4º Anuário Biomassa 2016

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2016


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ediTORiAL 4º Anuário Brasileiro das Indústrias de Biomassa e Energias Renováveis Nesta edição o Anuário terá como tema principal o papel das Energias Renováveis na COP 21 em Paris

Nos últimos anos as Energias Renováveis vem aumentando sua participação na matriz energética mundial. Fontes como Energia Eólica, Energia Solar e principalmente a Biomassa vem ganhando espaço, sendo cada vez mais competitivas, e como consequência, diversos projetos para geração de energia com estas fontes limpas e renováveis estão sendo desenvolvidos em todo om Brasil. Apesar da já conhecida falta de políticas públicas adequadas e exclusivas ao setor, incentivos fiscais, além dos velhos problemas com logística, infraestrutura, e insegurança cambial, o setor de geração com Energias Renováveis tem avançado. A COP 21 em Paris conseguiu reunir centenas de representantes de países, que puderam discutir os problemas e planejar soluções. O Brasil apresentou suas metas de diminuição de gases de efeito estufa, assumindo assim um compromisso formal e público de incentivar a geração de energia por Fontes Renováveis. O país tem todas as qualidades e aptidões para ser potencial pelo forte Sol que temos quase que 12 meses por ano em algumas regiões, Forte Vento em outras regiões, e em todas elas grande potencial para aproveitamento de resíduos e criação de matéria prima para gerar energia com Biomassa. A FRG Mídia Brasil tem o imenso prazer em apresentar mais um volume deste que se tornou uma das principais fontes de informações sobre o setor, material técnico. OS colaboradores todos eles de alto nível e conhecedores dos temas em que participaram, valorizam ainda mais a publicação. Obrigado. Equipe FRG Mídia Brasil \ FRG Eventos do Brasil

e X P e die n T e DIRETOR EXECUTIVO

Tiago Fraga EDITORA

Profa Dra Suani Teixeira Coelho COORDENADOR TÉCNICO

COMERCIAL

Douglas Garcia / Cláudio Oliveira REVISÃO

Eliane Oliveira EDIÇÃO

Javier F. Escobar

FRG MÍDIA BRASIL / FRG EVENTOS DO BRASIL

SUPERVISÃO

DIAGRAMAÇÃO E ARTE

Carlos Alberto Castilhos

Gastão Neto

JORNALISTA

www.vorusdesign.com.br

Thayssen Bahls Carvalho - 9276/PR

CORREÇÃO DE TEXTO

GERÊNCIA COMERCIAL E MARKETING

Bianca Ramos

APOIO ABVE, BIOMASSA BR, GREEENERGY, ABOISSA, RENABIO, INSTITUTO BESC, UNICA, WBA - ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE BIOENERGIA, APROBIO, ABEEOLICA, CEMIG, GOVERNO DE MINAS, PORTAL BIOMASSA BR, USP, UNICA, UNICAMP, UERS, UESC, CTBE, PARANÁ METROLOGIA, BRDE, REVISTA BRASILEIRA DE BIOMASSA E ENERGIA, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GERAÇÃO DISTRIBUÍDA.

Maria Cristina Cardoso

CONTATO

55 (42) 3025 7825 55 (42) 3086 8588 comercial@frgmidiabrasil.com.br

www.anuariobiomassa.com Os artigos e matérias assinados por colunistas e ou colaboradores, não correspondem a opinião do Anuário, sendo de inteira responsabilidade do autor.

4O Anuário Brasileiro das Indústrias de Biomassa e Energias Renováveis é uma publicação da

VERSÃO DIGITAL

Vorus Design e Web

ISSN 2447-5785

4o ABIBER – 3


Índice

06

Considerações sobre a COP 21

José Goldemberg

06

1Impactos 0 da COP 21

no setor Eólico Brasileiro Elbia Silva Gannoum

1Energia 6 Solar no Brasil e no mundo 22

Resíduos sólidos urbanos

3 0 Biocombustíveis 36

10

Considerações sobre o setor de Biodiesel no Brasil

4 2 Bioeletricidade no setor de Cana-de-açúcar 4 6 Potencial da produção de Bioenergia 5 2 Biomassa no setor Sucroenergético

22


60

60

COP 21

64

Uso energético do Hidrogênio

7 2 Potencial do Biogás no Brasil 76

Florestas Energéticas

8 4 Mercado de Pellets no Brasil 90

Biomassa Florestal

96

Energias Renováveis no Agronegócio

84

106

Mudanças climáticas

Índice

76


Conferência de Paris

– uma avaliação José Goldemberg

Professor Emérito Universidade de São Paulo e Presidente da FAPESP

A

Conferência sepultou a falsa controvérsia científica levantada pelos “céticos” sobre a causa das mudanças climáticas.

Conferência das Partes (COP) da Convenção do Clima que ocorreu em Paris em dezembro de 2015 se diferencia das anteriores pelo seu realismo. As decisões são tomadas por consenso nestas conferências – o que é raro – mas em Paris este consenso teve um preço elevado. Todos os países tiveram que ceder um pouco; em consequência os resultados foram mais modestos do que desejavam algumas organizações governamentais e mais ambiciosos do que os Estados Unidos, entre outros países, desejavam. O “Acordo de Paris” que resultou a Conferência de Paris reconhece claramente a gravidade dos problemas causados para as mudanças do clima pela atividade humana e

6 – 4o ABIBER

Além disso, acabou com a divisão do mundo em dois grupos de países (Anexo I que são os desenvolvidos e não-Anexo I, que são os países em desenvolvimento que constavam da Convenção do Clima adotada em 1992).

estabelece como meta evitar que a temperatura média da Terra suba 2ºC (dois graus Celsius) – ou menos – até o fim do século. Com isso, a

Todos os países devem contribuir para reduzir suas emissões levando em conta as suas características próprias e esta contribuição se expressa através dos INDC (Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada) que os países apresentaram ao Secretariado da Convenção com metas quantitativas e indicações de como se propõem a cumpri-las.


As metas não são determinadas “de cima para baixo”. Tentou-se fazer isso no Protocolo de Kyoto que falhou porque os Estados Unidos não ratificaram o Protocolo e a China – que acabou se tornando o maior emissor mundial – foi isento pelo Protocolo de reduzir suas emissões.

Em lugar de decisões multilaterais foram adotadas decisões unilaterais tomadas pelos países (de “baixo para cima”)

o rejeitaria. Ele é um instrumento usado pela COP da Convenção do Clima para atingir seus objetivos e a Convenção do Clima foi ratificada por todos os países, inclusive os EsSob este ponto de vista a Con- tados Unidos. ferencia de Paris foi um sucesso. Estados Unidos e China apresentaram Em lugar de decisões multilateINDC’s bastante razoáveis e as re- rais foram adotadas decisões unilateduções das emissões propostas uma rais tomadas pelos países (de “baixo vez comunicadas ao Secretariado se para cima”). Por exemplo, o governo tornam compulsórios no sentido da China percebeu que o uso ilimitaque são públicos, transparentes e do de carvão, como base de seu deobjeto de fiscalização. Fundos inter- senvolvimento econômico, deterionacionais foram criados para ajudar rou seriamente a qualidade do ar nas os países menos desenvolvidos a grandes cidades da China. Por essas cumprir seus INDC’s razões o governo chinês decidiu que até 2030 – ou mesmo antes disso – o O fato do “Acordo de Paris” uso de carvão não aumentará mais e não ser um novo Tratado evita que começará a declinar. Outros países, tenha que passar pelo Senado dos inclusive o Brasil adotaram proceEstados Unidos que provavelmente dimentos análogos como reduzir o

desmatamento da Amazônia que reflete seu próprio interesse nacional.

O que houve pois, foi um amadurecimento das políticas internas dos países em relação ao aquecimento global. Os que achavam que o campo de batalha seriam as conferências do clima onde se reúnem os chefes de Estado e decisões são tomadas, perceberam que a verdadeira batalha deveria ocorrer dentro de cada país onde políticas internas foram decididas e adotadas. O INDC do Brasil no que se refere à redução das emissões diz o seguinte: • Compromete-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025. • Reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005 em 2030 meta indicativa.

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Para atingir essas metas o Brasil pretende:

1

“Aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para aproximadamente 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis, aumentando a parcela de biodiesel na mistura de diesel;

2

3

No setor florestal e de mudança no uso da terra;

No setor de energia, alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030, incluindo:

- fortalecer políticas e medidas com vistas a alcançar, na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030 e a compensação das emissões de gases de efeito estufa provenientes da supressão legal da vegetação até 2030; - restaurar e florestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, para múltiplos usos;

8 – 4o ABIBER

- Expandir o uso doméstico de fontes de energia não fóssil, aumentando a parcela de energias renováveis (além da energia hídrica) no fornecimento de energia elétrica para ao menos 23% até 2030, inclusive pelo aumento da participação de eólica, biomassa e solar”. Converter em realidade estas promessas vai exigir muito trabalho, mas o caminho está traçado.


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Implicações do Acordo de Paris

no Setor Eólico Brasileiro Elbia Silva Gannoum

Presidente Executiva da ABEEólica - Associação Brasileira de Energia Eólica

E

m Dezembro de 2015 foi publicado pela ONU o acordo firmado entre 195 Nações e visa o estabelecimento de metas para manter o aumento da temperatura global a 1,5ºC, como combate às consequências ambientais das Mudanças Climáticas. Este tema é intensamente discutido e analisado por pesquisadores ha pelo menos 24 anos, quando foi realizada a primeira reunião entre líderes mundiais para esta finalidade, evento conhecido como Eco-92. 10 – 4o ABIBER

conferência, muito embora as expectativas para a assinatura do documento estivessem voltadas para os grandes poluidores mundiais: China e Estados Unidos da América. Nosso País deve reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 43% até 2030, tendo como base os valores de 2005. De todas as metas apresentadas pelo Brasil, consideradas ambiciosas pelo Governo Federal, a redução do desmatamento é a mais crítica e a mais questionada pelos espeA participação do cialistas, por classificarem Brasil foi destaque nesta que o desmatamento ileDesde então, o que se observou foi um árduo debate internacional sobre a eficácia destes acordos e até mesmo da autenticidade das análises ambientalmente catastróficas provenientes das pesquisas relacionadas ao Clima. Dos acordos produzidos nestas duas décadas, apesar de haver opiniões contrárias, o de Paris parece ser o mais adequado para a finalidade em causa, além de ser um relevante produto da Diplomacia.

gal, por sua natureza, não deveria compor tal meta. Sob esta ótica, o agronegócio será o setor divisor de águas. Para o setor da energia, o Brasil apresentou como metas os seguintes pontos: alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030, incluindo a expansão do uso de fontes renováveis, além da energia hídrica, na matriz total de energia para uma participação de 28% a 33% até 2030; a expansão


deste impacto, como é o energética era provenien- hidrelétricos economicate de fontes renováveis, mente e ambientalmente caso das ilhas. contra menos de 20% da aproveitáveis, seja pela Os principais pontos média mundial em 2011. necessidade de garantir de crítica ao conteúdo fi- Adicionalmente, o País uma maior segurança do nal ficam a cargo da não dispõe de diversas opções abastecimento do sistema. previsão de verificação do de geração de energia lim- Neste processo, o PROINcumprimento das metas, pa e competitiva para sua FA - Programa de Incentie também a possibilidade expansão, incluindo a hi- vo às Fontes Alternativas não haver financiamento droeletricidade, a cogera- de Energia Elétrica, criado suficiente para todas as ção, a biomassa e a ener- em 2002 no auge da criiniciativas ambientais a gia eólica. Sendo, por esta se de oferta de energia, e serem planejadas. Contu- razão, uma das economias implementado a partir de do, a boa notícia é que o mais eficientes na geração 2004 contratou no total montante de 100 bilhões de PIB por consumo ener- 3.300 MW de potência, dividida entre as fontes Eólide dólares será destinado, gético. ca, PCH e Biomassa. anualmente, aos países em Neste cenário, a madesenvolvimento para que A partir deste perípossam desenvolver sem triz elétrica brasileira vem prejuízo todos os progra- mudando gradativamente, odo, a configuração da mas com vistas a atender principalmente nos últi- matriz elétrica brasileira as metas propostas no iní- mos dez anos, com desta- vem se modificando, com que para os últimos cinco a importante introdução cio da conferência. anos, devido à forte par- das então chamadas fonO Brasil é um país tra- ticipação da fonte eólica tes de energia renováveis com dicionalmente intensivo nos leilões competitivos complementares, no uso das fontes reno- do Setor Elétrico. O Brasil destaque para a fonte eóváveis impulsionado pelo começa a mudar a confi- lica conforme figura 1 uso histórico dos abun- guração tradicional de sua apresentada abaixo, com dantes recursos hidroelé- matriz hidro-térmica para a configuração da matriz tricos. Neste sentido, o renovável-térmica, a par- atual e matriz para 2024, país é destaque pela gera- tir da introdução de outras conforme dados do Plano ção de energia elétrica lim- fontes renováveis como Decenal de Expansão de pa e renovável, preponde- fonte complementar a tra- Energia – PDE da EPE. rantemente, hídrica, onde dicional hidrelétrica. Seja Muito recente no Brado uso doméstico de fon- a eólica é complementar. pelo natural e gradativo tes de energia não fóssil, Em 2013, 41% da matriz esgotamento dos recursos sil, a energia eólica já vem aumentando a parcela de energias renováveis (além Figura 1: Matriz elétrica nacional atual e para 2024. da energia hídrica) no fornecimento de energia elétrica para ao menos 23% até 2030, inclusive pelo aumento da participação de eólica, biomassa e solar. É consenso atualmente que, é urgente a necessidade em tomar uma medida de ação e controle ambiental mundial para salvaguardar as futuras gerações dos impactos nocivos das Mudanças Climáticas, mas considerando o histórico poluidor dos diferentes países, condições econômicas e a fragilidade ambiental em receber as alterações provenientes 4o ABIBER – 11


Em termos de potencial, a possibilidade de produção de energia eólica no Brasil é quase infinita, temos potencias eólicos de altíssima qualidade no Nordeste e Sul do País... a consequente redução do gia para atender o mercado brasileiro, em trajetória aquecimento global. de crescimento em termos Por possuir um drive de consumo de energia, o diferente e um tempo dife- Brasil vem diversificanrente, destaque-se o papel do fortemente sua matriz das hidrelétricas, supra- elétrica, construindo um mencionado, o Brasil ini- mix de geração de energia ciou fortes investimentos com forte predominância hidrelétrica e na fonte eólica inserindo a partir do cada A título de compa- final do vez ração, a Europa, pionei- a n o ra nos investimentos em d e fonte eólica, no final dos anos 70 durante a segunda grande crise do petróleo, percebeu a sua forte dependência energética na medida em que utilizava para a produção de energia elétrica o carvão e os derivados do petróleo, sendo esses insumos importados. contribuindo em grande grau para o desenvolvimento do País, abastecendo nos dias de hoje cerca de 14 milhões de lares brasileiros, ou 40 milhões de habitantes, correspondendo, portanto por 6% da capacidade total instalada de energia elétrica no País.

No início dos anos 90, com o objetivo de reduzir essa dependência e ter mais autonomia na produção de um insumo vital para qualquer economia, a energia elétrica, os países europeus fizeram grandes investimentos na produção de tecnologia das até então chamadas fontes alternativas. Tais fontes trariam naturalmente, por um lado, a independência desses países em termos energéticos e, portanto, maior segurança nacional e, por outro, a possibilidade de produção de energia a partir de fontes limpas e renováveis contribuindo para a redução da emissão de CO2 e 12 – 4o ABIBER

2009, uma vez que a produção de energia do país sempre obedeceu ao quesito de independência energética e de baixa emissão CO2, dada a grande fatia da produção de energia elétrica do Brasil proveniente da hidroeletricidade. Em tempos que os grandes potenciais hidrelétricos estão se tornando cada vez mais escassos, nota-se a necessidade de aumentar a oferta de ener-

mais outras fontes renováveis. É neste cenário que a indústria de energia eólica brasileira vem ocupando cada vez mais espaço no País, sendo hoje a segunda fonte mais competitiva e também a segunda mais contratada. Foram contratados desde 2009, a partir do primeiro leilão competitivo com participação eólica, mais de 14 GW de capacidade eólica instalada, isto significa cerca de 50% do que foi contratado

nos últimos 5 anos quando somamos todas as fontes: nuclear, hidrelétrica, carvão, biomassa e outras. A energia eólica hoje já instalada representa cerca de 6% do total de energia para o sistema, atingindo picos de 10% em atendimento a carga brasileira, e vai crescer fortemente nos próximos anos chegando a 12% em 2020, e já alcançando a segunda posição na matriz em termos de capacidade instalada. Atualmente a hidrelétrica está na primeira posição em torno de 65%, seguida pela termelétrica a gás natural e biomassa com cerca 10% cada. Em termos de potencial, a possibilidade de produção de energia eólica no Brasil é quase infinita, temos potencias eólicos de altíssima qualidade no Nordeste e Sul do País, e, mais recentemente, os estudos eólicos têm apresentado potenciais em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e outros estados que estiveram fora da rota da energia dos ventos no passado. A revolução tecnológica com destaque para a altura das torres e potência da máquina, do aerogerador, vem permitindo essa configuração. Estima-se que o potencial eólico brasileiro está em torno de 500 GW, o que é cerca de três vezes a necessidade atual de energia do País.


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De acordo com o “Climatescope 2014” da Bloomberg New Energy Finance, dos 22 bilhões de Reais investidos em fontes renováveis no Brasil, 18 bilhões de Reais foram para a fonte eólica Fonte de energia que muito vem contribuindo para a geração de energia elétrica e, portanto, para a segurança do sistema; a eólica permitiu que o Brasil alcançasse patamares jamais experimentados por outras economias em

termos de competitividade de preços. Além disso, encerramos o ano de 2014, como um dos países que mais investem em energia eólica no mundo, fomos classificados, como o 4º País que mais instalou nova potência eólica,

passamos agora a fazer parte do TOP TEN em capacidade instalada, sendo o décimo país atualmente, e ainda, fomos classificados como o 2º país mais atrativo para investimentos em energia renovável, com destaque para a fonte eólica. De acordo com o “Climatescope 2014” da Bloomberg New Energy Finance, dos 22 bilhões de Reais investidos em fontes renováveis no Brasil, 18 bilhões de Reais foram para a fonte eólica. O Gráfico abaixo mostra a trajetória virtuosa de crescimento da fonte. A despeito do virtuoso crescimento em termos de capacidade instalada, a fonte eólica, possui poucos projetos cadastrados no MDL, conforme dados do MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, figura 2.

Figura 2: Desenvolvimento da Fonte Eólica no Brasil

Fonte: ABEEólica 14 – 4o ABIBER

No entanto, a contribuição ambiental destes projetos para além dos conhecidos ganhos socioambientais, também pode ser medida pelas emissões anuais evitadas pela operação do parque gerador. Considerando a excepcional geração anual, conferida pelas características dos ventos brasileiros que são as mais adequadas para a geração de eletricidade, proporcionando fatores de capacidade médios anuais de 41%, a Setor Eólico já evitou mais de 19 milhões de toneladas de CO2. No dia 02/11/2015, por exemplo, o parque gerador eólico foi responsável por atender 10% das necessidades elétricas do Sistema Interligado Nacional. Para a Conferência do Clima deste ano, foi apresentado pelo Brasil, um estudo realizado pelo MCTI, com o objetivo de reunir informações vinculadas


Figura 3: Evolução dos Projetos Eólicos Brasileiros cadastrados no MDL

Fonte: MCTI/ABEEólica

...cerca de 40% de sua matriz em fontes renováveis complementares, nesse cenário, a fonte eólica será, sem dúvida, a principal protagonista. ao Anexo II dos projetos de MDL em energia eólica e conhecer as iniciativas desenvolvidas pelas empresas e seus impactos positivos nas localidades no entorno dos parques, além disso, o estudo também contemplará aspectos de sustentabilidade nas iniciativas implementadas. O foco estratégico deste estudo é informar aos participantes da COP 21 os

ganhos gerais de sustentabilidade dos empreendimentos eólicos instalados no Brasil, motivando condições mais adequadas para a incorporação destes projetos no MDL. Em uma análise geral, é possível afirmar que o Setor Eólico possui a atenção de um amplo mercado de Carbono por explorar. Esta é ainda uma nova pos-

bilidade, que podem ser modificadas diante da manifestação de maior participação financeira dos países emergentes nestas questões, diferentemente do modelo político adotado até o momento. O Setor Eólico prossegue na expectativa dos melhores resultados das discussões de Paris para que os fatores econômicos acompanhem a sustentabilidade em prol da diplomacia e da boa organização internacional.

sibilidade do Setor colocar, O Brasil tem todas as mais uma vez, o Brasil em um patamar único de sus- condições para compor tentabilidade relacionado uma matriz elétrica limpa e renovável, que além das ao Setor Elétrico. hidrelétricas, pode ter, de Naturalmente, o de- acordo com as declarações senvolvimento desta da Presidente na ONU, perspectiva depende dos cerca de 40% de sua madesdobramentos interna- triz em fontes renováveis cionais sobre o comércio complementares, nesse cede Carbono e os dos ru- nário, a fonte eólica será, mos das políticas inter- sem dúvida, a principal nacionais sobre sustenta- protagonista. ▪ 4o ABIBER – 15


COP21 - Acordo de Paris de mãos dadas com

geração Distribuída

Carlos Evangelista - Presidente da ABGD - Associação Brasileira de Geração Distribuída

A

COP-21 foi realizada sob a coordenação do principal órgão das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), iniciado em 1992 (ECO-92 – realizada no Rio de Janeiro) e renovada desde então. A Convenção foi criada a fim de compreender e encontrar soluções para as mudanças climáticas. Neste contexto, desde 1995, quase todos os países do mundo se reúnem anualmente para discutir juntos sobre soluções para mitigar o aquecimento global. A edição francesa do ano passado foi bastante concorrida, comentada e divulgada. O evento foi realizado em Paris de 30 de novembro a 11 de dezembro e reuniu cerca de 200 signatários da UNFCCC, ONGs, empresas globais e grupos científicos. Diversos assuntos foram tratados, inclusive com propostas diferenciadas, como as apresentadas pelo governo brasileiro de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 43% até 2030, redução relevante do desmatamento em área protegidas, proteção de mananciais, etc. No setor de energia, que impacta diretamente nosso segmento – Geração Distribuída com fonte de energias renováveis, o Brasil apresentou como meta alcançar uma participação de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética até 2030. 16 – 4o ABIBER

Expansão do uso de todas as outras fontes renováveis (eólica, biomassa, solar fotovoltaica, solar térmica, biogás, etc.) na matriz total de energia


Isso inclui a expansão do uso de todas as outras fontes renováveis (eólica, biomassa, solar fotovoltaica, solar térmica, biogás, etc.) na matriz total de energia, para uma participação de no mínimo 28% em 2030. Unir sustentabilidade com preservação do meio ambiente, desenvolvimento econômico e suprimento de energia barata, abundante e contínuo não é um desafio fácil. O crescimento anual da demanda de energia elétrica mundial aumenta em índices muito maiores do que a capacidade de expansão do sistema elétrico. Essa energia tem que ser acessível a custos plausíveis para todas as economias do planeta e não apenas para alguns países mais privilegiados. Não são todos os países do mundo que possuem ambientes favoráveis como o Brasil, que possui condições de desenvolver praticamente todas as fontes de energia economicamente viáveis, renováveis ou não. Não devemos e não podemos abrir mão de nenhuma fonte de energia, cada uma delas com suas particularidades e especificidades, mas todas fundamentais para o desenvolvimento da economia e da sociedade como um todo. Evidentemente, as fontes renováveis merecem e devem ter todo o nosso foco e atenção, pelos motivos já amplamente conhecidos e discutidos há anos. Seria extremamente saudável e salutar, que as fontes fósseis fossem 100% substituídas pelas fontes renováveis, e o fato de se criarem metas e parâmetros para isso já é um grande passo. Há países já caminhando nessa direção. Em relação a Energias Renováveis fomos além, no Brasil, grande parte de nossa matriz elétrica já é proveniente de fontes renováveis e particularmente as fontes renováveis “intermitentes” (como alguns denominam)

Não são todos os países do mundo que possuem ambientes favoráveis como o Brasil, que possui condições de desenvolver praticamente todas as fontes de energia economicamente viáveis, renováveis ou não

