Defensores dos direitos humanos em Pernambuco: Trajetórias, Resistência, Coletividades

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DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS EM PERNAMBUCO: Trajet贸rias, Resist锚ncia, Coletividades


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FRANCISCO DE ASSIS BARROS (CHICO TRUKÁ)

MÔNICA CIBELE ALBUQUERQUE

NAIR ÁVILA

ROSEMARY SOUTO MAIOR

ELEONORA PEREIRA

ESPEDITO FERREIRA LUCYNEIDE RIBEIRO (LU RIBEIRO)

JOSÉ CARLOS DA SILVA

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EMÍLIO ALVES DE OLIVEIRA

ISAÍAS FRANCISCO DA SILVA

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MARIA DE LOURDES DIDIER

SEVERINO RAMOS COSTA

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DEFENSOR(A)

05/02/2010

02/09/2010

07/07/2010

07/07/2010

27/10/2011

03/08/2011

10/09/2010

19/02/2010

10/02/2010

19/03/2009

15/10/2008

11/05/2008

DATA DE INSERÇÃO

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TERRA

COMBATE À CORRUPÇÃO

TERRA

TERRA

TERRA

TERRITÓRIO

SEGURANÇA E JUSTIÇA / LGBTT

JUSTIÇA E SEGURANÇA

JUSTIÇA

TERRA / COMBATE À CORRUPÇÃO

TERRITÓRIO

SEGURANÇA E JUSTIÇA

ÁREA DE ATUAÇÃO



EXPEDIENTE Dilma Vana Rousseff Presidenta da República Michel Temer Vice Presidente da República Ideli Salvatti Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Claudinei do Nascimento Secretária Executiva da SDH/PR Patrícia Barcelos Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da SDH/PR Wellington Pantaleão Diretor do Departamento de Defesa dos Direitos Humanos da SDH/PR Fernanda Calderaro Coordenadora Geral do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos

João Lyra Neto Governador de Pernambuco Bernardo D’Almeida Secretário de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos Paulo Roberto Xavier de Moraes Secretário Executivo de Justiça e Direitos Humanos Ana Lúcia Gusmão Brindeiro Gerente Geral de Promoção da Justiça e Defesa dos Direitos Humanos Maria das Neves C. Chaves Coordenadora Executiva do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Pernambuco


Equipe PEDPDDH/PE Maria das Neves C. Chaves Éricka Vieira de Souza Maria da Costa Carvalho Rangel Gomes Rodrigo Otávio Barbosa Vasconcelos Carlos Holanda Alves Dionizete Marinho Lopes de Araújo Hildemberg Luna da Silva Idealização do Projeto Maria das Neves C. Chaves Fotografias Rayanne Morais Borges Organização Marine Moraes de Lima Revisão de texto Marine Moraes de Lima Projeto Gráfico e Design André Moraes de Almeida (VAaSTU) Jornalista Responsável Marine Moraes de Lima (DRT/PE – 4969) Impressão (a resolver) Tiragem 3.000 exemplares Contato defensores@sedsdh.pe.gov.br Projeto realizado com o apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República por meio do Convênio nº 0032/2011


PREFÁCIO Com alegria apresentamos a presente Cartilha do Programa Estadual de Proteção a Defensores/as de Direitos Humanos de Pernambuco, PEPDDH/PE, fruto do trabalho incansável de sua equipe técnica e protagonizado por alguns dos mais combativos defensores e defensoras de direitos humanos do nosso estado. É incontestável a relevância do papel dos/as defensores/as na construção de um mundo em que os direitos prevaleçam sobre as arbitrariedades e injustiças. Nessa luta cotidiana, muitas vezes solitária, os defensores/as contrariam interesses de poderes políticos e econômicos incrustados em terras de povos tradicionais, de milícias e de grupos de extermínio, e, por isso, são perseguidos, criminalizados e mortos. Como forma de proteger àqueles que impulsionam a luta pelos direitos humanos em todo o mundo, a Organização das Nações Unidades, ONU, criou os princípios para nortear a atuação dos estados e que inspiraram o modelo brasileiro de proteção, consubstanciado na Política Nacional e nos programas estaduais, cujo papel é o de articular as instituições públicas na salvaguarda de vidas tão singulares, muitas vezes de grupos inteiros, para que suas lutas não esmoreçam. Ademais, o grande desafio é na verdade possibilitar o fim das causas geradoras das ameaças, desmantelando grupos criminosos, regularizando a condição de cidadania de populações desprotegidas, enfim, com a prevalência dos direitos humanos resguarda-se a vida do/a defensor/a e dos que ele/a defende ardorosamente. Neste sentido, para além das estratégias e medidas de proteção, o PEPDDH articula es-


paços de visibilidade para o/a defensor/a e sua causa, atua na desmistificação desse papel junto à sociedade, propondo que a coletividade entenda que estas pessoas são credoras da mais profunda admiração e respeito; às suas causas todos devemos aderir. Essa cartilha representa mais uma ação desta natureza, na qual alguns militantes discorrem sobre sua militância nos mais variados direitos e refletem sobre o papel do programa em suas vidas. Para o Governo de Pernambuco, a proteção aos/às defensores/as constitui-se como política de Estado. Integra o Sistema Estadual de Proteção às Pessoas ou à Pessoa desde o advento da Lei Estadual nº 13.771/2007. Nessa qualidade, foi erigido à condição de meta prioritária e passou pelo monitoramento atento do governador Eduardo Campos em sua primeira gestão, ele que, muitas vezes, foi ao encontro desses/as defensores/as e de suas pautas, e nos legou um exemplo vigoroso de como gestores públicos podem exercer o papel de defensores/as dos direitos humanos de seu povo. No seu segundo mandato, encaminhou para a Assembleia Legislativa projeto de lei que se converteu na Lei Estadual nº 14.912/2012 que regulamentou o PEPDDH em Pernambuco, reforçando ainda mais essa política pública e que hoje incide nas várias áreas de governo e junto aos órgãos do sistema de justiça, através do seu Conselho Deliberativo. Ao Governador Eduardo Campos, que hoje vive através de seus ideais, e a todos os homens e todas as mulheres do campo e das cidades, que ficaram pelo caminho, dedicamos esta publicação e mais ainda, reafirmamos nosso compromisso de continuarmos com suas lutas, pois elas são de todos/as os/as pernambucanos/as. PAULO ROBERTO XAVIER DE MORAES

Secretário Executivo de Justiça e Direitos Humanos


APRESENTAÇÃO

Programa Estadual de Proteção aos/às Defensores/as dos Direitos Humanos em Pernambuco, PEPDDH/PE, cumpre o desafio de apresentar ao Brasil a presente

