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Paisagem

Paisagem.

“Em realidade, a paisagem compreende dois elementos: os objetos naturais, que não são obra do homem nem jamais foram tocados por ele; os objetos sociais, testemunhas do trabalho humano do passado, como no presente.

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A paisagem não tem nada de fixo, de imóvel. Cada vez que a sociedade passa por um processo de mudança, a economia, as relações sociais e políticas também mudam, em ritmos e intensidades variados (Santos, Pensando o espaço do homem, 1982, pág. 37)

Figura 3 . - A realidade da paisagem é complexa e sua expressão deve resolver-se a través de complexos esforços de grafismo e expressão cartográfica, cruzando os ecossistemas naturais, com os culturais, e tentando sintetizar a união de todas essas dimensões.

David Harvey e Milton Santos anunciaram, no final do século XX: “… cada homem valerá pelo lugar que habita”2 (Santos, A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e emoção, 1999 (1ª ed. 1987), pág. 81). A importância da paisagem, do meio ambiente ou do local, na educação, no bem-estar e na qualidade de vida do sujeito e, por extensão, na sociedade, é fundamental. Um ambiente físico saudável, diversificado, atraente, natural e cultural harmonioso contribui para o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos e do meio ambiente (Tojo Fariña, 2008).

Nos últimos anos do século XX, a sensibilidade ambiental e cultural favoreceu a proteção de muitos espaços e lugares, mediante seu tombamento3 . Uma política que visa mais a

2 “Cada homem vale pelo lugar onde está. O seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território [...]. A possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está”

3 As APA, Áreas de Preservação Ambiental, como tombamento ambiental, e os tombamentos culturais e naturais de bens moveis o imóveis a diversas escalas do IPHAN,…

proteção e menos a ação ou a gestão e que exige uma nova abordagem. O aumento da consciência social e os movimentos sociais, a globalização e o fortalecimento da identidade local, através de processos de planejamento participativo, contribuíram para construção de novos modelos.

A paisagem é o resultado de uma transformação coletiva da natureza, é a projeção cultural de uma sociedade em um determinado espaço

(Nogué, La construcción social del paisaje, 2007)

Algumas das características básicas do conceito paisagem podem ser expressadas como essências ou princípios da sua própria conceptualização. A paisagem é uma idealização, uma utopia configurada como um conceito intrínseco da ideia que nasce da eterna busca do paraíso, ou construções virtuais atópicas cheias de ideais pragmáticos. A paisagem também é um conceito subjetivo, na verdade, o epítome do termo. É subjetiva do ponto de vista da interação entre suas formas e manifestações e as pessoas que o ocupam, mas também do ponto de vista de quem o descreve e interpreta. A paisagem é sempre um conceito cultural, no sentido antropológico do termo, uma criação humana e uma forma de descrição do espaço.

A paisagem expressa o espírito, valores, sentimentos, experiências, mitos e preconceitos de uma sociedade, "a paisagem é um estado de espírito", nas palavras de Henry-Frédéric Amiel (Amiel, 1919) que une o material e o imaterial, mediante processos de apropriação e expressões simbólicas. O tempo determina a paisagem. O tempo como formador e como ponto de referimento nos permite analisar, descrever, explicar e compreender o espaço. As interações e as complementaridades entre as componentes da paisagem, nos diferentes tempos, vão criando, mudando ou antecipando, processos e mudanças. A paisagem é um produto do tempo e muda com o ritmo dos processos naturais, sociais e econômicos. Você não pode parar ou fixar a imagem da paisagem.