4o ABIBER – 17


como a eólica e a solar fotovoltaica têm crescido consi- mais confiável e mais fácil para ser conectada à rede". ( deravelmente a ponto de serem consideradas relevantes leia-se: Geração Distribuída ) no planejamento estratégico Os países signatários, do setor para os próximos em apoio a iniciativa indiaanos. na, afirmaram querer "re"Queremos levar a energia alizar esforços conjuntos e Nesta convenção em inovadores com o objetivo particular (COP21), tivemos solar para nossas vidas, de reduzir os custos de fipor iniciativa do primeiro nanciamento e tecnologia ministro indiano. Mr. Nanossos lares, tornando-a para uma utilização imediarendra Modi, uma coalizão ta de ativos solares competide 121 países situados nas mais barata, mais tivos". Segundo o presidente regiões mais ensolaradas do francês, François Hollande: mundo, uma região conheciconfiável e mais fácil para "Não podemos mais aceitar da como “Sunbelt”, que são o paradoxo que os países de os países situados entre os ser conectada à rede" maior potencial em energia trópicos de Capricórnio e o solar representem apenas trópico de Câncer; lançaram uma pequena parcela da proa chamada "Aliança InterNarendra Modi dução de energia solar munnacional da Energia Solar dial". - ISA". Primeiro ministro indiano. A iniciativa contou com o apoio dos presentes e chamou atenção de muitos dirigentes que coordenavam as iniciativas do fórum. Na presença do presidente francês François Hollande e do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Kimoon; Modi declarou: "Queremos levar a energia solar para nossas vidas, nossos lares, tornando-a mais barata, 18 – 4o ABIBER

No texto final apresentado pelo ministro do exterior francês, Sr. Laurent Fabius, a meta estabelecida é de que o aumento máximo da temperatura média do planeta não supere os 2oC em relação aos níveis pré-industriais, e abre-se a possibilidade de baixar esse objetivo a 1,5o C. Cientistas ressaltaram que após décadas de emissões de gases de efeito estufa já não há possibilidade real de conter o aqueci-


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mento do planeta. O que se busca agora é tentar que o aumento da temperatura não ultrapasse da barreira dos 2o C, evitando assim as consequências catastróficas previstas por muitos especialistas no assunto. Para tal é fundamental limitar as emissões dos gases causadores do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono. Também no estudo Inserção da Geração Fotovoltaica Distribuída no Brasil – Condicionantes e Impactos em sua pág. 51 o texto deixa claro a importância de GD na mitigação dos gases de efeito estufa: “... foi avaliado o impacto na redução de emissões de gases de efeito estufa, provocado pela inserção da geração fotovoltai-

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ca distribuída. Ressalta-se que a matriz elétrica brasileira pode ser considerada como um exemplo de baixa emissão, tendo em vista que, segundo o Balanço Energético Nacional 2013, para produzir 1 TWh, o setor elétrico brasileiro emite seis vezes menos que o europeu, sete vezes menos do que o americano e onze vezes menos que o chinês. No entanto, a geração fotovoltaica, fonte livre de emissões em sua operação, pode contribuir com a manutenção deste status frente ao aumento da demanda elétrica nacional. Os resultados desta avaliação compõem o gráfico abaixo, com a qual se pode observar um acumulado de aproximadamente 2,7 MtCO2-eq no final do período. O valor de emissões evitadas em 2023 é de cerca de 500 mil toneladas de CO2-eq, o que


representa as emissões de uma planta termelétrica a gás natural de aproximadamente 140 MW, funcionando com fator de capacidade de 90%, durante esse ano”. A perspectiva de crescimento desse mercado, Geração Distribuída, depende de inúmeros fatores e está diretamente relacionada com o desempenho da economia, valor do câmbio, aprovação dos PL’s (projetos de lei) que estão tramitando no Congresso (alguns defendem o uso do FGTS, outros a desoneração do setor), da evolução da tarifa de energia, da cooperação entre as distribuidoras e empresas integradoras, da viabilização de novos mercados para GD (A4 por exemplo) ou seja, trata-se de algo de difícil previsibilidade, no entanto, temos motivos para ser otimistas pois a conjuntura atual é favorável, há uma maior disseminação de informações além de conscientização da sociedade para utilização de Geração Distribuída, de todas as fontes renováveis, em especial com Energia Solar Fotovoltaica, Eólica e Biomassa.

A melhor maneira de estimular o mercado de Geração Distribuída com seus 67.262.795 de potenciais clientes residenciais (tabela da ANEEL), passa pelo estímulo da demanda!

Essa conscientização, aliada ao forte desenvolvimento das empresas do setor, inclusive com a recente criação de uma Certificação de Instalador Fotovoltaico nesse sentido, desde a isenção de ICMS, diminuição da (que trará mais confiança para este segmento), temos alíquota do II (imposto de importação); abatimento no IPTU, passando pelo uso do FGTS na aquisição de equicondições para crescer 300 % em 2016. pamentos e finalizando com abatimento no Imposto de A melhor maneira de estimular o mercado de Ge- Renda aos contribuintes que investem em Geração Disração Distribuída com seus 67.262.795 de potenciais tribuída com fontes de energias renováveis. clientes residenciais (tabela da ANEEL), passa pelo esOs caminhos estão abertos e as inúmeras oportutímulo da demanda! Evidentemente que desoneração da cadeia produtiva, estímulo às empresas envolvidas nidades e modelos de negócio cada vez mais acessíveis. no setor, incentivos a indústria local, simplificação dos Temos uma clara janela de oportunidades e ações para procedimentos de conexão são ações que sempre co- efetivar visando maximizar o setor. É tempo de desperlaboram, haja visto que existem inúmeras sugestões tar e partir para a ação! ▪ 4o ABIBER – 21


RSU no Brasil

Vanessa Pecora Garcilasso - USP Profa DRa Suani Teixeira Coelho

Coordinator Research Group on Bioenergy/ GBio Institute of Energy and Environment University of São Paulo

A 22 – 4o ABIBER

destinação de resíduos sólidos urbanos (RSU) é um desafio para a gestão pública no Brasil, tanto pelos impactos ambientais, como pelo esgotamento dos aterros próximos aos centros de consumo. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resí-

duos Especiais - ABRELPE (2014) pode-se perceber que uma perspectiva otimista em relação à destinação final e adequada de resíduos no Brasil está longe da situação ideal. Em 2014 foram coletadas 195.233 toneladas de resíduos sólidos urbanos, porém, mais de 7 milhões

de toneladas deixaram de ser coletadas, apresentando um destino incerto e inadequado, sendo vetores de doenças e poluição do meio ambiente. De todo o resíduo coletado no país, apenas 58,4% é disposto em aterros sanitários e diariamente 81 mil toneladas são enviadas a ater-


Como recomendado ros controlados ou lixões, onde não recebem o trata- pela PNRS, o resíduo deve passar por um tratamento mento final adequado. e ser transformado em maO desafio para os go- terial inerte (rejeito) antes vernos é a redução da ge- de ser depositado no aterração desses resíduos bem ro. Esse tratamento pode como do desperdício e dos ser feito por maneiras e impactos nocivos à saúde e tecnologias diversas, danao meio ambiente (LINO, do oportunidade para o incremento da recuperação 2011). energética e por consequA PNRS, promulga- ência, a geração de energia da pela Lei 12.305/2010, a ser inserida no Sistema dispõe a respeito dos prin- Interligado Nacional - SIN. cípios, objetivos e instruHá tecnologias capamentos para implantação da PNRS, assim como es- zes de promover soluções tabelece as diretrizes rela- sustentáveis que visem o tivas à gestão integrada e correto tratamento dos o gerenciamento dos resí- RSU e/ou sua correta duos sólidos que refletem destinação, além da posa não geração, a redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Em seu art. 3º, inciso VII, é definido como destinação final ambientalmente adequada a destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), do SNVS (Sistema Nacional de Vigilância Sanitária) e do SUASA (Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária), entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos.

deve ser considerado uma da gera entre 160 e 250 m3 tecnologia para a recupe- de biogás. ração energética dos resíduos sólidos urbanos. Quando o aterro sanitário passar a receber O aterramento é uma apenas rejeitos, de acordo das técnicas de proces- com a PNRS, a tendência samento final de RSU de é que não ocorra mais promodo a atenuar os seus dução de biogás, uma vez impactos no meio ambien- que a matéria orgânica dos te. Essa técnica consiste, rejeitos será nula ou em basicamente, na compac- quantidade muito pequetação dos RSU no solo, na na. Entretanto, a matéria forma de camadas que são orgânica que já havia sido periodicamente cobertas aterrada continuará a procom terra ou outro mate- duzir biogás, que deve ser rial inerte. A maioria dos captado e, posteriormenaterros sanitários recebem te, queimado em flare ou os RSU in natura, sem ne- ser utilizado para outros nhum pré-tratamento, o fins energéticos1. que não pode mais ocorrer com a introdução da PNRS. A energia proveniente dos RSU ganha importância frente às novas políticas de geração de energia a partir de biomassa e outras fontes renováveis, visto que podem reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Geralmente, os aterros sanitários possuem alta capacidade de geração de energia

Como recomendado pela PNRS o resíduo deve passar por um tratamento e ser transformado em material inerte (rejeito) antes de ser depositado no aterro. sibilidade de geração de energia, proporcionando a redução do consumo de combustíveis fósseis. A destinação e a disposição devem obedecer às normas operacionais específicas de modo a minimizar os impactos ambientais adversos e a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança. A destinação final inclui tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis. O aterro sanitário, que promove a geração de energia a partir dos RSU já dispostos, não

Neste ambiente deve estar previsto, na concepção do aterro, a impermeabilização do solo, os drenos líquidos para o chorume gerado e os drenos gasosos para coleta do biogás produzido, de modo a evitar danos à saúde pública e à segurança. O biogás de aterro é gerado a partir da decomposição da matéria orgânica presente nos resíduos através do processo de digestão anaeróbia (sem a presença de oxigénio). IPCC (2007) estima que cada tonelada de resíduos sólidos urbanos deposita-

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A partir do momento em que os RSU são aterrados em aterro sanitário, a matéria orgânica presente começa a entrar em decomposição, gerando o biogás. A curva de produção de biogás em um aterro sanitário é crescente até o encerramento de suas atividades, ou seja, até parar de receber RSU. Após seu encerramento, a curva de biogás começa a cair e, dependendo das condições do aterro e de outros fatores como composição dos resíduos, fatores climáticos, entre outros, ainda haverá produção de biogás por mais de 10 anos. O mesmo acontecerá com a curva de biogás quando os aterros sanitários passarem a receber apenas rejeitos. A partir desse momento a curva de produção de biogás irá começar a declinar, pois não haverá mais produção de biogás a partir de novos RSU que estarão sendo depositados, e sim apenas da matéria orgânica que já se encontra aterrada.

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elétrica a partir do biogás. A energia gerada pode diminuir a sobrecarga das concessionárias, além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, pois o metano, principal constituinte do biogás, é transformado em gás carbônico, com potencial de aquecimento global 21 vezes menor. Além disso, há possibilidade do aterro comercializar a energia elétrica excedente para a concessionária local. Entretanto, geralmente em pequenos municípios, os resíduos sólidos urbanos são destinados a lixões a céu aberto, que é a forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos, que se caracteriza pela simples descarga do lixo sobre o solo, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública. No lixão não existe nenhum controle quanto aos tipos de resíduos depositados nem ao local de disposição dos mesmos. Nesses casos, resíduos domiciliares e comerciais de baixa periculosidade são depositados juntamente com os industriais e hospitalares, de alto poder poluidor. Além disso, pode haver outros problemas associados, como: presença de animais, presença de catadores (que na maioria dos casos residem no local) e contaminação do lençol freático e água subterrânea.

Figura 1. Tecnologias de recuperação energética de RSU Fonte: (FRATE, 2011).

não existir tubulações de captação de biogás, o mesmo não pode ser coletado e aproveitado. E por esse motivo, além da falta de critérios técnicos de estruturação do aterro (como a formação de pilhas muito íngremes), existem riscos de explosões devido ao acúmulo de biogás no interior do lixão.

(em média 50% dos RSU é matéria orgânica) e seu poder calorífico, as tecnologias disponíveis para o aproveitamento energético de RSU compreendem processos termoquímicos (combustão, pirólise, gaseificação) e processos biológicos (digestão anaeróbia), conforme ilustra a Figura 1.

Diante da atenção voltada à questão dos RSU, alguns estudos objetivam as adaptações de tecnologias, normalmente utilizadas para outros tipos de resíduos e/ou combustíveis, para que possam processar os resíduos sólidos urbanos.

Além dos processos térmicos, como a incineração e a gaseificação, apresentados posteriormente, os RSU também podem ser tratados em processos biológicos.

Embora os lixões sejam a céu aberto, ou seja, em contato com o ar, os resíduos depositados nas camadas mais profundas produzem biogás porque Dada a considerável se encontram em meio anaeróbio. Entretanto, por fração orgânica do RSU 24 – 4o ABIBER

O aproveitamento energético de RSU por processo biológico se dá por meio de processo de digestão anaeróbia realiza-

da em biodigestores, contemplado por uma central de geração de energia, e ainda um sistema de remoção de recicláveis secos na recepção dos RSU2, conforme a configuração apresentada na Figura 2. Esse complemento atende a duas razões. A primeira é que a biodigestão ocorre nos materiais degradáveis (matéria orgânica presente nos RSU). Assim, a inserção de plásticos, metais, vidros, papel e papelão no biodigestor, apenas reduz espaço produtivo em seu interior, diminuindo a produção de biogás por vo-

Para pequenos municípios, como no caso deste trabalho, remoção de recicláveis secos dos RSU (separação do material não digerível) pode ser realizada manualmente.

2


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lume processado. A segunda e principal razão é que a separação dos recicláveis secos é um dos pilares de sustentação da PNRS, pelos múltiplos benefícios que acarreta para ciclos econômicos, sociais e ambientais (ClimatWorks, 2012). A matéria orgânica separada no processo é encaminhada ao tratamento biológico, no qual sofre decomposição anaeróbia em biodigestores, produzindo biogás e um subproduto sólido e outro líquido. No interior do biodigestor, o material é diluído de modo a obter o conteúdo de sólidos desejado, e permanece por um determinado tempo de retenção. Para a diluição, uma variada gama de fontes de água pode ser utilizada, como a água limpa, lodo de esgoto ou os próprios efluentes do biodigestor.

Figura 2. Configuração da digestão anaeróbia dos RSU por meio de biodigestor Fonte: Adaptado de (ARCHER, 2005).

efluente líquido, também pode ser usado como biofertilizante, ou pode ser enviado para estação de tratamento de esgoto ou ainda ser utilizado no próprio processo para diluir a matéria orgânica. Os rejeitos sólidos são encaminhados para aterros sanitários. Alternativamente, a matéria orgânica também pode ser destinada à compostagem, porém, por ser um processo aeróbio, não ocorre a formação de biogás e, portanto, não há geração de energia.

O material sólido É importante frisar (lodo) é geralmente maturado e comercializado que o objetivo maior deste processo não é a como composto geração de orgânienerco. O gia e

sim a destinação final (tratamento) dos RSU, isto é, transformar estes resíduos em rejeitos para a disposição final nos aterros sanitários, seguindo as diretrizes da PNRS. Esse processo aponta como alternativa promissora para a matéria orgânica presente nos RSU devido à produção de altas taxas de biogás, além de evitar a emissão fugitiva de biogás para a atmosfera, como acontece nos aterros sanitários. Entretanto, os processos empregados ainda não constituem uma prática muito difundida no Brasil, principalmente, pelo elevado custo de implementação. A incineração é a tecnologia que permite realizar o tratamento térmico do resíduo, seja ele doméstico, hospitalar ou industrial3. No Brasil, geralmente é utilizado para o tratamento de resíduos de alta periculosidade ou que necessitam destruição completa e segura. O processo tem como base a oxidação térmica dos resíduos, com excesso 3

Por serem incineradores de pequeno porte, quando são tratados resíduos hospitalares e industriais não há geração de energia.

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de oxigênio ou ar a temperatura elevada (900 a 1250ºC), em câmaras de combustão com tempo de permanência controlado, resultando em um produto final com menor peso e volume, denominado cinzas (ESSENCIS, 2010). As cinzas normalmente são classificadas como rejeitos não perigosos, podendo assim ser destinadas aos aterros sanitários. Geralmente, o processo de incineração consiste em dois estágios: primeiramente o resíduo é queimado na câmara primária a altas temperaturas, tornando algumas substâncias em gases e outras em forma de pequenas partículas. Essa mistura de gases e partículas é queimada na câmara secundária a temperatura mais elevada para que ocorra a combustão completa. A energia é recuperada da corrente quente de gases por aquecedores convencionais gerando vapor, que por sua vez pode ser utilizado na geração de energia elétrica através de turbinas a vapor (HENRIQUES et. al., 2003). Apesar de pouco utilizada no Brasil, a incineração de resíduos também pode trazer riscos à saúde caso não sejam instalados equipamentos para con-


incineradores, por receio das características tóxicas dos gases de exaustão. Existe apenas uma Usina de Recuperação Energética (URE) de resíduos com licença ambiental prévia aprovada, localizada em Barueri/SP (CETESB, As plantas de incine- 2012). ração já sofreram várias O estado de São Paumudanças, principalmente devido a emissão de gases lo instituiu a Resolução tóxicos. Por volta de 1980 CONAMA SMA 079 de 4 houve uma forte campanha contra as usinas de incineração de resíduos, culminando na adoção de legislações ambientais com limites rigorosos para emissões gasosa nos EUA, Japão e Comunidade Europeia. Como consequência, muitas usinas foram encerradas e outras tiveram que se adequar às legislações, investindo bilhões para a realização de mudanças, passando a ser denominadas Usina para Tratamento Térmico de Resíduos (UTTR) ou Usina de Recuperação de Energia (URE) (do inglês Wast to Energy – WTE). trole de poluentes, uma vez que produz quantidades variadas de substâncias tóxicas, como gases, partículas, metais pesados, compostos orgânicos, dioxinas e furanos (WHO, 2007).

No Brasil, algumas tentativas de utilização desta tecnologia foram fracassadas devido a problemas de dimensionamento, operação ou manutenção. Na década de 90, foram instalados no país diversos incineradores de resíduos sólidos urbanos de pequeno porte, porém, operavam de forma precária e inadequada, com equipamentos obsoletos, o que resultou em uma imagem negativa vinculada a este processo.

nativas promissoras para o tratamento dos resíduos a fim de atender a PNRS, uma vez que os aterros próximos aos grandes centros urbanos e regiões metropolitanas já estão perto do encerramento da sua vida útil, além de necessitar de espaço reduzido em relação ao aterro. Além disso, é um método de redução de volume e peso do lixo, transformando-o

Apesar de passar por diversas transformações e modernizações em diversos países, no Brasil ainda existe forte rejeição da sociedade civil ao uso de incineradores, por receio das características tóxicas dos gases de exaustão

de novembro de 2009 que estabeleceu as diretrizes exigidas no licenciamento, condições operacionais, limites de emissão, critérios de controle e monitoramento da URE. Os parâmetros ambientais defiApesar de passar por nidos nesta resolução são diversas transformações e idênticos aos instituídos modernizações em diver- na Comunidade Europeia. sos países, no Brasil ainA incineração pode, da existe forte rejeição da sociedade civil ao uso de também, ser uma das alter-

em rejeito para que possa ser depositado em aterros sanitários. A diminuição do volume costuma ser da ordem de 90%. A gaseificação é um processo termoquímico que transforma o carbono presente nas estruturas químicas dos elementos pela decomposição da matéria orgânica em um gás (gás de síntese ou syngas).

É uma dos métodos mais comuns para o tratamento térmico de resíduos, que pode ser aplicado a uma ampla variedade de tipos de materiais. O processo de gaseificação consiste em alta temperatura de queima de resíduos sólidos em um forno para gerar calor para geração de vapor. Durante a gaseificação, o principal produto é um gás combustível composto de CO, CO2, H2, CH4, vestígios pesadas de hidrocarbonetos, água, nitrogênio e outra substância - pequenas partículas de coque, cinzas, ácidos do alcatrão e óleos, que são considerados contaminantes (INFIESTA, 2015). O processo de gaseificação, apesar de ser conhecido mundialmente por muitas décadas, ainda é pouco utilizado com os resíduos sólidos urbanos. De acordo com o Conselho de Tecnologia em Gaseificação, o combustível principal usado na gaseificação industrial é o carvão, correspondendo a 59% das plantas instaladas, seguido de coque de petróleo que é usado em 22% das plantas instaladas. Os resíduos sólidos urbanos são utilizados em apenas 2% de plantas de gaseificação instaladas (INFIESTA, 2015). Isso demonstra o grande potencial de desenvolvimento que a gaseificação pode passar com o uso deste combustível alternativo. De acordo com o National Energy Technology Laboratory, o uso de gaseificação para geração de eletricidade é a tecnologia que vai crescer ao longo dos próximos anos (SOARES, 2012). 4o ABIBER – 27


A tecnologia de gaseificação de resíduos sólidos urbanos no Brasil começa a ser testada, em particular em uma planta piloto da Carbogas (CARBOGAS, 2014), em Mauá, São Paulo. Esta planta piloto é composta por um gaseificador 1 MW acoplado a um motor Otto 200 kW (MIRANDA, 2014, CARBOGAS, 2014). Muitos fatores devem ser considerados no processo de recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos. Como todas as alternativas apresentadas proporcionam a geração de energia como produto final, deve-se buscar a solução mais adequada. Em vários países da Europa, por exemplo, parte das receitas que remuneram os investimentos de aproveitamento energético dos RSU, provém da venda de energia elétrica.

A efetivação dos RSU como fonte energética na matriz nacional é condicionada a diversos fatores, tais como os problemas enfrentados pelos municípios quanto a sua adequação nas diretrizes da PNRS. Grande parte dessa situação, além da falta de informação e conhecimentos dos gestores municipais sobre as tecnologias e vantagens e desvantagens de cada uma delas, é devida à falta de recursos financeiros, pois inserir novas tecnologias acarreta em elevados investimentos, e cidades de pequeno porte não possuem condições de arcar com esses custos. A PNRS sugere que sejam realizados consórcios intermunicipais, o que pode beneficiar a maioria das cidades brasileiras, que possuem menos de 50.000 habitantes. Entretanto, para grandes centros urbanos, existem as mesmas dificuldades financeiras para custear esse tipo de investimento, forçando-os a recorrer às Parcerias Públicos Privadas (PPP).