No mês de comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, o

publicação como mais um esforço da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, do Governo do Estado de Pernambuco, através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos e sua Executiva de Justiça e Direitos Humanos, assim como, de toda Equipe Estadual do Programa, em dar visibilidade à atuação dos/as Defensores/as dos Diretos Humanos, DDH, do estado, cumprindo com o seu papel, que dentre vários, está o de promover as bandeiras de lutas dos DDH que acessam a rede de proteção. Nesse sentido, a cartilha que ora apresentamos, não poderia deixar de tecer reflexões sobre o que são os direitos humanos e sobre o que faz o/a DDH na sua militância. Mulheres e homens que, na busca incessante pelo amplo acesso aos direitos e liberdades fundamentais, passam a viver sob a mira de ameaçadores que não aceitam perder privilégios. A cartilha pretende, também, esclarecer sobre o que é o PPDDH, e como o Programa se localiza em nível estadual e nacional. Fazendo o exercício necessário de pensar o Programa como parte de uma Política de Proteção aos/às Defensores/as dos Direitos Humanos, reflexões muitas vezes não priorizadas sob os mais diferentes pontos de vista de quem se relaciona com essa política. Não poderia deixar de discorrer sobre o que é o risco que fundamenta a entrada de um DDH na rede de proteção do programa, e de pontuar questões cruciais que contribuem


para vulnerabilidade desses sujeitos, como, por exemplo, a criminalização dos DDH e movimentos sociais. Essas e outras reflexões são tecidas sob a ótica da trajetória do Programa em Pernambuco, lançando como eixo observador a linha do tempo do PEPDDH/PE. E nessa trajetória se localizam as 40 pessoas que já foram protegidas desde o início do Programa no estado de Pernambuco, e, mais precisamente, hoje, os 33 homens e mulheres que dão sentido ao trabalho de uma equipe, que também mulheres e homens, dormem e acordam abraçados a cada bandeira de luta dos DDH. Também não é à toa que as mulheres estão nas pautas das maiorias das histórias aqui detalhadas. Tem uma questão de gênero que precisamos dar conta amplamente falando. Tecendo pontos e contos, compartilhando vírgulas e responsabilidades, o que é papel e dever do Estado, mas é também de todos e todas. Em nome da Cacique Hilda, Eleonora Pereira, Angelita Lauriano, Rosemary Souto e José Carlos Lopes, homenageamos a todas as mulheres e todos os homens, Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos protegidos pelo PEPDDH/PE, que levantam suas bandeiras em favor dos direitos dos povos indígenas e quilombolas, que atuam no combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, que defendem o direito das populações camponesas de acessarem a terra e dela sobreviverem, aos que praticam o combate à corrupção, e, ainda àqueles, que contribuem para um sistema de justiça isento nas suas práticas.


Aos Defensores e às Defensoras dos Direitos Humanos, desejamos que suas práticas ecoem e encorajem toda a sociedade e que a defesa dos direitos um dia seja inerente ao sentimento de toda a humanidade, não necessitando mais que uns estejam ameaçados em nome do privilégio de outros.


SUMÁRIO PREFÁCIO APRESENTAÇÃO 1. O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS? 2. OS/AS DEFENSORES/AS DE DIREITOS HUMANOS 3. O RISCO DOS/AS DEFENSORES/AS DE DIREITOS HUMANOS 4. O PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS/ÀS DEFENSORES/AS DE DIREITOS HUMANOS 5.CINCO HISTÓRIAS DE VIDA E A LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS: ANGELITA MARIA LAURIANO HILDA BEZERRA BARROS JOSÉ CARLOS LOPES DA SILVA ROSEMARY SOUTO MAIOR DE ALMEIDA ELEONORA PEREIRA DA SILVA

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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O QUE Sテグ DIREITOS HUMANOS ?


Há certos direitos que o ser humano não pode ser privado, tais como:

liberdade,

respeito, educação e segurança, eles são tão importantes quanto comida, moradia ou emprego.

Eles pretendem garantir a vida, a liberdade e a igualdade, independente de gênero, idade, etnia, classe social ou nacionalidade. Esses são os Direitos Humanos, direitos inerentes a cada pessoa, ligados de forma inseparável e inegociável ao ser humano. Os Direitos Humanos são¹: - Fundados sobre o respeito

à dignidade e ao valor de cada pessoa;

- Universais, ou seja, devem ser aplicados de forma igual e sem discriminação a todos; - Inalienáveis, ninguém pode deles ser privado e estes só serão limitados em situações específicas, em respeito à previsão legal; - Indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, uma vez que, na prática, a violação de um direito irá atingir muitos outros; - Devem ser vistos como de igual importância e interpretados com base na dignidade da pessoa humana. Quando não há respeito aos direitos humanos de um indivíduo, é a dignidade de toda a comunidade que está sendo ameaçada. Por isso sua defesa deve ser efetiva e inadiável. ¹ Fonte: www.dudh.org.br 11


Os direitos humanos são divididos em três enfoques principais²:

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Direitos civis e políticos, como: liberdade de ir e vir, liberdade de opinião,

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Direitos sociais, como: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer,

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liberdade de associação, liberdade de crença e liberdade para livremente escolher seus representantes políticos. Esses direitos visam dar limites à atuação do Estado, instando-o a respeitar a liberdade individual do cidadão.

segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, etc. São direitos que solicitam a intervenção estatal, visando à promoção da justiça e da igualdade entre os cidadãos. Direitos culturais e ambientais: visam à preservação da cultura e do meio ambiente, objetivando a melhoria da qualidade de vida.

² Baseado no Dicionário da Educação no Campo, organizado por Roseli Salete Caldart, Isabel Brasil Pereira, Paulo Alentejano e Gaudêncio Frigotto. Publicado pela Expressão Popular, Escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio e Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro e São Paulo, em 2012.


Qualquer Estado que demonstre impossibilidade ou incapacidade de garantir esses direitos, terá questionada sua condição de Estado Democrático de Direito. Uma série de tratados internacionais, versando sobre as várias manifestações dos Direitos Humanos, surgiu a partir de 1945. Entre eles encontra-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, “documento marco na história dos direitos humanos. Elaborado por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada em 10 de Dezembro de 1948 (data em que é comemorado o Dia Internacional dos Direitos Humanos), através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos”3

“como coisas desejáveis, fins que merecem ser perseguidos, que, no entanto, apesar desta desejabilidade, ainda não foram reconhecidos” . De acordo com o filósofo e jurista Norberto Bobbio, os direitos humanos são

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Lutar contra quem é responsável pelas ameaças e violações desses direitos e contra uma cultura que a eles se opõe é a maior e mais louvável característica dos/as Defensores/as de Direitos Humanos.

