Quadrinhos

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Os anos de consolidação da produção de quadrinhos em Pernambuco Daniel Santana

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difícil precisar quando foram feitos os publicava no Folhetim), Geneton Moraes e Paulo Santos. primeiros traços de histórias em quadrinhos O periódico independente prezava muito pelos cartuns, em Pernambuco, mas os artistas são unânimes tiras e histórias em quadrinho. ao apontar o fim dos anos 70 e meados dos Pelo Rei da Notícia passaram vários quadrinistas anos 80 como o ‘nascimento’ que produziam naquela de uma produção de época. Foi nas páginas quadrinhos mais constante desse jornal que no estado. Foi nesse período Samuca, hoje no Diario que as tiras começaram a se de Pernambuco, fez seus popularizar nos jornais de primeiros rabiscos. Ele grande publicação e que os publicou ao lado de nomes já, fãs dos comics americanos de certa forma, conhecidos, passaram a produzir suas como Laíson, Paulo Santos, próprias aventuras. Clériston, Mário Paciência No Brasil, foi também e Ral. “O pioneirismo dos nessa época que as narrativas quadrinhos aqui pode ser seqüenciais começaram atribuído aos irmãos Wild e a aparecer nas bancas de Watson Portela”, completa revista com mais freqüência. Lailson, um dos que viveram Em Pernambuco, porém, esse momento de ebulição os quadrinhos continuaram no mercado editorial local. da mesma forma como O início da década de 80, surgiram – feito por poucos porém, foi inegavelmente o e para poucos. primeiro grande momento da E foi justamente por meio produção de quadrinhos em dos chamados quadrinhos Pernambuco, e poderia ter undergrounds de São Paulo dado ainda mais frutos. Para e outros estados que a Clériston, a falta de apoio produção pernambucana para o artista comprometeu O Rei da Notícia foi um dos primeiros jornais pernambu- que já teve Péricles de bastante a consolidação de canos a utilizar os quadrinhos com freqüência regular Andrade Maranhão fazendo uma indústria de quadrinhos as tiras do Amigo da Onça para a extinta O Cruzeiro pernambucanos naquele período. “Hoje, as pessoas - começou a ganhar fôlego. Em 1976, Lailson, em podem criar fanzines e divulgar o que quiserem. Naquela parceria com Paulo Santos e Ral, lançou o Folhetim época, fazer isso era caro e todos éramos dependentes Humorial, publicação dedicada ao humor e também demais das editoras”, comenta. aos quadrinhos, na qual vários artistas publicavam suas Lailson, porém, vê outro ponto que contribuiu para histórias. Esse trabalho foi um dos precursores do Rei o insucesso dos quadrinhos: “Aqui sempre houve a da Notícia, fundado em 1983 por Clériston (que também síndrome do “coitadinho”, o artista que tem pena de 1


si porque produz no Nordeste e por conta disso não busca formas de se profissionalizar”, critica. Clériston completa: “Diziam para a gente que não havia mercado e não tratávamos de buscar uma alternativa. Acredito que não existia mercado porque não havia produção consistente, e vice-versa”. Não é difícil entender porque não havia mercado para os autores pernambucanos. Ao contrário de São Paulo, onde cartunistas como Laerte e Angeli se destacaram e conseguiram notoriedade, por esses lados, quadrinho ainda era visto como algo exclusivamente dedicado ao público infantil. Este era o caso de publicações a la Maurício de Souza, ou ao público jovem, como heróis americanos – os comics. Na contramão desses estilos, o quadrinho pernambucano, desde o fim dos anos 70, prezava pela linguagem das ruas, pelo humor erótico, pelos acontecimentos do cotidiano – uma abordagem bem mais adulta do que as defendidas pelas grandes editoras de então. Mesmo assim, houve pernambucanos que conseguiram fazer certo sucesso, justamente por migrar para esse lado, de apelo mais comercial. Assim, vieram

Aqui sempre houve a síndrome do “coitadinho”, o artista que tem pena de si porque produz no Nordeste e por conta disso não busca formas de se profissionalizar”

FOTO/ARQUIVO PESSOAL

Lailson

Clériston: aversão aos quadrinhos de heróis

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artistas que transportavam o faroeste americano para o Sertão Nordestino à época do cangaço ou às narrativas de terror, também em voga no período. Clériston, no entanto, diz não ver com bons olhos essas histórias: “Nós do Rei da Notícia não conseguíamos fazer quadrinhos de herói, por exemplo, porque acho que eram histórias que promoviam o modo de vida dos Estados Unidos e eram carregadas de preconceitos. Nessas narrativas, vez ou outra o negro aparece como serviçal do branco; os heróis querem salvar o mundo, que na simbologia do enredo, nada mais é que o capital norte-americano e isso vale para praticamente todos os Marvel e DC comics” aponta o autor de quadrinhos e doutorando em Lingüística. Paralelamente às produções inspiradas no movimento de contracultura (impulsionado, ironicamente, pelos Estados Unidos) alguns fãs dos quadrinhos, sobretudo comics, encontravam no fanzine uma forma mais barata de contar suas histórias. Esse material, por não ter nenhuma pretensão profissional ou comercial, não tinha muita audiência e era visto apenas por amigos de quem produziu. Um desses fanzines, a Prismarte, existe até hoje, embora com mudanças substanciais com relação aos seus primeiros números. MUITA DISCUSSÃO E POUCA PRODUÇÃO O fim da ditadura militar parece ter esfriado, de certo modo, o quadrinho mais contestador que vingava em Pernambuco e com isso houve uma visível queda o número de produções. Faltava nas bancas uma material eminentemente local, ao menos na sua editoração. Essa lacuna foi preenchida em 1991. Laílson e Clériston, parceiros nos anos 80, decidiram lançar, juntos, uma revista que trouxesse uma compilação de histórias publicadas pelos dois e outras inéditas, além de contar com a participação de amigos de traço. Assim nasceu Zona Tropical, uma revista que trazia em sua veia um quê dos quadrinhos dos anos 80. “Fiquei um tempo sem produzir quadrinhos, quando estive à frente da direção do Diário Oficial do estado de Pernambuco e voltei a publicar na Zona Tropical”, lembra Lailson. Essa revista trouxe uma coletânea de personagens como Pindorama, de Laílson, e os Músicos, de Clériston. A publicação não chegou a um segundo número, segundo Clériston, por conta da preguiça dos autores. Coincidentemente, foi mais ou menos na mesma época que o fanzine Prismarte, mantido por artistas amadores da Produtora Alternativa de Desenhistas Associados (PADA), encerrou suas atividades, voltando a produzir somente em 2003.


Sem a produção dos quadrinhos de humor satírico da Zona Tropical e com o marasmo das produções independentes, a arte seqüencial dos quadrinhos mergulhou em um período de hibernação. Para substituir a produção de histórias em um ritmo mais acelerado, fãs desestimulados com a falta de condições de manter uma produção de histórias encontraram uma saída na promoção de eventos sobre HQ. Foi assim que a PADA, junto com Lailson e outros colaboradores, organizou, em 1991, o que o grupo diz ser a primeira exposição exclusivamente sobre quadrinhos em Pernambuco - antes, Lailson já havia organizado o Salão Nacional de Humor de Pernambuco (em 1984 e 1985), voltado para o humor de uma forma geral, inclusive charge, cartum, peças teatrais, músicas, etc. O evento foi realizado na Biblioteca Pública Estadual e reunia recortes de jornais com matérias sobre quadrinhos, além de algumas ilustrações dos membros do grupo. No ano seguinte, uma nova mostra foi realizada, desta vez na biblioteca da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Após discussões, alguns dos integrantes da PADA formaram, ao lado de fãs de comics que se encontravam nas lojas de quadrinhos usados – os sebos -, um novo grupo, cuja meta, ao menos teoricamente, era promover as histórias em quadrinhos em Pernambuco. Assim surgia mais um grupo de fãs: a Nanquim. Entre os “membros” da nova associação havia desenhistas amadores e fãs de quadrinhos. Eles se reuniam semanalmente para discutir os quadrinhos e produziam, produziam muito, garante Amaro Braga, crítico de quadrinhos e antigo membro da Nanquim. “Fazíamos muitas histórias, mas publicávamos pouco ou quase nada. Minha esposa, Roberta Jaimes, e nossa amiga, Danielle Cirne, desenham até hoje uma aventura que remonta àquele período. A HQ se chama Guardiões, mas pouca coisa foi publicada”, declara. E assim, com esse espírito muito mais de curtir as histórias do que de publicar, a Nanquim realizou seu primeiro evento de grande porte. Em 1996, quando as Histórias em Quadrinhos completavam 100 anos na conta dos norte-americanos, o grupo promoveu a exposição os 100 Anos de Quadrinhos, na biblioteca Castelo Branco, no campus da UFPE. Ao contrário do evento promovido pela PADA no início dos anos 90, este contava com grande número de histórias, trazendo ao espectador um pouco da essência das HQs. Entretanto, nesse aspecto, a produção americana dominou a mostra. O sucesso foi grande e, no ano seguinte, uma nova exposição foi organizada. Desta vez o tema foi mulher nos quadrinhos, abordando tanto as personagens quanto as autoras. Na época, as duas quadrinistas que faziam