Apesar de sua complexidade, a expressão da paisagem é refletida no conjunto, configurando um palimpsesto, uma estrutura holística, de múltiplas leituras. Apenas uma leitura histórica, social, ecológico, ambiental, econômica, cultural, perceptiva... e acima de tudo, dos processos que o justificam, vai trazer-nos mais perto de uma imagem real da paisagem. Habermas (Habermas, 2008 (1ª ed. 1989)) busca nas fontes da fragmentação excessiva do conhecimento na modernidade a perda de um conhecimento de síntese, de uma visão integrada, como a paisagem exige:

"... se a modernidade falhou, foi por deixar que toda a vida se fragmentasse em múltiplas especialidades deixadas para a concorrência estreita de variados especialistas";

Por isso ele procura uma solução nas artes as quais convida para colocar-se como um elemento básico de síntese que antecede ao conhecimento:

"lançar uma ponte sobre o abismo entre o discurso do conhecimento, a ética e a política, e, assim, abrir o caminho para a unidade da experiência"

Ao mesmo tempo paisagem é moldada como o contraste entre a cultura e a natureza, entre o artifício e o vernáculo, entre a proteção e o desenvolvimento. Enric Battle no seu livro "O Jardim da metrópole" (Battle i Durany, 2011) propõe a intervenção na paisagem como um modo de

"encontrar o equilíbrio entre crescimento e preservação e novas trilhas, ecologicamente corretas, permitindo o uso da terra sem venerar, mas para garantir a sustentabilidade no futuro".

Por isso a ecologia, falando de paisagem, não é só ambiental, mas também social e econômica, pode ser aproximado como um conjunto de ciências que analisam as interações e os processos que explicam a essência da realidade, os fundamentos do meio em que a paisagem se desenvolve e suas relações mútuas.

Ao mesmo tempo, a paisagem define-se como um conceito multiescalar donde as fronteiras do espaço em que vivemos foram diluídas por meio da ampliação da ação humana, a colonização progressiva da natureza verde e rural e da metrópole. As escalas da paisagem vão para além do espaço físico e entram no espaço virtual do conhecimento hipervinculado da Internet (Eco, 2013). A paisagem deve ser diluída, sintetizada e concretizada para definir claramente esses limites ou amplia-os. Os elementos componentes da paisagem devem ser expressos em diferentes escalas: paisagens locais (locais), territórios e regiões globais, e entendidas dentro da lógica dos sistemas que os interligam.

Mas também devemos pensar a paisagem desde a lógica da colaboração e dos processos participativos, porque a paisagem sofre e expressa a sobreposição de competências, agentes, manifestos, usuários e sistemas. A coordenação e colaboração, não só dos funcionários públicos, mas, sobretudo, privada, acadêmica e da sociedade civil no seu conjunto, tornar-se urgente no planejamento da paisagem e especialmente na sua gestão.

A Paisagem planejada, a cidade de Rio de Janeiro como modelo.

Vários são os cenários donde estamos consolidando a visão estratégica e os métodos que deveriam ser implementados para normatizar e gerir as paisagens do século XXI. O próprio PRODOC no Rio de Janeiro, os debates no DEPAM em Brasilia, e recentemente com a equipe de paisagistas no encontro de ENANPUR em Natal.

Encampando a provocação proposta pela temática deste XVIII ENANPUR, que quis discutir o atual momento de desenvolvimento e crise, a tempo de resistir e a “tempo de caminhar por novas trilhas”, vislumbrando caminhos ao planejamento urbano e regional, a sessão debateu as necessárias interfaces entre as políticas de planejamento territorial integrado e as de preservação da paisagem e dos patrimônios culturais, por meio da atualização conceitual incitada pelo novo paradigma da paisagem cultural e, no nosso caso, pelo projeto PRODOC. Na oficina que fizemos em Natal estiveram presentes Vanessa Belo, Nadia Somek e Laura Lage, e colaboraram Rafael Winter, Leonardo Barci Castriota e Flavio Carsalade.

