O ESGAR DO CRÂNIO NU: a construção da imagem do corpo em Hilda Hilst e Iberê Camargo

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2.6. O UNICÓRNIO: O CORPO BESTIAL Em "O Unicórnio", há os dois irmãos: o menino pederasta, meio homem e meio mulher, e a menina lésbica, também homem-­‐mulher, e o eu-­‐narrador, o único feminino presente no livro todo, transformado em unicórnio, homem-­‐animal. O Unicórnio atuando como bicho, comendo verduras e frutas podres, causando estranheza e nojo, apresentando características grotescas e abjetas. No conto, Hilst procura mostrar com essa metáfora, como é visto o homem: que é homo e ainda assim não deixou ser animal. A escritora apresenta esse homem primata por meio de um rebaixamento do humano quando o retrata atuando como um bicho, um ser irracional. Segundo Santos, Em "O Unicórnio", com uma linguagem narrativa trespassada de poesia, a autora critica o homem, suas crenças e injustiças, e lembra que “o homem é o lobo do homem”, pois ele mesmo cria suas regras, seu mundo, de acordo com suas conveniências, utilizando-­‐se dos veículos de informação para nos fazer acreditar naquilo que é melhor para um determinado momento político e econômico, denunciando o trabalho ideológico. (SANTOS, 2006, p. 22)

No início do conto, o eu-­‐narrador relata a outro personagem as características físicas e psicológicas da menina lésbica e do menino pederasta, contrapondo um certo erotismo com baixos corporais de forma grotesca:

Eles eram malignos. Ela amava as mulheres. Mas isso não tem importância e talvez não dê malignidade a ninguém. Dizem que todos os pervertidos sexuais tem mal caráter. Dizem, eu sei. Você acredita? Acredito sim. No aspecto físico ela era uma adolescente sem espinhas, E ele? Espere, quero falar mais dela. Muito bem, espinhas então. Isso não é tudo. Quando ela falava de sexo, debaixo da figueira, eu começava a rir inevitavelmente. Que coisa saberia do sexo aquela adolescente tão limpinha? E depois, veja bem se era possível levar a sério: ela usava uma calcinha onde havia um gato pintado. Quê? juro. Você viu a calcinha? A calcinha foi pendurada certa vez num prego do banheiro: você jura que eu estou vendo um gato pintado na tua calcinha? Ela sorriu. Mas o gato teria por certo uma finalidade. Que finalidade pode ter um gato pintado numa calcinha? É, moça, não sei, essas coisas são complicadas. Podem ser ingênuas e engraçadas para você e muito eficientes, assim, no plano erótico, para o outro. (HILST, 2003, p. 146)


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