TRIBUTO AO POETA 2008

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no início da década de setenta –lembra-o Tristão de Ataíde– “como representante máximo da geração dos novíssimos”. José Guilherme Merquior lhe dará por mais notável característica o “ser, dos realmente dotados, quem melhor preenchia a condição de poeta-pensador”, com uma poesia filosófica, cujo verso “sempre dizia do Ser”. Tristão de Ataíde o chamará de “mestre”, “típico do que a nossa poesia neomodernista tem de mais alto”. Naquele dúplice livrinho, exibe o Poeta um lirismo de acento metafísico na exploração de temas como o mar e o tempo (muitas vezes entrelaçados, ou confundidos, qual no título); a poesia, o poeta; o destino, a vida, a morte; o amor, a solidão. Aliado a isso, o verso livre, sem preocupações de contenção, sensivelmente mais voltado ao que-dizer do que ao comodizer, parece reforçar a sugestão de afinidade da dedicatória – a Augusto Frederico Schmidt, e a Murilo Mendes. Nota-se-lhe melhor domínio do verso sem medida. Não obstante, o poema ritmado –ainda que polimétrico– como tantos dos que contribuirão para a fortuna do livro seguinte tem já exemplos, de que é paradigma “O Rubro”, característico. Em Marinheiro no Tempo e Construção no Caos, vaga o poeta ainda meio perdido no vasto mar da própria poesia, poesia-mar que ele vai construindo no ou do próprio caos. Já um grande talento revelado, se bem à obra faltando ainda a maturação formal que apresentará o segundo livro. Perdido, sim, de certo modo, porém não desnorteado. A bússola, ele a empunha no poema “O Destino”, e o norte, ele mesmo o estipula:

fazer da vida um longo invento. A Chave do Talento. Se não se pode restringir o valor do livro de estréia a mera promessa, generosa embora; se estão nele presentes os germens de uma das mais fortes poesias de nossa época, a verdade é que só a partir de A Chave e a Pedra, surgido em 1960, vem a mostrar-se o Poeta no pleno domínio instrumental. Adquirem maior contenção e poder de contágio os poemas breves, as impressões. Apura-se o ritmo, sem que tal signifique submissão ao isometrismo. O conjunto ganha homogeneidade em mais alto nível de realização formal. Acentua-se a busca de si mesmo –o núcleo submarino de “O Poeta”– e do mais alto – o sol entressonhado de “Navio Cego”. A Chave e a Pedra foi saudado por Oswaldino Marques como um dos maiores acontecimentos da safra poética brasileira do lustro, ao lado de A Viagem Humana, de Manoel Caetano Bandeira de Mello, e de O Poder da Palavra, de Foed Castro Chamma. Fernando abre de par em par uma porta importante, para dentro, seja como personalidade poética, seja como pessoa, tão-só. Misticismo mais apurado, mais madura forma. O Poeta, como tal, dá acabamento ao seu projeto estético. Os poemas de menor extensão atingem o equilíbrio perfeito, havendo entre eles verdadeiras jóias coruscantes de beleza, a beleza leve e profunda, grave porém capaz de vôo, voante mas dolorosamente humana, emblematizada n’“O Hipogrifo”:

Este é o animal de minha sina, mais que Pégaso minha montaria: cascos de vento, garras de agonia, simbólico-mitológico ser que devora e recria o poeta em sua dupla constituição de bicho da terra e anjo-demônio de todas as esferas.

Perfil Humano e Poético de Fernando Mendes Vianna 85


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