O RSU é uma importante fonte de geração de energia dentro de uma estratégia regional ou local. Diferentemente de outras fontes renováveis, a energia gerada a partir dos resíduos sólidos urbanos Assim, é necessário não é afetada pela sazona- que o poder público elabolidade, fazendo com que a re estudos e projetos relageração seja contínua. tivos ao potencial de utili-

planta piloto da Carbogas. 28 – 4o ABIBER

zação dos resíduos sólidos urbanos, principalmente referentes ao seu aproveitamento energético, os quais levem em conta todas as opções tecnológicas disponíveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2014. Disponível em http:// www.abrelpe.org.br/Panorama/ panorama2014.pdf. Acesso em setembro de 2015. ARCHER, E. Mechanical- Biological-Treatment: A guide for decision makers. Processes, Policies and Markets. Juniper Consultancy Services Ltda, 2005. CARBOGAS (2014). Gaseificação de Resíduos Sólidos urbanos. Disponível em Carbogas. http://www.carbogas.com.br. Acessado em 2014. CETESB- Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Parecer Técnico da Análise da Viabilidade Ambiental das Obras de Implantação da Usina de Recuperação de Energia- URE Barueri, 2012. Disponível em http:// www.urebarueri.com.br/cli/ure -barueri_parecer_tecnico.pdf. Acesso em Março de 2013. ClimatWorks. Estudo de Alternativas de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos - Incinerador mass burn e Biodigestor anaeróbio. Subsídios técnicos à elaboração dos Planos Locais de Gestão dos Resíduos Sólidos Relatório Final. Brasil, 2012. ESSENCIS - Essencis Soluções Ambientais. Incineração, 2010. Disponível em: http://www.essencis.com.br. Acesso em Maio de 2014. FRATE, S. Tecnologias Disponíveis e Emergentes para o Tratamento de Resíduos Sólidos visando a Geração de Energia. In 3º. Seminário “Bioenergia: Desafios e Oportunidades de Negócios” (2011). Disponível em http://cenbio.iee.usp.br/

download/documentos/3seminbioenergia/sergiofrate.pdf. São Paulo, SP, Brasil. HENRIQUES, R. M. et. al. Geração de Energia com Resíduos Sólidos Urbanos: Análise Custo Benefício. IVIG-COPPE. UFRJ, 2003. INFIESTA, L. R. GASEIFICAÇÃO DE RESÍDUOS SOLIDOS URBANOS (RSU) NO VALE DO PARANAPANEMA – PROJETO CIVAP. Monografia apresentada ao Programa de Educação Continuada da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Especialista em Energias Renováveis, Geração Distribuída e Eficiência Energética. Área de Concentração: Energia. São Paulo, 2015. IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group It o the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, 2007. Disponível em: /http://www. ipcc.ch/S. LINO, F.A.M; Ismail, K.A.R. Energy and environmental potential of solid waste in Brasil. Energy Policy 39 (2011). 3496-3502. MIRANDA, L.H.T.G. (2014) APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE ITANHAÉM-SP. Monografia apresentada no Programa de Educação Continuada (PECE) da Escola Politécnica da USP. 2014. SOARES, D. H. (2012) GASEIFICAÇÃO DE BIOMASSA DE MÉDIO E GRANDE PORTE PARA GERAÇÃO DE ELETRICIDADE: UMA ANÁLISE DA SITUAÇÃO ATUAL NO MUNDO. Monografia apresentada no Programa de Educação Continuada (PECE) da Escola Politécnica da USP. 2012. WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Population health and waste management: scientific data and policy options. Report of a WHO workshop Rome, Italy, 29-30 March 2007. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe, 2007. ▪


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Biocombustíveis e Mudanças Climáticas

José Roberto Moreira

Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo

A

queima de combustíveis nos veículos rodoviários de carga e transporte pessoal responde por mais de 20% das emissões globais dos combustíveis fósseis, responsáveis pelo efeito estufa. No Brasil esta participação supera os 40% (vide Figura 1).

exige redução no uso de combustíveis fósseis no setor de transporte. Essa redução pode ser obtida de várias Portanto, qualquer esforço para maneiras: aumento da eficiência no reduzir as emissões de efeito estufa uso do combustível, substituição do

combustível fóssil por combustíveis renováveis, melhora na logística de transporte via melhores rodovias e transportes urbanos coletivos e utilização de eletricidade na substituição de combustíveis fósseis. A maneira mais antiga e muito usada é a utilização de bioetanol e biodiesel, tendo o primeiro uma

Brasil Figura 1: U.S. Environmental Protection Agency, 2015 - MUNDO e BRASIL. 30 – 4o ABIBER


nol de milho, o etanol de cana-de-açúcar e o biodiesel de soja e de palma. Entretanto, quando se examina alguns dos principais indicadores de qualidade, concluímos que o etanol de canade-açúcar apresenta o resultado mais favorável. Os indicadores são: energia líquida produzida, quantidade de área plantada, emissões de GEE, custo de produção e impactos sociais.

Figura 2: Source: US-IEA, 2015

participação bem maior (vide Figura 2), respondendo por 77% do mercado dos biocombustíveis em 2012. A melhoria da eficiência energética dos motores, estimulada para fins de redução de emissões, começou, a nível mundial, nos últimos 15 anos e gradativamente o esforço tem sido ampliado. A utilização de veículos elétricos é uma realidade nos últimos 10 anos, porém sua eficácia como mitigador de GEE depende de como a eletricidade é gerada em cada país.

sobre a melhoria da logística que só pode ser implantada lentamente. Devido ao seu grande potencial no setor de transporte e ausência de competição com outras fontes energéticas alternativas (observe que a eletricidade ainda não tem espaço no transporte de carga) há interesse na ampliação de sua produção, no mundo. O aspecto econômico também é favorável, pois apesar de ser atualmente mais custoso do que os derivados de petróleo, esse custo quando se incluem as externalidades1 pode ser competitivo graças as vantagens sociais e ambientais.

O indicador energia líquida produzida é a diferença entre a energia de combustão do etanol e a energia externa gasta na produção do etanol. Essa última inclui todos os insumos energéticos gastos na produção da cana e no seu processamento em etanol. Assim, é necessário contabilizar o óleo diesel gasto no transporte dos colmos da cana, na colheitadeira, no transporte da cana cortada à usina, os insumos energéticos gastos no preparo, transporte e aplicação de fertilizantes, gastos de eletricidade para eventual irrigação

Apesar da participação dos biocombustíveis ainda ser pequena – 3,5% a nível mundial (IEA, 2015), mesmo depois de 40 anos de uso do etanol no Brasil e 20 anos nos Estados Unidos, as perspectivas de seu uso são atraentes considerando os Dentre os biocompromissos de redução das emis- combustíveis sões de GEE que estão sendo exigi- produzidos dos a nível internacional. destacamse, pela Os biocombustíveis levam van- quantitagem sobre outras opções porque d a d e , podem ser usados, na proporção de o eta10% em todos os veículos já em uso, o que permite uma ação imediata, e 1 Externalidades são custos que não oneram porque reduzem a emissão em qual- o produtor, mas que oneram a sociedade, tais quer país, independentemente de como redução da qualidade do ar que implica em atendimentos hospitalares e mudanças cliseu sistema de geração de eletrici- máticas que trazem prejuízos a todos habitantes dade. Também trazem vantagens do planeta.

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etanol avançado, é de 39g CO2 e/MJ (EPA, 2010). Trata-se de um bom resultado quando comparado com o etanol de milho (96 a 77) e do óleo de palma (50 a mais de 100) (Harsono e Subronto, 2013) e de soja (42) (EPA, 2010).

artificial, fabricação de produtos químicos usados no processamento da cana e outros eventuais insumos. Entretanto, o maior gasto energético ocorre com a destilação e retificação do etanol e é feito com energia endógena do sistema, pois o bagaço da cana é queimado em caldeiras produzindo calor e eletricidade para o processo. Avaliações do indicador mostram valores entre 19 e 18 MJ/litro de etanol da cana (Macedo et al, 2008), enquanto para o etanol do milho os valores são entre 7 e 3 MJ/litro (USDA, 2010). O indicador área demandada é medido pela relação de etanol produzido por unidade de área do solo. Os valores típicos são entre 7000 e 8000 litros por hectare, superando em muito o etanol de milho (3300 litros/ha), a palma (4500 litros/ ha) e a soja (500 litros/ha). As emissões de GEE são medidas considerando as emissões diretas, que ocorrem devido ao estabelecimento e manejo da cana no local da cultura, bem como aquelas devido ao seu processamen32 – 4o ABIBER

to em etanol, e as indiretas, causadas em outros lugares do mundo, se eventualmente a plantação da cana desloca alguma cultura alimentar humana ou animal, que, portanto, precisa ser plantada em outra parte do planeta para atender a demanda global. As emissões diretas são mais controláveis pelo produtor, enquanto as indiretas são totalmente dependentes do mercado internacional e das práticas agrícolas de outros países. Apesar da grande dificuldade em fazer a avaliação completa desse indicador, seu valor quando incluída as emissões indiretas, como calculado no documento da EPA que classificou o etanol brasileiro na categoria

O custo de produção, que considera todas as despesas efetuadas pelo produtor, é avaliado de forma contínua por organizações governamentais e privadas, no Brasil e no mundo. Esse custo, em geral, tem relação com o preço de venda do etanol e de eventuais subprodutos, e de subsídios governamentais. No caso dos subprodutos, os mais importantes são a proteína para alimentação animal, nos Estados Unidos, e a bioeletricidade gerada pela queima do bagaço e parte dos resíduos da colheita da cana, no Brasil. A proteína animal é obtida secando a vinhaça que é produzida pela destilação do etanol e no Brasil não tem valor comercial que justifique o custo de seu preparo e comercialização. Já a geração de eletricidade, é uma grande vantagem do etanol da cana, pois no caso do milho só a espiga cheia é transportada à usina de processamento, o que não permite a geração de calor


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e eletricidade com a biomassa. Dessa forma, a usina compra insumo energético (gás natural, óleo combustível ou carvão) o que lhe custa por volta de 20% do custo total de produção do etanol. No caso da palma, há biomassa como subproduto e é possível produzir calor e eletricidade. Já para a soja, a situação é semelhante ao milho. Entretanto, a grande vantagem da cana é gerar eletricidade em quantidade acima da necessidade da usina e dessa forma poder vende-la no mercado (vide Figura 3), auferindo renda, como ocorre com a proteína do milho nos Estados Unidos.

2030, 2050 e 2100, que os gastos da sociedade global em bens e serviços devem reduzir em alguns por cento para financiar as tecnologias capazes de mitigar os GEE. Por exemplo, para manter a concentração do CO2 e no nível de 450 ppm vamos ter que reduzir os gastos globais da sociedade acumulados entre 2010 e 2050 em 3,5% e, entre 2010 e 2100 em 5,0 %. Essas quantias significam uma redução anual média de 0,06%. Para manter o nível de CO2 e por volta de 600 ppm, os gastos globais anuais devem ter uma redução de 0,03%. Para uma quantificação mais

Quanto ao aspecto social, uma série de fatores devem ser considerados, tais como número de empregos criados, qualidade desse emprego, fixação do homem em zonas rurais e aumento no índice de qualidade de vida das comunidades rurais. Vários desses fatores são mais relevantes em países em desenvolvimento, considerando a grande disponibilidade de mão de obra de qualificação modesta, que têm dificuldade em obter emprego nas cidades. A mensuração desses fatores, pelo menos no Brasil, tem sido favorável pois há indicadores mostrando que a qualidade de vida aumentou mais em municípios aonde a atividade ocorre. Além dos indicadores tradicionais discutidos acima, há uma avaliação muito importante, feita pelo IPCC, no seu último Relatório de Avaliação das Mudanças Climáticas (IPCC, 2014), aonde uma estimativa do custo de mitigar as emissões de GEE é feita, admitindo o uso otimizado de todas as tecnologias possíveis e de todas as fontes de energia economicamente conhecidas. O estudo conclui que o custo é função da expectativa de estabilização da concentração desses gases na atmosfera no longo prazo e o avalia com uma margem de erro. O custo médio encontrado até que é animador, pois não é absurdamente alto. O estudo prevê, para os anos de 34 – 4o ABIBER

compreensível, devemos lembrar que a Renda Bruta Mundial (GNI) é da ordem de US$ 108 trilhões/ano, medidos em PPP. Assim, para cada redução de 0,01%, estaremos gastando US$ 11 bilhões a menos, pois temos que pagar as despesas de mitigação dos GEE. No caso do Brasil, se o acordo global é manter a concentração de CO2 e no nível de 450 ppm, vamos ter que reduzir anualmente a riqueza do pais em 0,06% do PIB (medido em PPP), isto é US$ 1.92 bilhões todo o ano, o que acumula um total de US$ 77 bilhões até 2050.

Apesar desses números parecerem razoáveis, devemos lembrar que estes são os custos para o cenário de uso otimizado das tecnologias e que os valores representam o valor médio de vários cenários avaliados pelo IPCC. Assim, o gasto acumulado do Brasil pode ser de até US$ 192 bilhões até 2050, segundo o cenário mais pessimista, se conseguirmos otimizar as tecnologias. Porém, o resultado mais interessante do estudo vem exatamente dessa falta de otimização. Os resultados ótimos dependem muito do uso de algumas tecnologias estratégicas como a CCS, o uso da biomassa como fonte energética, o uso do vento e energia solar e o uso da energia nuclear. A maior parte dessas tecnologias têm sido rejeitadas pela sociedade e isso implica em aumento dos custos de mitigação. Por exemplo, caso CCS só possa ser usada em pequena escala, os custos aumentarão em média em 140%; se o mesmo ocorrer com biomassa, os custos aumentam em 60%, para uma estabilização em 450 ppm. Já o uso muito limitado da energia nuclear, e do vento e solar, implicam em aumentos pouco expressivos, da ordem de 10%. A conclusão óbvia desses custos é a extraordinária relevância da biomassa como insumo energético para o mundo. Isso ocorre porque se pode fazer CCS ao usar a biomassa, já que na preparação de etanol do milho e da cana, via fermentação, se produz CO2 em quantidade mássica semelhante a quantidade do biocombustível, e na geração de bioeletricidade da cana se produz CO2 pela combustão do bagaço e resíduos. Por outro lado, apenas o uso da biomassa como fonte limpa em substituição aos combustíveis fósseis implica em redução de 60% dos custos da mitigação. Ora, somandose a contribuição do CCS e da biomassa, concluímos que o não uso em grande escala desse energético pode aumentar o esforço financeiro global em até 3 vezes, passando assim de uma despesa anual global


...a cana de açúcar se demonstra a líder nessa missão, considerando os indicadores que atualmente são usados... média de US$ 66 para algo por volta Em particular, a cana de açúcar se demonstra a líder nessa missão, de US$ 200 bilhões. considerando os indicadores que Convém notar que a tecnologia atualmente são usados e, principalde CCS aplicada à fermentação do mente, aqueles associados às emisetanol é extremamente simples e já sões de GEE que deverão ser cada está sendo praticada em escala co- vez mais relevantes. mercial no estado de Illinois nos EsA vista desses fatos e considetados Unidos. CCS da biomassa é a tecnologia mais considerada nos ce- rando as necessidades de combusnários futuros porque pode permitir tível do Brasil no curto prazo, nos um saldo negativo de CO2, quando parece iminente nova corrida ao se usa o etanol e a bioeletricidade etanol, e espero que a cana seja deda cana. A geração de eletricidade vidamente explorada em todas as exportada à rede elétrica a partir da suas qualidades físicas e nos aspeccana já ocorre em cerca de 100 usi- tos políticos do meio ambiente que nas no Brasil (25% do total) e o re- nosso país tem muito a faturar. sultado econômico é muito favoráREFERÊNCIAS vel ao produtor, como se pode notar pelos leilões de eletricidade. Além disso, a produção de bioeletricidade BIG-ANEEL – Banco de Informação de Gede forma mais eficiente está tam- ração, Agência Nacional de Energia Elétrica, bém disponível, como se observa 2015, http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/caem fábricas de papel e celulose em pacidadebrasil/OperacaoGeracaoTipo.asp?tipaíses nórdicos e os ganhos econô- po=5&ger=Combustivel&principal=Biomassa micos vão estimulá-las nas próximas EPA –United States Environment Protection usinas a serem construídas. Agency, 2010. Renewable Fuel Standard ProA cana de açúcar, por suas virtudes, elimina uma pergunta frequente feita nas análises de biomassa para fins energéticos – “precisamos de biomassa para gerar bioeletricidade ou biocombustível”. A resposta evidente é “para as duas finalidades “pois podemos obter os dois energéticos de uso final a partir da mesma matéria-prima, reduzindo a extensão de terra plantada e aproveitando de forma ampla e otimizada a energia disponível na planta e produzida de forma limpa pelo Sol. Concluímos então, que biocombustíveis têm grande espaço na matriz energética mundial, porém há biocombustíveis de maior interesse para a sociedade que outros.

tribution of Working Group III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Edenhofer, O., R. Pichs-Madruga, Y. Sokona, E. Farahani, S. Kadner, K. Seyboth, A. Adler, I. Baum, S. Brunner, P. Eickemeier, B. Kriemann, J. Savolainen, S. Schlömer, C. von Stechow, T. Zwickel and J.C. Minx (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA. Macedo, I.C., J.E.A. Seabra and J.E.A.R. Silva, 2008. Greenhouse gases emissions in the production and use of ethanol from sugarcane in Brazil: 2005/2006 averages and a prediction for 2020. Biomass and Bioenergy USDA-United States Department of Agriculture, 2010. 2008 Energy Balance for Corn-Ethanol Industry, Agricultural Economic Report Number 846, Junho 2010, ww.usda. gov/oce/reports/energy/2008Ethanol_June_ final.pdf US-IEA – United States Information Energy Agencyhttps://www.eia.gov/cfapps/ipdbproject/iedindex3.cfm?tid=79&pid=80&aid=1&cid=regions&syid=2000&eyid=2012&unit=TBPD. ▪

gram (RFS2) Regulatory Impact Analysis, Assessment and Standards Division, Office of Transportation and Air Quality, EPA-420-R-10-006, Fevereiro 2010. Harsono, S. S. e B. Subronto, 2013. Land-Use Implications to Energy Balances and Greenhouse Gas Emissions on Biodiesel from Palm Oil Production in Indonesia, Journal of Central European Agriculture, 2013, 14(2), p.35-46 IEA – International Energy Agency, 2015. https:// www.iea.org/topics/renewables/subtopics/bioenergy/ IPCC, 2014. Climate Change 2014: Mitigation of Climate Change. Con-

4o ABIBER – 35


BIODIESEL NO BRASIL: O QUE PRECISA SER FEITO PARA ESTE BIOCOMBUSTÍVEL DECOLAR DE VEZ Fernando C. De Oliveira*, Suani T. Coelho Grupo de Pesquisa em Bioenergia (GBio), Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Universidade de São Paulo. *foliveira@iee.usp.br

A

s mudanças por que passa o clima de nosso planeta decorrem principalmente das emissões de gases de efeito estufa (GEEs), dentre os quais se encontra o dióxido de carbono (CO2) que, ao ser expelido pelos veículos movidos a combustão interna, se acumula na atmosfera e provoca um aumento na temperatura média da Terra. Por causa disso, o CO2 é visto como o principal vilão do aquecimento global que muito tem preocupado a comunidade científica ao redor do mundo nos últimos anos. Portanto, imbuídos do espírito de que é fundamental limitar as emissões de CO2 na atmosfera terrestre, dezenas de chefes de Estado e centenas de cientistas de vários países se reuniram este ano em Paris, de 30 de novembro a 11 de dezembro, durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção sobre Mudanças Climáticas, da ONU, com o principal objetivo de engajar as nações em um novo acordo internacional sobre as mudanças do clima no qual todos se comprometem em colaborar para que o aumento da temperatura média de nosso planeta não ultrapasse o limite de 2°C até o final deste século. 36 – 4o ABIBER

Diante do cenário em que o CO2 precisa ser banido de nosso meio para o bem de nosso próprio planeta, é natural que os biocombustíveis se apresentem como alternativas limpas e renováveis para a substituição daqueles que são oriundos de fontes fósseis, como a gasolina e o diesel mineral, por exemplo. E o biodiesel, por ser biodegradável, menos tóxico, mais limpo (BOTELHO, 2012; BARUFI et al., 2007) e quase que 100% renovável, naturalmente se apresenta como uma destas fontes. O biodiesel de soja, por exemplo, quando substitui o diesel fóssil, tem uma capacidade de mitigação dos GEEs que fica em torno dos 70% (CAVALETT e ORTEGA, 2010). No relatório Benefícios Ambientais da Produção e do Uso do Biodiesel, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o percentual de mitigação do biodiesel de soja é de 70% (se for o B100) e de 20% a depender do blend (MAPA, 2014). Nos estudos Pegada de Carbono na Produção de Biodiesel de Soja, o percentual varia entre 65 e 72%, dependendo do cenário usado no estudo (DELTACO2, 2013). E no boletim Biofuel advantage - on average 60 percent better than fossil fuels, a média de redução dos GEEs dos biocombustíveis é de


60% em relação aos combustíveis fósseis (Fig. 1) (UFOP, 2015).

Fig 1: Percentual de mitigação dos GEEs dos biocombustíveis.

Como a Diretiva de Fontes de Energia Renovável obriga uma redução de 35% para o presente, de 50% para 2017 e de 60% para 2018 (UFOP, 2015), os percentuais de redução dos GEEs atribuídos ao biodiesel – especificamente – e aos biocombustíveis – em geral – não deixam de ser uma excelente notícia. Diante das necessidades urgentes de mitigação das emissões dos GEEs, não resta dúvida sobre a importância da criação de políticas públicas que promovam e incentivem o uso continuado e definitivo dos biocombustíveis. POLÍTICAS PÚBLICAS No Brasil, algumas políticas públicas têm sido criadas na tenta-

Fonte: UFOP (2015) 4o ABIBER – 37


Tabela 1: Produção anual de biodiesel B100 e respectivos percentuais de aumento. Ano

B100 (m3)

%

Blend

2005

736

-

B2

2006

69,002

9275

B2

2007

404,329

486

B2

2008

1,167,128

189

B2/B3

2009

1,608,448

38

B3/B4

2010

2,386,399

48

B5

2011

2,672,760

12

B5

2012

2,717,483

2

B5

2013

2,917,488

7

B5

2014

3,419,838

17

B5/B6/B7

Fonte: Criação própria a partir de dados de ANP (2015).

tiva de se estabelecer, de uma vez por todas, o uso do biodiesel em substituição ao óleo diesel, principalmente no setor de transportes. Desde 2005, com a implementação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), vários foram os esforços para que este biocombustível decolasse no Brasil. Entretanto, o que tem acontecido é que nos últimos quatro anos (2011 – 2014) os percentuais de aumento na produção têm sido muito fracos quando comparados com os percentuais dos anos anteriores (2005 – 2010) (Tabela 1). Mas mesmo assim, em 2014, ano em que o blend mudou duas vezes, o percentual de aumento foi relativamente baixo: apenas 17%. Portanto, desde 2011 a produção tem crescido muito pouco, delineando um cenário de certa forma preocupante. PROBLEMAS E ENTRAVES Vários são os motivos para que o biodiesel ainda não tenha decolado como inicialmente imaginado pelo mercado e pelo governo brasileiro. Em primeiro lugar, o próprio governo continua oferecendo subsídios aos combustíveis fósseis sem oferecer uma contra-partida aos biocombustíveis. Num cenário ideal, deveria ser exatamente o contrário: subsídios para os biocombustíveis e sobretaxa aos que são derivados de fontes fósseis. Em segundo lugar, a política do Brasil com relação à exportação de soja é favorável a esta commodity, visto que ela é menos taxada do que o biodiesel exportado, diferentemente do que acontece na Argentina. Sendo assim, o produtor brasileiro é incentivado a exportar o grão em vez de destiná-lo para servir de 38 – 4o ABIBER

matéria-prima para a produção doméstica do biocombustível. Em terceiro lugar, a falta de infraestrutura adequada faz com que a logística do biodiesel não seja eficiente. E por último, somente para ficar em quatro exemplos, a queda considerável do preço do barril de petróleo no mercado internacional tem dificultado a competitividade do biodiesel no mercado nacional quando comparado com os custos do óleo diesel importado, embora as constantes altas do dólar tenham ajudado a diminuir as diferenças de custo entre os dois produtos e, portanto, ajudado o biodiesel a se tornar mais competitivo.

Além destes problemas citados, há entraves que precisam ser resolvidos para que a cadeia de produção de biodiesel no Brasil se expanda. Um deles diz respeito à alta dominância da soja como matéria-prima para a produção desse biocombustível (Fig. 2). Percebe-se que no mês de outubro de 2015 a soja representou quase 70% da matéria-prima utilizada. Se somada à gordura bovina, estas duas matérias-primas juntas representam quase 95% na produção do biodiesel no país, enquanto que as demais matérias-primas, como algodão, óleo de fritura, dentre outras, ficam com apenas 5% do total. Portanto, diante de tal dominância da soja, é necessário que o governo crie novas políticas públicas ou melhore as existentes, como a do Selo Combustível Social (SCS), no sentido de promover o desenvolvimento de outras oleaginosas que sejam adequadas à produção

Fig. 2: Matérias-primas usadas na produção de biodiesel no Brasil (Out/2015)

Fonte: ANP (2015).


