentemente, minimizar as complicações respiratórias. PARAPARESIA ESPÁSTICA FAMILIAR Também denominada doença de Strümpell, a paraparesia espástica familiar é uma doença genética caracterizada por comprometimento predominante do trato córticoespinal na medula. A época de início é variável, ocorrendo em geral nos primeiros 5 anos de vida. Clinicamente, manifesta-se por dificuldade lentamente progressiva para a marcha decorrente da espasticidade, com pouca fraqueza e atrofia muscular. A fraqueza, quando presente, predomina nas porções distais dos membros inferiores. Os reflexos estão hiperativos e o sinal de Babinski está presente. A fisioterapia visa a prevenção das retrações, a manutenção da mobilidade das articulações e o treino de marcha. O paciente poderá se beneficiar com a aplicação da toxina botulínica para diminuição da espasticidade. AMIOTROFIA ESPINAL PROGRESSIVA (A.E.P.) É uma doença genética da infância que afeta o corpo do neurônio motor no corno anterior da medula espinal. É uma das doenças mais prevalentes em crianças que estão em tratamento em centros de reabilitação. Clinicamente, notam-se hipotonia e fraqueza muscular difusa, simétrica e de predomínio nas porções proximais dos membros e arreflexia tendínea profunda. Os membros inferiores são preferencialmente afetados. Os músculos respiratórios, bulbares e paravertebrais são caracteristicamente afetados, ao contrário dos músculos faciais e oculares que tendem a ser preservados. Ao contrário dos músculos intercostais, o diafragma tende a ser poupado, favorecendo uma respiração abdominal. Na grande maioria dos casos, observa-se um tremor fino das extremidades e também fasciculações, especialmente na língua. Dependendo da época de início da doença e da gravidade do comprometimento motor, a A.E.P pode ser dividida em 3 tipos: - Tipo I (doença de Werdnig-Hoffmann ou forma grave) é caracterizado por início precoce, antes dos 6 meses de vida, e grave comprometimento motor e respiratório. Em geral, essas crianças não chegam a sentar sem apoio e mais de 90% delas não sobrevivem após os 2 anos de idade; - Tipo II (forma intermediária) apresenta sintomatologia menos intensa, com início antes dos 18 meses de vida. As crianças são capazes de sentar sem apoio, porém não chegam a deambular. É a forma que mais se associa com deformidades musculoesqueléticas, destacando-se as retrações musculares e deformidades da caixa torácica. A evolução é progressiva no início do quadro, porém com posterior estabilização. - Tipo III (doença de Kugelberg-Welander ou forma leve) possui um quadro clínico mais brando, com início após os 2 anos de vida, caracterizado por fraqueza e atrofia muscular da cintura. Os


pacientes em geral apresentam algum período de marcha. Apesar do curso mais benigno do tipo III, observa-se uma piora lentamente progressiva do quadro motor. Em todos os 3 tipos, a inteligência tende a ser preservada. O fator prognóstico mais importante na AEP é o comprometimento respiratório, usualmente agravado pelo desenvolvimento da escoliose. POLINEUROPATIA PERIFÉRICA HEREDITÁRIA A doença de Charcot-Marie-Tooth compõe um grupo variável de doenças de caráter genético que afetam o nervo periférico. É caracterizada clinicamente por fraqueza e atrofia muscular predominando nas porções distais dos membros inferiores e superiores. Os sintomas começam na primeira ou segunda décadas de vida, manifestando-se por marcha escarvante e deformidades nos pés (equinocavos). A atrofia muscular confere um aspecto afilado nas pernas abaixo do joelho (“pernas de cegonha”) e posteriormente ocorre atrofia dos músculos intrínsecos dos pés, ocasionando um aumento do arco medial e dedos em garra; a atrofia dos músculos intrínsecos das mãos ocorre mais tardiamente. Na maioria dos casos, o quadro motor é usualmente leve e os pacientes permanecem deambuladores por um longo período ou por toda a vida. As alterações sensitivas, quando presentes, são discretas e os reflexos são diminuídos ou abolidos. A escoliose pode surgir com a evolução da doença. A fisioterapia visa a reeducação muscular das porções distais dos membros e também a prevenção das retrações musculares e consequentes deformidades. MIASTENIA GRAVIS É uma doença auto-imune que causa fraqueza e fadiga anormalmente rápida dos músculos esqueléticos. A fraqueza é causada por um defeito na transmissão dos impulsos dos nervos para os músculos, na junção neuromuscular. A doença raramente é fatal, mas pode ameaçar a vida quando atinge os músculos da deglutição e da respiração. Na miastenia gravis, o sistema imune produz anticorpos que atacam receptores localizados no lado muscular da junção mioneural. Os receptores lesados são aqueles que recebem o sinal nervoso através da ação da acetilcolina (ACh).