³ 4

Site da Declaração Universal dos Direitos Humanos: http://www.dudh.org.br BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992

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OS/AS DEFENSORES/AS DE DIREITOS HUMANOS


“O homem coletivo sente a necessidade de lutar” – Chico Science, em Monólogo ao Pé do Ouvido.

Na música Monólogo ao Pé do Ouvido, o cantor e compositor Chico Science define, com simplicidade, que a coletividade é o elemento motivador à atuação do Defensor/a de Direitos Humanos. Esses são sujeitos coletivos que, na atividade de suas militâncias, tentam assegurar que os direitos negados possam ser garantidos. 15


De acordo com a Declaração dos Direitos e Responsabilidades dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos (adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na Resolução 53/144, de 09 de dezembro de 1998), são considerados defensores/as dos direitos humanos todos os indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos. É importante reconhecer que a defesa de direitos se estende para os novos direitos individuais (direito da mulher, criança, idoso, dentre outros), políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, fazendo o/a defensor/a de direitos humanos, também, o enfrentamento às violações cometidas nesses contextos. Um/a defensor/a de direitos humanos não precisa de títulos. Seu papel não exige qualificação profissional, mas apenas que sua militância esteja pautada na defesa intransigente, de um conjunto de direitos universalmente reconhecidos como necessários ao pleno desenvolvimento da vida. Dentro desse conjunto de direitos, estão aqueles referentes à vida, à educação, à liberdade, à alimentação, à habitação, ao lazer, assim como, aos direitos de participar ativamente da política econômica do país, de ter acesso à cultura, direito à paz, à preservação da biodiversidade, dentre outros necessários de serem respeitados visando à preservação da vida.

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Os direitos humanos são universais, interdependentes e indivisíveis, assim a atuação do/a defensor/a de direitos humanos se dá na perspectiva de cobrar que o Estado cumpra seu dever em respeitar, promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais de indivíduos e coletividades. É comum que o/a defensor/a de direitos humanos passe a ser ameaçado em razão da sua atuação na promoção e proteção de direitos. Quando isso ocorre, esses sujeitos podem e devem acessar o Programa de Proteção aos/às Defensores/as dos Direitos Humanos. A criminalização dos/as Defensores/as dos Direitos Humanos e de movimentos sociais sinaliza para a sociedade a necessidade urgente de discussão sobre práticas que marginalizam, vulnerabilizam e colocam em risco a democracia, o direito de grupos e pessoas de se expressarem livremente, exercendo o direito de lutar por um país mais justo e igualitário. Em Pernambuco, ao longo da trajetória do PPDDH, nas pautas de luta de Defensores/as de Direitos Humanos, que mais acessam a rede de proteção, estão à defesa dos direitos dos povos tradicionais; o acesso à terra e ao território; o direito da criança, do adolescente e juventude; a pauta da população negra; o direito ao acesso à justiça e à segurança; o combate à corrupção e à impunidade. Como principais violadores, encontramos grandes latifundiários, pistoleiros, posseiros, agentes públicos fazendo uso indevido das suas funções.

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O RISCO DOS/AS DEFENSORES/AS DE DIREITOS HUMANOS


O/A defensor/a de direitos humanos atua, de maneira geral, em duas frentes: cobrando do Estado o respeito e a efetiva implementação de determinadas leis ou políticas públicas existentes e/ou na busca pelo reconhecimento legal de novos direitos. O esforço para assegurar o cumprimento dos direitos humanos e defender aqueles que tiveram seus direitos violados pode representar um exercício perigoso. O/A Defensor/a de Direitos Humanos por estar na maioria das vezes entre o cidadão comum, vítima das violações, e um poder opressor, representado geralmente pelos meios de comunicação, grandes empresas transnacionais e/ou o Estado, são vítimas de perseguições, detenções ilegais, torturas, difamações, suspensões trabalhistas e outros, chegando até, em alguns casos, a serem assassinados ou “desaparecidos”.

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Um dos objetivos dos agentes violadores é deslegitimar o/a defensor/a. E essa deslegitimação podem ocorrer de diversas maneiras:

“- Desqualificação: busca distorcer os sentidos e objetivos das demandas, discursos e práticas de determinados indivíduos ou grupos sociais, de modo a promover a sua difamação pública; - Invisibilização: Processo pelo qual se oculta a demanda, contexto social ou quaisquer manifestações de indivíduos ou grupos sociais, de modo a evitar que conquistem publicidade perante a sociedade, mídia ou instituições estatais; - Inferiorização: estratégia que atinge indivíduos ou grupos sociais ao reduzir ou ignorar completamente a legitimidade de sua alteridade, historicidade, dignidade, diferenças culturais ou prática social; - Não reconhecimento de direitos: quando uma determinada legitimação social é obstaculizada pela ausência de reconhecimento de direitos na esfera jurídico-institucional; - Omissão: inação do Estado em vista de contexto de recorrente, flagrante ou iminente violação de Direitos Humanos contra indivíduos ou grupos sociais; - Despolitização/ individualização: características da mesma estratégia que tende a retirar o aspecto político de determinada luta social, ao individualizar a responsabilidade sobre as mesmas. ”5

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Na Linha de Frente Defensores de Direitos Humanos Brasil, Justiça Global Brasil 2006- 2012.


Ao ser deslegitimado, o/a defensor/a de direitos humanos se vê em estado de vulnerabilidade, seu discurso e prática são desqualificados e ele passa a ter direitos cerceados e sua dignidade aviltada. Além disso, há uma tendência ao surgimento ou recrudescimento de ameaças. O principal risco às vidas dos/as defensores/as é a efetivação dessas ameaças. Os agressores, em sua maioria, possuem poder econômico e/ou político, representam os interesses de pessoas ou grupos poderosos, que não raramente têm assento dentro do próprio Estado, obstaculizando ou procrastinando o reconhecimento de direitos, a aplicação de determinadas leis já existentes e a própria marcha legal. As ameaças representam a possibilidade de que alguém viole a integridade física, a moral ou a propriedade de outrem, por meio de uma ação intencionada e em geral violenta. Têm como objetivo fazer com que os/as defensores/as se sintam vulneráveis, ansiosos, confusos e impotentes. A vulnerabilidade é a sensação que o/a defensor/a ameaçado vive, de estar suscetível a danos, sofrimentos ou à morte em caso de ataque. Esta sensação será maior por conta de determinados fatores como: o local de moradia do/a defensor/a (se é ermo, por exemplo), a falta de meios de comunicação e transporte seguros ou uma rede de colaboração efetiva. O medo gerado afeta o trabalho, a convivência familiar e social, o repouso, enfim, todas as esferas da vida do ameaçado. As capacidades são os pontos fortes e os recursos que o/a defensor/a pode acessar para conseguir um nível razoável de segurança. 21


