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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.400.556-6, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – ÓRGÃO ESPECIAL. Autor:

PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ

Interessada:

CÂMARA MARINGÁ

Curadora:

PROCURADORIA ESTADO

Relator:

DES. D´ARTAGNAN SERPA SÁ

MUNICIPAL GERAL

DE DO

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI 9.936/2015 DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ – LEI QUE ASSEGURA AOS FILHOS DE SERVIDORES MUNICIPAIS O DIREITO DE MATRÍCULA NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E ENSINO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS – MATÉRIA AFETA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO – ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL – VIOLAÇÃO AO INCISO VI DO ART. 87 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – CONTRARIEDADE AO DISPOSTO NO ART. 178, I E ART. 1º, I, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – INEXISTÊNCIA

DE

JUSTIFICATIVA

PARA

O

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TRATAMENTO

DIFERENCIADO

FILHOS

SERVIDORES

DOS

ENTRE

MUNICIPAIS

OS E

DEMAIS CIDADÃOS – DEFERIMENTO DA MEDIDA LIMINAR – MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO – SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA LEI Nº 9.936/2015 DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ A PARTIR DO EXERCÍCIO LETIVO DE 2016, INCLUSIVE.

I – RELATÓRIO

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pleito de medida cautelar, promovida pelo Prefeito Municipal de Maringá em face da Lei nº 9.936/2015 do Município de Maringá, a qual assegura aos filhos de servidores municipais o direito de matrícula na rede pública municipal de educação e ensino e dá outras providências. Afirma que diante do vício da norma retro mencionada decidiu pelo veto total da lei, o qual foi rejeitado, tendo o Presidente da Câmara Municipal a promulgado. Todavia, o ato normativo não pode subsistir no mundo jurídico, vez que a referida norma afronta o princípio fundamental da igualdade, estando em evidente contrariedade ao disposto no art. 178, I e art. 1º, I, da Constituição Estadual combinado com o art. 5º da Constituição Federal. Segundo o Autor “conceder aos filhos dos servidores reserva de vagas nas creches municipais violaria a salutar isonomia que deve reger todos os munícipes” (f. 04).

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Alega que a questão já foi enfrentada por este Tribunal de Justiça quando da análise do Mandado de Segurança nº 348919-4 e que a reserva de vagas determinada pela lei questionada não possui razoável justificativa que a ampare. Em relação aos requisitos da medida cautelar, defende a existência do “fumus boni iuris” diante da norma afrontar o princípio da igualdade, e, em relação ao “periculum in mora”, alerta pela possibilidade da cota de reserva de vagas impedir o acesso de crianças na rede pública de ensino “principalmente agora no início do segundo semestre” (f. 08). Com a inicial, vieram os documentos de fls. 11/18. Previamente, foram colhidas as manifestações da Câmara Municipal de Maringá (fls. 30/32), da Procuradoria Geral do Estado (f. 62), as quais defenderam a constitucionalidade da lei impugnada. Em seu parecer de fls. 66/73, a d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo deferimento da medida cautelar. É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Por meio desta Ação Direta de Inconstitucionalidade o Prefeito do Município de Maringá impugna a Lei Municipal nº 9.936/2015, a qual visa assegurar aos filhos de servidores municipais o direito de matrícula na rede pública municipal de educação e ensino e dá outras providências. Eis o ato normativo impugnado:

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“Lei nº 9.936/2015 Assegura aos filhos de servidores municipais o direito de matrícula na rede pública municipal de educação e ensino e dá outras providências. Art. 1º A Administração Municipal assegurará aos filhos de servidores públicos do Município de Maringá o direito de matrícula nos estabelecimentos na rede pública municipal de educação e ensino. Parágrafo único. O direito previsto no caput deste artigo será assegurado até o limite de 10% (dez por cento) do número de vagas do estabelecimento. Art. 2º Será também garantida a rematrícula para o ano de 2015 aos filhos de servidores municipais que atualmente estejam matriculados nos estabelecimentos de educação e ensino da rede pública municipal. Art. 3º A Administração Municipal, através da Secretaria Municipal de Educação, estabelecerá os prazos e os critérios a serem observados para o exercício dos direitos previstos nesta Lei, visando ao planejamento de vagas nos estabelecimentos de educação e ensino. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

De imediato cumpre ressaltar que a norma municipal questionada adveio de iniciativa do Poder Legislativo (fls. 40/41). Embora tal elemento não tenha sido ressaltado na exordial, sua análise é de grande importância para efeito de análise da constitucionalidade da norma no seu aspecto formal orgânico, o que é permitido pelo fato da causa de pedir ser aberta em sede de controle de constitucionalidade.