parte da Nanquim puderam exibir seus trabalhos, ao lado de outras imagens e revistas de heroínas dos comics americanos. Pouco tempo depois de mais essa realização, a Nanquim começou a se desfazer. Amaro Braga aponta o grande número de membros como o elemento fundamental para a perca de unidade da instituição: “No começo éramos seis ou sete e chegou a um ponto que havia 50 pessoas associadas e começou a haver discordâncias. A situação do grupo ficou insustentável”, relata. Da dissociação da Nanquim surgiu a Grafite, grupo que trazia um ideal parecido. “Eram legais as conversas e brincadeiras, mas eu sentia falta de produção, de publicação, de ação direta com os quadrinhos”, destaca José Valcir, um dos editores da Prismarte, que também participou da Nanquim. Aos poucos, a Grafite também perdeu força e, lentamente, deixou de existir. O fim dos principais clubes de fãs, trouxe,em contra partida, a volta de uma produção mais sistemática. A maré, que estava baixa, voltou a subir, e os quadrinhos pernambucanos voltaram a ter mais notoriedade.

Nossa meta era produzir um material que quiséssemos encontrar nas bancas. Estávamos cansados de heróis, queríamos ver quadrinhos autorais” Mascaro

TEMPOS DE PRODUÇÃO As dificuldades financeiras apontadas por Lailson e Clériston em meados dos anos 80 já não existiam e era possível produzir mais intensamente. E nos últimos oito anos, essa produção cresceu vertiginosamente, de um modo nunca visto desde a época que tiras, charges, ilustrações e quadrinhos eram coisas que se confundiam. O primeiro grande passo para a notoriedade da produção pernambucana foi a Ragu, revista editada por Mascaro e João Lin. Com uma proposta inédita, tanto no mercado local quanto nacional, a revista surgiu sem nenhuma pretensão comercial. “Nossa meta era produzir um material que quiséssemos encontrar nas bancas. Estávamos cansados de heróis, queríamos ver quadrinhos autorais”, resume Mascaro, um dos editores. 3


Em 2001 a revista foi premiada no HQ Mix, maior premiação do gênero do Brasil com melhor revista alternativa do ano. Em 2002, a publicação ganhou novamente o prêmio, agora com Projeto Editorial. De quebra, Mascaro foi indicado na categoria de melhor quadrinista nacional, ficando entre os cinco finalistas.

local, mas também trazendo artistas conhecidos nacional e internacionalmente. “Começamos a conhecer mais pessoas que trabalhavam da mesma forma que a gente. Foi realmente um marco”, declara José Valcir, editor da Prismarte. Este ano, todavia, não haverá FIHQ por falta de patrocínio da Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural de Pernambuco TENTATIVA DE (Fundarpe). PROFISSIONALIZAÇÃO Como influência, o Festival de Humor e Quadrinhos, de Ragu traz proposta de quadrinhos autorais Ao mesmo tempo em que a Ragu certa forma, fez a Prismarte fazia sucesso, crescia a necessidade reviver e, com ela, a produção de de profissionalização dos quadrinistas pernambucanos. quadrinhos “para toda a família”, como se propõem os Assim, em 1999, um pouco antes da Ragu portanto, editores. Também cresceu o mercado de quadrinhos Lailson voltou a criar um festival dedicado aos quadrinhos, para uso publicitários e para o cinema, ancorados desta vez com o nome de Festival Internacional de Humor no desenvolvimento da sétima arte no estado e sua e Quadrinhos de Pernambuco (FIHQ-PE). Da mesma necessidade de story boards. forma que os salões de humor produzidos na década de A Ragu, a este tempo, conquistava ainda mais 80, o FIHQ-PE nasceu com o objetivo de divulgar as HQs sucesso de crítica. Em 2004, o trio Amaro Braga, Danielle e discutir suas formas de produção e distribuição. Cirne e Roberta Jaimes trouxe mais um HQ Mix para o Em 2001, foi criada a Associação dos Cartunistas estado, na categoria melhor publicação do ano, com a de Pernambuco (Acape), órgão que atualmente reúne quadrinização da tese de doutorado “A presença Judaica cerca de 50 artistas do em Pernambuco no século XX”. desenho, profissionais Mesmo com o sucesso cada vez maior dos artistas, e amadores. “A Acape das publicações e dos eventos, os quadrinhos seguem e o FIHQ-PE foram sendo uma arte “marginal” em Pernambuco. Os autores, iniciativas que buscavam para produzir, em sua maioria, dependem de leis de promover o intercâmbio incentivo à cultura, ou cobram valores apenas para entre o mercado local e a subsistência (caso dos fanzines). Em mais de 25 anos, produção do Brasil e do os quadrinhos em Pernambuco começam a alcançar a mundo”, explica Lailson, maturidade, mas ainda falta muito para que se estabeleça Boi Misterioso, um dos idealizadores dos um mercado rentável dessas histórias. personagem de Ral projetos. Palestras sobre “Talvez em 10 anos haja um mercado legal no estado, animação e roteiro começaram a ser cada vez mais mas hoje não dá para viver de quadrinhos. Todo o que constantes ao longo de cada edição do evento. produzimos com a Ragu, foi graças a leis de incentivo e “O FIHQ foi fundamental na minha carreira de se não fosse assim, não teríamos condições de manter quadrinista, pois pude expor meu trabalho e descobri que uma produção independente como a nossa”, reforça havia público para ele”, declara Amaro Braga, autor de Mascaro. uma técnica que transita entre os quadrinhos e as artes “Por isso os artistas precisam se ajudar, para plásticas. A pesquisadora Sônia Luyten acompanhou de construirmos um movimento forte em Pernambuco. Com perto o nascimento do evento que consolidaria a produção um mercado estabelecido, todos ganhariam”, ressalta pernambucana e destaca os pontos que levaram o FIHQ Arnaldo Luiz, um dos editores da Prismarte. Para eles, ao sucesso: “O festival do Recife cresceu porque havia e para a maioria dos artistas, o fato de não haver uma muita gente produzindo e elas mesmas não sabiam. cena de quadrinhos em Pernambuco, isto é, o fato de Nesse sentido, foi uma descoberta” aponta. a produção ainda ser muito individualizada, torna a HQ Desde 2001, o salão passou a fazer parte do calendário local sempre com cara underground. Há quem goste do de eventos do Recife, divulgando não apenas a produção rótulo, e aí começa a polêmica. 4