A Declaração sobre defensores/as de direitos humanos, proposta pela ONU, sublinha que o Estado deve ser o principal responsável pela proteção dos/as defensores/as. Mesmo assim, reconhece que estes desafios (riscos e ameaças) fazem com que os próprios defensores/as devam implementar estratégias amplas e ativas de segurança no dia a dia de seu trabalho. Existem defensores/as ameaçados em todo o Brasil. Os Estados de Pernambuco, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais contam com esse programa, que é implementado pelos Governos Federal e Estaduais. Naqueles estados em que o Programa não existe, os/as Defensores/as de Direitos Humanos ameaçados são acompanhados pelo Programa Federal, com sede no Distrito Federal. Uma parcela de Defensores/as de Direitos Humanos tem seus próprios direitos violados. É possível que isso deixe de acontecer à medida que a defesa dos direitos humanos, o exercício da militância em favor da promoção e proteção dos direitos políticos, sociais e ambientais sejam compartilhados por todos e todas.

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O PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS/ÀS DEFENSORES/AS DE DIREITOS HUMANOS


O Brasil vem sendo pioneiro no debate e efetivação das diretrizes da ONU presentes na Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos, ao implementar a Política Nacional de Proteção aos/às Defensores/as dos Direitos Humanos (PNPDDH) através do Decreto Federal 6.044/2007. A criação do Programa de Proteção aos/às Defensores/as dos Direitos Humanos, PPDDH, em 2004, em nível nacional, e, posteriormente, em Pernambuco, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul e Distrito Federal, configura-se uma estratégia adotada pela Política Nacional de Proteção aos/às Defensores/as de Direitos Humanos, PNPDDH, visando promover o enfrentamento às ameaças sofridas por Defensores/as de Direitos Humanos. O PPDDH é, sem dúvidas, um grande avanço do estado brasileiro no reconhecimento da importância dos/as Defensores/as de Direitos Humanos para a efetivação de um estado democrático de direitos conforme a Constituição Federal de 1988. Em Pernambuco, o PPDDH foi implementado no ano de 2006, e regulamentado pela Lei 14.912, em 27 de dezembro de 2012. Compõe o Sistema Estadual de Proteção à Pessoa, cuja gerência está sob a responsabilidade da Secretaria Executiva de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Pernambuco, que, por sua vez, está diretamente ligada à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.

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No tocante à estruturação, o PPDDH/PE é composto por um Conselho Deliberativo e uma Equipe Executiva. Na primeira instância, encontram-se agentes dos seguintes órgãos:

Ouvidoria da Secretaria de Defesa Social, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Poder Judiciário, Secretaria Executiva de Justiça e Direitos Humanos e Conselho Estadual de Direitos Humanos indicando as representações da sociedade civil. A Equipe Executiva é composta por Coordenações Executiva e Financeira, profissionais do Serviço Social, Psicologia e Direito, apoio administrativo, motorista e estagiário/a na área da advocacia. A solicitação para o ingresso no programa pode ser feita pelo próprio defensor/a ou por redes de direitos, entidades e organizações da sociedade civil, Ministério Público ou qualquer outro órgão público que tome conhecimento da ameaça ou violação à qual a pessoa esteja exposta. As medidas do PPDDH são realizadas em conjunto com outras políticas públicas, visando à resolução de conflitos e a superação das causas que geram as ameaças. O Programa também articula medidas e realiza diversos encaminhamentos na perspectiva de garantir a continuidade da atividade do/a Defensor/a de Direitos Humanos no seu local de atuação.

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A atuação do Programa acontece por meio de articulações no âmbito do Sistema de Justiça e Segurança, no que cerne a defesa judicial, viabilização de medidas que garantam a segurança do/a Defensor/a de Direitos Humanos, na apuração e acompanhamento das violações; como também junto à rede socioassistencial e de saúde, promovendo encaminhamentos para políticas públicas e cobrando a celeridade no acesso a essas; assim como, através de

ações de promoção em direitos humanos,

que possibilitem o reconhecimento da importância desses sujeitos para a sociedade. Em seus oito anos de existência no estado de Pernambuco, o Programa tem sido fundamental na afirmação dos direitos dos indivíduos e grupos que acompanha, reafirmando cotidianamente que o olhar para os direitos humanos necessita considerar os princípios de:

universalidade, indivisibilidade, interdependência e transversalidade. 27


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CINCO HISTÓRIAS DE VIDA E A LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS


Cinco histórias. Cinco pessoas. Cinco vozes de timbres diferentes, mas com características universais a todos/ todas aqueles/aquelas que em nome de uma causa coletiva persistem, resistem, ousam. Cinco forças que se dedicam a construir um mundo melhor a todos e todas. Um mundo mais justo, com menos desigualdades e injustiças. Quatro mulheres e um homem que dão voz a diversos defensores de direitos humanos que juntos construíram o programa de proteção aos defensores de direitos humanos do estado de Pernambuco, PEPDDH/PE. Que as histórias de Eleonora, Cacique Hilda, José Carlos, Angelita e Rosemery aqui contadas inspirem e estimulem a todos e todas a se sentirem parte da luta pela garantia de direitos humanos e por um mundo mais justo e igualitário. 29


“Doce terra onde eu cresci, foram anos pra construir”. ANGELITA MARIA LAURIANO



Voz baixa, palavras fortes. Rosto marcado pela dureza da vida, um batom vermelho que suaviza e comprova que sensibilidade e resistência podem caminhar de mãos dadas. A história de Angelita Maria Lauriano, 36 anos, representa

força, persistência,

LUTA. Mas, é suavizada pelos olhos que brilham, pelos sonhos, por uma pequena carta junto a um álbum de fotografia que se faz entender que a labuta diária sem a paixão, sem a fé, pode perder o sentido. Angelita é moradora do Engenho Una, localizado no município de Moreno, Região Metropolitana do Recife. Nasceu e se criou junto aos seus pais, seu avô, seu tio e seus irmãos. Viu as mãos de seus familiares construírem cada pedacinho de terra de sua comunidade. Seu avô faleceu, seu pai faleceu, mas deixaram com ela aprendizados e a maior herança:

o amor àquela terra.