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Este Órgão Especial já reconheceu que a causa de pedir no controle de constitucionalidade é aberta sob o argumento de que tal colegiado detém competência plena no controle das normas constitucionais: “INCIDENTE

DE

DECLARAÇÃO

DE

INCONSTITUCIONALIDADE - RESOLUÇÃO SESA nº 285/09 EMANADA PELO SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ - COGNIÇÃO PLENA PELO ÓRGÃO ESPECIAL ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA - NÃO VINCULAÇÃO AOS FUNDAMENTOS EXARADOS PELO ÓRGÃO

FRACIONÁRIO

-

INCONSTITUCIONALIDADE

FORMAL - OFENSA AO ART.22, XVI DA CF - AÇÃO PROCEDENTE. Ofende o disposto no art. 22, XVI, da Constituição Federal norma estadual que restringe âmbito de atuação de profissão. Ausência de vinculação aos fundamentos apresentados pelo órgão fracionário acerca da inconstitucionalidade, eis que o Órgão Especial possui competência plena no controle das normas constitucionais. Ação julgada procedente”. (TJPR - Órgão Especial - IDI - 624691-5/02 - Curitiba - Rel.: Regina Afonso Portes - Unânime - J. 03.06.2013)

Analisando-se atentamente a norma impugnada, nota-se que esta interfere diretamente na atuação da Secretaria Municipal de Educação pelo fato de determinar a reserva de cota de alunos filhos dos servidores (10% - cf. parágrafo único do art. 1º), instituir a rematrícula obrigatória para o ano de 2015 (art. 2º) e vincular o planejamento de vagas nos estabelecimentos de educação e ensino (art. 3º). Em que pese a presente análise seja desenvolvida em regime de cognição sumária, ao que tudo indica a lei questionada padece de vício de inconstitucionalidade formal orgânica por ter tratado de matéria afeta

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ao Chefe do Poder Executivo, qual seja, a organização e o funcionamento da Administração Pública Municipal, violando o inciso VI do art. 87 da Constituição Estadual:

“Art. 87. Compete privativamente ao Governador: (...) VI - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual, na forma da lei;”

A imposição de atribuições para agentes e órgãos da Administração Pública que decorra de iniciativa parlamentar é, evidentemente, inconstitucional conforme os precedentes abaixo colacionados:

“RECURSO

EXTRAORDINÁRIO.

AÇÃO

DIRETA

DE

INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

LOCAL.

LEI

MUNICIPAL

N.

10.729/2009.

INICIATIVA PARLAMENTAR CRIA O PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO

DIFERENCIADA

PARA

CRIANÇAS

DIABÉTICAS NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO. IMPOSIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PARA AGENTES E ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA.

INCONSTITUCIONALIDADE

FORMAL. INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. ANÁLISE DA INCONSTITUCIONALIDADE

DA

LEGISLAÇÃO

LOCAL.

IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 280 DO STF.1. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, lei municipal

que,

resultante

de

iniciativa

parlamentar,

imponha políticas de prestação de serviços públicos para órgãos da Administração Pública. (Precedentes: ADI n. 2.857, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Pleno, DJe de 30.11.07; ADI n. 2.730, Relatora a Ministra Cármen Lúcia,

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Pleno, DJe de 28.5.10; ADI n. 2.329, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 25.6.10; ADI n. 2.417, Relator o Ministro Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 05.12.03; ADI n. 1.275, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Pleno, DJe de 08.06.10; RE n. 393.400, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 17.12.09; RE n. 573.526, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 07.12.11; RE n. 627.255, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 23.08.10, entre outros). (...) Evidencia-se inconstitucionalidade, por vício formal de iniciativa, na Lei Municipal n. 10.729/2009, que criou o Programa de Alimentação Diferenciada para crianças diabéticas na rede municipal de ensino, inclusive em creches, com acompanhamento contínuo durante a vida escolar e, em casos excepcionais, fora da escola, através de um programa a ser elaborado e desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com equipe técnica composto por nutricionistas, pediatras, pedagogos e professores de educação física. A hipótese, configura indevida

ingerência

do

Legislativo

na

competência

exclusiva do Executivo Municipal com evidente impacto financeiro e na estrutura administrativa de pessoal do Poder Executivo, pelo que não há como mantê-la no mundo jurídico. (...) Ex positis, DESPROVEJO o recurso, com fundamento no artigo 21, § 1º, do RISTF. Publique-se. Brasília 14 de maio de 2014”. (STF - RE: 704450 MG, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 14/05/2014, Data de Publicação:

DJe-094,

Divulgado

16/05/2014,

Publicado

19/05/2014).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS N. 8.980, DE 22.06.2012 QUE AUTORIZA O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL A INSTITUIR O PROJETO CASA ABRIGO PARA MULHERES EM SITUAÇÃO DE RISCO DE VIDA IMINENTE E DÁ OUTRAS

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PROVIDÊNCIAS.

PEDIDO

DE

MEDIDA

CAUTELAR.

RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E SIGNIFICADO PARA A ORDEM SOCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. SUBMISSÃO DO

PROCESSO

AO

ÓRGÃO

ESPECIAL

PARA

JULGAMENTO DEFINITIVO DO PEDIDO. POSSIBILIDADE A TEOR DAS DISPOSIÇÕES DOS ARTS. 12 DA LEI 9.868/1999 E 12 DA LEI ESTADUAL 12.069/2001. LEI IMPUGNADA QUE PRESCREVE ATRIBUIÇÕES A SEREM DESEMPENHADAS PELA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E JUVENTUDE, ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS: 1) CRIAÇÃO DO PROJETO CASA ABRIGO PARA MULHER EM SITUAÇÃO DE RISCO DE VIDA IMINENTE, VINCULADO À SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E JUVENTUDE (ART. 1º) E CRITÉRIOS

RELATIVOS

À

SUA

ORGANIZAÇÃO

(PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 1º). 2) FUNCIONAMENTO EM REGIME DE PLANTÃO NOS HORÁRIOS NOTURNOS E FINAIS DE SEMANA. ATRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES AO CONSELHO TUTELAR (ART. 6º). 3) COMPOSIÇÃO DA CASA ABRIGO POR EQUIPE MULTIDISCIPLINAR PERMANENTE COM QUALIFICAÇÕES TÉCNICAS (ART. 8º). 4) DESPESAS DECORRENTES DA IMPLANTAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DA LEI GARANTIDAS POR DOTAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS PRÓPRIAS (ART. 10). DISPOSITIVOS DA LEI MUNICIPAL IMPUGNADA QUE VERSAM SOBRE TEMA CUJA INICIATIVA ERA EXCLUSIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO LOCAL. SITUAÇÃO

QUE

REVELA

INOBSERVÂNCIA

DOS

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEPARAÇÃO, DA HARMONIA ENTRE OS PODERES E DA RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO. INVASÃO DO PODER LEGISLATIVO NA ESFERA

DE

COMPETÊNCIA

PRIVATIVA

DO

PODER

EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 32, 50, § 2º, INCS. II e VI, 52, INC. I, E

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71, INCS. I E IV, ALÍNEA A, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, COM EFEITOS EX TUNC”. (TJ-SC - ADI: 20120541338 SC 2012.054133-8 (Acórdão), Relator: Nelson Schaefer Martins, Data de Julgamento: 02/07/2013, Órgão Especial Julgado, Data de Publicação: 25/07/2013 às 07:57. Publicado Edital de Assinatura de Acórdãos Inteiro teor Nº Edital: 6618/13 Nº DJe: Disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1679 - www.tjsc.jus.br).

Além da inconstitucionalidade formal orgânica retro enfrentada, cabe analisar a hipótese de inconstitucionalidade material aduzida na inicial da presente ação. O autor sustenta a existência de vícios com fundamento no art. 1º, I e art. 178, todos da Constituição Estadual, abaixo reproduzidos: “Art. 1°. O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais, do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e tem por princípios e objetivos: I - o respeito à unidade da Federação, a esta Constituição, à Constituição Federal e à inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais por ela estabelecidos; Art. 178. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condição para acesso e permanência na escola, vedada qualquer forma de discriminação e segregação”.

De fato. O direito ao ensino é universal, sendo inconstitucionais quaisquer condutas que privilegiem determinado grupo ou categoria de pessoas, desde, é claro, que não exista justificativa para a diferenciação.