Diversidade é característica comum a HQs pernambucanas Daniel Santana

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FOTO/DANIEL SANTANA

os últimos anos, Pernambuco tem assistido a um crescimento na produção de histórias em quadrinhos e no uso de técnicas de HQ com mais freqüência na publicidade e no cinema. Muitos autores desenham, fazem o roteiro, publicam suas histórias. E, maior volume de publicações pressupõe diversidade de histórias e gêneros contemplados. Houve um tempo, em meados dos anos 80, que existiam vertentes de quadrinhos em Pernambuco muito bem definidas: os de humor, sem heróis e buscando uma linguagem mais suburbana; e os de heróis, aventura ou terror, mais comerciais, por assim dizer. Atualmente, a profusão é maior, e se juntam a estes gêneros os quadrinhos autorais, as adaptações literárias e de textos científicos, entre outros. Apesar de o mercado editorial ter, de certo modo, se aberto para novas possibilidades, boa parte da produção

local escolheu o caminho alternativo, não comercial, como forma de se expressar e a escolha parece ter sido bem absorvida pela crítica. O público, no entanto, segue sem conhecer o que é feito em Pernambuco. Para o roteirista e crítico de quadrinhos Amaro Braga, tanta produção no estado caracteriza uma cena pernambucana de quadrinho : “Acredito que temos sim, uma cena no estado. Você tem o pessoal da PADA, produzindo e publicando regularmente, você tem a Ragu, tem a editora Livrinho de Papel Finíssimo e tem a minha produção, por exemplo. São trabalhos diferentes, mas existe, na minha opinião, uma cena”, destaca. Já para Mascaro, um dos editores da Ragu, o momento dos quadrinhos em Pernambuco é bom, mas ainda não se pode falar em cena: “Acho que dá para se falar em cena quando se tem uma grande publicação, regular e que represente a vontade da maioria dos artistas. Nós não temos isso” contrapõe. De fato, o que se tem publicado está longe de representar uma unidade. Não só na temática, no público alvo, mas também na maneira que cada autor vê as HQs. As diferenças se destacam, muito mais que as semelhanças. Em alguns casos, o único elo entre uma revista e outra é mesmo a linguagem usada – os quadrinhos. OS QUADRINHOS DE HUMOR

Lailson é representante dos quadrinhos de humor

Esse foi o primeiro gênero a despontar no Brasil, e também em Pernambuco. Amplamente difundido nos anos 70 e 80, os quadrinhos de humor continuam sendo uma das formas mais habituais da HQ pernambucana. Alguns dos grandes autores do cenário local e nacional, por exemplo, fazem esse tipo de quadrinho. Este é o caso, por exemplo, de Clériston e Laílson. Lailson começou a publicar histórias em quadrinhos em 1975, no extinto Jornal da Cidade. Um de seus primeiros trabalhos foi contar a história da cheia, 5


ocorrida naquele ano, em uma página de quadrinhos. Depois, saiu do jornal por divergências com a direção e fundou o Movimento Humorial, revista dedicada ao desenho de humor, onde contou com a colaboração de Ral e Paulo Santos. Com um traço simples, Lailson sempre buscou um humor engajado, sobretudo nas tiras e charges, mas também nos quadrinhos.Considerado um dos pioneiros na profissionalização dos quadrinhos em Pernambuco, o cartunista explica seu jeito de fazer quadrinhos: “Sempre publiquei muito, tanto em Pernambuco como em outros estados. É um trabalho árduo, mas que eu sempre gostei de fazer”, conta. A história de Lailson nos quadrinhos está bastante atrelada a de Clériston, outro representante do desenho de humor. Clériston começou a fazer suas primeiras histórias ainda na adolescência, como a maioria dos quadrinistas, por influência dos comics. “Profissionalmente”, começou em 1976, no Jornal da Semana, antiga publicação que circulava no Recife. “Um de meus primeiros personagens foi o Pinote, inspirado no folclórico jogador do Náutico, Dedeu”, explicou. O artista passou um tempo no jornal, depois saiu e, mais tarde, passou a trabalhar na Direção empresarial do Sebrae, onde começou a usar os quadrinhos como forma de passar informações para os trabalhadores. “É uma linguagem comprovadamente mais assimilável do que apenas textos técnicos”, comenta . O traço sujo de Clériston foi desde sempre sua marca. Ele se diz um artista preocupado em mostrar o cotidiano de forma despojada, mas sempre com um senso crítico aguçado. Esta seria a principal característica do humor do quadrinista e chargista: “Lembro que nos anos 80 o pessoal da minha geração costumava ir aos bares de Olinda. Aquilo era muito legal, porque você tinha gente de todas as classes sociais bebendo e se divertindo em um espaço comum. Esse ambiente também era retratado em minhas histórias”, relata. Uma das histórias a qual o autor se refere conta como foi a noite de um sujeito que foi ao bar para tentar arrumar uma linda namorada e acabou ficando com uma feia – a solução encontrada pela personagem

foi furar seus olhos. “Nessa história, discuti esses arquétipos de beleza, em um contexto bem cotidiano e despojado”, avalia o autor. A história, uma das favoritas de Clériston, foi publicada no Rei da Notícia e em outras publicações, entre elas Zona Tropical. Lailson, ao contrário de Clériston, continua a produzir quadrinhos. Além de Pindorama, seu personagem favorito, ele criou a turma do Fom Fom, personagens usados em campanhas educativas do Dentran-PE. Recentemente, Lailson tem se dedicado às adaptações literárias. “Cada trabalho exige pesquisa, estudo, e é isso que eu faço”, comenta o artista, que já lançou versões de O Alienista, de Machado de Assis, Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, Memórias de um Sargento de Milícias, de Manoel Antônia de Almeida e mais recentemente Os Lusíadas 2500, adaptação futurística da obra do português Luís de Camões. “Todos esses quadrinhos Página da HQ E agora, José, uma das favoritas literários me tomaram muito de Clériston tempo, pois precisei ver cada detalhe. Como eram as construções da época em que se passa cada uma das histórias? As roupas, costumes? Tudo isso foi levantado por mim, em um trabalho minucioso”, ressalta. Lailson já conquistou vários prêmios, muitos deles internacionais.

“Nos anos 80 o pessoal da minha geração costumava ir aos bares de Olinda. Você tinha gente de todas as classes sociais bebendo e se divertindo em um espaço comum. Esse ambiente também era retratado em minhas histórias”

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Clériston

PADA, O FANZINE COMERCIAL Fanzine, como o próprio nome sugere, é uma revista feita por fãs. Geralmente, trazem vários autores em uma única edição e o principal objetivo é divulgar o trabalho dos artistas. Este também é um dos motes da Prismarte, fanzine publicado pela Produtora Artística de Desenhistas Associados (PADA). O grupo, entretanto, tem objetivos mais ambiciosos. Atualmente, apenas três pessoas levam à frente a Prismarte. José Valcir, Milson Marins e Arnaldo Luís são os responsáveis pela editoração do fanzine que já tem mais de 20 anos. Eles acreditam que para que o


material encontre bom nível de divulgação, precisa ser comercial. “Justamente por esse motivo organizamos algumas edições temáticas e temos personagens fixos para manter o leitor fiel ao nosso trabalho”, conta José Valcir. A revista é distribuídas em bancas de revistas, mas a maioria é vendida por encomenda, pela internet, inclusive para fora de Pernambuco. As histórias, vez ou outra, também são feitas por “estrangeiros”. “Acreditamos que devemos divulgar o trabalho de vários autores e, com isso, também conseguimos vender mais. Se bem que o dinheiro que conseguimos dá apenas para bancar as revistas. Lançar um novo número da Prismarte não é lucrativo, mas já virou um dever moral”, aponta Milson Marins. Os próprios autores dizem que a revista/ fanzine passou por três fases diferentes. Na primeira, as páginas eram montadas à mão e depois copiadas. Uma segunda fase contou com um acabamento melhor, mas ainda usando máquinas fotocopiadoras. Na terceira e atual fase, a Prismarte recebeu um acabamento gráfico profissional e a capa passou a ser colorida. O grupo conta ainda com um site próprio onde são divulgadas notícias sobre o universo HQ e o internauta pode comprar as edições anteriores do fanzine/ revista. “Também promovemos o prêmio Prismarte, que escolhe as melhores participações na revista ao longo do ano, nas mais diversas categorias. A escolha é feita

pela audiência”, destaca Arnaldo Luiz. Para ele, esta é uma forma de estimular mais pessoas a enviarem seus trabalhos para o zine e com isso fomentar os quadrinhos. As histórias presentes na Prismarte, como os próprios autores defendem, tem um lado mais comercial, indo na contramão, inclusive, da produção pernambucana mais difundida Brasil à fora. As histórias são simples e nelas, os heróis, tão odiados por autores como Lailson, Clériston e Mascaro, ganham espaço. “Acho que não temos um estilo único de publicar. Até porque somos um grupo e há diferenças. Só não temos preconceito com nenhum gênero”, destaca. Para Mascaro, um dos editores da revista Ragu, o trabalho da PADA precisa ser louvado por estar há tanto tempo defendo os quadrinhos pernambucanos, mas ele diz não gostar do tipo de material que eles publicam. “Na verdade, não consigo ler. Nada contra, só não faz meu estilo. Acho as histórias muito pobres de conteúdo, mas ainda assim vale pelo incentivo dado aos autores”, salienta. A opinião de Mascaro e de outros artistas do meio parecem não preocupar o grupo responsável pela PADA. Para eles, o fato de estarem publicando e com certo êxito já demonstra a existência de um público