No Engenho Una, Angelita aprendeu a ser forte, aprendeu a trabalhar na terra, na lavoura, com seus irmãos. Aprendeu, em meio ao processo diário da vida, a ser liderança. Ser defensora dos direitos humanos. A cuidar do próximo, a buscar melhorias para a comunidade em que vive. Foi, então, que cerca de 35 famílias residentes da comunidade fundaram a Associação

Comunitária do Engenho Una. Angelita logo assumiu a liderança, se tornando presidente. Esse fato a colocou na linha de frente dos conflitos entre os moradores que desejam, assim como ela, que seu pedaço de terra seja regularizado.


Em 2011, a Associação Comunitária, com o acompanhamento da Comissão da Pastoral da Terra, CPT, encaminhou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA, o pedido formal de desapropriação para fins de Reforma Agrária da área onde as famílias vivem há cerca de 50 anos. Junto ao pedido, uma série de violações aos direitos humanos veio à tona.

“Quem tiver à frente dessa associação, eles vão derrubar”, era o que se ouvia pelas redonComeçaram, então, as retaliações e ameaças.

dezas do Engenho Una. Plantações destruídas e envenenadas, cerceamento do direito de ir e vir dos sitiantes e intimidações são exemplos que corroboram para o risco à vida e impedimento de lutar pelo direito a terra, e não se encerrava por aí, a vida de Angelita

“A primeira coisa que eles dizem é a terra é minha, mas eu sabia e sei que tenho o direito, porque quem planta tem o direito de colher”, conclui. começou a estar em risco permanente.

E com garra, Angelita permaneceu na luta. Nas primeiras ameaças, ela recorreu ao Fórum de Moreno, para neste espaço denunciar o que estava sofrendo. De imediato, a defensora dos direitos humanos recebeu total apoio da CPT e, através dessa parceria, foi iniciado um processo de reuniões com o Governo do Estado e uma audiência pública no Ministério Público para pautar enfrentamentos às violações que os moradores do Engenho Una vinham sofrendo. Angelita se fez presente em todas as atividades.

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As ameaças continuam, mas a luta também. E uma das conquistas dessa dura batalha foi a

Portaria Nº 22, de 22 de julho de 2014, que criou uma comissão para a vistoria e avaliação dos imóveis do Engenho Una e outros, considerando a Lei Nº 4.132/62 que trata da desapropriação de imóveis por interesse social, publicada no Diário Oficial pelo Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco, ITERPE. Porém, Angelita e demais moradores do Engenho Una aguardam os resultados desse processo, sem cessar a luta e sem vacilar diante das ameaças. E, devido ao estado de risco permanente, através do apoio da CPT e do Ministério Público, em 2013, ela foi incluída no Programa Estadual de Proteção aos/às Defensores/as de Direitos Humanos, e, desde então, vem sendo acompanhada pela equipe estadual do programa.

“Hoje, eu me sinto mais segura porque eu sei que não estou só. Hoje, eu tenho um apoio, alguém que me oriente, que me ajude, tenho a quem recorrer”, desabafa ao falar da importância do PPDDH/PE para seu dia a dia. Mesmo com a consciência de que o medo só passará quando as ameaças não mais existirem e a comunidade, de fato, conquistar seu direito a terra. Até lá, mais luta, mais força e mais persistência.

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“É Deus no céu e os índios na Terra, e quem é que pode mais? É Deus no céu. E quem é que pode mais? É Deus no céu!” HILDA BEZERRA BARROS



Embalada pela fé, e com muita coragem e ousadia, é que a defensora de direitos humanos Hilda Bezerra Barros, de 75 anos, a Cacique do território indígena Pankararu Entre Serras, luta diariamente para garantir o direito à terra de sua etnia. Uma luta incansável, que começou há mais de 40 anos e não tem data para acabar. Mas, uma luta que não tira a ternura, o sorriso fácil e a simpatia desta senhora, sempre atenta e sempre disponível a ajudar cada índio Pankararu Entre Serras que esteja precisando dela. Cacique Hilda, como ficou conhecida, nasceu na cidade de Serrinha, e lá se criou. Portanto, Serrinha era uma localidade que não oferecia terras para os índios plantarem, criarem e sobreviverem e manterem sua tradição e costumes, lá eles viviam em terras arrendadas6. Foi dessa inquietação que a Cacique começou a luta, uma luta que vai além da necessidade de terra, mas é uma luta pela dignidade daqueles índios, uma batalha por um direito já adquirido, mas tomado pelas adversidades da vida. O território Pankararu foi a primeira terra indígena homologada em Pernambuco, no ano de 1987, pela Fundação Nacional do Índio, Funai7. Porém, é percebido que os limites da terra não foram respeitados. Um território que, em 1930, havia sido delimitado, pelo Serviço de Proteção ao Índio8, em 14.290 hectares, transformou-se em apenas 8.100 hectares oficialmente reconhecidos. Terras arrendadas: Terras entregues pelo proprietário a terceiros, para o uso (plantio, criação, etc), mediante determinada remuneração. 7 Funai: A Fundação Nacional do Índio – FUNAI é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada por meio da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é a coordenadora e principal executora da política indigenista do Governo Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. 8 Serviço de Proteção ao Índio:Foi criado em 1910 e operou em diferentes formatos até 1967, quando foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai) 6

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Com base nessas informações, que a cacique Hilda começou sua batalha diária, muito firme, quando quer alcançar um objetivo, não desiste fácil. Empoderou-se das informações a respeito do direito daqueles índios à terra, bateu na “casa” de governantes, e foi resgatar as terras para as mãos dos seus. O medo da violência e das ameaças não foi motivo para ela desistir da luta. E encorajada pela fé, conseguiu, ao lado de muitos amigos que contribuíram para essa conquista, iniciar, em 1999, o processo de identificação para a homologação desse novo território, agora chamado

Pankararu Entre Serras. Em 2007, o território indígena

Pankararu Entre Serras foi homologado e registrado. Mas, como ela mesma costuma dizer,

“a luta não tem data para acabar”. Mesmo com a homologação das terras, nelas ainda moravam diversas famílias de posseiros9, ou seja, a terra não teria sido, em sua totalidade, devolvida aos índios. A luta agora era pela garantia da retirada dos posseiros e a ocupação efetiva das terras pelos indígenas. E a Cacique Hilda não se cansou e da luta não se retirou. Hoje, cerca de 80% da terra já é ocupada pelos índios e o restante dos posseiros que ainda permanecem no local está em processo de retirada. Os posseiros são lavradores (agricultores) que juntamente com a família ocupam pequenas áreas de terras devolutas ou improdutivas, isto é, terras que não estão sendo utilizadas e que pertencem ao governo.