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Para

que

o

tratamento

anti-isonômico

seja

considerado constitucional, há que se verificar a motivação: estando presente a relação de causalidade e a razoabilidade é evidente que o tratamento diferenciado se justifica. Neste sentido, em que pese ainda ser um tema polêmico, a previsão de cotas para as universidades foi compreendida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, dentre outros argumentos, por ser instrumento de superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares (“ações afirmativas”):

“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICORACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o

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próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente”. (STF, DPF 186/DF – Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Julg. 26/04/2012 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno – Publicação ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 – DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10-2014)

Assim, eventual conduta diferenciadora só se legitima quando atendido o princípio constitucional da razoabilidade, de modo que a ação afirmativa que se pretenda ver implantada deve possuir substrato material que exija o tratamento diversificado, sob pena de conferir privilégios ou benefícios que resultam em discriminação gratuita. No caso da norma ora objurgada, verifica-se que a cota de 10% (dez por cento) constante do parágrafo único do artigo primeiro bem como a determinação de rematrícula prevista no artigo segundo da Lei Municipal nº 9.936/2015 foram instituídas para beneficiar os alunos filhos de servidores municipais.

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Contudo, não se vislumbra nenhum elemento que justifique tais benefícios (critério de discriminação). O fato dos pais da criança serem servidores públicos municipais em nada se relaciona com a necessidade de reserva de cota nas vagas no ensino municipal. Indaga-se: há alguma causa justificadora para que a norma privilegie o servidor municipal em detrimento do estadual, federal ou do cidadão que pertença a grande massa dos trabalhadores assalariados? Entendo que não. Situação semelhante já foi objeto de apreciação no âmbito desta Corte de Justiça, oportunidade em que se considerou inconstitucional o privilégio de reserva de vagas em favor de filhos de servidores municipais em detrimento dos demais cidadãos: “APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA RESERVA DE VAGAS EM CRECHE PARA FILHOS DE SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS - LEI ORGÂNICA MUNICIPAL ESTABELECE O BENEFÍCIO - PRIVILÉGIO INCONSTITUCIONAL.

AFRONTA

AO

PRINCÍPIO

DA

ISONOMIA. NÃO HÁ PERTINÊNCIA LÓGICA ENTRE O FATOR

ESCOLHIDO

PARA

DISCRIMINAÇÃO

E

O

TRATAMENTO CONFERIDO - SE NÃO EXISTEM VAGAS, OS FILHOS DAS IMPETRANTES DEVEM RESPEITAR A FILA DE ESPERA QUE TODAS AS DEMAIS CRIANÇAS ENFRENTAM - SEGURANÇA NÃO CONCEDIDA - DECISÃO CORRETA RECURSO NÃO PROVIDO. A conferência de tratamento diferenciado

a

determinada

situação

deve

guardar

correlação lógica entre o regime diverso e o critério utilizado para diferenciar quem merece tal tratamento, sob pena de afronta ao princípio da igualdade” (TJPR - 6ª C.Cível - AC -

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348919-4 - Toledo -

Rel.: Prestes Mattar - Unânime - J.

19.09.2006)

Extrai-se do acórdão, cujos fundamentos transcrevo como razoes de decidir: “Desta forma, cabe aqui analisar se os filhos das impetrantes estão ou não em situação diversa das demais crianças, as quais também têm direito à educação e ao atendimento em creches públicas. (...) Desta forma, como no presente caso, por mais que a lei estabeleça uma discriminação para determinada categoria de pessoas, outorgando-a privilégios como a reserva de vagas em creches, se esta discriminação não se mostrar lógica e racional com os valores estipulados na Constituição a lei será anti-isonômica, e consequentemente inconstitucional. O fato de serem as impetrantes servidoras públicas municipais não estabelece diferença material aos seus filhos, os quais não poderão ser tratados de forma diversa das outras crianças. Não se configura na hipótese vínculo de conexão lógica entre o discrimen (ser filho de servidor público municipal), e a diversidade de tratamento, qual seja, não ter que enfrentar fila de espera quando não existirem mais vagas (...) Diferente seria se os privilegiados com a reserva de vagas fossem deficientes físicos, pois aí existiria um fator nas crianças que justificaria de maneira lógica um tratamento diferenciado e em consonância com os valores trazidos pela Constituição Federal, até mesmo porque ser deficiente físico não é privilégio algum. Caso em que estaríamos tratando de discriminação positiva, fenômeno que busca melhorar a igualdade real de oportunidades, mas que ao caso não se aplica. É certo que todas as crianças têm direito a educação, mas este é um direito conferido a todo universo de crianças, indistintamente, porém, se não existem vagas no ensino, medidas devem ser exigidas para resolução deste sério problema, mas que alcancem a todas as crianças e não somente àquelas filhas de servidores. Assim, tendo em vista a supremacia da Constituição Federal e a imposição da observância da isonomia por toda a legislação infraconstitucional, a norma que estabelece o