“Na verdade, não consigo ler. Nada contra, só não faz meu estilo. Acho as histórias muito pobres de conteúdo, mas ainda assim vale pelo incentivo dado aos autores”

FOTO/DANIEL SANTANA

Mascaro

Da esquerda para a direita: Arnaldo Luiz, José Valcir e Milson Marins

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leitor. “Há artistas que só publicam suas histórias na Prismarte. Construímos uma reputação e isso é o mais importante”, comemoram os editores. Eles apontam a união da equipe como o grande diferencial da PADA em relação a outras organizações. “Somos uma família, que briga, mas se ajuda”, completa Milson Marins. O próximo passo dos quadrinistas é chegar à quarta fase da Prismarte, com trabalhos em animação. Os personagens para inaugurar este novo momento já foi escolhido: O Mino Tauro. “Este é o personagem mais conhecido da revista e o primeiro que será contemplado nessa nova era”, finaliza Valcir.

FOTO/REPRODUÇÃO

CIÊNCIA E ARTE Unir arte à ciência não é algo inédito, mas, fazer isso com histórias em quadrinho é um projeto pioneiro, sobretudo em Pernambuco. E este é o trabalho desenvolvido pelo trio Amaro Braga, Roberta Jaimes e Danielle Cirne. Eles já haviam feito várias histórias, exposto o trabalho em vários salões de quadrinhos do Brasil, quando, em 2005, decidiram transpor para os quadrinhos o livro-tese Passos Perdidos, História Recuperada: A presença Judaica em Pernambuco, da então doutoranda Tânia Kaufman. No trabalho científico, Kaufuman conta a história da imigração judaica em Pernambuco e os motivos que os levaram os judeus ao estado. Com base no texto, Amaro desenvolveu um roteiro e Roberta e Danielly ficaram responsáveis pelo desenho. Como o projeto tinha um cunho “didático”, foi aprovado por leis de incentivo à cultura. Assim, foi o possível lançar o primeiro volume da história, contando como foi a imigração no século XX. A revista tem 80 páginas, todas coloridas em papel couché de gramatura alta, se comparado com os padrões das HQs brasileiras. O sucesso de crítica foi imediato. No mesmo ano, o trio foi premiado com o HQ Mix, principal concurso de quadrinhos no Brasil, na categoria melhor contribuição do ano. A partir daí, a equipe se especializou nesse tipo de quadrinho, lançando outras três partes da história da imigração judaica. Amaro Braga faz HQ com Para Amaro Braga, a base em textos científicos 8

decisão tomada por eles foi das mais acertadas. “Desde os anos 80 que textos literários vêm sendo transportados para a linguagem dos quadrinhos. Decidimos fazer o mesmo com os textos científicos, e o resultado foi muito positivo”, comemora o roteirista, que também trabalhou como diretor de arte na produção. A função, aliás, foi criada por Amaro, segundo ele próprio. “Sempre quis incluir a figura do diretor de arte nos quadrinhos e nesses trabalhos foi a primeira vez que consegui fazer isso”, lembra. Cada quadrinho, cada desenho, cada página foi supervisionada, até que o resultado final fosse alcançado. Os autores da saga judaica tiveram uma preocupação estética especial. Para eles, a história, além de um bom enredo, precisava de um traço preciso. “As formas usadas são as mesmas do corpo humano. Acredito que com esse perfil de quadrinhos, um traço estilizado não caberia”, comenta. A escolha de Amaro foi, de certa forma, bem recebida pela crítica, mas há quem veja alguns problemas na produção. Este é o caso de Mascaro. “É um trabalho louvável, mas acho os diálogos muito artificiais, tornando a HQ extremamente conservadora”. Amaro admite o conservadorismo em seu trabalho. “Sou conservador nesse sentido. Acho que os desenhistas que conseguem recriar com precisão as formas humanas não gostam de se ‘rebaixar’ a fazer um traço estilizado. Essa é nossa característica”, rebateu o diretor de arte. O EXPERIMENTALISMO DA RAGU Nenhuma publicação pernambucana, nos últimos anos, alcançou maior sucesso de crítica do que Ragu. Criada em 2000 por Mascaro e João Lin, a revista trazia algo inédito para as publicações nacionais: uma antologia de quadrinhos autorais. Pela primeira vez em Pernambuco uma revista de circulação nacional, colorida e com papel de alta qualidade, tinha como objetivo difundir um tipo de quadrinho mais preocupado com a experimentação narrativa e gráfica. De acordo com Mascaro, a Ragu não tem um grupo fixo de autores. A cada edição, é feita uma seleção de trabalhos de vários artistas de todo o Brasil para se escolher os que farão Página da HQ parte da revista. “Não existe Perdão de João Lin


um padrão de história nem de traço. A única exigência que fazemos é que o material seja bom”, destaca. Um dos artistas que conseguiu publicar um trabalho na Ragu foi Gregório de Holanda, mais conhecido como Greg. Ele conta que a seleção é bem difícil. “Já mandei vários trabalhos, mas só selecionaram um até o momento”, disse o quadrinista, apontado pelo próprio Mascaro como um dos melhores da nova geração. O rigor na seleção das histórias já rendeu à revista dois prêmios no HQ Mix, um de melhor revista alternativa (2001) e melhor projeto editorial (2002), fora os prêmios individuais que cada autor conquistou em festivais nacionais e internacionais. O fato de não haver unidade no traço nem no enredo das histórias não significa falta de coerência na revista. Isso é o que defende Mascaro. “O trabalho tem toda uma lógica, é pensado de modo que haja uma mínima relação entre as histórias”, defende. Entretanto, há quem veja alguns problemas nesse tipo de narrativa, como o professor Amaro Braga. “Acho que é um estilo. Às vezes as histórias parecem meio sem sentido, embora outras sejam muito boas”, avaliou. O animador e programador de jogos de videogame Maurício Nunes diz ter começado a acompanhar os quadrinhos em Pernambuco por conta da Ragu. “Sou muito fã das artes plásticas e quando conheci a Ragu pensei: ‘caramba, é possível fazer um trabalho de qualidade em Pernambuco’”, elogiou. “Gosto da rugosidade na pele que Mascaro dá às personagens. Acho que lembra uma pele mais desgastada pelo sol, algo bem nordestino”, opina o fã e especialista em design. Embora os editores ressaltem o fato de a Ragu não possuir um único estilo, eles mesmos trazem o estilo que forma a revista. Mascaro e Lin, cada um a sua maneira, usam um traço estilizado. No caso de Mascaro, a preocupação recai sobre a textura das personagens. Em Lin, que chegou a produzir quadrinhos nos anos 80, a simplicidade, tanto no traço quanto na forma de contar uma história se sobressaem. “Simplicidade, não falta de conteúdo”, emenda Lin. Inicialmente, a ragu deveria ser uma revista periódica, mas o fato de a revista não ter objetivos comerciais a tornou bastante dependente de leis de incentivos, e agora sai sempre que os editores conseguem aprovar um projeto e arrumam tempo para selecionar as histórias. Um trabalho árduo, que só é possível ser feito em tempo hábil por conta do entrosamento da dupla. “Gostamos dos mesmos quadrinhos, temos as mesmas HQs e isso facilita”, aponta João Lin.