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Os indígenas do território Pankararu Entre Serras não cansam de afirmar que sem a Cacique Hilda, Entre Serras nunca teria conquistado essa terra. A Cacique é um exemplo de perseverança na luta pela manutenção da cultura indígena, além de ser um exemplo de pessoa, com seu carisma e seu coração enorme, ela traz uma lição importante de luta e respeito. Um respeito recíproco, através de sua dedicação e da sua humildade, ela demonstra respeito por cada índio daquele território e o recebe de volta. Devido a essa coragem e ousadia, Cacique Hilda não é vista com bons olhos pelos não índios.

“Até hoje, eu não posso andar sozinha, os posseiros não gostam dos índios e nem de quem é líder, né? Eu não posso ir à feira, não posso ficar do lado de fora de casa depois das 22h, porque meus filhos me proibiram. (risos) Mas, ainda to aqui, né?”

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Cacique Hilda tem 04 filhos, sendo duas mulheres e dois homens, 15 netos e 30 bisnetos. Cerca de 350 famílias moram no território Pankararu Entre Serras, sobrevivendo da agricultura familiar, eles plantam mandioca, milho, feijão, macaxeira, batata e vão vender na cidade vizinha, além de complementar a renda através do artesanato. Pankararu Entre Serras possui 07 escolas, todas indígenas, os próprios índios da comunidade que trabalham nas escolas e ensinam as crianças seus valores, tradição e cultura. Os índios desse território também possuem uma riqueza cultural. Pelo menos uma vez por mês, eles realizam uma festa indígena. Festas como o Menino do Rancho, e a famosa Corrida do Umbú, que acontece no mês de fevereiro, e dura quatro domingos, neste ritual ocorre a Dança dos Praiás. Devido a essas ameaças que a colocam em estado de risco, que Dona Hilda é protegida pelo Programa Estadual de Proteção aos/às Defensores/as de Direitos Humanos, PEPDDH, desde 2012.

“O PEPDDH é muito importante, porque eu sei que preciso ser protegida mesmo, depois dessa proteção eu me sinto muito mais segura”.

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“Nós só teremos liberdade quando alcançarmos nossos direitos” JOSÉ CARLOS LOPES DA SILVA


30 anos de luta, ameaças, resistência e mobilizações definem o dia a dia do defensor de direitos humanos José Carlos Lopes da Silva. Zé Carlos, como é conhecido, tem 47 anos e desde 1993 é liderança da comunidade

de remanescentes quilombolas Castainho. A comunidade está localizada no município de Garanhuns, agreste pernambucano e, após muitos anos de luta incansável, é considerada um exemplo de resistência e organização para outras comunidades quilombolas do Brasil. Foi em Castainho, que Zé Carlos nasceu, se criou e descobriu que é preciso muita coragem e ousadia para que os direitos de sua comunidade fossem garantidos. Foi na prática que ele entendeu que a luta

por dignidade do povo negro é contínua.

Entendeu quão é permanente e salutar o processo de reafirmação e resistência cultural através da titulação de seu território tradicional.

“A terra é o que temos de mais importante. Sem a terra, não moramos, não construímos, não conseguimos produzir”, afirma Zé Carlos, explicando que para as comunidades quilombolas o conceito de terra está diretamente ligado à vida, “sem a terra não somos nada e não temos nada”.

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A história da tomada de consciência e resistência de Castainho pela conquista do

direito à terra começou lá atrás, em 1982, quando as famílias começaram a se organizar e decidiram fundar a associação e buscar parcerias da Igreja, da CPT, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco, FETAPE, e do Movimento Negro. Por não ter nenhum tipo de documento de posse das terras, sabiam que viviam vulneráveis e em risco. Em 1986, os não quilombolas que se consideravam donos das terras tentaram intimidar as famílias quilombolas para que parassem de plantar e desocupassem a região. Este período foi marcado pelo início das ameaças e a comunidade começou a se organizar para resistir. Organizaram passeatas e várias mobilizações, além de escreverem diversos documentos para inúmeras instâncias governamentais. Colheram também assinaturas para que seus direitos entrassem na Constituição. Mas, esse era só o começo de muitos anos de luta. A persistência e as mobilizações deram visibilidade para Castainho, o que fez com que as ameaças diminuíssem. Mas, em 1992, os não quilombolas passam a ameaçar a comunidade de forma mais agressiva. As ameaças se direcionavam a Zé Carlos, na tentativa de o calar, de o fazer desistir do

sonho de ter o território do seu povo

regularizado. “Não só a liderança é ameaçada, mas toda a comunidade, se a gente tivesse ido embora, não tivesse se organizado, Castainho já teria sido extinta há muito tempo”.

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Hoje, graças à atuação coletiva, em especial do defensor de direitos humanos Zé Carlos, presidente da Associação, Castainho conquistou em 2012 a imissão da posse de 183 hectares de terras. Além de ter alcançado outras vitórias como: o reconhecimento da identidade étnica pela população de Garanhuns e redondezas, o título de comunidade tradicional concedido pela

Fundação Cultural Palmares, o acesso a políticas

públicas e programas sociais como: a construção de casas, escola e educação, posto de saúde e poços artesianos para abastecimento de água. Os remanescentes quilombolas de Castainho, através da agricultura familiar, plantam para sua subsistência: se alimentam e comercializam nas feiras de Garanhuns e sete cidades vizinhas. Eles vivem da agricultura, pecuária, da forte cultura da mandioca e em algumas áreas, do plantio de café e cana de açúcar. São 30 anos de resistência exposta de forma visível no calejar das mãos de Zé Carlos, na rouquidão de sua voz e nos cabelos brancos que adquiriu em seu caminhar.

“Hoje, somos donos dessa terra. Ainda é pequena, mas já foi uma conquista. É nossa e ninguém mais pode tomar”, afirma com orgulho por ter feito parte dessa luta, sem desistir.

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Atualmente, Castainho reivindica, junto ao poder público, ações que assegurem a melhoria da qualidade de vida de seus moradores e consequentemente, a liberdade tão almejada.

“Nós só teremos liberdade quando alcançarmos nossos direitos”, salienta Zé Carlos quando lembra que 183 hectares não são suficientes para atender 350 famílias que tiveram o título de reconhecimento de comunidade quilombola no ano de 2009 pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva.

“Precisamos continuar a conquistar nossos territórios. O território é a única possibilidade de nosso povo ser livre”. O defensor dos direitos humanos afirma que por direito, Castainho deveria possuir cinco mil hectares. Zé Carlos foi incluso no PPDDH/PE no primeiro trimestre de 2014, por intermédio do INCRA. “Chegou um momento que não suportamos mais as ameaças, por isso acionamos o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos”. O Programa acompanha sua trajetória como líder quilombola e defensor de direitos humanos.

“Eu me sinto mais seguro agora, o Programa foi um eco muito grande pra minha luta, expandiu ela no Brasil todo, foi fundamental para diminuir as ameaças”.