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benefício aos filhos das impetrantes se mostra inconstitucional. Razão pela qual, usando do controle constitucional em concreto, mantenho a sentença do monocrático com a declaração a inconstitucionalidade da norma para a não concessão da segurança pretendida (...)”.

Logo, compreendendo a norma impugnada como inconstitucional (aspecto formal orgânico e material), passa-se a análise dos requisitos da medida liminar. Segundo Luís Roberto Barroso, “a jurisprudência estabeleceu, de longa data, os requisitos a serem satisfeitos para a concessão da medida cautelar em ação direta: a) plausibilidade jurídica da tese exposta (fumus boni iuris); b) possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum in mora); c) irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos emergentes dos próprios atos impugnados; e d) necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão”.1 No presente caso evidenciam-se os requisitos da concessão da tutela de urgência, eis que a reserva de 10% (dez) por cento das vagas implica em limitação do acesso dos filhos do cidadão não servidor, circunstância esta que, ao menos em tese, pode dificultar ou alijar a inserção de alunos cujos pais não estejam vinculados à Administração Pública Municipal. É evidente que, não obstante a inicial tenha sido protocolizada em 26/06/15 (fl. 09) a lei produz efeitos contínuos e permanentes, de modo que, embora o ano letivo de 2015 já tenha praticamente se esvaído, há que se coibir a eficácia normativa para o ano letivo de 2016 e os seguintes. Desta forma, resta evidenciado, ao primeiro exame, o prejuízo concreto irreversível ao interesse público decorrente do ato legislativo

1

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3ª ed., São Paulo : Saraiva, 2012, p. 218.

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impugnado, não podendo a análise de vícios da Lei nº 9.936/2015 do Município de Maringá ser postergada para o julgamento definitivo da presente ação. Demonstrada, pois, objetivamente, a plausibilidade jurídica e a probabilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, afigura-se impositiva a concessão do provimento de urgência postulado. Contudo, em que pese o reconhecimento da inconstitucionalidade, afigura-se necessária a aplicação do disposto no art. §1º do art. 112 da Lei Federal nº 9.868/99, de forma que os efeitos da suspensão da eficácia da Lei nº 9.936/2015 do Município de Maringá apenas passam a valer a partir do exercício letivo de 2016, inclusive, evitando-se, desta forma eventuais prejuízos às situações jurídicas já consolidadas. ACORDAM

os

Senhores

Desembargadores

integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conceder a medida cautelar ao efeito de suspender a eficácia da Lei nº 9.936/2015 do Município de Maringá a partir do exercício letivo de 2016, inclusive, nos termos do voto do Relator. O

julgamento

foi

presidido

pelo

Senhor

Desembargador PAULO ROBERTO VASCONCELOS e dele participaram os Senhores Desembargadores TELMO CHEREM, REGINA AFONSO PORTES, RUY CUNHA SOBRINHO, PRESTES MATTAR, ROGÉRIO COELHO, MARQUES CURY, MARIA JOSÉ DE TOLEDO MARCONDES TEIXEIRA, JORGE WAGIH MASSAD, SÔNIA REGINA DE CASTRO, ROGÉRIO KANAYAMA,

LAURO

LAERTES

DE

OLIVEIRA,

EUGÊNIO

ACHILLE

GRANDINETTI, RENATO BRAGA BETTEGA, ANTONIO LOYOLA VIEIRA, JOSÉ SEBASTIÃO FAGUNDES CUNHA, RENATO LOPES DE PAIVA, GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA, FERNANDO ANTONIO 2

Art. 11 (...). § 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.

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PRAZERES, LUÍS CARLOS XAVIER, JOSÉ CARLOS DALACQUA, todos acompanhando o Relator.

Curitiba, 01de fevereiro de 2016.

DES. D´ARTAGNAN SERPA SÁ Relator

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