Nome: Mascaro Principais publicações: Ragu Influências: Nenhuma em especial; de certa forma, os quadrinhos “overground” dos Estados Unidos Tipo de HQ que gosta: Começou com turma da Mônica na infância, passou pelos comics, HQ européia, mangá e atualmente gosta de quadrinhos mais autorais Tipo de Traço: Traço estilizado, prezando pela rugosidade da pele.

Nome: Amaro Braga Principais publicações: Saga judaica em Pernambuco Influências: Comics americanos Tipo de Traço: Tradicional, buscando ao máximo representar a anatomia humana Tipo de HQ que gosta: Gosta do que produz, de mangas e Comics em geral

Nome: Gregório de Holanda (Greg) Data de Nascimento: 20/04/1976 Principais Publicações: fanzine Fusão (18 edições), uma edição da Ragu e quatro HQ do especial “A saga do Cangaço”, publicada no Diario de Pernambuco. Influências: Tudo que o vê, inclusive outras artes HQ (s) preferida (s): Todas de Robert Crumb e Charles Brunes.

Nome: Produtora Artística de Desenhistas Associados (PADA) Principais Publicações: Prismarte Influência: Todos os autores do grupo – José Valcir, Milson Marins e Arnaldo Luís – tem a influência direta de Lailson. Tipo de HQ que gosta: Todos apontam o humor como o grande estilo de HQ no Brasil, portanto, é o favorito da equipe.

Nome: Antônio Clériston de Andrade Principais publicações: Charges há 30 anos na imprensa pernambucana e Quadrinhos no jornal O Rei da Notícia Influências: Todos, para aprender ou para evitar Tipo de Traço: Ágil, entre o elegante e o grotesco HQ (s) preferida (s): Ken Parker

Nome: José Valcir Ramos da Silva Principais Publicações: Todas as fases da Prismarte Influências: Filmes e quadrinhos diversos HQ (s) preferida (s): Ken Parker e Retrato Falado

Nome: Milson Marins Principais publicações: Todas as fases da Prismarte Influências: sobretudo, a bíblia HQ (s) preferida (s): O que perdemos (Arnaldo Luiz), João Ninguém, Patriamada e Providência (José Valcir), Palestina – uma nação ocupada, entre outras.

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Quadrinhos e dinheiro: possibilidades além do mercado editorial Daniel Santana

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produção de quadrinhos Greg: ganhar dinheiro pernambucana é notadamente com quadrinhos sem underground. Nenhum quadrinista depender de editora que trabalhe no mercado local vive exclusivamente das HQs, seja por conta de uma opção não comercial, seja pela falta de profissionalização. A falta de um mercado de quadrinhos assusta os novos desenhistas, e a função de quadrinistas acaba vista como um hobby. A maior parte das publicações pernambucanas vive de recursos governamentais. Este é o caso da coletânea sobre a imigração judaica em Pernambuco, roteirizada se apoiar em leis de incentivo municipal e estadual. pelo professor e crítico de quadrinhos Amaro Braga e Atualmente, um novo número da Ragu só é publicado desenhada por Roberta Jaimes e Danielle Cirne. Cada após sair o dinheiro do governo. “O material da Ragu não é comercial, e se fosse, uma das quatro edições foi patrocinada por leis de custaria caro demais, ninguém pagaria o preço real incentivo à cultura. A burocracia para ter um projeto aprovado, no dela”, comenta Mascaro, um dos editores. Ele não entanto, espanta muitos artistas. Isso ocorre, na opinião deu detalhes do valor de produção da revista, mas de Amaro Braga, porque os quadrinistas não querem estipula que o exemplar poderia custar mais de R$ abrir mão do que produzem e criar novas histórias 20 devido à qualidade do papel usado (couché de que estejam de acordo com gramatura alta) e pelo fato do material ser impresso as exigências dos editais: colorido. Mesmo com a burocracia existente para conseguir “As leis de incentivo são um grande instrumento para os produzir as HQs, João Lin acredita que a situação quadrinistas. Se forem bem está melhor do que em um passado próximo. “Sou usadas, é possível não viver um entusiastas das leis de incentivo e acredito que do trabalho, mas produzir as regras existentes são importantes, do contrário, os sossegadamente por até riscos de corrupção seriam maiores”, destaca. Lailson, cartunista em atividade desde meados um ano”, explica. O caso da série judaica se da década de 70, é uma exceção. O trabalho dele é repete com a Ragu, revista assumidamente comercial e ele garante: consegue editada pelos cartunistas altos lucros. “Não devemos criar histórias para nós João Lin e Mascaro. mesmos, mas sim para o público. Dessa forma, é Inicialmente, a revista possível encontrar espaço no mercado”, argumenta. Trabalho feito por Greg retrata vida de deveria ser periódica, mas Lailson trabalha com charges, cartuns e quadrinhos Lampião a falta de verba fez a dupla de humor. Também cria quadrinhos institucionais e


ANIMAÇÃO, UMA ALTERNATIVA

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O mercado de trabalho para os desenhistas de quadrinhos, já há algum tempo, deixou de ser focado exclusivamente na produção e publicação de álbuns. Segmentos paralelos, mas que usam as linguagens de quadrinhos, têm crescido em ritmo acelerado. Este é o caso, por exemplo, dos story-board para cinema e as animações, dois setores em franca ascensão no Brasil, e também em Pernambuco. Pedro Severien, coordenador do curso de Cinema de Animação das Faculdades Integradas Barros Melo (AESO), única graduação especializada nesta área em Pernambuco, destaca as qualidades que um quadrinista pode levar, por exemplo, para a o campo de trabalho de animação: “Além de um desenho interessante, facilidade na criação de personagens é algo fundamental para qualquer roteiro, inclusive, claro, animação. Também há a noção de seqüência,

Severien fala em crescimento do mercado de animação

da iluminação, importantes nos quadrinhos e também na animação”, reforça. Severien vê com entusiasmo o futuro da animação em Pernambuco, e acredita que este pode ser um caminho para os quadrinistas. “Produções da AESO como ‘O jumento Santo’, por exemplo, que ganhou prêmios nacionais e ficou em terceiro lugar no Animamundi, são exemplos deste crescimento”, defende. O crescimento das animações, por sua vez, está atrelado ao surgimento das novas mídias e do fortalecimento da indústria dos games em Pernambuco. “E estas são áreas que demandam profissionais especializados – como os quadrinistas”, completa. O designer Maurício Nunes, envolvido tanto com trabalhos de publicidade quanto de jogos de videogame,

acredita que Pernambuco tem tido papel cada vez mais relevante na área e, com isso, novos trabalhos vem surgindo - e vagas para quem sabe lidar com cada elemento do desenho também. Ele diz, porém, que não basta saber desenhar para se ter sucesso em trabalhos com animação. FOTO/DANIEL SANTANA

adaptações literárias, alguns dos ramos mais rentáveis para os artistas de quadrinhos.