O progressivo alargamento daquilo que é considerado objeto de interesse para a preservação, que passou do monumento, como elemento isolado e destacado (natural ou construído), aos conjuntos arquitetônicos e urbanos, centros e cidades históricas reconhecidos em seus valores estéticos e históricos – e, recentemente, aos patrimônios imateriais e à paisagem em diversas escalas territoriais (unidades intraurbanas e sistemas regionais de paisagem), agregando outros valores (antropológicos e de uso ou até valores de reconhecimento a través da construção de uma memória, mediante a arte, a ciência, a literatura...) rumo ao reconhecimento da diversidade e da complexidade culturais, e cria assim novas questões e, portanto, novos desafios ao reconhecimento e à gestão.

O conceito de paisagem cultural propõe congregar estes vários aspectos e abordagens correntes no campo da preservação cultural, considerando sua interdisciplinaridade e a necessidade de superação da fragmentação ainda praticada. Partindo-se de uma concepção mais alargada e integradora entre a ação do homem e a natureza e entre os patrimônios material e imaterial, adotar a paisagem como patrimônio promove, ao passo que admite, o constante movimento e as relações inseparáveis e complementares entre conceitos e abordagens de diversos campos do conhecimento – da história, da arqueologia, da arte, da arquitetura, do urbanismo, do planejamento territorial, da sociologia, da antropologia, da cultura, da geografia, da etnografia, da ecologia, da biologia, do turismo, da ciência política, do meio ambiente... – e suas correspondências no meio físico, seja nos objetos móveis, na edificação ou no território – urbano, rural ou natural.

Tal como coloca a Recomendação R(95)9 do Conselho de Ministros da Europa (1995), deve pressupor a ação integrada do planejamento e gestão territoriais com as políticas ambientais e sociais, sobretudo em suas dimensões culturais e econômicas. Deve também conjugar a política de preservação ao processo dinâmico de desenvolvimento das cidades, o que implica necessariamente em não impedir as mudanças, mas em direcioná-las a favor dos patrimônios e, portanto, trabalhar na perspectiva do planejamento e desenvolvimento sustentáveis.

Pretende-se refletir por tanto, com a ideia de construir uma base conceitual mais sólida para nosso PRODOC, sobre aqueles que nos parecem ser alguns dos atuais desafios das políticas públicas integradas, especialmente as de planejamento, preservação cultural e ambiental e participação social:

1. primeiramente o de compreender a abordagem da paisagem cultural como conceito e uma nova epistemologia do campo do patrimônio cultural e não simplesmente como uma nova categoria de patrimônio, como vem praticando a UNESCO;

2. o de superar a fragmentação e as oposições ainda praticadas no campo da preservação cultural, sobretudo quanto ao que se reconhece e se gerencia como patrimônio natural e cultural, material e imaterial, e documental e simbólico;

3. o de empreender o reconhecimento e a gestão das paisagens culturais em sua totalidade sistêmica e complexa;

4. o de compreender territorialmente os patrimônios, incluindo-os como elementos estruturadores nas políticas de planejamento territorial intraurbano e regional;

5. as contraposições entre a patrimonialização de paisagens identificadas e valoradas como “excepcionais” ou “representativas” (paisagens culturais da Chancela) e aquelas ordinárias tratadas como unidades de um território culturalmente marcado, constituindo um recurso favorável à gestão territorial de maneira geral, para além do reconhecimento oficial enquanto patrimônio;

6. o de pensar a preservação também pelo seu oposto dialético, a transformação, abrindo a porta a contemporaneidade, integrando as novas formas e narrativas, sem perder as leituras anteriores que estão no reconhecimento dos valores originais;

7. o desafio de tratar o patrimônio de forma viva e dinâmica nas cidades, incluindo os usos, identidades e apropriações sociais, construindo uma nova relação das comunidades com os seus referenciais de herança coletiva e prática cultural, reinserindo-os como parte da vida urbana, das relações cotidianas e da paisagem;

8. o de verificar como a proximidade da relação entre identidade, território e paisagem vem imputando aos planos urbanos e regionais um novo direito, o direito à paisagem (Oliveira, Custódio, & Carneiro Lima, 2016), e um consequente exercício de cidadania ligado à luta e usufruto deste direito, uma cidadania paisagística (Brack Duarte C. , 2017; Cardoso Guimarães, 2009);