4o ABIBER – 39


"A produção do biodiesel através do óleo residual de fritura deve ser urgentemente incentivada"

de biodiesel. Tentativas foram feitas para esta diversificação, como a aposta que o governo teve na mamona e na palma, embora ambas tenham sido frustradas, seja por motivos técnicos e/ou pela preferência do produtor em destinar estas matérias-primas para mercados mais lucrativos, como a indústria química e culinária (no caso da palma) e as indústrias farmacêutica, de coméstico, e de lubrificante (no caso da mamona). CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar dos problemas e entraves existentes que fazem com que o biodiesel não tenha decolado definitivamente, o governo brasileiro demostra estar ciente ao tomar algumas providêcias no sentido de mudar o quadro atual. Um exemplo disso foi a promulgação da Portaria 81/2014, cujo objetivo é o de corrigir parte das regras do programa de biodiesel, como por exemplo, incentivar os produtores a comprar mais dos agricultores familiares. O próprio governo reconhece que as metas iniciais do SCS não foram atingidas. Mas ainda é preciso fazer muito mais. É preciso que o governo não perca o foco da inclusão social, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. Para tal, é necessário que a diversificação da matéria-prima para a produção de biodiesel ocorra através de oleaginosas que são abundantes naquelas regiões. Mas isso só acontecerá se houver incentivo para a pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias que permitam realizar tal diversificação. Da mesma forma que é preciso incentivar o uso de oleaginosas alternativas, é também importante promover o uso do etanol de cana de açúcar (combustível limpo e renovável) no processo de transesterificação do biodiesel. Ao usar a rota etílica, não somente deixa-se 40 – 4o ABIBER

de importar o metanol (cerca de 95% do biodiesel no Brasil é produzido pela rota metílica), o que é bom para nossa balança comercial, como o biodiesel fica mais limpo e, portanto, menos agressivo ao meio-ambiente. Por último, a produção do biodiesel através do óleo residual de fritura deve ser urgentemente incentivada, pois além do óleo usado ter um destino adequado, evitando que o mesmo polua o solo, rios, lagos e aquíferos, sua comercialização movimentará uma economia outrora desprezada. REFERÊNCIAS ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Boletim Mensal do Biodiesel (novembro). 2015. Disponível em: http:// www.anp.gov.br/?pg=75425&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&143 3339823884. Accesso em: 10 dez. 2015. BARUFI, C.; PAVAN, M.; ZANOTTI JR., M.; SOARES, M. Biodiesel e os dilemas da inclusão social. In: BERMANN, C. (Ed.). As novas energias no Brasil. Rio de Janeiro: Fase, 2007. p. 19–86. BOTELHO, C.A.V. Viabilidade técnica e aspectos ambientais do biodiesel etílico de óleos residuais de fritura (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, 2012. CAVALETT, O.; ORTEGA, E. Integrated environmental assessment of biodiesel production from soybean in Brazil. Journal of Cleaner Production 2010;18:55–70. DELTACO2. Pegada de Carbono na Produção de Biodiesel de Soja. Piracicaba: DeltaCO2, 2013. 25p. MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria Executiva. Benefícios ambientais da produção e do uso do biodisel. Brasília: MAPA, 2014. 33p. UFOP – Union zur Förderung von Oel und Proteinpflanzen. Biofuels advantage - on average 60 percent better than fossil fuels. Berlin, 2015. Disponível em: http://www.ufop.de/english/news/biofuel-advantage -on-average-60-percent-better-than-fossil-fuels/. Acesso em: 11 dez. 2015. ▪


4o ABIBER – 41


A BIOELETRICIDADE da CANA DE AÇÚCAR e a oportunidade para AVANÇARMOS Zilmar José de Souza

Professor e gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar.

...177 milhões de toneladas de bagaço de cana-de-açúcar e 101 milhões de toneladas de palha. 42 – 4o ABIBER

E

m 2015, a projeção da Empresa de Pesquisa Energética – EPE (2015) é que o setor sucroenergético tenha produzido um total de 177 milhões de toneladas de bagaço de cana-de-açúcar e 101 milhões de toneladas de palha. A qualidade desta biomassa disponível para fins energéticos pode ser medida através do “Poder Calorífico”, ou seja, a quantidade de energia liberada na combustão completa de um combustível, em determinadas condições de temperatura e pressão. Segundo o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o Poder Calorífico Inferior (PCI) médio do bagaço e da palha é 1.725 e

2.875 kcal/kg, respectivamente, mostrando um ótimo potencial tanto em volume quanto em qualidade da biomassa, de natureza renovável. Com este alto teor de fibras, o bagaço de cana, desde a Revolução Industrial, tem sido empregado na produção de vapor e energia elétrica para a fabricação de açúcar e etanol, garantindo a autossuficiência energética das usinas durante o período da safra, além de produzir excedentes de eletricidade para o Sistema Interligado, com uma energia renovável e sustentável para a matriz elétrica do País, fato que poderá ser potencializado com o avanço do uso da palha também para a geração de eletricidade.


TABELA 1: Capacidade instalada no Brasil, por fonte de geração, em kW (dez.2015)

Somente a bioeletricidade da cana detém 7,5% da potência outorgada no Brasil e quase 79% da fonte biomassa...

Origem

Potência Outorgada (kW)

% Potência Outorgada

Hídrica

94.735.000

65,34

Fóssil

27.366.202

18,88

Biomassa

13.854.129

9,56

Nuclear

1.990.000

1,37

Eólica

7.006.413

4,83

Solar

25.283

0,02

total

144.977.027

100

Fonte: ANEEL (2015). Elaboração: UNICA (2015).

TABELA 2: Capacidade instalada no Brasil, geração à biomassa, em kW (dez.2015) Origem

Potência Outorgada (kW)

% Potência Outorgada

Atualmente, no Brasil, a fonte biomassa em geral (incluindo não somente a sucroenergética) já representa quase 10% da potência outorgada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) na matriz elétrica do país, conforme Tabela 1.

Biomassa de Cana de Açúcar

10.883.141

78,56

Floresta

2.779.647

20,06

Resíduos sólidos urbanos

78.231

0,56

Resíduos animais

1.804

0,01

Biocombustíveis líquidos

4.350

0,03

Casca de Arroz

39.533

0,29

Somente a bioeletricidade da cana detém 7,5% da potência outorgada no Brasil e quase 79% da fonte biomassa, sendo a terceira fonte de geração mais importante da nossa matriz elétrica, atrás somente das fontes hídrica e fóssil, conforme Tabela 2.

Biogás-Agroindustrial

1.722

0,01

Capim Elefante

65.700

0,47

total

13.854.128

100

Fonte: ANEEL (2015). Elaboração: UNICA (2015).

A Figura 1 informa que, em termos de evolução anual de capacidade instalada, a fonte biomassa teve seu recorde no ano de 2010, com 1.750 MW (equivalente a 12,5% de uma Usina Itaipu), resultado de decisões de investimentos antes de 2008, quando o cenário era estimulante à expansão do setor sucroenergético. FIGURA 1: Acréscimo anual de capacidade instalada pela biomassa, 2002-2020, Brasil (MW) Fonte: ANEEL (2015). *Previsão, incluindo projetos com restrição para entrada em operação. Elaboração: UNICA (2015). 4o ABIBER – 43


FIGURA 2: Representatividade do acréscimo anual de capacidade instalada pela biomassa em relação ao total de acréscimo na matriz de energia elétrica, 2002-2020, Brasil (%). Fonte: ANEEL (2015). *Previsão, incluindo projetos com restrição para entrada em operação. Elaboração: UNICA (2015).

A fonte biomassa, que já chegou a representar 32% do crescimento da capacidade instalada no país, tem previsão de participar em 2016 com apenas 6% da expansão anual da capacidade instalada no Brasil, como se pode observar na Figura 2. A Figura 2 mostra que a questão da bioeletricidade e a falta de uma política setorial de longo prazo adequada certamente continuam sendo ponto de preocupação do setor sucroenergético e já teve profundos rebatimentos perversos em toda a cadeia produtiva para a biomassa. Segundo a EPE (2015), em 2014 existiam 177 unidades sucroenergéticas exportando excedentes de bioeletricidade para a rede de um universo de 355 unidades produtoras, de acordo com a UNICA (2015). Assim, a outra metade de usinas sucroenergéticas, com a biomassa já existente nos canaviais, pode passar por um processo de reforma (“retrofit”), além de aproveitarem plenamente o bagaço, a palha e o biogás da vinhaça, e tornarem-se grandes geradoras de bioeletricidade para a rede. De acordo com o último Plano Decenal de Expansão de Energia, considerando o aproveitamento pleno da biomassa existente nos canaviais em 2014, o potencial técnico 44 – 4o ABIBER

Precisamos reconquistar as condições ideias para o retorno da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira.

O setor da biomassa cadastrou um volume de projetos quase três vezes superior ao último Leilão A-5, ocorrido em 30 de abril de 2015. O Leilão A-5/2016 contratará energia de novos projetos para entrega a partir de 2021. Imagina um cenário em que o Governo Federal, dentro de uma política de estímulo à bioeletricidade, estabelecesse condições, como um preço que incorporasse corretamente os atributos desta fonte, capazes de viabilizar todos estes projetos? Significaria alavancar uma carteira de novos projetos para toda a cadeia produtiva da fonte biomassa, quase na sua totalidade nacional, pelos próximos cinco anos. Entende-se que precisamos incentivar a construção da cadeia produtiva de novas fontes renováveis, mas também procurar preservar as existentes como é a da bioeletricidade. O Leilão a-5/2016 é apenas um exemplo de oportunidade para estimularmos a bioeletricidade, o que acontece todo ano pois, de acordo com o modelo, salvo raras exceções, todo ano há um Leilão A-5. Em síntese, há espaço para todas as fontes renováveis na matriz elétrica brasileira e oportunidades para o Governo Federal ousar mais e o setor produtivo responder positivamente a uma política crível de estímulo à fonte biomassa: é a oportunidade para avançarmos!

da bioeletricidade sucroenergética era sete vezes o volume de oferta Referências bibliográficas para rede em 2014, que foi de 19,4 TWh. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRIPrecisamos reconquistar as condições ideias para o retorno da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira. O setor produtivo tem feito sua parte. Para o próximo leilão regulado de energia nova em que a biomassa poderá participar, agendado para 5 de fevereiro de 2016, o A-5 2016, a fonte biomassa cadastrou 64 projetos, totalizando 3.041 MW (22% da capacidade instalada pela biomassa atualmente).

CA (ANEEL). Banco de Informações de Geração. Disponível em: < http://www.aneel.gov. br/area.cfm?idArea=15>. Acesso em: 6 dezembro 2015. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Plano Decenal de Expansão de Energia 2024 / Ministério de Minas e Energia. Brasília: MME/EPE, 2015. UNIÃO DA INDÚSTRIA DE CANA-DE-AÇÚCAR (UNICA). Bioeletricidade em números – edição de dezembro de 2015. Disponível em: <http://www.unica.com.br/documentos/>. Acesso em: 12 dezembro 2015. ▪


4o ABIBER – 45


Potencial para produção de bioenergia (etanol e eletricidade)

a partir de cana-de-açúcar na América Latina, Caribe e África Luís A. B Corteza, Luiz A. H. Nogueiraa, Manoel R. L. V. Lealb, Edgar G. F. de Beauclairc, João G. D. B. Leitea, Simone P. de Souzaa, Luiz. G. A. de Souzaa, Ricardo Baldassin Juniora, Rafael A. Moraesa a

Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) b Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) c Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), Universidade de São Paulo (USP)

A importância da bioenergia da cana-de-açúcar.

te ferramenta política de desenvolvimento econômico local, regional e nacional, por gerar renda direta e indiO uso da bioenergia como alternativa sustentável retamente nas economias, permitir o acesso e o desenas energias fósseis tem ganhado força nos últimos anos, volvimento de novas tecnologias e demandar por novos principalmente, por possibilitar reduções significativas serviços. nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) no curto A bioenergia, consolidada no Brasil, nos Estados e médio prazo, proporcionar a segurança energética e alimentar e devido a capacidade de atender as deman- Unidos e em algumas regiões da Europa, apresenta um das crescentes por energia, principalmente em países grande potencial de expansão em regiões tropicas como em desenvolvimento, reflexos do acelerado crescimento África e América Latina, bem como, um amplo mercado econômico e demográficos (TILMAN et al., 2009). Não consumidor, tanto local quanto mundial. Clima e solos obstante, a bioenergia se apresenta como uma eficien- favoráveis, aliadas à disponibilidade de terra (Figura 1), 46 – 4o ABIBER


Figura 1. Uso da terra por pastagem e pradaria nos países da América Latina e Caribe e no Sul da África. Fonte: (FAO, 2012).

Diferentemente das fontes eólica e solar, a biomassa tem como vantagens a capacidade de oferecer uma ampla gama de energéticos e bioprodutos

vocação e a experiência agrícola dessas regiões, maximiza o potencial de produção de culturas bioenergéticas e alimentares. Diferentemente das fontes eólica e solar, a biomassa tem como vantagens a capacidade de oferecer uma ampla gama de energéticos e bioprodutos1. Em se tratando dos combustíveis líquidos, principalmente o etanol, este se mostra particularmente interessante ao setor de transportes devido ao seu elevado poder de substituição dos combustíveis fósseis (na forma de blend ou drop-in) e devido ao fato das outras fontes renováveis2 apresentarem baixas capacidades de penetração no curto e médio prazo (SOUZA et al., 2015). Ante as quatro principais culturas empregadas nas produções de biocombustíveis em todo o mundo (milho, soja, canola e cana-de-açúcar), a cana-de-açúcar é apontada como a única opção promissora no longo prazo (LONG et al., 2015). Dentre as suas principais vantagens, incluem: a alta eficiência fotossintética; a adaptação a climas tropicais e; o avançado desenvolvimento e domínio agrícola e industrial, que atualmente é liderado pelo Brasil. Ademais, seu cultivo está consolidado em grande parte da África Subsaariana e da América Latina, onde pode ser encontrada desde a Argentina até o México. Não obstante, na maioria dos países a produção de cana-de-açúcar está associada essencialmente à fabricação de açúcar, com desenvolvimento ainda limitado de seu potencial bioenergético, exceto países como Brasil, Colômbia, Guatemala, Malaui e outros onde a produção de etanol e eletricidade é praticada em bases comerciais (IEA, 2015). Calor, eletricidade, combustíveis líquidos avançados, plásticos, químicos, dentre outros.

1

2

Eletricidade e hidrogênio.

4o ABIBER – 47


Tabela 1. Impactos da ocupação de 1% da área de pastagem para a produção de cana-de-açúcar visando a produção de etanol e eletricidade.

Consumo de energia e uso da terra (ano base 2012)

Potenciais produtivos

Impactos

Descrição

Am. Latina & Caribe

Sul da África

Consumo de gasolina (milhões m3/ano)1

102

15

Consumo de eletricidade (TWh/ano)1

751

256

Consumo de lenha (milhões t/ano)2

n.a.

46

Área territorial total (milhões ha)3

1.393

598

Pastagem & Pradaria (milhões ha)3

364,4

282,5

1% Pastagem & Pradaria (milhões ha)

3,6

2,8

Produção de cana-de-açúcar (milhões t/ano)4

233

181

Produção de etanol (milhões m3/ano)5

19,8

15,3

Eletricidade excedente (GWh/ano)6

16.696

12.946

Demanda de etanol para cocção (milhões m3/ano)7

n.a.

6,7

Potencial de redução do consumo de lenha (%)

n.a.

100

Potencial de substituição de gasolina (%)8

13

37

Contribuição da oferta de bioeletricidade excedente sobre o consumo (%)

2,2

5

Notas: 1 (EIA, 2012). 2 1,5 kg/dia.pessoa (IEA, 2014b); 84 milhões de pessoas dependem de biomassa tradicional (IEA, 2014b). 3 (FAO, 2012). 4 Considerando expansão de cana sobre 1% da área de pastagem e produtividade de 64 t/ha; média América Latina e Sul da África (FAO, 2012); 5 85 l/tcana. 6 71,6 kWh/tcana (CGEE, 2005). 7 360 letanol/residência.ano (UNITED NATION, 2007); 4,5 pessoas/residência. 8 PCI: 21 MJ/l (etanol) e 32,4 MJ/l (gasolina) (WANG et al., 2014). n.a.: não aplicável.

Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial da produção de eletricidade e etanol a partir de cana-de-açúcar nos países do Sul da África e da América Latina e Caribe (exceto Brasil). Para atingir tais objetivos, estimou-se a produção de bioenergia adotando como hipótese uma expansão da cana-de-açúcar em 1% da área de pastagem, com base nos dados apresentados na Figura 1. Os principais resultados e considerações foram realizados à luz de cada região e em face dos potenciais benefícios derivados do uso da bioenergia de cana-de-açúcar. Potencial de redução da dependência de gasolina, lenha e incremento na oferta de energia elétrica. A expansão de cana-de-açúcar na América Latina, Caribe e África sobre 1% da área de pastagem pode con48 – 4o ABIBER

tribuir significativamente na oferta de energia dos países. Na América Latina e Caribe, tal expansão corresponderia a um incremento anual de aproximadamente 200 milhões de toneladas de cana, proporcionando produções de etanol e de eletricidade excedente da ordem de 20 milhões de metros cúbicos e 15 TWh, respectivamente (Tabela 1). Diante desse incremento na oferta, tornaria possível substituir 15% da gasolina consumida e produzir o correspondente a 2,2% da oferta de energia elétrica na região através da produção de energia elétrica excedente nos sistema de cogeração a bagaço das usinas. Em países como Nicarágua e Guatemala, onde 27% e 15% da população, respectivamente, não têm acesso à eletricidade essa oferta certamente contribuiria para expandir o acesso (IEA, 2014a). Já na Costa Rica, Vene-


o etanol de cana-de-açúcar seria uma alternativa interessante para substituir a lenha e, consequentemente, reduzir os malefícios desta prática

e carvão) para cocção nesses países4, o etanol de cana-de-açúcar seria uma alternativa interessante para substituir a lenha e, consequentemente, reduzir os malefícios desta prática5. O potencial de produção de etanol obtido seria capaz de atender 100% da demanda energética para cocção e, além disso, substituir cerca de 40% da gasolina consumida (Tabela 1). Já a eletricidade excedente produzida, corresponderia a cerca de 5% do atual consumo médio de energia elétrica. Entretanto, face que aproximadamente 60% da população do sul da África não têm acesso à energia elétrica, esse incremento na oferta poderia assumir um importante efeito de eletrificação na região. No Sul da África, quase 60% da população não tem acesso à energia elétrica, com destaque para Malaui, onde a oferta atende apenas 10% da população (IEA, 2014b). Potenciais benefícios e vantagens da produção de bioenergia da cana-de-açúcar. Face à experiência brasileira no setor sucroenergético e as realidades dos países da América Latina e Caribe e do Sul da África, tem-se como principais benefícios esperados e vantagens da bioenergia da cana:

zuela e México, onde menos de 1% da população carece de energia elétrica, essa oferta adicional poderia substituir o uso de combustíveis fósseis3 ou, eventualmente, contribuir para atender a demanda crescente de energia nos próximos anos. Para os países do sul da África, a produção de cana-de-açúcar poderia atingir 180 milhões de toneladas, resultando em cerca de 15 milhões de metros cúbicos de etanol e 13 TWh de eletricidade excedente. Devido à elevada dependência da biomassa tradicional (lenha 3

No México, mais de 80% da matriz elétrica é composta por energias de origem fóssil (IEA, 2014a).

Promoção da energia renovável em larga escala e com alta capacidade de integração entre os setores da economia (agrícola, industrial e serviços);

Elevada produtividade agrícola (produtividade energética);

Reduzido custo de produção;

Balanço energético bastante favorável,

4

Cerca de 60% da população; o equivalente a 83 milhões de habitantes (IEA, 2015). 5 Elevada carga de trabalho no corte/coleta da lenha, morte por doenças respiratórias, principalmente entre mulheres e crianças (UNITED NATION, 2007).

4o ABIBER – 49


onde para cada unidade de energia fóssil consumida na produção de cana e sua conversão em etanol, são produzidas cerca de nove unidades de energia renovável; Domínio e conhecimento genético da cultura; Domínio e maturidade tecnológica (agrícola e industrial); Sustentabilidade social, ambiental e econômica; Cultura flexível: cana-de-açúcar = etanol/açúcar + calor + eletricidade + bioprodutos; O etanol é um combustível de alta octa-

nagem, que pode ser usado em misturas (blending) em motores convencionais a gasolina e na forma pura (hidratado) em motores específicos para esse biocombustível ou motores flexíveis, capazes de utilizar quaisquer mesclas de etanol e gasolina; Elevada geração de empregos (diretos e indiretos) e renda; Redução da dependência energética externa (petróleo e derivados); Elevado potencial de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas; Demanda externa crescente por biocombustíveis; Potencial inserção como player no mercado global de biocombustíveis;

Alta capilaridade na economia local em comparação ao petróleo e derivados; e Potencial para expansão e recuperação de áreas degradadas. Conclusões

Promover a substituição de combustível fóssil e a biomassa tradicional e expandir a geração elétrica através de fontes renováveis exigem novas perspectivas e diretrizes, apoiadas em políticas públicas sérias, de modo a guiar 50 – 4o ABIBER


e viabilizar os investimentos em projetos e alternati- impactos de produção da bioenergia da cana-de-açúcar na América Latina e Caribe e África. vas eficientes. Acordos internacionais que almejem promover o crescimento sustentável e proReferências piciar a melhoria na qualidade de vida das pessoas podem desempenhar um importante papel na promoCGEE. Estudo sobre as possibilidades ção das energias modernas nos e impactos da produção de grandes países em desenvolvimento, quantidades de etanol visando à promovendo assim mudansubstituição parcial de gasolina ças significativas no mono mundo - Fase 1. Campinas, delo atual de desenvolvi2005. mento. EIA. EIA Beta. Disponível em: Os resultados apresentados evidenciam o grande potencial energético da cana-de-açúcar nos países do Sul da África e da América Latina e Caribe. Os níveis de substituição de gasolina e lenha e a oferta de eletricidade dependerão dos atuais consumos energéticos, das reais disponibilidades de áreas para expansão e da capitação de investimentos para a criação/expansão de uma indústria canavieira, mas acima de tudo, na capacidade dos países em oferecer o acesso desses recursos à população. Atualmente, estudos mais detalhados vêm sendo desenvolvidos para cada país da América Latina e Caribe e Sul da África por um grupo de pesquisa do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético/UNICAMP, no âmbito do Projeto LACAf. Agradecimentos O Projeto LACAf vem sendo desenvolvido no Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e é fruto de financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O projeto tem por objetivo investigar o potencial e os

<http://www.eia.gov/beta/international/>. . FAO. FAOSTAT - FAO Statistic Division. Disponível em: <http://faostat3.fao.org/home/ E>. . IEA. World Energy Outlook 2014. Paris: IEA Publications, 2014a. IEA. A Focus on energy prospects in Subsaharan Africa. World Energy Outlook. p.237, 2014b. Paris, France: IEA Publications. IEA. World Energy Outlook 2015. Paris, 2015. LONG, S. P.; KARP, A.; BUCKERIDGEC, M. S.; et al. Feedstocks for Biofuels and Bioenergy. In: G. M. Souza; R. L. Victoria; C. A. Joly; L. M. Verdade (Eds.); Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps. p.302–347, 2015. Paris: Scientific Committee on Problems of the Environment (SCOPE). SOUZA, G. M.; VICTORIA, R. L.; JOLY, C. A.; VERDADE, L. M. Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps. Paris: Scientific Committee on Problems of the Environment (SCOPE), 2015. TILMAN, D.; SOCOLOW, R.; FOLEY, J. A.; et al. Beneficial biofuels— the food, energy, and environment trilemma. Science, v. 325, n. 5938, p. 270, 2009. Disponível em: <http://www.researchgate.net/profile/ Robert_Socolow/publication/237285820_Benefi_cial_BiofuelsThe_ Food_Energy_and_Environment_Trilemma/links/0c96052836d1fe3735000000.pdf>. UNITED NATION. Feasibility study for the use of ethanol as a household cooking fuel in Malawi - Draft Final Report. 2007. WANG, M.; SABBISETTI, R.; ELGOWAINY, A.; et al. GREET Model: The Greenhouse Gases, Regulated Emissions, and Energy Use in Transportation Model. , 2014. Chicago, USA: Argonne National Laboratory.

4o ABIBER – 51


BIOMASSA AGRÍCOLA

NO SETOR SUCROENERGÉTICO

Marcelo Pierossi

AgroPerforma Consultoria Agrícola marcelo@agroperforma.com.br

O 52 – 4o ABIBER

setor sucroenergético brasileiro desde o início do ProÁlcool na década de 1970 vem contribuindo de forma significativa ao meio-ambiente através da redução da emissão de gases de efeito estufa. Segundo o site Etanol, uma atitude inteligente (http://www.etanolverde.com.br/) foram evitadas de março de 2003, quando do lançamento dos carros Flex-fuel) a maio de 2015 a quantia de 300 milhões de toneladas de CO2, sendo necessário o plantio de cerca de 2,1 bilhões de arvores nativas para a compensação destas emissões.

solar em produção de biomassa, gerando assim uma grande produção de biomassa agrícola.

O principal componente desta produção é o caldo que é convertido em açúcar e etanol, porém ao final da extração do caldo e produção de açúcar e etanol, existe uma biomassa residual disponibilizada pelo processo e que pode ser utilizada na geração de energia térmica, elétrica e combustível na forma de etanol celulósico: o bagaço proveniente das fibras do colmo. O avanço da mecanização da colheita está possibilitando outra biomassa Um aspecto interessante do setor residual, a palha proveniente das folhas e sucroenergético é a sua capacidade de ser ponteiros que também pode ter o mesmo muito eficiente na conversão de energia destino do bagaço.