Maurício Nunes diz que há espaço para quadrinistas no mercado de animação

“Um quadrinista que sabe lidar bem com os espaços, com os quadrinhos pode se dar bem nesse meio, como também pode não se adaptar. Os trabalhos áudio-visuais exigem também uma percepção de som integrado à imagem. Quem consegue fazer isso com maestria não fica sem emprego”, garante. Maurício fez trabalhos para a empresa Quadro a Quadro, especializada em animação tradicional, ou seja, aquela cujas etapas são desenhadas manualmente – diferente das animações feitas por computação gráfica, por exemplo. “Esse tipo de trabalho é muito parecido com os quadrinhos. Nele, cada seqüência precisa ser desenhada, assim como nas HQs”, compara. O caminho da publicidade parece ser um dos mais convidativos. Maurício Nunes explica que os clientes começaram e perceber como a animação pode ser uma aliada na promoção de um produto. “Com recursos de animação é praticamente possível fazer qualquer coisa, seja com personagens desenhados ou com atores de carne e osso. Com isso, têm-se uma liberdade de criação quase infinita”, avalia. QUADRINHOS INSTITUCIONAIS A essas possibilidades mais contemporâneas se junta uma das formas mais rentáveis da produção de quadrinhos: as HQ institucionais. O quadrinhos vêm sendo usados com freqüência, já algum tempo, como forma de facilitar o aprendizado, seja em cartilhas, 11


remuneração para quem publica HQs institucionais. “Dependendo do órgão para qual se trabalha, a tiragem é enorme, o que dá mais visibilidade ao artista”. A versão 2008 da Turma do Fom-Fom, por exemplo, teve 150 mil reproduções, todas para Pernambuco, apenas 50 mil a menos que a primeira edição da Turma da Mônica Jovem, revista lançada em estilo mangá pelos estúdios Maurício de Souza. A demanda existe e pode ser explorada. Desenhar histórias institucionais pode ser o melhor caminho para o quadrinista que queira viver da profissão. Mas Mascaro, editor da Ragu, aconselha os iniciantes a terem cuidado: “O mercado até existe, mas é muito difícil viver de quadrinhos, pelo menos por enquanto. Talvez isso mude em 10 anos, mas, por hora, o melhor é ter uma outra profissão para que estejamos seguros, caso não apareça nenhum trabalho na área”, alerta. O DILEMA DOS ARTISTAS E A DEPENDÊNCIA DO GOVERNO

HQ institucional de Clériston, feita para a CPRH

folhetos explicativos, ou mesmo histórias baseadas em fatos históricos de cunho didático. Clériston, chargista do jornal Folha de Pernambuco, lembra dos primeiros trabalhos que fez nessa área. “Quando trabalhei no Sebrae, no início dos anos 80, criei uma página de quadrinhos no jornal interno. O objetivo era instruir os funcionários sobre diversos aspectos do trabalho, ou, simplesmente, promover o entretenimento”, relata. Lailson emenda e justifica o uso de quadrinhos como forma de expressão. “Os quadrinhos podem ser usados para entreter, mas também podem trazer uma reflexão, ensinar, causar emoções – tudo depende da mensagem. A HQ é o suporte”, teoriza. Um suporte rentável. Enquanto as publicações independentes de quadrinhos rendem menos de R$ 3 ao autor, em média, uma página para publicidade pode valer mais de R$ 150. Lailson diz que há outras vantagens além da melhor

Gregório – ou Greg, como é mais conhecido – é um desenhista que conhece bem tanto o lado comercial quanto o caminho underground dos quadrinhos. Ele fundou, junto com três amigos, o fanzine Fusão, com o objetivo de divulgar as históricas que criavam. A idéia deu certo e, de desempregados, todos conseguiram trabalho em pouco tempo. O trabalho independente, vendido a R$ 1, serviu como portifólio para a equipe. “Não tínhamos interesse em fazer do material uma espécie de currículo, mas acabou sendo e a partir do fanzine surgiram vária propostas, tanto de trabalhos freelancer, como de empregos”, conta Greg, que trabalha há dois anos no Diario de Pernambuco. Mesmo com seus empregos, todos os membros do Fusão continuam a produzir o fanzine, embora não mais com a mesma regularidade. Eles acreditam que este é o espaço livre que eles têm para criar, e tentam aproveitar da melhor forma possível. “Lançar o Fusão se transformou em um dever moral”, argumenta. O caso de Greg, porém, é pouco comum. Carentes de profissionalismo, a maioria dos cartunistas e desenhistas pernambucanos acaba dependendo das leis de incentivo para produzir. O dinheiro existe, mas não é requisitado. “Nestes três anos à frente da presidência da Acape, vi poucos projetos na área de quadrinhos serem defendidos, embora exista a verba. Talvez falte ao quadrinista a

“Não devemos criar histórias para nós mesmos, mas sim para o público. Dessa forma, é possível encontrar espaço no mercado”

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Lailson


FOTO/DANIEL SANTANA

Lailson diz conseguir bons lucros com quadrinhos institucionais

percepção de que o trabalho dele pode ser original e rentável ao mesmo tempo”, alfineta João Lin. Para ele, a dependência de leis de incentivo decorre justamente desta imobilidade dos quadrinistas. Na opinião de Lailson, primeiro presidente da Acape, essa dependência demasiada do governo acontece em função da falta de profissionalismo de parte dos artistas. Ele acredita que os quadrinistas pernambucanos, mesmo com o ritmo de produção atual, ainda são amadores e não despertaram para o seu valor enquanto profissional. “É possível trabalhar com quadrinhos sem depender do Estado. Basta criar um produto que interesse a muitas pessoas, que, com certeza, haverá mercado. O que não dá é para criar histórias sobre uma visão particular do autor se o público quer outra coisa”, critica. Para Sônia Luyten, pesquisadora e fã de quadrinhos, é possível, hoje em dia, manter-se independente e alcançar boas vendas, mas para isso é preciso criatividade e cooperação. Como exemplo, ela cita uma cooperativa de quadrinistas paulistanos – a Quarto Mundo. “Eles desenvolveram o próprio método de divulgação e distribuição das revistas e vendem bastante na região Sudeste e Sul, sem precisar se humilhar às editoras”, comenta.

Revista institucional do DETRAN-PE

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Venda de mangás aquece mercado editorial de quadrinhos Daniel Santana Fotos: Daniel Santana

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maioria dos quadrinistas pernambucanos começou a produzir suas histórias na época de adolescência, inspirados pelos Comics e super-heróis americanos. Este é o caso de Cleriston, Mascaro, dos artistas da Produtora Artística de Desenhistas Independentes (PADA) e de tantos outros. “Hoje em dia, eu só leio HQ de herói se eu quiser dormir. Não gosto mais do estilo, mas me influenciou bastante na adolescência”, relata Mascaro. Os quadrinhos que ele gostava no passado não são mais tão populares e perderam espaço para as HQ japonesas – os mangás. Consequentemente, esse tipo de quadrinho é que exerce maior influência nos artistas mais novos. A força dos mangás no Recife, e no Brasil, é algo recente, mas no Japão data mais ou menos do mesmo período de quando os primeiros imigrantes vieram para as terras tupiniquins. No Japão, os mangás movimentam uma indústria bilionária. Apenas para se ter uma idéia, a edição 50 da série One Piece, publicada em junho deste ano, vendeu um milhão de unidades em uma semana. As mais de 50 edições juntas ultrapassam a casa dos 140 milhões exemplares vendidos em pouco mais de 10 anos. Desde os anos 60, Sônia Luyten coleciona mangás. Fã assumida dos quadrinhos daquele país, Luyten decidiu estudar o assunto, apesar do preconceito que encarava e encara na academia. A dedicação deu resultado e atualmente ela é tida como uma das maiores autoridades brasileiras quando o assunto é HQ, sobretudo, os japoneses. Dragon Ball foi um dos Para ela, a popularização primeiros mangás a fazer sucesso no Brasil das séries decorre do fato

Sônia Luyten coleciona e estuda mangás desde os anos 70 do roteiro conseguir refletir com perfeição a alma do japonês, mas com elementos universais: “O grande diferencial dos mangás é a temática. Seja qual for a segmentação, a narrativa deles trata de temas como perseverança, coragem, amor – enfim, sentimentos que todo mundo sente. E ser universal é um dos passos mais importantes na construção de um roteiro consistente”, explica a doutora em Ciências da Comunicação. Mas não b a s t a um bom roteiro. Os mangás de grande vendagem t a m b é m c o n t a m com um forte aparato