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“Eu tive uma trajetória difícil. Minha vida é assim: mato um boi todo dia. Devo minha luta à minha resistência.” ROSEMARY SOUTO MAIOR DE ALMEIDA



Resistência. Característica presente na vida de todo/a defensor/a de direitos humanos. Com Dra Rosemary Souto Maior de Almeida, 55 anos, não poderia ser diferente. Ela

“Não desisti, que é o que as pessoas normalmente fazem porque é muita pressão”. mesma reconhece:

Dra Rosemary é Promotora de Justiça do estado de Pernambuco, desde 1990, e traça sua trajetória na luta pela garantia dos direitos humanos. Uma luta que começou quando foi aprovada no concurso para Promotora do Estado de Pernambuco e dura até os dias atuais. Ao assumir, ela começa a construir uma história diferente, uma história que, até hoje, tem bastante relevância para muitos que se encontram em situação de violação e vulnerabilidade no estado de Pernambuco. Foi na cidade de Correntes, primeira Comarca de atuação, que a defensora se deparou com suas inquietações iniciais dentro do Ministério Público, muitos crimes de homicídios sem a devida atenção dos órgãos competentes, sem punições. “A partir daí, eu já fiquei com medo desse lado sombrio”. Depois de Correntes, ela foi enviada para a Comarca de João Alfredo, e se deparou com grandes lutas, uma delas pela dignidade dos professores que, com a aprovação do Plano Real, haviam passado a receber míseros centavos pelo seu trabalho. Diante do caso, a promotora resolve abrir uma

Ação Civil Pública

de caráter coletivo, sendo a primeira promotora a entrar com esse tipo de ação em

“graças a Deus, tive êxito. Foi uma grande luta e os professores puderam passar a receber um salário mínimo”.

Pernambuco,


Cada dia mais envolvida com as causas sociais, Dra Rosemary foi transferida, em 1994, para o município de Itambé, que fica na divisa entre Pernambuco e Paraíba, região que ficou conhecida, posteriormente, como a fronteira do medo. Em 1998, ela iniciou um trabalho de desarquivamento dos inquéritos policiais onde não constava a autoria dos crimes e os de homicídio sem a causa da morte. Todos apresentavam características semelhantes: as pessoas assassinadas eram, em sua maioria, crianças e adolescentes moradores de rua, homossexuais, viciados em drogas ou participantes de pequenos furtos. E foi devido a sua atuação em Itambé que ela ficou conhecida internacionalmente. O objetivo era desarticular grupos de extermínio que atuavam na região, só que existia um agravante: na maioria desses casos havia indícios de participação ativa de comerciantes locais e policiais, civis e militares. A partir de sua atuação destemida diante dos acontecimentos, as ameaças se iniciam. Logo, Dra Rosemary passou a ser uma das pessoas mais ameaçadas de Pernambuco.

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A promotora atuou ao lado do defensor de direitos humanos Manoel

Mattos, bar-

baramente assassinado em janeiro de 2009. E, ao lado dele, documentou a ação dos grupos de extermínio e enviou inúmeros ofícios e dossiês a órgãos estatais, meios de imprensa e organizações da sociedade civil de diversos estados. Além de encaminhar, em 2001, a diversas autoridades federais um documento sobre a situação na região. Nenhuma providência foi tomada. As ameaças de morte eram cada vez mais frequentes. Dra Rosemary chegou a receber uma carta, datilografada com letras vermelhas, que dizia para ela sair de Itambé, ou iam matála. Além de ligações telefônicas e uma suposta tentativa de homicídio. Durante esse período, ela também foi responsável pelo levantamento estatístico dos homicídios “de autoria desconhecida” em Itambé e participou do Grupo de Trabalho da Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco, auxiliando a Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa que apurava o narcotráfico, roubo de carga e pistolagem na região. Ficavam cada vez mais frequentes as ameaças de morte àqueles que ousavam desafiar os poderes locais. Em 2002, foi acionada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, OEA, que determinou que o Estado brasileiro empreendesse um trabalho de investigação efetivo e garantisse a proteção da vida de Manoel Mattos, da promotora Rosemary e de um ex-pistoleiro que havia colaborado com as investigações.


Um ano depois, Manoel Mattos passou a receber proteção policial, medida essa que perdurou até 2008. E o trabalho continuava. Denúncias envolvendo instâncias internacionais, atores do Estado, movimentos sociais e organizações de direitos humanos. Em 2008, Manoel Mattos deixou de ter proteção, e em janeiro de 2009, o executaram. Cinco homens estão em prisão preventiva e o processo permanece em andamento na Justiça Federal. Este é o primeiro júri federalizado no Brasil. Dra Rosemary continuava fazendo seu trabalho de documentação à frente do Ministério Público.

“Para se ter uma ideia, de 1994 a 2009, nós registramos 202 homicídios com característica de execução sumária sem elucidação. Desses 202, 47 não têm sequer inquérito policial”. “Recusamo-nos a pedir o arquivamento desses assassinatos e, por isso, vivi várias vezes situações dolorosas de vulnerabilidade”. 53


Dra Rosemary passou a sofrer cada vez mais retaliações. “De denunciante, eu passei a ser denunciada, a responder procedimentos administrativos, um após outro”. Passaram a investigar a vida dela, com o objetivo de desmoralizá-la, a acusando de incompetente e irresponsável. “Fui

chamada até de louca em um júri”.

Da necessidade da proteção à vida e à sua integridade, em 19 de fevereiro de 2010, ela entra no Programa de Proteção aos/às Defensores/as de Direitos Humanos, por intermédio da Coordenação Geral do Programa. Com tal proteção, ela se sente mais segura e mais confiante em continuar na luta, porém as incertezas do caminho persistem, “dentro desse contexto, dentro da própria medida cautelar, eu espero que não aconteça, mas eu posso ser uma próxima vítima e, se isso acontecer, não será nenhuma novidade”, lamenta.

“Se você enfrenta o sistema é como se você estivesse mexendo em um vespeiro”.

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Hoje, Dra Rosemary Souto Maior de Almeida é Promotora de Justiça Criminal da Capital, com atuação junto à Vara dos Crimes contra Crianças e Adolescentes. Além das atuações como promotora, Dra Rosemary foi professora da Universidade Federal da Paraíba, entre os anos de 1990 e 2013; foi responsável pela produção e locução de um programa de rádio na cidade de

Ministério Público em ação: cidadania em suas mãos, Itambé, chamado

que ia ao ar nas segundas e sextas e fazia um relatório das atividades institucionais, além de tirar dúvidas da população; e é autora do livro:

“Do projeto à realidade: humanizar e estruturar a cadeia pública de Itambé”.