9. inexoravelmente, os dois desafios anteriores, incitam a ampliação da participação das comunidades no reconhecimento e gestão dos patrimônios e das paisagens, para além da tradicional participação daqueles que detém o chamado “notório saber”, típica da representação que compõe os órgãos de preservação brasileiros, os cidadãos e a sociedade civil;

10. por fim, o imenso desafio de construir um sistema sustentável de gestão, com estruturas que possibilitem o compartilhamento intersetorial (entre os diversos setores de um mesmo nível de governo) e interinstitucional (entre as três esferas de governo), a transdisciplinaridade, a conjugação de instrumentos e o planejamento territorial com forte participação cidadã. Para isso já iniciamos vários contatos institucionais que temos que consolidar.

A sessão temática proposta foi concebida de forma a criar um equilíbrio entre o exame do conceito e a sua aplicação prática, enfocando os avanços e problemas junto ao campo do planejamento urbano e regional. Rio de Janeiro e Campinas, assim como exemplos menores de Belo Horizonte, foram analisados e debatidos. Esta forma de abordagem permite a discussão teórica integrada com os mecanismos de gestão do território e da paisagem, o que se torna visível na apresentação de estudos de casos práticos. Nesse sentido, os estudos de casos e experiências selecionadas para este debate apontaram uma visão panorâmica destas questões e desafios no Brasil e no exterior.

Durante a sessão serão debatidos os desafios e questões enfrentadas pelo IPHAN e pela Prefeitura do Rio de Janeiro diante da elaboração do Plano de Gestão da Paisagem Cultural do Rio, chancelada pela UNESCO em 2012, assim como do projeto PRODOC, de

normatização e gestão do patrimônio cultural brasileiro; a recente experiência em curso no tradicional bairro do Bixiga em São Paulo; a experiência recente de revisão do arcabouço urbanístico de Campinas-SP (2016), que apresentou a metodologia específica criada para identificação de paisagens culturais pensados como um sistema estruturador do planejamento territorial integrando desenvolvimento socioeconômico e cultural via plano diretor e lei de uso e ocupação do solo; mas também foi apresentada uma experiência internacional realizada em Londres e Holanda, com análise e gestão do território a partir da leitura da paisagem, por meio de metodologias específicas HLC e Belvedere; e, por fim, o último trabalho apresentará a metodologia do HLC aplicada ao caso de Lagoinha, em Belo Horizonte.

O exame crítico dessas experiências nacionais e internacionais conseguiu promover uma discussão sobre os desafios entre limites e possibilidade da abordagem da paisagem e da paisagem cultural para formação de políticas públicas territoriais integradas no Brasil que estamos integrando nesta proposta metodologia e na estratégia de aproximação ao territorio.

A paisagem como lugar, ambiência, topos ou rarum.

“[...] a ‘paisagem’ é um conceito complexo, que admite uma infinidade de aportes e passeia por diferentes disciplinas, desde a geografia, como um de seus principais conteúdos, até atingir o âmbito da preservação cultural, inclusive constituindo categoria do patrimônio da humanidade instituída pela UNESCO em 1992.” (Bezerra de Menezes, 2002, pág. 29)

O ‘Topos’ grego, a envolvente, vai ser enriquecida a través do conceito mais amplo de ‘Rarum', alemão, baseado na compreensão não só do "envelope", mas também do meio ambiente, do lugar. O espaço entendido a partir da consideração duns limites mais amplos (Bollnow & D'Ors, 1969, pág. 39). Limites que considerem o habitar (Heidegger, 1954 (1ª ed. 1951)) como condição do sistema. Fronteiras além dos objetos e seus entornos imediatos que integrem as funções (ecológicas, econômicas, sociais...) que dão sentido e valor a uma proposta de planejamento de "lugares" não mais de elementos ou espaços.