Hoje em dia, eu só leio HQ de herói se eu quiser dormir. Não gosto mais do estilo, mas me influenciou bastante na adolescência” Mascaro


os mangás têm que os brasileiros também podem ter. “Um bom quadrinho não se sustenta sem uma boa história e isso eles fazem bem, por isso têm sucesso”, explica. SUCESSO Os números dos mangás são mesmo incomparáveis com outros títulos de HQ. De acordo com a Conrad Editora, uma das maiores empresas especializadas na publicação de produções japonesas, títulos como Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball, e Paradise Kiss chegam a ter tiragem superior a 15mil exemplares por edição. A concorrente da Conrad, a editora JBC, tem a maior fatia desse mercado. Publicando séries japonesas desde o início dos anos 2000, a empresa afirma ter lançado no mercado cerca de 30 milhões de revistas, divididos em mais de 800 volumes distintos. Séries como Inuyasha (mais de 100 números), Samurai X (56 edições), Card Captor Sakura (24 edições) e Death Note (12 edições) são alguns dos campeões da casa. Embora a grande concentração de fãs dessas séries esteja no eixo Sul-Sudeste, Pernambuco vem aumentando significativamente o número de admiradores dos quadrinhos japoneses. No Recife, já há um calendário consolidado de eventos otakus, como são conhecidos os fãs de anime e mangá. No maior deles, o SuperHeroCom, o público em 2007 foi de 10 mil participantes em dois dias. O Festival de Humor e Quadrinhos de Pernambuco (FIHQ) de 2007 recebeu pouco mais de sete mil, em um mês de exposição gratuita, na Torre Malakof, Recife Antigo. “Mesmo com tanto sucesso, os fãs ainda são vítimas de preconceito, como se fosse uma pessoa que deixou de crescer, afinal gosta de algo tido, erroneamente, como sendo para criança”, aponta Stenio Barros, organizador de um dos maiores eventos dedicados aos mangás e cultura pop japonesa, o AnimePan. Sônia Luyten explica o porquê dessa visão perdurar não só em Pernambuco, mas em todo o ocidente. “Costuma-se atribuir a qualquer coisa relacionada com

desenhos como sendo infantil, mas no Japão todas as faixas etárias lêem mangá, faz parte da cultura deles. Essa segmentação é uma das características que faz deles tão rentáveis”, esclarece. Em seu país de origem, os mangá são classificados de acordo com o sexo e idade, entre outras variáveis. O preconceito não vem apenas por aqueles que vêem o optado como sendo uma minoria. No caso dos autores de quadrinhos pernambucanos, mangá é tido quase como um exemplo mercadológico a ser evitado. “Eu tinha muito preconceito contra mangás, até que li Death Note. Acho a história perfeita. Um ótimo enredo, boa arte, em fim, não sabia que os mangás poderiam ser assim”, relata Gregório de Holanda, um dos criadores do fanzine Fusão e ilustrador do Diario de Pernambuco. A série a qual ele se refere é uma das coqueluches do momento. “Death Note definitivamente não é uma HQ para crianças. Há suspense, terror e diálogos desafiadores para o leitor”, resume Stenio, que também se diz fã da série. Devido ao conteúdo violento, a revista traz na capa a recomendação para maiores de 18 anos. Mesmo Mascaro, que costuma ser bastante seletivo com relação ao que lê e que tem certa aversão ao que é

“Costuma-se atribuir a qualquer coisa relacionada com desenhos como sendo infantil, mas no Japão todas as faixas etárias lêem mangá, faz parte da cultura deles” Sônia Luyten

Dono do Magic Center pensa em expandir negócios

FOTO/DANIEL SANTANA

mercadológico. As séries saem primeiro em revista, viram animação, depois vêem os jogos, as trilhas sonoras, filmes para cinema e demais produtos licenciados. Tudo é feito de forma racional, e o apetite dos fãs é o motor que faz girar uma indústria milionária. Obviamente, para o Brasil, onde a produção de quadrinhos é algo recente se comparada à produção centenária do Japão, fica difícil imaginar uma indústria tão aquecida, mas Luyten acredita que há coisas que

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MERCADO INTERNO A dificuldade para se encontrar uma revista pernambucana em bancas de revista é enorme. Apenas a Prismarte pode ser encontrada com certa freqüência na banca Globo, uma das mais tradicionais da capital pernambucana. Os quadrinhos japoneses não. Eles dominaram as bancas da Região Metropolitana do Recife de assalto, de tal forma que existem lojas especializadas neste tipo de mercado. No Recife são quatro deste tipo. Uma delas é o Magic Center. O dono do estabelecimento, Bruno Vitor Miranda Costa, de 23 anos, conta que cerca de 1000 exemplares são vendidos todos os meses. Com os lucros, a loja foi ampliada e vende bem mais produtos que há três anos, quando foi fundada. “Já temos uma sede em Camaragibe e temos planos para expandir ainda mais”, destaca. No começo, o Magic Center vendia apenas card games (jogos de cartas) e mangá, atualmente vende diversos produtos relacionados às séries, como DVDs, miniaturas, trilhas sonoras de animação, acessórios dos personagens, fantasias, etc. Na Banca Globo, a força do mangá também se faz presente. O dono da loja de revistas, que gosta de ser chamado apenas de Zeca, conta que a vendagem de quadrinhos não é das melhores na atualidade, mas, mesmo assim, o domínio é dos mangás. “Temos procura por outros tipos de HQ também, mas a maioria das que sai são mangá”. Os números elevados e regulares de vendas de mangá também é algo pensado Capa do mangá Naruto em pelos autores. sua versão da internet Tr a d i c i o n a l m e n t e , as históricas são divididas em capítulos, como uma novela. No Japão, há revistas especializadas que publicam semanalmente, capítulos de dezenas de 16

Stênio Barros e a equipe de animePan

mangás diferentes. Os que mais fazem sucesso são encadernados. E são as séries mais conhecidas por lá que costumar vir para o Brasil. O FENÔMENO E A INTERNET Naruto é um dos mangás mais famosos da atualidade. A história de um ninja que sonha em se tornar o chefe da vila onde mora é exibida pelo canal pago Cartoon Network e no SBT e os mangás são publicados pela editora Panini. Antes mesmo de tudo isso chegar ao Brasil, a série já era famosa. Stenio Barros, do Grupo AnimePan, explica que a série foi divulgada pela internet de tal forma que qualquer fã de anime já sabia do que se tratava Naruto antes do mercado editorial perceber que a séria poderia render bons lucros. “Lembro de uma palestra que houve na UFPE com um dos desenvolvedores da série animada. Ele apresentou um trailer de um episodio que até hoje não passou na TV aberta. Ele esperava ver o auditório de boca aberta, mas todos fizeram pouco caso, porque já haviam visto uns 15 episódios na frente do que ele estava apresentando”, narra Stenio. A rede de computadores é uma ferramenta eficaz na divulgação dos quadrinhos e no caso dos mangá não é diferente. Diversos sites disponibilizam as HQs para serem baixadas gratuitamente, mas de forma pirateada. Os próprios fãs traduzem de revistas vindas do Japão, escaneando o material e depois traduzindo. Muitos fãs, como Luiza, já adotam os scans (como são chamadas essas versões on lines dos mangás) como principal meio de acesso aos quadrinhos japoneses. “Aprendi a ler em inglês porque não queria esperar pela tradução brasileira, que normalmente é feita a partir da norte-americana. Depois de um tempo, cansei de esperar – e confiar – nas versões em inglês e passei a ler o original”, relata a autodidata em leitura do idioma

FOTO/REPRODUÇÃO

popular, diz gostar de alguns mangás: “Existem autores muito bons, que não fazem parte desse circuito industrial japonês. Os caras sabem o que fazem, e muitas vezes não são conhecidos do grande público” Assim como nos anos 90 houve um crescimento pelos eventos de quadrinhos no estado de Pernambuco, nos anos 2000, uma leva cada vez maior de eventos dedicados ao mangá tem surgido. “Por isso defendo o mangá como um fenômeno de comunicação em massa que muito tem a nos ensinar”, reforça Luyten.


japonês. Por conta dessa habilidade com línguas estrangeiras, a jovem entrou no curso de comércio exterior. “Muito disso devo aos mangás”. Vivian Damaceno, 26 anos, é outra fã de mangás. Ela começou a colecionar em 2001, quando foi lançado o primeiro título da “nova geração do mangá no Brasil”, Cavaleiros do Zodíaco. Depois vieram vários outros títulos, dos mais variados segmentos. Hoje, Vivian tem uma verdadeira “mangateca”. “Não gosto da idéia de ler o mangá na tela do computador, por isso prefiro sair nas editoras”, conta. Ela destaca o enredo como um dos elementos que lhe fazem gostar tanto deste tipo de HQ. “Existem mangás para todo tipo de gosto. Eu, por exemplo, gosto das comédias românticas e existem várias, muito originais”, avalia. “É claro que não dá para comparar as publicações japonesas com as brasileiras nem com as pernambucanas, mas essas estratégias de difusão, concepção de enredo, criação de personagens e temas a serem abordados são lições que nossos autores devem observar e aprender” opina Sônia Luyten.