4o ABIBER – 53


A quantidade de fibras, folhas e ponteiros depende da quantidade de colmos de cana produzidos. Estudos conduzidos pelo CTC (Hassuani et al, 2005) mostram que para cada tonelada de colmo temos 140 kg de fibras e 140 kg de palhas e ponteiros, ambos em base seca. Tomando-se a produção brasileira da safra 2014/15 igual a 632 milhões de toneladas de cana, a quantidade de bagaço disponível após a extração é de 177 milhões de toneladas com 50% de umidade e 102 milhões de toneladas de palha com 15% de umidade, umidade considerada para o enfardamento. Esta quantidade de biomassa tem energia equivalente a 77 milhões de toneladas de cavaco de madeira com 10% de umidade tanto para a palha quanto para o bagaço, totalizando 154 milhões de toneladas de cavaco de madeira equivalente, porque o poder calorífico do bagaço com 50% de umidade é 1.800 kcal/kg e a palha com 15% de umidade é igual a 3.100 kcal/kg. Atualmente grande parte do bagaço é utilizado para a geração de toda a energia térmica demandada nos processos de fabricação de açúcar e etanol e uma parte é utilizada para a geração elétrica e transferida ao sistema elétrico nacional, representando em 2014, segundo dados da ÚNICA, 4,1% do total de energia elétrica consumida no Brasil, evitando a emissão de 8,3 milhões de toneladas equivalentes de CO2.

tem tornado disponível ano após ano uma maior quantidade de palha que é deixada nos canaviais após sua colheita. A primeira questão que surge é o efeito agronômico que a palha tem sobre o solo e a cultura da cana, porém estudos já mostram que é possível o recolhimento de parte deste material desde que sejam respeitados aspectos relacionados ao clima e solo de cada situação. Desta forma, podemos definir quantidade de palha a ser recolhida sem causar danos à sustentabilidade da produção de

A cadeia logística de recolhimento e processamento da palha é composta por um conjunto de operações agrícolas e o processamento nas usinas

cana, principal ativo de uma usina Porém o grande desafio atual de açúcar e etanol. é utilizar de forma racional e ecoDefinida a questão sobre a nomicamente viável parte das 102 milhões de toneladas de palha dis- quantidade de palha a ser recolhiponibilizadas anualmente nos nos- da, a questão que surge é como resos canaviais. A crescente utilização colhê-la da maneira mais eficiente da colheita mecanizada que não de- possível. Ao contrário do bagaço que manda a queima prévia das folhas é disponibilizado ao final da extra-

Figura 1 – Operações Agrícolas. 54 – 4o ABIBER

ção na moenda, a palha necessita uma série de operações agrícolas e de transporte para sua remoção do campo para a indústria. Nos últimos tempos, muito se estudou sobre este tema, visto que o custo de recolhimento e transporte é o custo mais importante desta cadeia logística, impactando diretamente na sua viabilidade econômica. A palha pode ser recolhida e transportada para a usina de diferentes maneiras. A rota atualmente mais indicada para a maioria das situações é através do enfardamento, pois tem o menor custo de recolhimento e possibilita o melhor manuseio de maiores volumes de material. O enfardamento inicia-se após a colheita mecanizada da cana-de-açúcar quando as folhas verdes e secas são separadas dos colmos e depositadas no solo. O tempo em que estas folhas devem permanecer secando ao sol depende basicamente das condições climáticas, podendo variar de 2 a 10 dias dependendo da umidade do ar e da quantidade de chuvas no período. A umidade ideal para o enfardamento é de aproximadamente 15%, lembrando-se que quanto menor a umidade, maior potencial energético da biomassa. Em períodos secos no Estado de São Paulo não é incomum o enfardamento de palha com níveis de umidade próximos a 5%. A cadeia logística de recolhimento e processamento da palha é composta por um conjunto de operações agrícolas e o processamento nas usinas. A sequência das operações agrícolas (Figura 1) envolvidas no processo é:


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Aleiramento O aleiramento consiste no agrupamento da palha depositada no solo em leiras, concentrando-se o material de forma a garantir o fluxo de massa adequado à enfardadora, minimizando o deslocamento em todas as operações subsequentes. Os aspectos mais importantes relacionados à esta operação são a quantidade de terra adicionada à leira, em função do modelo do aleirador escolhido e largura de trabalho que impacta o desempenho da enfardadora. O maior problema relacionado à qualidade dos fardos é a quantidade de terra. Em alguns casos pode variar entre 6 a 8% dependendo do modelo do aleirador e da forma como a operação é realizada.

Enfardamento Principal operação da cadeia e a mais cara entre todas. A enfardadora (Figura 2) compacta o material das leiras mantendo-os em fardos através de amarração. Existem diferentes modelos de enfardadoras, mas para o setor sucroenergético o modelo mais eficiente é fardo prismático com dimensões de 0,9 x 1,2 x 2,5 m, com fardos de aproximadamente 450 -500 kg de peso amarrados com barbantes plásticos. Os fardos são depositados no solo automaticamente conforme são produzidos. As operações de enfardamento e de aleiramento devem ser realizadas apenas quando o clima possibilitar recolher palha com teores de umidade inferiores a 15%, desta forma reduzindo o tamanho da jornada. Para região Centro-Sul, estima-se uma jornada de trabalho média de 10 horas por dia para ambas operações.

Figura 2: Enfardadora em operação - Fonte: New Holland Latin America

Existem diferentes modelos de enfardadoras, mas para o setor sucroenergético o modelo mais eficiente é fardo prismático com dimensões de 0,9 x 1,2 x 2,5 m

Recolhimento dos fardos Conforme os fardos são depositados no campo, é necessária uma operação de recolhimento dos mesmos e transporte até os carreadores onde serão transferidos aos veículos de transporte. Existem no mercado diversas opções para o recolhimento, porém a carreta que permite o recolhimento automático dos fardos e seu agrupamento em pilhas con-

tendo 12 fardos e posterior deslocamento e empilhamento no ponto de carregamento é a opção com maior viabilidade econômica. Esta operação pode ser realizada durante as 24 horas do dia e não necessita ser realizada logo após o final do enfardamento. Um aspecto muito importante nesta operação é evitar o pisoteio excessivo no canavial.

Carregamento dos fardos A transferência das pilhas de fardos para os equipamentos de transporte também pode ser realizada por diferentes equipamentos. Os dois equipamentos mais adequados dependendo da escala de produção é o carregador frontal montado em trator ou o manipulador telescópico.


Figura 3: Unidade de processamento de fardos - Fonte: Fraqmaq

Transporte O transporte dos fardos pode ser feito em equipamentos adaptados, porém a opção com maior capacidade de transporte permitido pela legislação brasileira é a composição rodotrem composta por dois semirreboques com comprimento de 12,5m e capacidade de 34 fardos, possibilitando o transporte de 64 fardos por composição com carga útil de aproximadamente 30 toneladas.

de impurezas minerais adequados 100 mil toneladas anuais de fardo, a ao processo na qual será utilizada. quantidade de barbante processada nesta unidade chegará a 45 toneladas anuais. A Figura 5 mostra o Recepção e equipamento para remoção do bardescarregamento bante. dos fardos

A recepção dos fardos pode ser feita por equipamentos móveis de diferentes tipos e pontes rolantes automáticas dependendo da quantidade de fardos a ser processados na unidade. Uma pequena capacidade de armazenamento com capacidade de algumas horas de operação pode Ao chegar na unidade indus- ser construída ao lado do sistema de trial onde serão utilizados, os fardos recepção e descarga. necessitam uma série de operações para adequá-los ao uso. Estas operaRemoção dos barbantes ções são realizadas em uma unidade de processamento de fardos (Figura A remoção dos barbantes plás3) que podem ter diferentes escalas ticos pode ser realizada de maneira e contemplar total ou parcialmente simples e eficiente através da utilia sequência indicada de operações zação de um equipamento de pequedescritas na Figura 4: no porte. Em instalações de grande porte, a quantidade de barbante Esta sequência de operações pode ser um problema ao sistema. tem como objetivo garantir que a Tomando-se como exemplo uma palha tenha a granulometria e nível instalação para processamento de

Desenfardamento e Trituração As operações de desenfardamento e trituração podem ser realizadas de forma simultânea ou separada, dependendo da escala da unidade. O desenfardamento consiste na quebra das fatias compactadas que formam a estrutura dos fardos após a remoção dos barbantes, permitindo assim o seu peneiramento e limpeza. Em algumas unidades, somente é realizada a trituração, impedindo o peneiramento do material pois muita biomassa seria perdida ao passar pela peneira.

Peneiramento O peneiramento consiste na passagem da palha por uma peneira

Figura 4 – Operações para o processamento dos fardos 4o ABIBER – 57


Figura 5: Equipamento para remoção de barbante.

circular onde parte significativa da to e médio prazo, outras importanterra será removida devido ao fato tes fontes de biomassa agrícola para da palha ter baixa umidade, facili- o setor. tando a separação. Além da palha, outras fontes de biomassa agrícola para o setor sucroenergético estão sendo desenvolvidas e em um futuro próximo podem aparecer com maior importância. A principal delas é a cana energia (Figura 6), cana com maiores teores de fibra, menores teores de açúcares e alta produção de biomassa que será utilizada como fonte de biomassa para a produção de etanol celulósico ou a geração de energia térmica e elétrica. Esta nova biomassa necessitará de uma cadeia logística diferente, principalmente porque sua colheita não requer a limpeza das folhas. O sorgo biomassa também está sendo desenvolvido para suprir o mesmo mercado, porém a sua produção ocorre no verão no início da safra canavieira em ciclos curtos, servindo como material complementar à cana.

Referências

HASSUANI, S. J. et al. - Biomass power generation: sugar cane bagasse and trash - Piracicaba: PNUD-CTC, 2005. (Série Caminhos para Sustentabilidade). ▪

De forma geral, a palha enfardada é uma opção viável como biomassa residual adicional ao bagaço, amplamente utilizada pelas usinas, e os desenvolvimentos atuais que estão sendo feitos com a cana energia e o sorgo biomassa, adicionarão no cur- Figura 6: Cana Energia - Fonte: GranBio

Além da palha, outras fontes de biomassa agrícola para o setor sucroenergético estão sendo desenvolvidas e em um futuro próximo podem aparecer com maior importância


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COP 21: Brilha a Cidade Luz Prof. Dr. Fernando Rei1

Sexta-feira, 11 de dezembro, e não termina a COP21. Bom sinal! É mostra de que a intensa e intrincada negociação diplomática em curso enxerga a possibilidade de se chegar a um acordo até a manhã do sábado. Afinal em duas semanas foi possível romper uma trava que amarrava a evolução do regime internacional de mudanças climáticas nos últimos anos. Registre-se que antes do início da Conferência das Partes-COP, 160 países já haviam encaminhado seus compromissos nacionais de redução de emissões o que, apesar do incremento recente da agenda internacional da insegurança, já 1 Professor Associado do Doutorado em Direito Ambiental Internacional da Universidade Católica de Santos. Professor Titular de Direito Ambiental da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP. Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Direito Internacional do Meio Ambiente. Primeiro Secretário Executivo do Programa Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo – Proclima (1995-1999).

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sinalizava que a agenda climática em Paris poderia recuperar algum protagonismo. Como é sabido, o regime internacional das mudanças climáticas está juridicamente estruturado por três documentos: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (aprovada por ocasião da Rio/92, e que entrou em vigor em 1994), o Protocolo de Quioto (aprovado em 1997, que entrou em vigor em 2005 e encerrou seu primeiro período de redução de emissões em 2012) e a Emenda Doha ao Protocolo (aprovada em 2013) que estabeleceu novos compromissos de redução dos países desenvolvidos para o segundo período do protocolo, mas que até o momento não entrou em vigor. Assim, a esperança de que Paris fosse capaz de elaborar um Acordo que dessa vida a um segundo período de obrigações não foi defraudada.


Apesar de mal compreendido por alguns tomadores de decisão, o regime climático constitui, em sua essência arquitetônica, um arranjo institucional dinâmico e de construção permanente criado para facilitar o entendimento e promover a cooperação entre os países signatários da Convenção Quadro, que tem como objetivo estabilizar o sistema climático global e conter o aquecimento da temperatura do planeta, causado por emissões de gases de efeito estufa (GEE), ainda que para isso seja necessário reconhecer insuficiências e estar dependente da vontade política dos Estados-Parte. Em outras palavras, um intenso e nada fácil jogo de xadrez diplomático, que em Paris reuniu 195 Estados membros, onde nenhum jogador deve ganhar: é pura estratégia. A concretização desse objetivo formal entrelaça o regime climático com a governança global ambiental, como mecanismo para a promoção da necessária cooperação entre os Estados e os novos atores internacionais, estatais e privados, num mundo interdependente e cada vez mais complexo e, porque não admitir, de futuro incerto. A governança, como instrumento de participação ampliada, com envolvimento crescente e estratégico de atores estatais e não estatais constitui o caminho a ser percorrido para que possa concretizar este objetivo de estabilização climática tempestivamente entre outros. E neste, sentido a adoção do Acordo de Paris2 consagra a governança global e avança com segurança no reconhecimento e na ambição das atividades paradiplomáticas ao inserir em seu preâmbulo a importância do envolvimento desses novos atores internacionais e dedicar a eles um item próprio: v. non-party stakeholders, números 134 a 137. O contexto atual que versa afinal sobre “que futuro que teremos” relevou a tônica de muitos questionamentos sobre a eficácia do regime de mudanças climáticas: esse regime deu sinais de é capaz de conduzir e induzir as necessárias ações a tempo de evitar uma ruptura do sistema climático global. O objetivo central já não é mais estabilizar o sistema climático global e conter o aquecimento da temperatura do planeta. 2 Disponível em: http://ep00.epimg.net/descargables/2015/12/12/a49a77f74a2a65430acab895fb24d28e.pdf

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Assume-se em Paris o incremento até 2100 de até 2,0o C, esperando que “não supere os 1,5o C”, e se abandona a metodologia dos cortes das emissões para se apostar numa fórmula menos concreta: lograr “a neutralidade das emissões na segunda metade do século”. É o que a diplomacia consegue construir diante de desafios tão complicados. Qual foi a vontade política dos Estados, conforme demonstrado na COP-21? Os resultados da Conferência em termos de normatização, detalhamento das obrigações de cada país e dos necessários aportes financeiros que os países desenvolvidos farão para que os países em desenvolvimento possam promover as necessárias adaptações às mudanças climáticas em curso revelam que o princípio norteador das negociações, “da responsabilidade comum, porém diferenciada”, continua pautando e pintando a tela da Convenção Quadro. Enquanto Princípio desenvolvido no seio do Direito Ambiental Internacional, a responsabilidade comum, mas diferenciada, carrega em si uma força de convicção inigualável, que constitui expressão definitiva e irreversível da sua afirmação histórica, filosófica, científica e jurídica. Assim, apesar da revisão da lógica da definição de metas quantificadas de redução e do reconhecimento de soluções tecnológicas de captura e armazenamento de carbono, dando vida à utilização de combustíveis fósseis, por pressão dos países industrializados e produtores de petróleo, os menos desenvolvidos, e mais vulneráveis, logram a constituição de um fundo internacional para o enfrentamento da problemática, que poderá contar com contribuições anuais na faixa dos 100 bilhões de dólares a partir de 2020. E os emergentes, liderados por China e Índia, terão ainda algum tempo para gerenciar suas emissões 62 – 4o ABIBER

(2030) e depois reduzi-las. No que tange ainda às mitigações, o principal instrumento sobre o qual se constrói o Acordo são as chamadas “contribuições” nacionais: 186 dos 195 países que negociavam já apresentaram planos de redução de suas emissões, entre eles o Brasil. Quando analisados em conjunto, esses compromissos de redução de emissões resultam em um aumento de cerca de 3o C na temperatura até o fim do século. Por isso, o Acordo estabelece que as contribuições devam ser revisadas e melhoradas a cada cinco

É plausível, portanto, considerar que se a ordem de prioridades da agenda internacional atual não privilegiou a pauta ambiental nos últimos lustros, não se pode afirmar que a COP 21 não teve o seu protagonismo, chegando inclusive a avançar institucionalmente: o Acordo inclui a criação de um organismo internacional novo dedicado às “perdas e danos”, para compensar os países que serão mais atingidos pelas consequências das mudanças climáticas Está claro que o regime climático internacional persistirá e avançará na sua construção, buscando melhorar COP a COP a sua performance. O sucesso da COP-21 em torno de um novo Acordo, vinculante no todo (o que não será legalmente vinculante são os objetivos de redução de emissões de cada país), é fundamental não apenas para o futuro do regime, mas para a vida no Planeta e do Homem. A simples celebração do instrumento não é, entretanto, de todo significante em termos de resultado do regime. É preciso que conte com uma agenda intensa de trabalhos antes da entrada em vigor diferente, incentivar rearranjos institucionais.

Enfim, o avanço jurídico e político do regime internacional das mudanças climáticas, a partir da COP-21, são fundamentais, diante do reconhecimento de que a fronteira climática planetária já foi ultrapassada e a humanidade não opera Em outras palavras, o contexto mais em um espaço seguro em relade crise de segurança e vulnerabi- ção à estabilidade do sistema climálidade que cercou a COP 21 não foi tico. capaz de afastar a discussão aberta Muito se trabalhou na Cidade e franca sobre critérios de distribuição das responsabilidades dos Luz nestes últimos dias. Se é certo Estados em relação à adoção das que Paris viveu recentemente o termedidas de mitigação e fortaleceu a ror, os resultados conseguidos da capacidade do multilateralismo em COP21 mostram sua capacidade de avançar na promoção de efetivos os reagir e de afirmar que ainda há briesforços de mitigação e adaptação. lho no ar da Cidade Luz. ▪ anos. Seguindo a lógica da construção contínua, a primeira análise será realizada em 2018, e a primeira atualização, em 2020.


4o ABIBER – 63


O USO ENERGÉTICO DO HIDROGÊNIO COMO PARTE DAS SOLUÇÕES DE CONTENÇÃO DAS

Prof. Dr. Ennio Peres da Silva

Laboratório de Hidrogênio da Unicamp Universidade Estadual de Campinas

as intensas discussões ocorridas no âmbito da COP 21, realizada em Paris em 2015, no ano mais quente já registrado desde que a temperatura média da biosfera do planeta começou a ser medida, pôde-se constatar uma elevação importante do nível de preocupação dos governantes em relação às consequências, para cada país e para toda a humanidade, que advirão desse progressivo aumento de temperatura.

conferências anteriores, mesmo que ainda distante do grau de importância necessária para que resultados relevantes sejam alcançados em prazos aceitáveis.

Dada a relevância da participação do setor de energia nas emissões de GEE, em vista do amplo predomínio das fontes fósseis na matriz energética mundial (82 % do suprimento total em 2012), esse setor mereceu destaque no elenco de medidas propostas e assumidas por muitos países. Nesse contexto, três medidas mitigaA busca de medidas que mitiguem as emissões de doras não excludentes acerca dessas fontes são óbvias: gases de efeito estufa (GEE) e o enfrentamento das mu- a captura dos GEE emitidos, a redução do seu consumo danças climáticas mereceram maior atenção do que em e sua substituição por fontes com menores emissões. 64 – 4o ABIBER


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ços, o que é de difícil realização em países emergentes e subdesenvolvidos. Além disso, com relação ao uso de combustíveis para transporte, os ganhos tecnológicos em sistemas de combustão interna parecem ter atingido seus limites, não havendo melhorias relevantes de eficiência nos motores após a introdução dos sistemas eletrônicos de injeção direta. Veículos híbridos têm conseguido reduções do consumo, através da introdução de motores elétricos, muito mais eficientes que os de combustão interna. A primeira medida refere-se às tecnologias de captura e armazenamento de carbono (Carbon Capture and Storage – CSS), ainda em desenvolvimento. De maior interesse dos países que possuem grandes reservas de carvão, petróleo e gás natural, contando com o apoio das empresas envolvidas na exploração, transporte, processamento e comercialização e utilização desses produtos, apenas projetos de demonstração foram realizados até o momento. Custos elevados e a necessidade de locais adequados ao armazenamento dos GEE indicam que essa tecnologia, mesmo se adotada em larga escala, não resolverá o problema dessas emissões, mesmo porque só é aplicável a sistemas estacionários, não sendo uma solução para as fontes móveis (veículos).

A primeira medida refere-se às tecnologias de captura e armazenamento de carbono (Carbon Capture and Storage – CSS)

de vida atual, depende da disseminação de tecnologias mais eficientes e medidas de conservação de energia (uso racional). Há muitas restrições para A redução do consu- a prática da transferência mo das fontes fósseis, sem tecnológica entre países, a diminuição da qualidade pois são empresas comer66 – 4o ABIBER

A substituição das fontes fósseis por fontes renováveis tem sido apontada como a melhor medida disponível em curto espaço de tempo, seja pela disponibilidade de fontes e tecnologias (solar térmica e fotovoltaica, eólica, hidráulica, geotérmica, biomassas diversas e outras), em que pese o maior custo da maioria delas frente às fontes fósseis. Outro inconveniente é o fato da maioria das fontes renováveis produzirem, de forma direta, eletricidade. Apenas as biomassas fornecem combustíveis, como o etanol, o biodiesel e o biogás. Dada a enorme quantidade de combustíveis fósseis utilizadas pelos diferentes modais de transporte em todo mundo, prevê-se que os biocombustíveis poderão suprir apenas parte do consumo.

ciais que as possuem, e as controlam, o que envolve direitos de patentes, ressarcimento de investimentos etc. Medidas de uso racional possuem um hisCompetindo com outórico de serem limitadas, além de dependerem de tros usos do solo, printaxações e elevação de pre- cipalmente alimentos, a


expansão do cultivo de espécies energéticas esbarra em muitas dificuldades ambientais e sociais, mas vem ganhando espaço no mercado e é, hoje, a melhor alternativa aos combustíveis fósseis. Em vista da enorme disponibilidade de energia elétrica renovável, a busca por um (ou mais) combustível renovável obtido da eletricidade é uma consequência lógica. Entre várias opções disponíveis, a produção de hidrogênio através da eletrólise da água se apresenta como uma alternativa importante. Além de muito eficiente (da ordem de 80 %) e ambientalmente amigável (o ciclo envolve apenas água e eletricidade renovável), essa tecnologia pode ser desenvolvida por qualquer país ou empresa de qualquer nível, ou seja, não envolve monopólios e nem requer transferências de tecnologia.

Ônibus movido a hidrogênio, São Paulo.

Outro fator importante a favor do uso do hidrogênio como combustível é a possibilidade de ser empregado em células a combustível (CaC). Enquanto conversores eletroquímicos, as CaC possuem eficiências de conversão pelo menos o dobro das eficiências dos sistemas térmicos

(combustão interna) equivalentes, de forma que atendem também à estratégia de aumento das eficiências energéticas. Os veículos utilizando o hidrogênio como combustível em células a combustível são do tipo elétrico, uma vez que são

tracionados por motores elétricos (eficiências acima de 90 %), de forma que o conjunto mantém aproximadamente a eficiência das CaC. Veículos elétricos puros (somente motor elétrico e baterias) possuem eficiências superiores, mas apresentam problemas práticos de autonomia e

Figura 1- Sistema geral do uso do hidrogênio como vetor energético. 4o ABIBER – 67


tempo para abastecimento (recarga das baterias). Integrando as fontes renováveis, todas as biomassas podem ser utilizadas na produção de hidrogênio, através de processos de gaseificação e reforma de biocombustíveis. Nesse último caso, a associação do processo de reforma com o emprego de células a combustível resulta em eficiências de conversão global superiores ao uso direto dos biocombustíveis em motores de combustão interna. Portanto, pode-se dizer que essa produção de hidrogênio de biomassa (ou bio-hidrogênio) representa uma forma mais eficiente do uso dos biocombustíveis. Além da eletricidade renovável, evidentemente que energia elétrica produzida por outras fontes, como fósseis ou nuclear, também pode ser empregada na produção do hidrogênio por eletrólise da água. Esse fato amplia as aplicações do hidrogênio, caracterizando-o como um vetor energético, capaz de integrar todas as fontes de energia, convencionais e alternativas (Figura 1).

Normas e padrões para as aplicações do hidrogênio já estão estabelecidas, havendo um esforço no âmbito da parceria internacional International Partnership for Hydrogen and Fuel Cells in the Economy (IPHE), criada em 2003, com a participação do Brasil

O maior obstáculo ao uso energético intensivo do hidrogênio é o seu custo. Os investimentos em eletrolisadores de água e reatores de reforma, incluindo seus respectivos sistemas ancilares, não são pequenos, apesar das elevadas eficiências envolvidas. Também o armazenamento e o transporte desse gás exigem equipamentos volumosos e caros 68 – 4o ABIBER

Como um carro movido a Hidrogênio é abastecido.