A ideia de Heidegger desenvolvida por Bollnow define o lugar como uma síntese histórica entre os valores de identidade (culturais e intangíveis) e o espaço. Uma síntese expressa e gravada nas formas da arquitetura e concretizada dentro de um determinado limite (geografia). A paisagem como lugar é uma unidade totalizante. Mesmo onde a predominância de fatores e expressões culturais é maior, a paisagem transcende esses elementos, arquiteturas, ou formas, e vai além do físico atingindo o imaterial.

Compreender o lugar precisa tempo e esforço (Lynch K. , La planificación del sitio, 1980, pág. 101). O espírito do espaço se manifesta lentamente, é complexo e multidisciplinar. Se a nossa busca pela essência do lugar é estruturada com base nos pilares de nossas metas e objetivos de desenvolvimento sustentável, então precisamos analisar o espaço do ponto de vista social, econômico, ambiental e perceptual. Neste "lugar" dialogam o cheio com o vazio, as expressões culturais com a natureza da geografia, o tempo com as formas e com os estilos, e os símbolos com as percepções. E assim que construímos o

conceito de lugar como a própria essência do espaço, a través dos seus valores e da compreensão de seus elementos identitários.

E ai que Kenneth Frampton (Frampton, 1985) procura as bases do "regionalismo crítico" e da verdadeira essência do lugar que vai nos permitir superar a tendência do consumismo, da simplificação e da globalização do espaço e das formas. É ai quando a arquitetura e o urbanismo concentraram seus esforços na produção e na definição de um conceito de estilo, diferenciador, excepcional, integro e autentico. Frampton vai defender uma posição de compromisso com o lugar entendido como um "enclave limitado", e, portanto, específico e bem delimitado. Um conceito similar ao que Robert Venturi defende no seu "modelo de cultura como um ambiente total" (Venturi, 1995), que propõe que deve ser colocado na base do projeto e, por extensão, do Plano.

Figura 4 . - Entender as paisagens cariocas dentro do Parque Nacional da Floresta da Tijuca e Florestas de Proteção exige classificar, identificar e ordenar a geomorfologia, a hidrografia, os sistemas patrimoniais das fazendas, das infraestruturas das águas, dos corredores ecológicos, das nascentes e da transição entre as baixadas, e os sucessivos sistemas montanos até os ecossistemas nebulosos.

Esta visão deve fazer-nos repensar a ideia de paisagens culturais como uma unidade isolada ou separada. A ideia do lugar surge assim como uma forma de transcender a disciplina da arquitetura e do planejamento na procura de uma identidade e da essência do espaço. A ideia do lugar como paisagem está ligada à história como um conjunto de processos e acontecimentos, condições e circunstâncias que moldaram, dotaram identidade, e não "ter ocorrido" (De Las Rivas Sanz, El espacio como lugar: sobre la naturaleza de la forma urbana, 1992, págs. 19-40). A paisagem entendida como um lugar não pode ser isolada, setorizada ou contraída (paisagem cultural, urbano, rural, natural...), mas deve sim procurar compreender a complexidade do conteúdo, a periodicidade, os ritmos e as percepções. A leitura tem que se transferir a partir dos elementos para os processos (e, consequentemente, os agentes), e de ai para os sistemas e as narrativas componentes, sem esquecer as percepções e símbolos culturais

e antropológicos que produzem e são produzidos pelo espaço de interação junto a sociedade.

As paisagens como ecossistemas culturais.