Números dos Mangás

JBC

Revistas publicadas - 30 milhões Volumes diferentes - 800

Conrad Tiragem: Dragon Ball: 20 mil Cavaleiros do Zodíaco: 20 mil Paradise Kiss: 15 mil One Piece: 12 mil

Página do Mangá One Piece, um dos mais vendidos no Japão e no Brasil

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Fundarpe nega patrocínio ao FIHQ-PE pela primeira vez em dez anos Daniel Santana Fotos: Daniel Santana

O

Festival de Humor e Quadrinhos de Pernambuco (FIHQ) já um evento consolidado no calendário do Recife. Em 2007, pelo menos sete mil pessoas compareceram à Torre Malakof, onde estavam sendo realizadas as exposições e demais atividades direcionadas ao público fã da nona arte. Neste ano, o festival chegaria a sua décima edição, mas por falta de patrocínio, o principal evento de quadrinhos do estado foi adiado por pelo menos um ano. O FIHQ é produzido pela Associação de Cartunistas de Pernambuco (Acape). O presidente da instituição, o quadrinista João Lin, lamentou o fato de este ano a verba do Funcultura, que sempre bancou a maior parte das despesas do evento, não ter sido disponibilizada pela Fundação do Patrimônio Artístico e Cultura de Pernambuco (Fundarpe). Lin explica que uma mudança na forma como a verba é repassada acabou atrapalhando os planos de realização do décimo FIHQ. “Antes este dinheiro era r e p a s s a d o diretamente. Desta vez, a Fundarpe solicitou que nos inscrevêssemos Ilustração pelo edital, para de João Lin, que o pedido de organizador verba para o FIHQ do FIHQ-PE fosse analisado.

Fizemos tudo o que disseram, mas, por algum motivo que não sabemos, o projeto não foi aprovado” relatou. Segundo Lin, a notícia de que não haveria dinheiro para a realização do festival surpreendeu a todos na Acape. “Não esperávamos que isso fosse acontecer, pois o FIHQ já fazia parte do calendário de eventos da prefeitura e do governo do estado”, destaca. Artistas como Gregório de Holanda, o Greg, receberam com tristeza a notícia de que o evento não seria realizado. “Lamento, pois é sempre bom poder encontrar alguns dos melhores profissionais da área, ter contato com outras experiências estéticas, e era isso que o Festival de Humor e Quadrinhos trazia”. A assessoria da Fundarpe explicou que, ao contrário de outros anos, em 2008, toda a verba do Funcultura passou a ser distribuída a partir de editais para as mais diversas manifestações artísticas. Como se trata de um concurso, alguns requisitos precisam ser cumpridos, para que o dinheiro seja liberado. “A aprovação ou desaprovação de um projeto passa pela avaliação de 15 jurados, sendo cinco cadeiras do Governo do Estado, cinco de artistas e cinco de membros de organizações do terceiro setor ligadas a área cultural”, esclarece Luciana Azevedo, presidente da Fundarpe. Entre os critérios avaliados, segundo Luciana, está a multiregionalidade de um evento: “Demos preferência a projetos que levavam em conta um público maior, que atingisse pelo menos três das macroregiões pernambucanas [Região Metropolitana, Zona da Mata, Agreste e Sertão], por exemplo” complementa. Ela ainda diz que esta decisão foi tomada pensando em atingir mais o interior, região que ela considera esquecida por

“Não esperávamos que isso fosse acontecer, pois o FIHQ já fazia parte do calendário de eventos da prefeitura e do governo do estado” João Lin

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outras gestões: “Infelizmente, grandes eventos, como o FIHQ, não puderam ser realizados. Mais de 80 projetos foram inscritos e só temos R$ 12 milhões para investir no setor. É uma verba limitada, mas que conseguimos distribuir de forma igualitária entre Região Metropolitana e interior”, destaca. ALTO CUSTO De fato,o Festival de Humor e Quadrinhos é um evento caro. Ano passado, por exemplo, foram necessários cerca de R$ 210 mil para um mês de exposições, palestras e outras atividades ligadas à área de desenho de humor e histórias em quadrinho, segundo a Acape. Desse total, pelo menos 90% foi bancado pela Fundarpe. O restante ficou por conta da Secretaria de Cultura do Recife. Mesmo sem o dinheiro do Governo do Estado este ano, João Lin, presidente da Acape, diz entender a posição da Fundarpe. “Acho que foi uma opção deles e é preciso respeitar. Ganhar e perder faz parte do jogo, e acho que as leis de incentivo à cultura nunca funcionaram tão bem quanto agora. Há falhas ainda, mas está bem melhor do que já foi e a tendência é que este instrumento se aperfeiçoe ainda mais”, comenta. Para Lailson de Holanda, ex-presidente da Acape e idealizador do FIHQ, a não realização do festival é uma grande perda para o estado e poderia ter sido evitada. “Quando eu estava à frente, o evento sempre era realizado em maio, mas a busca por recursos começava no ano anterior. Dá trabalho organizar algo de tão grande porte, portanto, é preciso haver planejamento”, critica. As críticas de Lailson foram bem recebidas por Lin. Ele diz que, de fato, houve falhas na administração da Acape para com o FIHQ, e cobra mais participação dos artistas. “A verdade é que somos todos amadores no que diz respeito à captação de recursos. Era preciso ter alguém que fizesse esse trabalho. Os artistas precisam aprender não só a produzir, mas a vender o que produzem”, declara. Apesar do preço para a realização do festival ser alto, seria possível fazê-lo, mesmo que com uma verba menor. “Não conseguimos dinheiro com a iniciativa privada e

isto foi um erro. Ano que vem, já estamos conversando com a Fundarpe para que encontremos um patrocínio específico, que não venha por meio de edital”, promete. IMPORTÂNCIA Desde quando foi criado, em 1999, o Festival de Humor e Quadrinhos de Pernambuco trouxe nomes importantes do mundo todo, cujo trabalho fosse direta ou indiretamente ligado aos quadrinhos. Assim vieram autores, artistas, críticos, roteiristas, acadêmicos, e outros especialistas no assunto, ora para ministrar palestra, ora para apresentar aos pernambucanos suas obras. Além de promover a interação entre artistas internacionais os quadrinista pernambucanos e de estados vizinhos, o FIHQ foi a vitrine que sempre esteve ausente no mercado local de quadrinhos. “Lembro que em 2003 meu trabalho foi exposto na Torre Malakof. Foi aí que percebi que havia mais pessoas além de mim que gostavam do trabalho que eu desenvolvia”, declarou Amaro Braga. Para Mascaro, editor de arte do Diario de Pernambuco e da HQ Ragu, a importância do festival para os quadrinistas pernambucanos é notável. “Você tinha muita gente que produzia e não se conhecia, e o FIHQ foi a oportunidade que faltava para que houvesse essa interação. Rodrigo Coutinho, assessor de comunicação da Fundarpe, concorda com os artistas e enaltece a importância do evento, mas, outra vez, justifica a escolha da instituição: “Também reconhecemos o valor dos quadrinhos Presidente enquanto arte, tanto da Acape que existe um fundo lamenta corte de específico para esta verbas área que quase não para é usado por falta de FIHQ-PE projetos inscritos. Mas, conforme dissemos, não seria possível abraçar tantos eventos ao mesmo tempo com o pouco recurso de que dispomos”. 19

FOTO/ARQUIVO PESSOAL

“A verdade é que somos todos amadores no que diz respeito à captação de recursos. Era preciso ter alguém que fizesse esse trabalho. Os artistas precisam aprender não só a produzir, mas a vender o que produzem” – João Lin


Reportagens:Daniel Santana Orientação: Marcela Sampaio Diagramador: André Marinho

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