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PARA ALÉM DO CÓDIGO DE HAMURABI: ESTUDOS SOCIOJURÍDICOS

“LOS NADIES”: estrangeiros encarcerados no Brasil André Carneiro Leão 1.

INTRODUÇÃO

O percentual de presos estrangeiros em relação ao total de pessoas encarceradas no Brasil é, de acordo com dados do Ministério da Justiça brasileiro, de, aproximadamente, 0,5% (meio por cento). Muitos dirão que esse é um contingente insignificante, isto é, um nada (ou “quase-nada”). Há, contudo, entre esses “quase-nadas”, seres humanos com nomes e rostos, com idiomas e culturas diferentes. São homens e mulheres que, por razões diversas, mas muitas vezes relacionadas com o tráfico de drogas, acabam sendo detidos(as) em nosso país e, a partir de então, passam por um processo de exclusão e isolamento que os(as) despersonifica. Muitos(as) deles(as) são taxados(as) de “mulas do tráfico”. São peças descartáveis e facilmente substituíveis da engrenagem do comércio de drogas, responsáveis fundamentalmente pelo transporte de malas e outras embalagens insuspeitas. O conteúdo ilícito dessas malas é o que vale, tanto para os contratantes de seus serviços como para os órgãos policiais. Uma vez detidas, as “mulas do tráfico” perdem sua relevância na engrenagem e são simplesmente esquecidas. Atrás das grades, essas pessoas são submetidas a situações que acentuam o processo de nulificação. Deixam de ser sujeitos de (poucos) direitos e passam a ser “nadas” ou “quase-nadas”. O presente estudo visa contribuir minimamente para a inversão desse processo de nulificação, revelando os números sobre o fenômeno do encarceramento de estrangeiros em países distintos e no Brasil. Intenta-se, ao menos, suscitar o interesse pelo desenvolvimento de pesquisas empíricas sobre os estrangeiros, indicando algumas pistas ou hipóteses a serem conferidas em estudos mais profundos. Para tanto, inicialmente, apresentaremos dados sobre o encarceramento de estrangeiros como um fenômeno mundial, a partir de relatório apresentado por Armida Miotto (1985), que foi responsável por acompanhar, no Brasil, a primeira pesquisa com pretensões globais promovida pela ONU. Em seguida, apresentaremos dados sobre o encarceramento de estrangeiros na Espanha, na Argentina, em Portugal e no Brasil. A ideia é comparar a realidade brasileira com a de outro país latino-americano, e a destes com a de países europeus. Portugal e Espanha foram escolhidos por terem sido os responsáveis pela colonização da América Latina e pelas óbvias influências nas instituições jurídicas e na cultura brasileira e portenha, respectivamente. Buscar-se-á relacionar o número de pre-

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