“A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado um património histórico, artístico e cultural. Faz parte da identidade comum de um lugar, servindo de base para construir uma cidade habitável. Não se trata de destruir e criar novas cidades hipoteticamente mais ecológicas, onde nem sempre resulta desejável viver. É preciso integrar a história, a cultura e a arquitetura dum lugar, salvaguardando a sua identidade original. Por isso, a ecologia envolve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade, no seu sentido mais amplo. Mais diretamente, pede que se preste atenção às culturas locais, quando se analisam questões relacionadas com o meio ambiente, fazendo dialogar com a linguagem técnico-científica e com a linguagem popular. É a cultura – entendida não só como os monumentos do passado, mas especialmente no seu sentido vivo, dinâmico e participativo – que não se pode excluir na hora de repensar a relação do ser humano com o meio ambiente.” (Franciscus, 2015, pág. Par 143)

Analisar os ecossistemas naturais e culturais nos ajuda a procurar o bem comum e defender a paisagem como síntese entre o patrimônio natural e a cultura, a arte e a história, seja geológica seja do tempo solar, do nosso tempo. Na mesma encíclica que acabamos de citar, o Papa Francisco afirma, de forma contundente falando da “2. Ecologia cultural”. Numa visao dinamica da paisagem devemos entender o papel dos ecossistemas sejam eles culturais, sociais, económicos ou ambientais:

... o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova geração de vegetais (Franciscus, 2015).

Quando falamos de ambiencia e do tratamento dos entornos sempre é um discurso baseado na ideia da sua percepcao cultural. Os tombamentos de bens naturais, no marco do IPHAN, devem ter como finalidade a conservação paisagística, histórica, artística, etnográfica, etc... (Rabello, 2009). Igualmente a preservação do seu entorno não deve se limitar exclusivamente aos bens de natureza construída, mas também aqueles naturais, que influem na ambiência. Para eles são preferenciais as ações de preservação de seus valores culturais, mas também a preservação dos ecossistemas, como estratégia, ou diretriz a serem pactuada com outros órgãos, e aplicada com outros instrumentos específicos (Planos de Manejo, Planos Urbanísticos, ou outros), e pode ser considerada desde que tenha como finalidade a manutenção dos sistemas ecológicos vitais e interdependentes para a conservação do bem ou do conjunto.

Por consequência, os efeitos jurídicos da intervenção estatal será o de evitar toda ação danosaquepossaintervirnaquele bemenquantopaisagem,enão enquanto ecossistema. É evidente que existe relação entre a destruição de determinadossetoresvitaisdafloresta e a sua conservação, mas quando esta relação não for necessariamente dependente e interferente, ela não interessa- ráaotombamento. Sendoosinteresses públicos diversos, a açãodo Estado, nesses casos, deverá serorientada pelomotivodapreservação no sentido de alcançar a finalidade de cada uma das leis específicas.

Estamos num cenário mais abrangente que tenta integrar não só o conceito da paisagem cultural (envolvente imediata afetada pelo bem), mas sim, também o conceito de patrimônio cultural de origem natural, como valor e bem igualmente tombado (Floresta da Tijuca, ou o próprio Jardim Botânico) e o conceito de visão de conjunto de entorno, como garantia para a preservação da chamada “ambiência”. E essa última ideia que nos faz pensar os entornos, como acontece no Jardim Botânico, não só desde a perspectiva de cada um dos bens, mas também do conjunto e suas interações visuais e ambientais com os pontos de maior interesse que possam estar envolvidos no reconhecimento do local.

Figura 5 . - Medir e entender as diferentes componentes da paisagem é um primeiro passo para poder ordenar e gerir suas diferentes componentes. Projeto PRODOC 4018.

As portarias no Rio de Janeiro, na Floresta da Tijuca, Jacarepaguá, ou Jardim – Botânico, focalizam principalmente no conteúdo do art. 18, falando de gabaritos, ocupação do solo ou caraterísticas das coberturas ou dos painéis publicitários. A falta de concreção dos valores, os problemas nas delimitações excessivamente genéricas, ou a exclusão dos bens de interesse natural, fazem que estejam exclusivamente focadas na construção, e menos nos espaços públicos (ambiência), no patrimônio natural ou na ambiência.

A estratégia de abordagem, que considera a paisagem como paradigma do patrimônio cultural, como epistemologia, ou forma esta recolhida no documento: Pro03. Cad01. Estratégia de Abordagem