Normalmente, o primeiro sintoma verificado é a fraqueza dos músculos dos olhos, podendo progredir para os músculos da deglutição, fonação, mastigação ou dos membros. Uma crise miastênica ocorre quando o paciente começa com dificuldade para respirar e necessita de assistência ventilatória e consequente internação hospitalar. A crise pode ser desencadeada por estresse emocional, infecções, atividades físicas muito intensas, gravidez e reações adversas a medicamentos.


MIOPATIAS O termo miopatia aplica-se a qualquer distúrbio que cause alterações patológicas, bioquímicas ou elétricas nas fibras musculares ou no tecido intersticial dos músculos esqueléticos. Na prática, todas as distrofias musculares são tipos de miopatias; mas nem todas as miopatias são distrofias. Os tipos mais comuns de miopatias encontrados nos centros de reabilitação são as miopatias congênitas estruturais. A miopatia congênita estrutural é genericamente definida como miopatia primária, com início na infância e com curso estável ou lentamente progressivo. A classificação da miopatia congênita baseia-se no padrão histológico observado no tecido muscular. Os principais subgrupos incluem: miopatia estrutural (presença de estruturas anormais nas fibras musculares), mista (apresenta mais de uma alteração estrutural) e não estrutural (alteração do diâmetro e/ou predomínio de tipo de fibras). Dentre as alterações estruturais no interior da fibra muscular, temos: desorganização dos sarcômeros (central-core e mini-core/multi-core); anormalidades na linha Z (nemalínica e desminopatias); anormalidades nucleares (miotubular e centronuclear); inclusões citoplasmáticas e anormalidades de organelas.

Miopatia Estrutural Central-Core

Miopatia Estrutural Centro-Nuclear

Miopatia Estrutural Nemalínica De uma maneira geral, estes pacientes apresentam hipotonia, atrofia e fraqueza muscular generalizada. Os músculos das porções proximais dos membros são preferencialmente afetados. Os músculos faciais, mastigatórios e oculares extrínsecos são caracteristicamente afetados. O nível cognitivo tende a ser normal. Outras manifestações são arreflexia tendínea profunda, disfagia, disfonia e maloclusão dentária. DISTROFIAS MUSCULARES Formam um grupo de doenças caracterizadas clinicamente por fraqueza progressiva com degeneração e atrofia muscular. Em geral, são doenças causadas por defeitos genéticos em


genes responsáveis pela produção de proteínas específicas do tecido muscular, podendo ser transmitidas por heranças autossômicas ou ligadas ao cromossomo X. Existem alguns tipos, sendo detalhados a seguir: - Distrofia Muscular de Duchenne (DMD): é uma doença genética que causa fraqueza muscular progressiva a partir dos 3 anos de idade. Os sintomas em geral estão presentes antes dos 5 anos e atraso no início da marcha é usualmente observado. A DMD manifesta-se por fraqueza muscular simétrica e progressiva, inicialmente nas pernas com os músculos das cintutas escapular e pélvica mais comprometidos. Inicialmente, as crianças apresentam quedas frequentes, dificuldade para correr, subir escadas e levantar-se do chão. Observa-se o clássico sinal de Gower’s, no qual a criança se apóia nas pernas, joelhos e quadris, para assumir a posição ereta a partir da posição sentada.

Sinal de Gower's Observa-se uma hiperlordose com a marcha anserina. Frequentemente, nota-se aumento no tamanho das panturrilhas (pseudohipertrofia) devido à infiltração conjuntivo-gordurosa do tecido muscular. Em metade dos pacientes, nota-se um retardo mental leve ou moderado. Progressivamente, a fraqueza muscular torna-se pior e, por volta dos 9 a 12 anos de idade, as crianças perdem a capacidade de deambular. A partir de então, complicações como deformidade de coluna vertebral e insuficiência respiratória tornam o prognóstico desfavorável. O óbito ocorre, em geral, no final da segunda década de vida. A doença afeta apenas meninos, pois é uma doença genética com herança recessiva ligada ao cromossomo X. É causada pela ausência total de distrofina, uma proteína citoesquelética localizada junto ao sarcolema, que é responsável em manter a integridade da membrana da fibra muscular.


