Nº 183, Novembro 2008

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REPÚBLICA dos leitores / 43

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A notícia rebentou como uma bomba e rapidamente perpassou, feita um tufão, as diversas repartições municipais. Uma deliberação do executivo tinha autorizado a construção duma urbanização num local de paisagem protegida do parque natural apesar da lei proibir aí, terminantemente, construções privadas de qualquer natureza. Parece que alguém se “esqueceu” de solicitar ao ministério da tutela o respectivo parecer e os serviços técnicos apresentaram o projecto como possuindo todas as avalizações necessárias induzindo em erro o executivo. Diz-se! As cópias que constavam do processo foram, ao que consta, forjadas. A situação nunca seria, contudo, descoberta se alguém, pelos vistos insatisfeito com o negócio (dizem as más línguas) não tivesse enviado uma denúncia anónima para os jornais. O pânico está instalado! São declarações e mais declarações de técnicos e políticos, contraditórias entre si e mais contraditórias ainda com a situação, cujo controlo se esvai rapidamente por entre os dedos. Com a chegada do “Senhor Presidente” consegue pôr-se alguma ordem no reboliço. É “aconselhado” aos diversos responsáveis departamentais especial contenção nas relações com a imprensa. O

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“no comments” torna-se lugar comum. O chefe do departamento de obras é chamado de urgência e encontra-se reunido há já duas horas com o “Senhor Presidente”. Do que lá se passa, nem uma nota respiga. Por corredores e gabinetes as conversas em surdina continuam bichanando de boato em boato. Finalmente a porta abre-se para entrar o Dr. Marcos, o assessor, um jovem executivo de grossas lentes oculares e da mais canina lealdade para com o “seu Presidente”. Dois minutos depois, volta a sair, apressado, aparentando os nervos em franja, e reentra no seu gabinete rapidamente fechando a porta. Porém, pouco depois a novidade começa a circular: o “Senhor Presidente” marcara uma conferência de imprensa para as onze horas! À hora prescrita, e como era previsível, os jornalistas encontram-se presentes em grande número, ávidos de um escândalo que vem mesmo a calhar para animar uma vivência política nos últimos tempos singularmente letárgica. Aparentando uma expressão tensa mas determinada, o “Sr. Presidente” entra na sala. Debaixo do braço traz uma pasta com documentos que aparentam ser técnicos e oficiais. Senta-se, fixa o olhar no auditório e inicia imediatamen-

te uma intervenção simples e concisa. Começa por revelar a enormidade da fraude de que só agora tem conhecimento. Apela para a sua conhecida e nunca questionada honradez como penhor da sua palavra. Qualifica de “inqualificável” e “criminoso” o episódio em questão. Manifesta a mais firme determinação de “abrir um Inquérito para apurar todas as responsabilidades e punir exemplarmente os responsáveis”. “É o bom nome da instituição municipal que o exige! É a honra de todos os que trabalham aqui que o reclama!” Aqui chegado, o discurso sofre abrupto corte, a voz embarga-se como que de emoção, as palavras recusam-se a sair, como que incapazes de exprimir toda a angústia e indignação que lhe vai na alma! O auto-domínio, contudo, acaba por se impor. Um forte suspiro despoleta, finalmente, a tensão acumulada: “Iremos até ao fim! Custe o que custar! Doa a quem doer!” E, num gesto arrebatado de dramática teatralização o “Senhor Presidente” ergue-se rapidamente, deseja a todos ainda um pouco atónitos, um tenso “bom dia” e, antes que os jornalistas recuperem totalmente, abandona bruscamente a sala. O Dr. Marcos segue-o apressadamen-

te. Os seus olhos pitosgas estão carregados de interrogações. “Mas, Senhor Presidente, e o Inquérito? Como é que vai ser?” Aquele, que parece estranhamente ter perdido toda a tensão, pouco afrouxa o seu passo firme e cadenciado e responde displicentemente: “Ora, os inquéritos nunca são conclusivos!” De repente pára e, coçando como que distraidamente o bigode, adianta num esgar levemente trocista: “Se for preciso abrimos depois outro inquérito para averiguar porque é que diabo é que este não foi conclusivo.” Vencido, mas não convencido, o Dr. Marcos pisca os olhos repetidamente, sintoma nele de especial nervosismo! Vê-se que pretende interpelar o “chefe” mas que não se atreve. Apercebendo-se disso o “Senhor Presidente” olha fixamente o seu fiel subordinado, suspira resignado e coloca-lhe paternalmente o mão sobre o ombro: “Não te preocupes”, aconselha-o, “o tempo tudo apaga” e, parafraseando o dito popular, adianta enfaticamente, “de inquéritos velhos ninguém fala e, os novos,… deixam-se fazer velhos!” Aurélio Lopes Professor convidado da Escola Superior de Educação de Santarém

Canalizador polaco é o primeiro a ser atingido pela crise mas hesita em voltar para casa Operários, canalizadores e outros trabalhadores polacos que vivem noutros países da Europa são os primeiros a serem atingidos pela crise financeira e a recessão, mas ainda não se decidiram a regressar em massa ao seu país. “Cerca de um terço dos polacos na Grã-Bretanha e na Irlanda podem ficar desempregados com a evolução da crise”, estima a professora Krystyna Iglicka, uma demágrafa que presta assessoria ao governo polaco. “Mas não é certo, por enquanto, que voltem em massa à Polónia”, acrescenta.

Após a adesão da Polónia à União Europeia em 2004, os polacos foram trabalhar noutros países, em particular nas ilhas britânicas. No entanto, nenhum país dispõe de estatísticas muito precisas, por causa da liberdade de circulação existente na União Europeia. Mas estima-se que existam um milhão de polacos instalados nas ilhas britânicas. Outros, também numerosos, foram para a Holanda ou para os países nórdicos. Na Islândia, eram cerca de 15.000, nas últimas semanas. Mas muitos já fizeram as malas.

“Porquê ficar aqui quando o salário - 1.000 euros - é quase o mesmo na Polónia?”, interrogava o jovem cônsul polaco no país, Michal Sikorski. De acordo com informação prestada por ele, metade dos polacos que foram trabalhar na Islândia, essencialmente na construção, já deixaram a ilha. Mas, acrescenta, os que partem não estão a regressar necessariamente à Polónia. Alguns vão para a Dinamarca, ilhas Feroë e até para a Groenlândia, para os canteiros de obras. Na Irlanda, país em recessão após anos de «mila-

gre económico», os polacos que falam mal o inglês são os primeiros a perder o seu emprego. Segundo números oficiais, os estrangeiros representavam 17 por cento dos beneficiários com indemnizações laborais em Setembro. No espaço de um ano, 30 mil empregos foram suprimidos no sector da construção civil irlandês. A crise económica mundial vai ter, certamente, efeitos pesados nos fluxos migratórios na Europa. afp

a página da educação · novembro 2008


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