(compressores, tanques de alta pressão, gasodutos etc.). Os problemas de segurança para o uso desse combustível não são maiores que os dos demais combustíveis gasosos, como GLP e gás natural. Normas e padrões para as aplicações do hidrogênio já estão estabelecidas, havendo um esforço no âmbito da parceria internacional International Partnership for Hydrogen and Fuel Cells in the Economy (IPHE), criada em 2003, com a participação do Brasil, para uniformizar e universalizar procedimentos seguros para o uso energético do hidrogênio em todo mundo. Mesmo assim, a necessidade premente de veículos que não emitam poluentes atmosféricos e nem gases de efeito estufa, ou seja, que atendam aos condicionantes ambientais reforçados na COP 21, superam as dificuldades financeiras e os veículos a hidrogênio com células a combustível começaram a ser comercializados em 2015, ainda de forma restrita, mas com perspectivas de ampliação das vendas em 2016. Os modelos que chegam ao mercado são fabricados por grandes empresas tradicionais, que investiram bilhões de dólares nessa tecnologia nos últimos 15 anos: Honda (modelo New Clarity), Toyota (modelo Mirai) e Hyundai (modelo ix35 ou Tucson). Postos que comercializam hidrogênio já são encontrados em regiões do Japão, Estados Unidos e Europa.


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Nesse último caso, em 2015 foi lançado o programa Hydrogen Mobility Europe (H2ME), uma coalisão de governos e empresas, que prevê a ampliação dos postos com hidrogênio em toda a Europa.

nutenção da qualidade da energia elétrica injetada na rede.

Atualmente a barreira econômica é o maior obstáculo à disseminação da tecnologia do hidrogênio. Entretanto, em alguns casos (nichos) ela já se mostrou economicamente vantajosa, como em sistemas de backup confiáveis (estações de telefonia e transmissão de dados) e empilhadeiras elétricas. Em ambos os casos, os sistemas de produção de eletricidade com hidrogênio e células a combustível são mais econômicos que os bancos de baterias tradicionalmente empregados. Esses nichos têm criado pequenas escalas de produção e o desenvolvimento de novos negócios, com a consequente redução de custos e preços.

Para a mitigação dessa variabilidade das fontes renováveis, sistemas de armazenamento de energia elétrica são necessários.

Também a experiência adquirida por essas empresas no uso comercial das CaC tem proporcionado avanços tecnológicos importantes, principalmente na durabilidade e confiabilidade das células. Outro problema que tem estimulado a aplicação energética do hidrogênio refere-se exatamente ao incremento das fontes renováveis de energia. Países que passaram a incluir maciçamente as fontes renováveis em suas matrizes energéticas, principalmente eólica e solar fotovoltaica, como alguns países europeus, estão enfrentando problemas de estabilidade e ma-

A origem do problema é a intermitência dessas fontes, sujeitas a grandes variações ao longo do dia.

Conjuntos de baterias eletroquímicas têm sido empregados com sucesso em sistemas de pequeno e médio porte, mas não são economicamente viáveis no caso de grandes quantidades de eletricidade injetadas na rede. Uma alternativa possível, comparável em custos para grandes potências, é a produção e armazenamento de hidrogênio em reservatórios subterrâneos ou em gasodutos, alimentando sistemas de células a

Atualmente a barreira econômica é o maior obstáculo à disseminação da tecnologia do hidrogênio esse, grandes blocos de hidrogênio estarão disponíveis para usos diversos, sendo possível a integração em rede (gasodutos) de sistemas de produção e utilização desse gás, através de diferentes tecnologias. D e

dutoras, sendo retirado pelos usuários, o hidrogênio pode ser produzido por várias empresas, seja como subproduto de suas atividades (como a indústria de cloro-soda), seja através de empresas geradoras desse gás, utilizando tecnologias variadas. Assim, muitas empresas estarão conectadas à rede, podendo injetar ou retirar o hidrogênio, conforme seus interesses e atividades.

Apesar dos grandes desafios do Século XXI, principalmente no que diz respeito à contenção das mudanças climáticas, é possível perceber que nesse caso há soluções possíveis, a partir do momento que prevalecerem as fontes e os combustíveis renováveis sobre as fontes e os combustíveis fósseis, fato, emissores dos GEE e de e n - outros poluentes. comquanto no bustível coSe isso não ocorrer no caso do gás nanectados à rede. tural esse combustível é Século XXI, será muito diHavendo a implemen- injetado na rede apenas fícil viver (sobreviver) no tação de sistemas como através das empresas pro- Século XXII. ▪


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Biogás:

Um trunfo para um Brasil com Baixas Emissões Catharina Vale e Luis Cesar da Costa Jr. Projeto PROBIOGÁS

N

o início de dezembro na COP 21, líderes mundiais de 195 países se reuniram para aprovar novos acordos climáticos mundiais. Nas palavras do presidente francês, Francois Hollande, o acordo é "ambicioso, mas realista. Apesar de não haver menção a mitigação de combustíveis fósseis o acordo, comemorado no mundo todo, reforça a importância das energias renováveis no mercado internacional e nacional. Neste contexto a tecnologia do biogás ganha mais força para finalmente integrar a matriz energética do Brasil, contribuindo para geração de energia limpa e principalmente, contribuindo para a redução da emissão dos gases de efeito estufa. Aliado ao fator energético, a produção de biogás traz consigo o benefício da redução da carga orgânica dos materiais que são submetidos ao processo, o que confere também ao processo o caráter de

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‘‘O biogás é uma fonte de energia renovável que se apresenta como ótima alternativa para o Brasil’’


saneamento ambiental. Estimativas da Associação Brasileira Biogás e Biometano – ABiogás apontam que o Brasil tem potencial de produzir diariamente 63 milhões de metros cúbicos de biogás, se forem levados em conta os resíduos dos setores sucroalcooleiro e alimentício e também de saneamento (esgotos domésticos e resíduos sólidos urbanos) e, o que em termos de energia elétrica equivaleria a uma potência instalada de 4.000 MW, o suficiente para suprir o consumo elétrico da região centro-oeste. Ou seja, além de produzir energia, contribui para diminuir a poluição de dejetos e reduzir emissões de gases que contribuem para o aquecimento global. O biogás é uma fonte de energia renovável que se apresenta como ótima alternativa para o Brasil. Todo resíduo orgânico, como os restos de comida, frutas e vegetais, resíduos industriais de origem animal e vegetal e esterco animal e também o esgoto doméstico, sofrem ações de bactérias que na ausência de oxigênio decompõem estes materiais e geram gases, principalmente dióxido de carbono e metano, que quando não aproveitados, são liberados no meio ambiente, contribuindo para o aumento das taxas de emissão de gases indutores do efeito estufa. Esta decomposição pode ser realizada de maneira controlada, possibilitando a geração de energia, por meio do aproveitamento do metano, presente em grandes concentrações no biogás, com concentrações que variam entre 50 a 80%. É a partir da geração de energia proveniente dos processos de biodegradação de compostos orgânicos que o biogás possibilita um retorno positivo para o setor saneamento básico no Brasil, bem como a redução de custos no setor agropecuário e da agroindústria, contribuindo além disso para a redução do efeito estufa.

Figura 1: Biodigestor Modelo Lagoa Coberta – Créditos: Juliano Corrêa.

Figura 2: Biodigestor modelo Tanque Agitado. Créditos: Catharina Vale.

tróleo na década de 70, investidores que resolveram empregar o biogás como combustível esbarraram no desconhecimento das especificidades do gás, ocasionando em experiências fracassadas que desacreditaAs respostas da indústria ram a tecnologia. Porém, nos anos as resoluções da 2000, o Protocolo de Quioto criou COP: oportunidades o Mecanismo de Desenvolvimento O Brasil está reatando sua rela- Limpo (MDL) e a viabilidade econôção com o biogás. Após a crise de pe- mica acerca do biogás voltou à tona

impulsionado pelo mercado dos créditos de carbono. As Conferências do Clima apontam resoluções para os governos e apresentam novas oportunidades para indústrias. Experiências exitosas envolvendo a instalação de biodigestores para a captação de biogás a partir de dejetos suínos e acreditação dos créditos de carbono foram 4o ABIBER – 73


realizadas no sul do Brasil. Estimase que mais de 3.000 biodigestores foram instalados na região. Outro foco relevante para a implementação de sistemas de geração de créditos de carbono foram os aterros sanitários. Infelizmente o aproveitamento do biogás como fonte energética foi secundário. Atualmente no entanto, em um cenário de aumento de preços da energia, vem-se redescobrindo o real potencial do biogás. Nos últimos anos puderam ser observadas algumas medidas públicas para a promoção desta fonte de energética. O país avança na discussão sobre a geração distribuída de energia, tema no qual o biogás se encaixa perfeitamente. É possível observar que o biogás já alcança escalas de aplicação competitivas economicamente no Brasil. Nos últimos 5 anos a potência instalada em biogás no Brasil dobrou. Ricardo Dornelles, diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, afirma que o Brasil tem de fato muito potencial para o biogás. Segundo Dornelles, "o que nos falta é uma articulação institucional em todos os seguimentos com uma visão de longo prazo, onde a indústria seja autossustentável, buscando no biogás o seu potencial economicamente viável e eficaz”.

‘‘O país avança na discussão sobre a geração distribuída de energia, tema no qual o biogás se encaixa perfeitamente’’

somente como fonte geradora de energia, mas como meio para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. No ano de 2012, a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL lançou a resolução normativa número 482, que estabelece as condições para o acesso de sistemas de micro e mini geração de energia à rede de Políticas públicas e incentivos: distribuição, bem como o sistema de compensação de energia elétrica. impulso para o biogás Esta resolução prevê não só a injeAssim como as grandes potên- ção da eletricidade proveniente de cias mundiais contam com incenti- biogás, mas também de qualquer vos extras para atingirem as metas outra fonte de micro ou mini geraacordadas nas Conferências Climáticas, a indústria do biogás também precisa de incentivos para que possa seguir crescendo e contribuindo não

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ção nos sistemas de distribuição de eletricidade. Em janeiro de 2015, a Agência Nacional do Petróleo - ANP lançou a resolução número 08, que autoriza a injeção do biometano (biogás purificado) proveniente de materiais orgânicos agrossilvopastoris e comerciais na rede de gás natural. Com o intuito de proteger o consumidor, a ANP especifica no documento qual a composição deve apresentar o gás para que seja injetado e exige um rigoroso controle de qualidade. Com relação ao biometano de outras fontes, como resíduos sólidos urbanos e tratamento de esgotos, a agência informa que não dispõe ainda de informações suficientes para lançar uma resolução segura. No entanto, o uso do biometano proveniente das atividades de saneamento básico está liberado para o chamado “uso experimental”, como por exemplo para a aplicação em frotas cativas. Além da esfera federal, as iniciativas públicas se refletem também nos estados. Os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo já contam com programas que preveem que um percentual gás natural comercializado deve ser de fonte renovável, ou seja, o biometano deve ser injetado na rede de gás natural. Ainda que não sejam reconhecidas como iniciativas de sucesso, especialmente diante do pouco entendimento das agências reguladoras estaduais e a ausência de regulamentações espe-


"Nossa responsabilidade com a história é imensa" Laurent Fabious

Presidente da COP 21 cíficas nesta esfera, representam um civil em 2016 e pretende estabelecer passo firme rumo a consolidação do condições específicas para que os investimentos no biogás e no biouso do biogás no Brasil. metano sejam atrativos para potenNacionalmente, o setor elétri- ciais produtores e usuários e que se co isentou das taxas para uso das estabeleçam como fontes de energia infraestruturas de transmissão e de seguras, oficialmente inseridas na distribuição as energias renováveis. matriz energética, com qualidade e Na esfera estadual, estados como disponibilidade firme. Minas Gerais, São Paulo e Rio de Emissões e energia: Janeiro adotaram estratégias de reo biogás é uma mina! dução de impostos estaduais como PIS/Cofins e ICMS como forma de O potencial de produção de incentivar a disseminação de energias renováveis, entre elas o biogás. biogás no Brasil é enorme e o gás é composto majoritariamente pelo A iniciativa privada tem mos- gás metano, que de acordo com o trado engajamento e comprometi- Painel Internacional de Mudanças mento. No início de dezembro, ain- Climáticas (IPCC) apresenta um poda antes da COP, durante o II Fórum tencial de aquecimento global 21 veda Indústria do Biogás, a Associação zes superior ao CO2. De acordo com Brasileira de Biogás e de Biometa- o CIBiogás (Centro Internacional no - ABiogás apresentou a proposta de Energias Renováveis–Biogás), o do primeiro Programa Nacional do Brasil conta atualmente com uma Biogás e Biometano - PNBB. A pro- produção de aproximadamente 1,5 posta será debatida pela sociedade milhões de metros cúbicos de biogás

ao dia, o que em termos de emissões equivale a um valor anual de aproximadamente 5 Tg de CO2eq. A primeira vista estes números podem impressionar, mas em perspectiva a comparação com as 446 Tg de CO2eq emitidas pelo setor de energia no ano de 2012 apontam para o grande potencial do biogás para reduzir as emissões do setor de energia, principalmente aquelas relacionadas à queima de combustíveis fósseis. "Nossa responsabilidade com a história é imensa", declarou Laurent Fabious, presidente da COP 21. Essa responsabilidade é de todos nós e o biogás está pronto para apoiar no alcances das novas metas traçadas. Depende de nós, da sociedade, da indústria e do governo. Assim como as decisões da COP, a decisão de apoiar o biogás é conjunta. Potencial há, e ninguém duvida disso. ▪ 4o ABIBER – 75


No mundo à procura da redução dos GEE.

Qual é a importância da produção de Florestas Energéticas no Brasil?

Javier F. Escobar

Doutorando em Energia Grupo de Pesquisa em Bioenergia, Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo.

A

madeira para energia é na verdade, uma forma de energia não tão bem compreendida pela sociedade de forma geral, porém o potencial característico apresentado na produção florestal brasileira para atender o setor produtivo, e os grandes ganhos potenciais na produção de massa seca por hectare em plantios de florestas de curta rotação, apresentam perspectivas positivas para o setor florestal brasileiro para energia. Estima-se que a energia da madeira tem sido responsável, em 2013, para a produção de 1.425 x 109 MJ (34 Mtep), mesma ordem de grandeza comparada a outras fontes renováveis do país. 76 – 4o ABIBER

Além dos 105 milhões de áreas degradadas disponíveis, ideal para expansão florestal para energia, os cenários realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estima à intensificação da pecuária que irá aumentar consideravelmente a produtividade de carne em áreas mais concentradas, com este feito, espera-se obter até 2030, 70 milhões de hectares disponíveis para diversos fins agrícolas e florestais.

a expansão sustentável de plantações florestais, atingindo um crescimento médio de 1 milhão de ha/ ano. Na verdade, deve-se considerar que há ainda um elevado défice das plantações florestais para abastecer a produção de carvão vegetal, tanto como os setores industriais que utilizam madeira para energia. No entanto, as perspectivas mostram que parte desse déficit pode ser coberta com uma área adicional usada para produção pellets de madeira, bem como o destino da tímida produção atual de pellets proveniente de diversos resíduos de biomassa vegetal.

As Políticas para o desenvolvimento florestal brasileiro devem abordar as questões que consideram aspectos específicos dos principais segmentos da indústria. Se bem suA utilização de pellets produzicedidos, em avanços institucionais, pode-se esperar que o Brasil acelere dos de resíduos de madeira inicial-


4o ABIBER – 77


Brasil pode se tornar capaz de produzir bioenergia de madeira sustentável e economicamente competitiva para exportação mente poderia abastecer parte da demanda nacional porém para atender a demanda internacional de pellets de madeira, o país, deve se adequar a diversas caraterísticas técnicas da União Europeia - ANplus para entrar no mercado residencial e/ou atingir escala acima de 1 milhão de toneladas por ano para participar no setor termoelétrico. Brasil pode se tornar capaz de produzir bioenergia de madeira sustentável e economicamente competitiva para exportação, devido ao custo favorável das matérias-primas e a ausência de barreiras tecnológicas significativas para a produção. Neste artigo, serão discutidas as barreiras existentes para expansão e da produção de madeira pra energia no Brasil, além do potencial e as oportunidades de produção de florestas de curta rotação de eucalipto para fornecimento sustentável dos setores industriais nacionais existentes, bem como para a produção de pellets de madeira para exportação. Apresenta também, uma visão do Brasil como um caso de país, 78 – 4o ABIBER

abordando as oportunidades e os desafios na produção nacional de madeira para energia, referindo-se a cadeia produtiva de forma sustentável para auxiliar na redução de geração de gases de efeito estufa GEE. Assunto discutido recentemente no acordo do clima da COP 21 em Paris. BIOMASSA SÓLIDA VEGETAL NO BRASIL

de do Sul se destacam na produção de florestas plantadas juntos detém 87,7% do total da área plantada. Isto é devido à localização de grandes unidades industriais no segmento de papel e celulose, painéis à base de madeira industrializada, siderurgia a carvão vegetal, madeira processada mecanicamente, entre outros.

O reflorestamento tem se tornado uma alternativa viável, cuja A chave para o futuro da bioe- finalidade é a produção da matéria nergia sólida vegetal no Brasil esta -prima para atender a demanda de fortemente vinculada às plantações madeira sustentável para processo. florestais, somente os resíduos agrícolas ainda apresentam dificuldades Vale ressaltar que a produção importantes relacionadas à logística de floretas plantadas tradicionais e questões de escala econômicas. O de eucalipto com espaçamentos de montante de resíduos de madeira (3x2 e 3x3 metros) com ciclos de no país é de 30 milhões de tonela- (5 a 7 anos) apresentam um custo das, o que equivale a (11.5 milhões médio de produção (muda, plantio, de tep), dos quais 90% deste total custo do terreno, adubação, colheita encontram-se disponível na Amazô- e transporte) de entorno R$ 160,00 nia Legal (proveniente de resíduos a 180,00 por tonelada. Apresende extrativismo e de serrarias). Os tando um incremento médio anual demais 10% encontram-se disperso (IMA) em torno de 20 toneladas de em todo o país, considerando mais massa seca por hectare. Nessas conde 5.000 municípios em uma área dições, a madeira produzida é capaz de cerca de 850 milhões de hectares de atender somente a demanda na(8.500.000 km2), o acesso e a cen- cional do setor madeireiro (celulose, tralização destes resíduos no vasto painéis, etc.) sendo na maioria dos território nacional torna-se inviável casos inviável economicamente para para atingir escala produtiva e uni- uso energético. formidade) apresentando barreiras A solução encontra-se em prologísticas, econômicas e em muitos duzir florestas energéticas de curta casos socioambientais. rotação, que com o mesmo custo produtivo das florestas plantadas FLORESTAS PLANTADAS tradicionais é possível atingir rendiO Brasil é o maior produtor de mentos de até 45 toneladas de masmadeira de florestas plantadas de sa seca por hectare em ciclos de 1 a eucalipto (principalmente). Atual- 1.5 anos (o dobro da produtividade mente o reflorestamento de madeira por hectare do plantio tradicional). tornou-se um processo tecnologica- Este fato ocorre com o aumento do mente, economicamente e ambien- número de plantas por hectare vitalmente viável, cuja finalidade é a sando à maior produção de biomasprodução de matérias-primas para sa em menor área útil, assumindo várias indústrias que dependem de espaçamentos de (3x0.5, 3x1 e 3x1.5 madeira no processo. Outro ponto metros), após a colheita do primeiro a ser observado é que o gênero Eu- ano, ainda é possível retirar dois cicalyptus ssp., está sendo estudado clos de rebrota de 1.5 anos. no Brasil desde 1960, e foi o deterNo ponto de vista produtivo minante para desenvolvimento e a produção atual de área plantada de comparado com o resto do mundo, as florestas plantadas tradicionais 7.185.943 hectares. no Brasil podem ser consideradas Os estados de Minas Gerais, São de curta rotação durante décadas, o Paulo, Paraná, Bahia, Santa Catari- país produz Eucalyptus ssp. com uma na, Mato Grosso do Sul e Rio Gran- produtividade de 287 m3/ ha, em 7


anos, enquanto na Suécia, para ob- de circunstâncias locais. Embora ter essa mesma produção, isso exigi- pouca informação disponível sobre ria 10,2 hectares aproximadamente. estes parâmetros, principalmente devido à dispersão do material no Nesse contexto as florestas campo. Entende-se que as oportuplantadas para fins energéticos nidades são inicialmente concentraapresentam um cenário bastante das no uso de resíduos de biomassa positivo no contexto mundial de de fácil acesso sem a necessidade de transportá-lo, fato que o torna disbiomassa sólida para energia. ponível. Atualmente não existem dados No entanto, a situação promisde produção comercial destes sistemas florestais de curta rotação para sora do potencial energético das energia no Brasil, e os valores obti- plantações florestais para impulsiodos até agora são representados em nar o mercado de pellets no Brasil escala de teste. Porém os resultados obtidos até o momento somado as características produtivas, demostra o enorme potencial de produção de biomassa para energia no Brasil.

Estimativas da

Ao longo dos próximos 10 anos, vários projetos estão programados no Brasil para a produção de celulose, aglomerado, painéis de madeira reconstituída (MDF/ MDP), carvão vegetal, que devem induzir um aumento nas florestas plantadas no país, fato que poderia encorajar a produção de florestas de curta rotação para atender o mercado energético. A participação brasileira de celulose e na indústria de processamento de madeira no mercado internacional, influência os grandes investimentos neste sector para a expansão da área plantada e para a gestão das florestas. Segundo a secretaria de assuntos estratégicos, nas condições atuais, a área de florestas plantadas no país poderia aumentar de 7 Mha para mais de 12 Mha, até 2020, principalmente de terras degradadas de pastagem. O valor em toneladas depende da densidade de cada espécie, (incremento anual, em m3/ ha/ano médio), o que exigiria investimentos do setor privado de US$ 20 bilhões, gerando 200.000 empregos em áreas rurais.

disponibilidade de resíduos de madeira e

resíduos florestais são incertas e dependem de circunstâncias locais

relação ao uso da biomassa florestal como matéria-prima para geração de energia e redução de gases de efeito estufa, inicialmente para atender a demanda nacional de madeira para energia como também para a eminente demanda internacional de pellets de madeira. A Comissão Europeia com a COP 21 surge neste âmbito com planos de ação vinculados a ampliar as metas estabelecidas do Pacote Energia Clima 20-20-20. Estima-se que provavelmente a maior contribuição para o aumento do desenvolvimento da bioenergia provirá da biomassa sólida. O mercado de pellets combustíveis pode ser dividido em dois segmentos preferenciais, o uso residencial e o uso industrial, aí incluído o uso em termoelétricas. Em ambos os segmentos os pellets concorrem com combustíveis tradicionais, geralmente derivados de fontes fósseis, como o óleo combustível, o gás natural, o carvão mineral e, no caso da calefação, a energia elétrica. O assunto dos pellets de madeira ainda e muito recente no Brasil cabe ressaltar que em 2010 a demanda de pellets mundial segundo o IEA, passou de um crescimento de 18% ao ano para 25%, acréscimo que em 2015 chegou a uma demanda mundial de 42 milhões de toneladas. Segundo o Gráfico 1, somente a Europa até 2020 consumirá 25 milhões de toneladas de pellets de madeira, para uso residencial e para as termoelétricas, o qual aponta uma expressiva demanda de importação deste combustível para o continente, sendo que a capacidade local de produção estimada é de no máximo 13 milhões de toneladas.

merece uma atenção especial. No caso brasileiro para o cultivo de espécies de Eucalyptus e Pinus com longa tradição no país, poderia ser projetado para fornecer madeira para geração exclusiva de energia, especialmente para os setores enerNesse contexto o Brasil aprego-intensivos que já utilizam madei- senta grande potencial para parPELLETS DE MADEIRA ra na sua matriz energética de pro- ticipação do mercado de pellets NO BRASIL – situação cesso. atual e perspectivas. mundial, além das características produtivas para geração de biomasNeste contexto, as plantações sa, ainda existem barreiras técnicas, Estimativas da disponibilidade de resíduos de madeira e resíduos florestais de curta rotação apresen- econômicos e logísticos para a proflorestais são incertas e dependem tam expectativas promissoras em dução de pellets em grande escala no 4o ABIBER – 79


Gráfico 1. Produção e consumo de pellets de madeira na Europa (2008/2020). Fonte: Adaptado de IEA, 2011.

O maior potencial brasileiro que Brasil, que devem ser bem avaliados, se encontra na produção dedicada e são os seguintes: de eucalipto de curta rotação, apreA UE tem um sistema de certificação uniforme, chamado “ENplus”, para transações dentro da Europa, como para i mp or taçõ es , sendo maiormente restrito para o mercado de pellets residencial, além das rígidas restrições de GEE, este mercado representa maior demanda, com senta um entrave no mercado resiaceitação de volumes flexíveis para dencial por apresentar altas taxas de participação, no qual seria uma van- cloro, entorno de 0.1%, sendo que as tagem para pequenos produtores no taxas permitidas pela “ENplus”, são de no máximo 0.02%. Brasil.

curta rotação (que poderia atingir taxas produtivas ideais para atender o mercado internacional de pellets residencial).