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“Mulher, negra, paraibana, ativista e mãe.” ELEONORA PEREIRA DA SILVA



Essas são algumas das facetas da defensora de direitos humanos, Eleonora Pereira da Silva, 51 anos. Características que representam uma vida de luta pela garantia dos direitos humanos. Uma luta que se intensificou quando foi surpreendida pela maior dor que uma mãe pode sentir: a perda de um filho. Em outubro de 2010, Eleonora perdeu seu filho José Ricardo, após ele ter sido espancado – chegando a óbito. As investigações policiais concluíram que o crime teve motivação homofóbica.

José Ricardo era homossexual e já ensaiava uma luta na defesa dos direitos LGBT.

“Eu perdi não só um filho, mas um amigo, um confidente e um companheiro na luta pela garantia dos direitos humanos”, desabafa. “Ele cresceu nessa minha luta, em tudo ele estava comigo, cresceu vendo a militância. José Ricardo era muito aguerrido e eu estava preparando ele para ser meu sucessor ”.

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Foi a dor que inseriu a mãe de José Ricardo na luta pelo combate a homofobia e pela garantia dos direitos LGBT, e que a faz acordar todos os dias para defender os direitos de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros. “Minha intenção é fazer

a dor de uma perda foi transformada em motivação e esperança. com que outras mães não sofram como eu”, e assim

Validando sua luta, Eleonora entrou para o movimento Mães

Pela Igualdade, que

reúne mães de várias partes do Brasil para uma campanha nacional contra a discriminação, a violência e a homofobia. E a luta dela não parou, em 2012, fundou, com ajuda de amigos, o Instituto José Ricardo, em homenagem ao seu filho, uma instituição que trabalha com o apoio e orientação a famílias e jovens homoafetivos. A instituição trouxe a visibilidade da violência doméstica por orientação sexual. “Não é porque o filho se identifica homossexual que merece ser excluído. É nessa hora que você vai deixar de ser mãe?”, questiona Eleonora. José Ricardo, desde muito jovem, participava de movimentos na escola em combate a homofobia e de conferências de juventude,

“ele era um ativista”,

lembra Eleonora, mãe também de Rubens e Rafael. Na militância, Eleonora Pereira se dedica a organizar palestras, percorrer escolas e comunidades, órgãos de governo e outras instituições na tentativa de conseguir apoio e sensibilizar famílias a respeitarem os homossexuais, além de promover a iniciativa e o aprofundamento sobre o diálogo de identidade sexual e de gênero. 59


“É uma luta de realizar sonhos. Tudo que eu faço não é Eleonora só, é Eleonora e Ricardo. Tudo que faço é pra manter ele vivo na luta”. Mas, a luta pela garantia dos direitos humanos de Eleonora não começou após a morte de seu filho José Ricardo, foi apenas ampliada. Nascida e criada em João Pessoa e formada em enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba, ela iniciou sua militância ainda no movimento estudantil, lutando pela garantia do passe livre nos ônibus para estudantes.

“Foi como estudante que eu me apaixonei pela luta pela garantia dos direitos para todos”. Após se formar, a defensora participou ativamente da Pastoral da Criança e trabalhou na prevenção e orientação da saúde de mulheres nas comunidades de Cruz das Almas, ainda na Paraíba. Eleonora casou aos 17 anos e foi morar na capital pernambucana, onde se tornou Agente Comunitária de Saúde na comunidade onde residia, e se deparou com diversos casos de abuso, exploração sexual, tráfico de pessoas e de drogas. Começou, então, a militar contra essas práticas e a defender os direitos das crianças e dos adolescentes que sofriam em função dessas violações. Devido a diversas denúncias realizadas, começaram as ameaças vindas dos grupos envolvidos nas mais diversas violações de direitos humanos.


Dessas ameaças, surgiu a necessidade de procurar ajuda. E, por intermédio do Conselho Estadual de Direitos Humanos, em 2010, Eleonora foi incluída no Programa Estadual de Proteção aos/às Defensores/as de Direitos Humanos. Eleonora foi coordenadora da ONG Casa de Passagem Conselheira Estadual de Direitos Humanos, fez parte da Rede de Combate ao Abuso e Exploração Sexual, foi uma das fundadoras do Pró Criança, militante do Movimento Nacional de Direitos Humanos e membro do Comitê de Combate à Tortura. Um currículo extenso que comprova seu comprometimento na luta por uma sociedade mais justa e para todos.

“Que com minhas dores, eu possa contribuir para que outras pessoas possam sorrir”, e motivada pela dor, ela segue firme no desejo de diminuir a injustiça e de cuidar dos jovens e das famílias.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: www.dudh.org.br. Acesso em 20/11/2014. CALDART, Roseli Salete PEREIRA, Isabel Brasil ALENTEJANO, Paulo FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs.) Dicionário da Educação no Campo. Rio de Janeiro e São Paulo: Expressão Popular, Escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio e Fundação Oswaldo Cruz, 2012. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992 Dias, Rafael Mendonça; Carvalho, Sandra; Isabel Mansur (orgs.). Na Linha de Frente: criminalização dos defensores de direitos humanos no Brasil (2006-2012) / Rafael Mendonça Dias. Sandra Carvalho. Isabel Mansur (orgs) – 2013. Defensores dos Direitos Humanos: Protegendo os Direitos para Defender os Direitos Humanos.

Disponível

em:

http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/a_

pdf/303_manual_defensores_dh.pdf . Acesso em 20/11/2014. EGUREN, Enrique. Manual de Proteção para Defensores de Direitos Humanos. Irlanda: Front Line, Fundação Internacional para a Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, 2005. 63


REALIZAÇÃO:


|

JOSINEIDE LEITE DA SILVA

JORGE CARVALHO

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GERALDO CAETANO PEREIRA

LUCÉLIA LEAL

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FRANCISCO ABIMAEL

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JOÃO DOMINGOS LINS FILHO

JOSÉ CARLOS LOPES DA SILVA

|

LUCILEIDE ROSA DA SILVA

|

|

MARIA INÊS LINS RODRIGUES

ANGELITA MARIA LAURIANO

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JOSÉ MACIEL DE LIMA

CÍCERO MARQUES DA SILVA

22/08/2014

22/08/2014

1º Trimestre /2014

17/10/2013

16/03/2011

16/03/2011

17/01/2012

não é DDH protegido

31/05/2012

não é DDH protegido

não é DDH protegido

não é DDH protegido

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TERRITÓRIO

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TERRA

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COMBATE À CORRUPÇÃO

TERRA

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“DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS EM PERNAMBUCO: Trajetórias, Resistência, Coletividades”


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