Biópsia na Distrofia Muscular de Duchenne - Distrofia Muscular de Becker (DMB): também é causada por uma falha na produção de distrofina, mas neste caso a deficiência é parcial, portanto com manifestação clínica mais leve. Os primeiros sintomas são observados a partir dos 5 anos de idade e caracterizam-se por fraqueza e atrofia muscular simétrica e progressiva, inicialmente em membros inferiores. A musculatura proximal é mais acometida que a distal. A pseudohipertrofia está presente na grande maioria dos casos. A perda da marcha ocorre em geral após os 16 anos de idade. O prognóstico está diretamente relacionado com o comprometimento respiratório e cardíaco. A presença de retrações musculares é menos frequente e não se observa deficiência mental. - Distrofia Muscular de Cinturas: é causada pela deficiência de proteínas específicas do tecido muscular e ambos os sexos são igualmente afetados. O quadro clínico é caracterizado por atrofia e fraqueza muscular de predomínio nas porções proximais dos membros (cinturas pélvica e escapular), afetando preferencialmente os membros inferiores. Muitos pacientes apresentam sintomatologia já no primeiro ano de vida; outros iniciam as manifestações após a primeira década de vida (mais comum). - Distrofia Miotônica de Steinert: é a forma de distrofia mais comum na vida adulta. O envolvimento muscular caracteriza-se por miotonia e fraqueza. A miotonia (dificuldade de relaxamento muscular após contração vigorosa) é notada especialmente na língua e nas mãos. Podemos separar a DMS em 3 formas distintas: forma congênita, forma com início na infância e forma com início na vida adulta. A forma congênita é rara e usualmente fatal, caracterizando-se por hipotonia muscular, fraqueza facial, dificuldade para sugar e deglutir e insuficiência respiratória grave no período neonatal. As formas com início na infância e vida adulta apresentam grande variabilidade clínica. Em geral, o primeiro sintomas a ser observado é a miotonia. Mais tardiamente, surgem atrofia e fraqueza muscular e o comprometimento sistêmico (catarata, endocrinopatias e cardiopatias). Todas as manifestações tendem a progredir lentamente. O envolvimento da musculatura esquelética é difuso, com predomínio da fraqueza e atrofia dos músculos distais dos membros, flexores cervicais, mastigatórios, faciais e bulbares. - Distrofia Muscular Congênita (DMC): compõe um grupo de doenças caracterizadas por comprometimento muscular notado, em geral, já ao nascimento. O tecido muscular é distrófico


e sem substrato histopatológico específico. As principais características clínicas são hipotonia, atrofia e fraqueza muscular estacionária ou com mínima progressão. Observa-se uma leve ou nenhuma perda das funções motoras já adquiridas pela criança. A presença de retrações musculares é uma característica marcante da doença, podendo estar presente desde o nascimento e tendem a piorar durante a vida. A fraqueza muscular predomina nas porções proximais dos membros e os músculos paravertebrais, cervicais e mastigatórios também são acometidos. Os reflexos tendinosos são diminuídos ou abolidos. O prognóstico depende do grau de comprometimento da musculatura respiratória e do desenvolvimento de deformidades da coluna vertebral. Na forma clássica, são reconhecidos atualmente 2 tipos distintos de acordo com a presença ou deficiência de merosina (uma proteína matriz extracelular que se relaciona com as proteínas intracitoplasmáticas). Os pacientes com deficiênciade merosina (40-50% dos casos) apresentam um fenótipo mais grave. A grande maioria não chega a deambular e o comprometimento respiratório é mais intenso. O aspecto facial é bastante característico, com pouca mímica e a boa entreaberta.

Distrofia Muscular Congênita Merosina Negativa Fontes: - LIANZA S. Medicina de Reabilitação. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. - FERNANDES AC et al. Medicina e Reabilitação: Princípios e Prática. São Paulo: Artes Médicas, 2007 - SWAIMAN KF, WRIGHT FS. The Practice of Pediatric Neurology. 2a ed. Missouri: Mosby, 1982. - DIAMENT A, CYPEL S. Neurologia Infantil. 3a ed. São Paulo: Atheneu, 1996. - BORGES D et al. Fisioterapia: Aspectos Clínicos e Práticos da Reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, 2007.


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