No Brasil ainda não existe nenhuma

Em contra partida o cenário de produção de eucalipto de curta rotação poderia atender também o mercado internacional de pellets industrial o qual não apresenta restrições tão rígidas como a do mercado residencial, porém demanda uma produção mínima de 1 milhão de toneladas por ano para participar neste mercado.

norma para a padronização

de combustíveis sólidos como os pellets, que ainda não se enquadra neste mercado

Cabe ressaltar que no Brasil ainda não existe nenhuma norma para a padronização de combustíveis sólidos como os pellets, que ainda não se enquadra neste mercado (especialmente porque é produzido de resíduo vegetal). 80 – 4o ABIBER

Até o momento, algumas fábricas estão produzindo pellets de Pinus, espécie que atinge as taxas de cloro permitidas para o mercado residencial, porém, o Pinus não atinge o mesmo rendimento técnico econômico do caso do eucalipto de

Cabe ressaltar que a tomada de decisão para produção em escala dos pellets de madeira no Brasil, envolve muito mais que somente perspectivas produtivas e comerciais, e sim, demanda avaliações sucintas de cunho técnico, econômico, logístico e ambiental para atingir o mercado internacional.


USO DO SOLO E ASPECTOS AMBIENTAIS DA EXPANSÃO FLORESTAL O crescimento da agricultura brasileira levanta preocupações sobre a disponibilidade e limitações de áreas de cultivo adequadas. Ele também levanta questões sobre as tendências futuras de expansão e seus impactos sobre a biodiversidade. Duas questões surgem a partir deste questionamento: o desmatamento e uso da terra zoneamento agrícola. O Brasil tem 105 milhões de hectares de áreas degradadas disponíveis para o cultivo de florestas energéticas, bem como para outros usos. Existem espécies de eucalipto que podem ser cultivadas em áreas degradadas ou consideradas inadequados para a produção de outras culturas.

Nos cenários realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o futuro do sector da pecuária, mencionado acima, espera-se que a intensificação da pecuária e o avanço de técnicas de reprodução irá aumentar consideravelmente a produtividade, aumentando a produção de carne em áreas mais concentradas, (38%), mais de três quintos da terra no país. Os demais (62%) estão bem convertendo em 2030, a disponibilipreservados com floresta amazôni- dade de 70 milhões de hectares, atualmente plantada extensivamente. Assim, a partir dos 172 milhões de hectares utilizados para pastagem, 70 milhões de hectares estarão disponíveis para outros fins.

O Brasil tem 105 milhões

de hectares de áreas degradadas

A luz do sol intensa e a abundância de recursos hídricos são uma vantagem para a grande quantidade de terra que está disponível para o plantio de florestas e que poderá agregar milhões de hectares nos próximos 20 anos, aumentando a produtividade agrícola. Esta é uma questão importante, porque o aumento na disponibilidade de terreno só é possível, se as áreas já em uso se adéquam as melhores condições, buscando a otimização da área, por exemplo, a pecuária de uma maneira ineficiente utiliza (1 cabeça por hectare) podendo ser mais eficaz (por exemplo, até 1,6 ou 1,8 cabeças por hectare, como aconteceu no Estado de São Paulo, segundo Goldemberg, ca e devem permanecer dessa forCoelho e Guardabassi, (2008). ma. Do total das terras aráveis, 170 milhões de hectares são agora ocuDos 851 milhões de hectares do pados por pecuária, predominantepaís, 350 milhões são terras aráveis mente extensivos,

disponíveis para o

cultivo de florestas energéticas,

bem como para outros usos

A partir desses 70 milhões de ha, prevê-se que 10 milhões seriam ocupados por soja e outros grãos, 5 milhões para atender às necessidades de agricultores familiares e 25 milhões para as culturas energéticas (cana de açúcar, óleo de palma, capim-elefante, etc.), sem qualquer desmatamento. A partir desta perspectiva, ainda existiria 30 milhões de hectares sujeitos a ocupação com outras culturas, por exemplo, plantio de florestas energéticas entre outros. Portanto, essas novas plantações não utiliza áreas de floresta nativa, como não afeta nenhuma mudança no uso da terra ou desmatamento. Práticas florestais são dirigidas pelo Novo Código Florestal (Lei 12727/2012). O desmatamento, no entanto, está ligado à Política Nacional do Meio Ambiente como um todo. Os principais mecanismos que regulam as práticas de compensação de terra são aqueles relacionados com unidades de conservação, a reserva legal e outras áreas protegidas. 4o ABIBER – 81


Figura 1: Desflorestamento (florestas naturais) no período de 2001 a 2012 no Brasil. IBGE (2015).

Entre 2001 a 2012 a mudança da cobertura do uso do solo no Brasil aponta progressiva redução das florestas naturais predominantemente (Mata Atlântica e Amazônia). Segundo o IBGE, o desflorestamento destas áreas ocorre principalmente em função da expansão agrícola com (314.207 Km²) e pela expansão de pastagem para pecuária com (159.396 Km²), representando 65% e 33%, consequentemente, do desmatamento de florestas naturais. Figura 1. Observa-se que o desflorestamento pela expansão da silvicultura (Eucaliptus e Pinus) é de somente 2% do total nacional com (7.204 Km²), o qual comparado a produção atual de 7.185.943 hectares de florestas plantadas, esse percentual é insignificante de 0,01 %.

preocupação com os impactos da mudança do uso da terra, levaram os governos federais e estaduais a adotar políticas destinadas a determinar as áreas apropriadas para estas culturas. Isso poderia ser considerado também em plantações para bioenergia lenhosa no Brasil.

O zoneamento agroecológico existententes para os biocombustíveis (cana e óleo de palma), o qual organiza as áreas disponíveis para produção, também poderia ser desenvolvido para biomassa de madeira, mas no momento isso não é uma realidade. É importante notar que, neste sector, as perspectivas para a expansão das plantações florestais sustentáveis pode garantir a futura demanda de madeira de setores energo-intensivos nacionais, com As áreas de expansão da silvi- possível expansão para atender o cultura brasileira na atualidade não mercado mundial. apresenta intervenção com a agriCONCLUSÃO cultura familiar ou a produção de alimentos, utilizando, maiormente Com os acordos do clima na áreas reguladas ou áreas degradadas da pecuária como solos pobres de COP 21 em Paris essas perspectivas podem se tornar realidade em um baixo custo. futuro próximo. Devido à expansão da produA produção sustentável de mação de cana de açúcar e outros biocombustíveis, nos últimos anos, a deira no Brasil, de forma geral, po82 – 4o ABIBER

deria atingir o mercado de pellets de madeira para aquecimento residencial e para a subscrição de coque de petróleo nas termoelétricas, especialmente no mercado Europeu. Além dos desafios para atingir a qualidade do pellet residencial e também a escala necessária do mercado termoelétrico. O Brasil apresenta diversas possibilidades para auxiliar na redução de CO2 com a produção sustentável de florestas energéticas. Contudo é necessário eliminar as dificuldades existentes e criar políticas de incentivo aos investimentos neste sector, visando uma maior participação no mercado nacional e internacional. ▪


4o ABIBER – 83


PELLETS NO BRASIL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES Eng. Dorival Pinheiro Garcia

Doutorando em Eng. Mecânica FEG/UNESP, Presidente e Fundador da ABIPEL

A

indústria de pellets de madeira existe no Brasil há mais de 15 anos. A popularidade desses biocombustíveis vem crescendo em todo o mundo, sobretudo devido as metas de redução dos gases do efeito estufa que alguns países se comprometeram a realizar nos próximos anos e foram ratificados, agora em mais países, na Conferência do Clima em Paris – COP-21. As boas características energéticas dos pellets aliados à sua geometria, que o faz fluir como se fosse água, permite tanto a alimentação automática num sistema industrial quanto a alimentação manual em aquecedores residenciais. Destaca-se por ser um biocombustível sólido natural de fácil manuseio, pouco espaço para a estocagem e alta densidade energética. Além disso, as dificuldades atribuídas a biomassa convencional quanto à sua baixa densidade de energia, alto teor de umidade e heterogeneidade de formas e tamanhos são minimizados e superados com a utilização na forma dos pellets de madeira. caRacteRísticas mais imPoRtantes dos Pellets e suas comPaRaçÕes Tamanho

Diâmetro: 6-10 mm, Comprimento: 10-40 mm

Poder Calorífico Superior

4037 - 5256 Kcal/kg ( 16,9 - 22,0 MJ/kg)

Teor de umidade

6 - 10% (b.s.)

Teor de Cinzas

Menos de 0,5%

Matéria-Prima

Serragem, maravalha e resíduos agroflorestais

Densidade

650-700 kg/m3

Comparação com óleo leve

1000 L óleo = 2,1 t de pellets 1 t óleo = 2,5 t de pellets

Comparação com cavacos de madeira

1 m3 cavacos = 0,28 m3 pellets 1 m3 cavacos = 0,18 t pellets

84 – 4o ABIBER


O comércio Internacional de pellets de madeira aumentou significativamente nas duas últimas décadas. Em 1990 era um biocombustível sólido desconhecido mas, nos dias atuais, é o mais comercializado no planeta. A demanda mundial de 25 milhões de toneladas em 2014, segundo especialistas, dobrará até 2024. Por isso, o número de indústrias que produzem pellets saltou de 70 para mais de 950 nos últimos 14 anos. Porém, todo o sucesso internacional não tem repercutido no mercado interno brasileiro que cresceu abaixo das expectativas dos produtores de pellets.

Sabe-se que o Brasil tem potencial para a produção desses materiais compactados aproveitando-se do grande volume de resíduos agroflorestais disponíveis. Por esse motivo, novos projetos industriais também surgem por aqui, com o propósito de utilizar, além dos tradicionais pinus e eucaliptos, também a acácia-negra, o bambu gigante, o capim elefante e o bagaço de cana como matéria-prima para a produção dos pellets agroflorestal. Atualmente, a maioria da produção das indústrias brasileiras (aproximadamente 81,4%) estão

4o ABIBER – 85


concentradas na Região Sul, distribuídos pelos estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E o restante (18,6%) dos pellets brasileiros são produzidos no estado de São Paulo (Região Sudeste). O Mapa dos Pellets no Brasil 2014, apresenta a distribuição das plantas industriais no Brasil. As regiões Sul e Sudeste, foco da produção de pellets no país, concentram também 73% dos resíduos das indústrias de madeira processadas no Brasil. É onde estão os maiores percentuais de áreas com plantios florestais de pinus do Brasil com 84,6%. Nos últimos dois anos, tivemos três indústrias de pellets encerrando suas operações no Brasil. Em outras três, a produção está suspensa na esperança de melhores condições de mercado para reiniciar as atividades. No entanto, com a alta do dólar e a previsão de crescimento de demanda para o mercado externo, surgiram quatro novos projetos de fábricas no país com previsão de início de operação nos próximos dois anos.

86 – 4o ABIBER

Em 2014, o Brasil produziu 49.390 toneladas de pellets em suas 13 plantas industriais ativas. Em geral, essas fábricas são de pequeno porte, com baixa eficiência produtiva e, consequentemente, alto custo de produção, com equipamentos que produzem de 0,5 a 4,0 t/h. Estas questões tecnológicas limitam a utilização dos pellets ao mercado interno, que ainda está se desenvolvendo no país. Além disso, muitos países europeus desenvolveram normas rígidas para a qualidade, armazenamento, transporte e combustão dos pellets agroflorestais, que levam em conta toda a cadeia de custódia, garantindo a rastreabilidade desde a produção da matéria-prima até chegar ao consumidor final. Os equipamentos nacionais, em sua maioria, não alcançam estas especificações de qualidade e, por isso, não conseguem obter o selo de qualidade exigido pelas empresas para as exportações, restringindo e dificultando a entrada dos agropellets no mercado europeu. Assim, poucas empresas conseguem vender para esses mercados mais nobres. Mas, sabe-se que mais empresas brasileiras obtiveram o certificado DIN PLUS obrigatório para a expor-


4o ABIBER – 87


indústria de Pellets no Brasil

2011

2012

2013

2014

Capacidade Instalada – turno de 8,0 horas/dia de produção (ton)

222.375

232.600

218.650

176.640

Produção de pellets agroflorestal (ton)

50.080

56.580

61.500

49.390

tação. Isto sugere que a produção de pellets no Brasil, para o ano de 2015, poderá chegar a 80.000 t. O preço de venda desse biocombustível varia de R$ 450,00 a R$ 600,00/t (FOB), no mercado interno brasileiro. No processo de fabricação dos pellets, o custo alto da produção é o principal desafio. Produzir mais, com melhor qualidade e com o menor custo é a chave para que esses produtores tornem-se competitivos com os principais produtores mundiais (EUA, Canadá, Rússia) e alcancem o mercado mais rentável da exportação.

cipais aplicações são na geração de energia térmica para pizzarias, padarias, hotéis, parques aquáticos, academias de natação, estufas de pintura, indústrias alimentícias, galvanoplastia a quente, lavanderias industriais, indústrias de resolagens de pneus, indústrias de plásticos, aquecimento de aviário entre outros. Estes segmentos consomem, aproximadamente, 95% da produção interna. Aplicações exóticas também são encontradas, como pellets para substituir a tradicional “areia do gato”, pellets para combater a dengue, além de outras aplicações.

As perspectivas para consolidar e expandir o setor de pellets no Brasil englobam questões como o apoio para aumentar a demanda interna, fortalecer a associação de produtores, estabelecer padrões de qualidade, facilitar a entrada de equipamentos importados com tecnologia de SiSTEMATiZAÇÃo DoS PoNToS ESTRATÉgiCoS QUE PRECiSAM DE AÇÃo maior eficiência produtiva e, PARA DESENVoLVER o MERCADo sobretudo, financiamentos governamentais específicos Equipamentos ineficientes e custos altos com as manutenções; para o setor de biomassa agroflorestal, como ocorre Custos elevados de frete das matérias-primas e dos produtos manufaturados; com outras fontes de enerAlto consumo de energia elétrica no processo de secagem; gia. Outras ações para a consolidação e crescimento do Concorrência de derivados do petróleo, lenha e gás; setor de pellets estão listadas no quadro ao lado Vulnerabilidade da matéria-prima ao teor de umidade;

Aspectos Negativos que precisam ser superados

A estagnação da produção de pellets no Brasil, verificada nos últimos anos, tem explicação no lento desenvolvimento do mercado interno e a falta de conhecimento do produto pelo empresariado. As prin-

Alto custo da energia elétrica no Brasil;

Oportunidades que precisam ser aproveitadas

Desafios que precisam ser minimizados

Altos custos logísticos envolvidos nos transportes (matéria-prima e pellets); Poucos laboratórios para a realização de análises de qualidade do produto; Sazonalidade da produção agrícola e de geração de resíduos; Baixa capacidade de produção anual; Falta de subsídios governamentais para o setor de biomassa agroflorestal; Ausência de normas que regulamentem a qualidade, a produção e o uso dos pellets; Previsão ao aumento do uso de energias renováveis no Brasil e no Mundo; Implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS); Múltiplas aplicações dos pellets (caldeiras, pizzarias, indústrias, hotéis, parques); Diversificação de produtos (energia térmica, "areia" de gato, absorvente...); Substituição da lenha por produtos mais práticos e eficientes; Maior competitividade quando aumenta o valor cambial do dólar; Agregar valor aos resíduos agroflorestais e melhorar a eficiência da cadeia produtiva.

88 – 4o ABIBER

Sabemos que o ritmo do desenvolvimento do mercado interno não é dos melhores para os produtores de pellets. Mas, entendemos que o consumo de pellets (no Brasil e no Mundo) não retrocederá, mesmo em meio ao cenário de crise que se apresenta para os próximos dois anos. Temos desafios técnicos importantes para superar mas, por outro lado, oportunidades incríveis de bons negócios com os pellets. A COP-21, com seus 188 países, sinalizou que haverá uma transição para a energia de baixo carbono no século XXI. Os pellets atendem a esses novos desafios de energia mais limpa, renovável e sustentável que o mundo está pleiteando! ▪


4o ABIBER – 89


POTENCIAL ENERGÉTICO DA

BIOMASSA FLORESTAL Paulo Eichler*, Marcilio Toledo, Grazielle Machado, Sabrina Leon, Taiane Nunes, Douglas Faria, Fernando Gomes, Fernando Santos Centro de Estudos em Biorrefinaria, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Correspondência: pauloeichler@hotmail.com

N

o Brasil, os custos para geração de energia têm apresentado tendências de aumento nos últimos anos. Esse fato está relacionado aos modelos de matrizes energéticas que o país vem utilizando ao longo dos anos. Até o fim dos anos 70 a madeira era a principal fonte de energia no Brasil até ser substituída, aos poucos, pela energia do petróleo e seus derivados. Essa substituição ocorreu devido à tendência de países economicamente desenvolvidos em usar energias derivadas de petróleo e eletricidade. Hoje em dia, nota-se uma reversão desta tendência, principalmente devido à instabilidade de preço dos combustíveis fósseis, 90 – 4o ABIBER

direcionando os países mais desenvolvidos a optarem por plataformas energéticas renováveis, não somente para a produção de energia, mas também para a obtenção de insumos químicos. Neste contexto, o Brasil vem acompanhando as tendências de países desenvolvidos, onde a madeira já é uma das principais fontes de energia primária.[1] As principais culturas florestais do país estão diretamente relacionadas com os principais usos da madeira no Brasil. Desta maneira, observa-se que as culturas com maior área plantada, são compostas por espécies dos gêneros Eucalyptus spp., Pinus spp. e Acácia spp.. Dentre as es-

pécies de Acácia, se destaca a Acacia mearnsii por ser uma das principais espécies cultivadas no Brasil, principalmente, no sul do país, possuindo uma densidade média de 0,8 g/ cm3, poder calorífico médio de 3700 kcal/kg e teor de cinzas inferior a 1,5%. Os principais usos da madeira de Acacias no Brasil são: carvão, painéis, energia e, a partir da casca dessa espécie, pode-se também obter taninos.[2] Já as espécies do gênero Pinus spp. plantadas no Brasil são utilizadas, em sua maioria, pelo setor de Celulose e Papel , evidenciado pela porcentagem de área plantada para o setor de aproximadamente 55%, sendo estas polpas celulósicas direcionadas à produção principal-



mente d e á produPainéis ção de embade Madeira e lagens. Os segmentos industriais mais repre- Carvão. As espécies do gêsentativos, depois de Celu- nero Eucalyptus spp. reprelose e Papel, são os setores sentam cerca de 75% do

total de área dos plantios florestais no Brasil. Os principais fatores envolvidos nesse crescimento foram o clima adequado, grandes áreas disponíveis para o cultivo, tecnologias para produção florestal avançada e uma excelente adaptação das espécies deste gênero, por exemplo, chegando a alcançar produtividades superiores a 100 m3/ha/ano para determinadas espécies/sitios de plantios.[3] Esse cenário positivo tem estimulado ampliação e a criação de novos projetos industriais do setor de celulose e papel. O que tende a contribuir muito para a oferta

de energia elétrica no país, uma vez que em sua grande maioria estas novas plantas produzem apenas polpa celulósica, possuindo assim um excedente de energia que em geral é disponibilizado para a rede. Ainda no que diz respeito ao uso da biomassa lignocelulósica para a geração de energia, vale destacar a plantação de florestas energéticas, que tem sido feita desde a década de 80, colocando o máximo possível de árvores em um hectare, com alta rotatividade. Essa prática gera altas volumes de madeira, que desde essa época era queimada diretamente para produção de calor ou energia. Hoje existem fins mais nobres para essa biomassa florestal e pro-

Tabela 1. Densidade básica de três espécies de eucaliptos.

Espécies

Densidade Básica (kg/m3)

E. urophylla

559

E. saligna

495

E. dunnii

520

Tabela 2: Composição química elementar de três espécies de eucaliptos.

Espécies

Elementar (%) Carbono

Hidrogênio Nitrogênio Enxofre

Oxigênio

E. urophylla

53,76

5,65

0,00

0,00

40,59

E. saligna

54,47

5,47

0,25

0,02

39,80

E. dunnii

54,24

5,68

0,00

0,00

40,08

Tabela 3: Composição química imediata de três espécies de Eucalipto.

Espécies

92 – 4o ABIBER

Imediata (%) Umidade

Cinzas

Voláteis

Carbono Fixo

Oxigênio

E. urophylla

5,96

0,10

87,80

6,14

40,59

E. saligna

4,67

0,15

87,09

8,09

39,80

E. dunnii

4,62

0,30

85,77

9,31

40,08


A compreensão dos constituintes

cessos mais eficientes na obtenção de energia tais como: pirólise, gaseificação, produção de biopolímeros, biomateriais e biocombustíveis. A cultura do eucalipto é a mais utilizada em florestas energéticas devido à: sua plasticidade ambiental; altos índices de produtividade; densidade da madeira; poder calorífico e diversidade de produtos obtidos.

mação da biomassa f lorestal em produtos, são classificados em: (1) Q uímicos - são exclusivamente baseados em reações químicas de formação ou rompimento, ou seja, ocorre uma separação das frações, celulose, hemiceluloses e lignina. Alguns exemplos de processos químicos são: transesterificação química; hidroprocessamento; craqueamento catalítico; reações de Fischer-Tropsch; (2) Bioquímicos - envolvem a utilização de microrganismos e enzimas, podendo ser em associação

presentes na biomassa florestal é de

fundamental importância nos processos

[2,4]

O potencial energético da biomassa florestal pode variar entre espécies (Tabelas 1, 2 e 3)[5], onde a composição química e

de transformação ou conversão física da biomassa afeta diretamente na composição final dos produtos obtidos a partir dos processos de biorrefinaria. Análises de caracterização física (granulométrica e densidade), química (elementar, imediata, poder calorífico e composição química) e do poder calorífico da biomassa são feitas para se obter um melhor entendimento do potencial energético e química da biomassa para

processos de biorrefinaria. A compreensão dos constituintes presentes na biomassa florestal é de fundamental importância nos processos de transformação ou conversão, por gerar informação tanto de caráter qualitativo quanto de caráter quantitativo. Basicamente, os processos de biorrefinaria utilizados para a transfor-

4o ABIBER – 93


Figura 1 – Representação esquemática de fontes de biomassa e seus produtos e processos na biorrefinaria.[7]

e até com uso de microrganismos recombinantes que expressam enzimas de outros organismos. Os exemplos mais comuns de processos bioquímicos são: fermentação para obtenção de etanol e outros produtos químicos como ácidos orgânicos e outros alcoóis; digestão anaeróbica para produção de biogás e fertilizante; transesterificação através de lípases para produção de biodiesel; (3) Termoquímicos - envolvem a utilização de calor para quebra e transformação dos compostos da biomassa, levando-os à combustão ou gaseificação. Por meio da combustão, pode-se obter energia e alguns subprodutos no gás ou cinzas ao final do processo. Os processos termoquímicos mais 94 – 4o ABIBER

comuns são: combustão para produção de energia; gaseificação para produção de gás sintético; pirólise para obtenção de bio-óleo e carvão vegetal; cogeração para produção de produtos e energia.[6]

cos e termoquímicos), trazendo maior rentabilidade para o setor e aumentando perspectivas de pesquisa e desenvolvimento na área.

A Figura 1 mostra uma representação esquemática das tecnologias que podem ser utilizados para obtenção de determinados produtos a partir de diferentes biomassas lignocelulósicas.

[1] BRITO, J. O. Energia da madeira. In: SANTOS, F.; COLODETTE, J.; QUEIROZ, J. H. (Eds). Bioenergia e Biorrefinaria – Cana-de-Açúcar e Espécies Florestais -. Viçosa: 2013. p 271-295. [2] COUTO, L.; MULLER, M. D. Produção de florestas energéticas. In: SANTOS, F.; COLODETTE, J.; QUEIROZ, J. H. (Eds). Bioenergia e Biorrefinaria – Cana-de-Açúcar e Espécies Florestais -. Viçosa: 2013. p 297-319. [3] GOMES, F.J.B., COLODETTE, J. L., BURNET, A., BATALHA, L. A. R., SANTOS, F. A., DEMUNER, I. F. Thorough Characterization of Brazilian New Generation of Eucalypt Clones and Grass for Pulp Production. International Journal

Desta maneira, sugere-se que a caracterização completa da biomassa de florestas energéticas poderá direcionar mais eficientemente a matéria prima adequada para os processos de biorrefinaria (processos químicos, bioquími-

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

of Forestry Research. , v.2015, p.1 - 10, 2015. [4] CARNEIRO, A. C. O.; SANTOS, R. C.; OLIVEIRA, A. C.; PEREIRA, B. L. C. Conversão direta da madeira em calor e energia. In: SANTOS, F.; COLODETTE, J.; QUEIROZ, J. H. (Eds). Bioenergia e Biorrefinaria – Cana-de-Açúcar e Espécies Florestais -. Viçosa: 2013. p 355-378. [5] TOLEDO, M. Estudo Preliminar.da Avaliação do Potencial Energético de Variedade de Eucalipto Cultivados no Estado do Rio Grande do Sul. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. [6] VAZ JUNIOR. Estratégias Tecnológicas para Biorrefinaria da Cana-de-Açúcar. In: SANTOS, F.; COLODETTE, J.; QUEIROZ, J. H. (Eds). Bioenergia e Biorrefinaria – Cana-de-Açúcar e Espécies Florestais -. Viçosa: 2013. p 129-164. [7] BEM - Balanço Energético Nacional. http://www.epe.gov.br/ Estudos/Paginas/default.aspx?CategoriaID=347 ▪


4o ABIBER – 95


A energia renovável e o agronegócio

Luiz Carlos Corrêa Carvalho

Diretor da Canaplan, Diretor do Grupo Alto Alegre e Presidente da ABAG

E

m 2015, às vésperas do final do ano, surge um consenso, em meio a um verdadeiro caos internacional, quanto à necessidade de ações que efetivem uma correção dos rumos no crescente aquecimento do planeta Terra: se possível o paramos em +1,5°C e não devemos chegar a +2°C! Esse foi o encerramento da reunião da COP 21, em Paris, onde as expectativas vinham perdendo fôlego.

países e suas estruturas produtivas “cinza ao verde”, onde entre outras assentadas sobre uma base energé- alternativas a biomassa ganha retica fóssil. levância como uma das fontes com grande potencial de crescimento. No início de 2016, certamente as empresas públicas e privadas na A definição de biomassa1 como área de energia estarão revisando as produto de matéria orgânica que suas projeções e seus planos econô- pode ser transformado em enermicos, com os olhos voltados à tran- gia mecânica, térmica ou elétrica, sição da produção e uso da energia, caracteriza a sua origem que tanto visando á mitigação das emissões de pode ser florestal (madeira princigases de efeito estufa, notadamente palmente), agrícola (cana-de-açúcar, o CO2 (dióxido de carbono). leguminosas, beterraba açucareira,

O consenso e a assinatura de toApós longo período de amadudos os países, nos blocos dos desen- recimento, a questão da descarbonivolvidos e emergentes, muda radi- zação da energia leva a uma revisão calmente a posição acomodada dos dos conceitos para uma transição do 96 – 4o ABIBER

1

Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel): Atlas de Energia Elétrica do Brasil –disponível em www.aneel.gov.br/arquivos/pdf/atlas_par2_ cap4.pdf


Tabela 1: Oferta das Fontes Renováveis de Energia. Fonte: MME, junho/2015. Região/País

Brasil OCDE Mundo

Emissões de CO2 (tCO2/tep)

% Renovável

39,4 10 14

1,59 2,31 2,37

Tabela 2: Oferta Total Interna de Energia - Brasil. Fonte: MME, junho/2015. Mil tep Estrutura Especificação 2014 % NÃO RENOVÁVEL 185.100 60,6 Petróleo 120.327 39,4 Gás Natural 41.373 13,5 Carvão Mineral e Derivados 17.551 5,7 Urânio (U308) e Derivados 4.036 1,3 Outras não Renováveis(*) 1.814 0,6 RENOVÁVEL 120.489 39,4 Hidráulica e Eletricidade 35.019 11,5 Lenha e Carvão Vegetal 24.728 8,1 Derivados da Cana-de-Açúcar 48.128 15,7 Outras Renováveis(**) 12.613 4,1 TOTAL

305.589

100,0

(*) Gás industrial de alto forno, aciaria, coqueria, enxofre e de refinaria. (**) Biodiesel, eólica e outras.

trigo, arroz, milho, entre outras) e ma (co-geração de energia elétrica). rejeitos urbanos e industriais (sóliO resultado da oferta interna de dos ou líquidos). energias renováveis2 no Brasil em Em larga escala, seja para ener- 2014, quando comparado com a dos gia elétrica ou biocombustíveis, a países da OCDE e o Mundo, é mosbiomassa agrícola com tecnologias trado na tabela 1: eficientes já é competitiva em vários países. O detalhamento da oferta interna de energia no Brasil mostra a Dentre as cadeias agroindus- importância das fontes renováveis triais que maior impacto positivo e, especialmente, dos derivados da tem causado na produção de ener- cana-de-açúcar: gia, a cana-de-açúcar se destaca pelo enorme potencial ainda a ser busO balanço de energia atualizacado e pela diversidade de produtos do (2014) mostra que as fontes de que gera. No Brasil, especialmente, a energia renovável, tem o mesmo relevância desse agronegócio na ma- peso, na matriz energética brasileitriz energética do país é caracteriza- ra, que o petróleo e derivados. Os da pelo fato de ser a segunda fonte mais importante, após petróleo e 2  Ministério de Minas e Energia (MME): Resederivados, pelos seus produtos eta- nha Energética Brasileira, Exercício de 2014, nol, bagaço e palhas da matéria pri- Edição de junho de 2015.

derivados da cana-de-açúcar representaram 40% do que foi a oferta do petróleo e seus derivados, o que é muito relevante. O foco deste texto recai sobre a fonte cana-de-açúcar e derivados, seu papel atual, perspectivas e ações fundamentais para que seu caminho se renove e, no mínimo, mantenha seu “share” na matriz energética brasileira. ● O negócio cana-de-açúcar A cadeia produtiva da cana-de -açúcar após 2004, com o lançamento dos veículos flexíveis no Brasil, que há anos dominam totalmente a produção de veículos do Ciclo Otto, tem uma grandeza que merece ser qualificada. A quantificação do Sistema Agroindustrial (SAG) do Setor 4o ABIBER – 97


Figura 1: Mapeamento e quantificação do setor sucroenergético na safra 2013/14 (US$ milhões). Fonte: Markestrat, 2014. Elaboração: Canaplan.

Sucroenergético3 na safra 13/14 mostra aspectos relevantes (para o câmbio da época da análise– US$/ R$ 2,25): Nessa safra houve 988.000 empregos diretos e massa salarial de US$ 4,13 bilhões, já com elevada mecanização de plantio e colheita. A arrecadação de impostos foi de US$ 8,52 bilhões. O mesmo estudo mostra como exemplo de impacto uma avaliação sobre uma região em Goiás, Quirinópolis, que, de pecuária extensiva passou a contar com investimentos em unidades produtoras de etanol, energia elétrica e açúcar a partir de 2002. De acordo com os dados do IBGE, em 10 anos o número de empregos formais saiu de 4.000 para 11.000, com o salário médio tripli-

Markestrat, Fundace, FEA-RP/USP 2014: A Dimensão do setor Sucroenergético: mapeamento e quantificação da safra 13/14. Coordenação e organização Marcos Fava Neves e Vinicius Gustavo Trombin. – Ribeirão Preto, Markestrat, 2014.

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cado juntamente com o PIB per ca● As políticas públicas pita, com uma arrecadação de ICMS essenciais e suas consequências multiplicada por cinco, assim como a frota de veículos. Entre 1975 e 1985, o Brasil viveu um ciclo muito rico em polítiEsse tipo de resposta, difícil de cas de estímulo à expansão do uso ser superada para um país continen- da biomassa cana-de-açúcar como tal e de enormes diferenças sociais, energia, com foco em substituição traz uma esperança e, ao mesmo de gasolina e redução da dependêntempo, uma preocupação sobre a cia externa desse derivado do petróvisão dos governos brasileiros nos leo. Ao mesmo tempo o país expeúltimos anos, a respeito do projeto rimentava a substituição do diesel brasileiro de desenvolvimento. pela gasolina no setor de transportes, o que trouxe grande importânSegundo Goldemberg4, “a solução cia ao PROALCOOL – Programa é modernizar o uso da biomassa e ne- Nacional do Álcool. Com políticas de nhuma outra tecnologia teve, até ago- paridade econômica tanto na produra, tanto sucesso quanto a produção de ção (etanol valorizado frente ao açúetanol a partir da cana-de-açúcar no car) como no uso (etanol valorizado Brasil. Etanol é um excelente substi- frente à gasolina) e preços acompatuto da gasolina e o trabalho pioneiro nhando os custos de produção, hourealizado no país nessa área desde o ve formidável avanço, chegando em início do Século XX - e sobretudo de- 1987 ao fato da gasolina e etanol tepois de 1975 – comprova amplamente rem o mesmo peso de consumo. a excelência dessa rota tecnológica.” Com o contra-choque do petróleo de 1986, a gasolina volta a cres4  Goldemberg, José. Introdução ao livro Etanol e cer e o etanol permanece estagnado Bioeletricidade – a cana-de-açúcar no futuro da até os anos 2000. matriz energética, 2010, UNICA.



Figura 2: Histórico e dinâmica macroeconômica da oferta brasileira de cana, açúcar e etanol. Fonte de dados: UNICA. Elaboração: Canaplan.

Houve um crescimento assustador do endividamento setorial, num processo de consolidação com forte presença do capital externo 100 – 4o ABIBER

A partir do lançamento dos carros flexíveis (rodando a gasolina com etanol anidro ou etanol hidratado ou ambos, em qualquer proporção), em fase de preços de energia subindo fortemente pela ação dos preços do petróleo e as políticas públicas do governo FHC em 2002 (CIDE – contribuição de intervenção sobre o domínio econômico, incidente sobre a gasolina e não no etanol como um prêmio às externalidades positiva do etanol), outra fase tão importante quanto a do PROALCOOL aconteceu em mercado, ou seja, com o setor produtivo quase que totalmente desregulado (não totalmente pois segue o monopólio da Petrobrás sobre a gasolina, concorrente do etanol). A figura 2 permite a observação do que ocorre com a crise global de crédito de 2008 e as ações negativas dos 2º governo Lula (redução da CIDE), levando à estagnação da oferta de cana-de-açúcar e seus produtos no país, enquanto seguia crescendo a passos largos o consu-

mo de combustíveis do Ciclo Otto (gasolina, etanol e gás). Uma forma clara de perceber o erro da redução da CIDE (que chegou a zero em 2012 no Governo Dilma) pode ser vista na figura 3.   Na esteira disso tudo, houve um crescimento assustador do endividamento setorial, num processo de consolidação com forte presença do capital externo. ● Situação atual e perspectivas A análise das últimas safras permite um olhar sobre os aspectos mais claros do processo de estagnação atual do setor na lógica de um ciclo negativo. Há um patamar “teto” de 80-82 milhões de toneladas de açúcares totais recuperáveis (ATR) no CentroSul brasileiro e uma queda no nível de açúcares totais na região NorteNordeste (de 7-8 milhões de toneladas para 6-6,5 milhões de toneladas). Trata-se, pois, de um processo


Figura 3: Evolução histórica: dívida do setor sucroenergético (R$/t) e valores da CIDE (R$/l de gasolina). Fonte de dados: MME; Itaú BBA; Datagro. Elaboração: Canaplan.

travado de crescimento de oferta, após todo um período de mais de 5 anos sem margens que permitissem investimentos, face os baixos preços do etanol no congelamento de preços da gasolina pelo governo federal

e a feste de subsídios ao açúcar nas de industrial) surgem naturalmente com o fechamento de indústrias no regiões produtoras na Ásia. período. Tomando o exemplo do CentroOutra forma de avaliar as persSul brasileiro (90% da oferta total), as limitações de moagem (capacida- pectivas é a evolução da área colhida

Figura 4: Eficiência (%) e capacidade diária de moagem (milhão t/dia) – Safra 2005/06 a 2014/15 – Região Centro/Sul. Fonte: Canaplan.

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Figura 5: Evolução da área (milhão ha) e plantio (%) em relação a área colhida – região Centro/Sul. Fonte: Canaplan.

e da plantada desde 2004 até as ex- de constante (variado) crescimento pectativas das próximas safras5. da demanda de etanol com oferta travada no médio prazo, levaria a O desafio que se coloca ao Bra- um cenário de recuperação de presil é como equilibrar a demanda do ços e margens. Isso deverá levar a Ciclo Otto com as realidades da ne- novos investimentos e um retorno cessidade de importações crescentes ao crescimento de oferta, em uma de gasolina (não há capacidade de reorganização setorial mais concenexpansão de produção nas refinarias trada e com maior peso do capital brasileiras nos próximos 5 anos) e a internacional. lenta expansão da oferta de etanol Dificilmente será visto um novo na realidade econômica do setor. Segundo o MME6 o déficit de ofer- “boom” de crescimento com base na ta interna desses produtos (etanol e tecnologia atual. Espera-se impacgasolina) obrigaria importações de 6 tos apreciáveis tanto na agricultura bilhões de litros (2016) a 26 bilhões (cana com índices mais elevados de fibra, ou seja, de biomassa; irrigação de litros em 2023. em áreas com déficits hídricos consOs cenários possíveis passam tatados; revolucionários novos sispor medidas a serem tomadas ou temas de plantio) como na indústria soluções que surjam via mercado ou (tecnologia de etanol de 2ª geração). via tecnologia. A tendência é de uma Referência Bibliográfica moeda Real desvalorizada frente ao Dólar Norte-Americano por um lado e a dos preços do petróleo em forte Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel): queda atual e um patamar de preços Atlas de Energia Elétrica do Brasil - disponínos próximos anos retornando aos vel em www.aneel.gov.br/arquivos/pdf/atlas_ US$ 50-60/barril, em um processo par2_cap4.pdf

Relatório Canaplan: Agronegócio brasileiro

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cana-de-açúcar – Visão de curto prazo – Safra 2015/16 a 2017/18. Ano 2015. 6

Ministro Eduardo Braga, Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado Federal, Brasília, 8 de abril de 2015.

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Canaplan Consultoria Técnica: Relatórios Mensais do Projeto Safra: maio/14 e maio/15; Relatório Agronegócio brasileiro cana-de-açúcar – Visão de curto prazo – Safra 2015/16 a 2017/18. Ano 2015. Figliolino, Alexandre. Itaú BBA. Apresentação realizada na 2ª Reunião da Canaplan 2014.

Goldemberg, José. UNICA: Etanol e bioeletricidade : a cana-de-açúcar no futuro da matriz energética. Coordenação e organização Eduardo L. Leão de Sousa e Isaias de Carvalho Macedo - São Paulo, Luc Projetos de Comunicação, 2010 – disponível em www.unica.com.br/ download.php?idSecao=17&id=43684046 Markestrat, Fundace, FEA-RP/USP : A Dimensão do setor Sucroenergético: mapeamento e quantificação da safra 13/14. Coordenação e organização Marcos Fava Neves e Vinicius Gustavo Trombin. – Ribeirão Preto, 2014, - disponível em http://www.unica.com.br/ download.php?idSecao=17&id=25818107 Ministério de Minas e Energia (MME): Resenha Energética Brasileira, Exercício de 2014, Edição de junho de 2015 – disponível em http://www.mme.gov.br/documents/1138787/1732840/Resenha+Energ%C3%A9tica+-+Brasil+2015.pdf/4e6b9a34-6b2e-48fa-9ef8-dc7008470bf2 Ministro Eduardo Braga (MME): Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado Federal, Brasília, 8 de abril de 2015 – disponível em http://www19.senado.gov.br/sdleg-getter/public/getDocument?docver id=0ee62763-82b3-44f6-8338-d66f695716d4;1.0 Nastari, Plínio. Datagro. Apresentação realizada na Reunião do COSAGFiesp, em 02/06/2014 – disponível em http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e -publicacoes/palestras-realizadas-na-reuniaodo-cosag-02-06-2014/ UNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar – disponível em www.unicadata.com.br ▪


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Mudanças climáticas

e variedades de crescimento rápido com capim elefante Mazzarella, V. N. G.; Seguchi, H. J. M.; Katayama, M. T.; Yoshida, O. S.

É

sabido que a atmosfera tem cerca de 800 Gt de C (carbono) em suspensão, sendo este C, proveniente do CO2 (dióxido de carbono), principal causador de efeito estufa, objeto de estudos, análises e proposta da recém terminada COP (Conference of Parties) 21, realizada em Paris, e que tanto preocupa todas as nações. Este estoque de C na atmosfera aumenta na razão de 0,5% ao ano, ou seja, 4 Gt de C. O aumento tende a aumentar a temperatura média na Terra, e esse é o motivo da preocupação.

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O diagrama do ciclo do carbono mostrado na Fig. 1, da NASA, ilustra o movimento do carbono entre a terra, atmosfera e oceanos. Os números em amarelo são fluxos naturais, e aqueles em vermelho são contribuições humanas em giga toneladas de carbono por ano. Os números brancos indicam carbono armazenado. O efeito estufa é um fenômeno natural que acontece desde a formação da Terra e é necessário para a manutenção da flora e fauna, pois sem ele a temperatura média da Terra seria 33 °C mais baixa, impossibilitando a vida no planeta, como conhecemos hoje. As principais consequências do aquecimento global, causadas pela emissão de gases de efeito estufa por humanos são: Alteração do clima a uma velocidade maior que a capacidade de adaptação dos organismos, causando um efeito devastador no mundo inteiro; Degelo, aumento do nível do mar, submersão das áreas costeiras; Desertificação;

Alteração do regime das chuvas; Intensificação das secas em determinados locais; Escassez de água; Abundância de chuvas em algumas localidades; Tempestades; Furacões; Inundações; Perda de áreas férteis para a agricultura; Disseminação de doenças como a malária, esquistossomose, febre amarela e maior ocorrência de doenças respiratórias e câncer de pele. A absorção parcial do CO2 contido na atmosfera se dá pela interação com plantas que tem poder de absorver o C e liberar oxigênio pela fotossíntese.

Figura 1 - The Carbon Cycle

Fonte: Riebeek, H.; Simmon, R. (NASA, 2011). 4o ABIBER – 107


Pretende-se chamar a atenção para 2 fatos que afetam essa inter-relação: 1) A vantagem do plantio de variedades de crescimento rápido e ultrarrápido, e, pois a absorção de CO2 coincide com o ciclo de crescimento das plantas, vantagem do capim elefante (adotado com taxa de crescimento de apenas 30 tm.s./ha.a (toneladas de massa seca/hectare.ano), contra variedades arbóreas de 16,5 tm.s./ha.a), mostram a vantagem de adoção do capim elefante para esta finalidade.

SEQÜESTRO DE CARBONO Do estudo de Banen e Grubb depreende-se que o carbono sequestrado por ha num período de 11 anos (premissa: 1 tC emitida pelo uso da biomassa evita 1,9 ou 3,3 tC de combustíveis fosseis, o menor valor correspondendo à substituição de gás natural e o maior de carvão (3,3/1,8 ≈ 1,74) 1) Florestas Manejadas

• C retido nas árvores no período: 16,5 tC/ha

• C retido nos arbustos no último ciclo: 30 tC/ha

2) A biomassa é o único gerador de energia renovável capaz de reagir com o CO2 da atmosfera, • C retido no solo no período: 16,5 tC/ha fixando C e liberando O2 (oxigênio), influinTotal de C sequestrado: 33,0 tC/ha do, portanto no estoque de C na atmosfera, as outras formas de energia renovável, seja a 2) Florestas de ciclo curto (1 só corte cada fotovoltáica, seja a eólica, não reagem com o CO2 da atmosfera, deixando seu passivo ape- 7 anos, ou 1,6 cortes em 11 anos) nas igual ou sempre crescente. • C retido nas árvores no período: 110 tC/ha A quantidade de C na atmosfera pode ser depreendida na figura 1 da NASA (2011), que mostra os esto• C retido no solo no período: 16,5 tC/ha ques fixos e os fluxos anuais. A única parcela sobre a qual podemos atuar são as das flechas ascendentes, da • Sem colheita: 126,5 tC/ha ordem de 4 Gt. No estudo do “Sequestro de Carbono” de Banem e Grubb do Imperial College of London, estes • Com colheita: 16,5 tC/ha + (209 ou pesquisadores procuram demonstrar que para contra 363 tC pela substituição de combustí- por-se à parcela de 2 Gt de C por ano, seria necessário veis fosseis) um plantio de cerca de 400 Mi de ha de novas florestas a cada ano, com corte previsto a cada 11 anos. Mudando estes dados para capim elefante, estes números cairiam Total de C sequestrado: 225,5 ou 379,5 tC/ha para 200 Mi de ha com a condição de terem de ser cortados ao menos 1 vez ao ano. 3) Arbustos de ciclo curto (3 cortes no período de 11 anos)

O capim elefante é uma alternativa energética promissora, devido ao fato de sua natureza apresentar facilidade de adaptação a diferentes condições edafoclimáticas 108 – 4o ABIBER

• C retido no solo: 3,3 tC/ha Total de C sequestrado mais subst.: 33,3 + (114 ou 198 tC evitados em 2 cortes) = 147 a 231 tC/ha 4) Capim elefante • 1 colheita/ano – 30 tm.s./ha.a x 11 anos: 330 tC/ha • C retido no solo: 3,3 tC/ha

• Total de C sequestrado mais subst.: 333,3 + (627 ou 1089 tC/ha evitados em 11 cortes) = 960,3 ou 1422,3 tC/ha

Fonte: Banen, A. e Grubb, M. – Imperial College, London – ACCEPT


Figura 2 – Rendimento comparado de plantas C3 e C4

DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA DA USP As plantas podem ser classificadas de acordo com o caminho fotossintético, os arbustos e plantas na maioria das vezes são do tipo C3, enquanto que o capim elefante é do tipo C4. As plantas do tipo C4 tem alta eficiência na conversão de energia solar em energia química (ver figura 2), fazendo com que fixem mais CO2 por unidade de água perdida, necessitando de menos água que plantas do tipo C3. Por isso, plantas do tipo

C4 possuem uma produtividade em termos de matéria seca mais elevada. O capim elefante é uma alternativa energética promissora, devido ao fato de sua natureza apresentar facilidade de adaptação a diferentes condições edafoclimáticas (na Europa e EUA são colhidos até no gelo, embora sua produtividade seja bem inferior), alta pro-

Tabela 1 - Colheitas semestrais e anuais, com irrigação e sem irrigação

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dutividade, ciclo curto (pode ser colhido em 6 meses), resistência a pragas e estiagem. O capim pode abastecer caldeiras, serve como matéria-prima de etanol celulósico, chamado de 2ª geração e também serve como “lenha ecológica”. Trabalhos de campo recentes, realizado com 21 lotes de capim elefante, quando se estudou colheita semestral e anual (1 e 2 colheitas), variedade Cameroon, em Panorama (2013 -2016), e influência de irrigação, cujos resultados postos em tabela 1, servem para evidenciar.

forte incidência de chuva: o acréscimo da 2ª colheita em dez/2015 foi de 28 % enquanto que o acréscimo da 2ª colheita em jan/2016 foi de 40%. Reforçando a hipótese de que a 2ª colheita de jan/2016 foi beneficiada pelas chuvas que ocorreram no final de 2015 e inicio de janeiro (estas chuvas não ocorreram nesta intensidade até a data da colheita em dezembro). • O interessante é notar que o efeito da 2ª colheita conjuntamente com o efeitos de chuvas, 63 t/ano, foi próxima ao efeito da irrigação (68 t ano).

Obs: Cada ponto representa a produtividade de um Estes números tendem a confirmar a vantagem de lote, os pontos isolados são as colheitas anuais, os pontos que possuem uma reta representam a produtivida- até 2 cortes no ano, dando para o C do capim elefante de acumulada da produtividade, somando o resultado (2 cortes), um excedente apreciável de C fixado, quando comparado a espécies arbóreas de ciclo longo. das 2 colheitas por ano (colheita semestral). Ficam assim, reforçados os conceitos de que plan• O efeito positivo da irrigação no aumento médio na produção de 39 t ano para 68 tas de ciclo curto e crescimento rápido têm evidentes t/ano, significante estatisticamente, embora vantagens: não tão expressivo. a) Sobre espécies de crescimento lento; • O efeito da 2ª colheita no total anual (1ª b) Vantagens sobre outras formas de energia reno+ 2ª) foi positivo, significante estatisticamente, e mais expressivo nos lotes cujas 2ª colhei- vável, como eólica ou fotovoltaica, que não interagem tas foram executadas em janeiro de 2016, após com o estoque de CO2 da atmosfera. ▪ 110 – 4o ABIBER


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