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DIREÇÃO EDITORIAL E DE ARTE DESIGN Anderson Brito Dayane H. V. Pereira Lívia da S. Machado TEXTO Paulo Herkenhoff VIK MUNIZ STUDIO Erika Benincasa Lucas Blalock TRADUÇÃO Patrik E. McDavid William E. “Bil” McDavid REVISÃO Paulo Kaiser

VIK

Organização de Leonel Kaz e Nigge Loddi. Texto de Paulo Herkenhoff. Rio de Janeiro, Aprazível Edições 2009. 144p, 29,5 x 37 cm, ilust.

ISBN 978-85-89978-11-8

1. Arte 2. Historia da Arte I. Muniz, Vik II. Kaz, Leonel III. Loddi, Nigge IV. Herkenhoff, Paulo

Copyright © Aprazível Edições Direitos reservados Direitos de imagens © Vik Muniz




Sumário Bibliografia............................................................................................................. A propósito de VIK............................................................................................... Imagens em séries................................................................................................. O melhor da (revista) LIFE.................................................................................. Individuos............................................................................................................... Equivalentes........................................................................................................... Imagens de arame.................................................................................................. Imagens de Linha................................................................................................... Crianças de açúcar.................................................................................................. Cárceres.................................................................................................................... O Depois.................................................................................................................. Imagens de chocolate.............................................................................................. Imagens de tinta...................................................................................................... A partir de Warhol.................................................................................................. Imagems de Poiera.................................................................................................. Imagens de Earthworks.......................................................................................... Imagens de nuvens.................................................................................................. Imagens de cores..................................................................................................... Monadas................................................................................................................... Rebus......................................................................................................................... Imagens de Diamante e Caviar.............................................................................. Imagens de Revistas................................................................................................ Imagens de Sucata................................................................................................... Imagens de Pigmentos............................................................................................ Montinhos................................................................................................................ Imagens de Papel..................................................................................................... Imagens de Lixo...................................................................................................... Quebra-Cabeca....................................................................................................... Medusa Marinara.................................................................................................... Duas Bandeiras........................................................................................................ Vik muniz: A vista abaixo da linha do equador.................................................. Notas.........................................................................................................................

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Bibliografia Vik Muniz nasceu no centro de ao Paulo, em 1961. Filho único de um garçom e uma telefonista, passou parte e sua infância morando na periferia da cidade. Autodidata, antes de se tornar artista plástico, ele passaria por vários empregos. Um deles, numa pequena agencia de anúncios, despertou seu interesse por imagens com poder persuasivo e pelas possibilidades de manipulação delas, Em 1983, um acidente mudou o rumo de sua vida: após sair de uma reunião social, Vik presenciou uma violenta briga entre dois homens e acabou levando, por engano, um tiro na perna. O atirador, tentando evitar a queixa policial, lhe ofereceu uma soma razoável de dinheiro, o que possibilitou sua ida para os Estados Unidos. Depois de dois anos em Chicago, junto a familiares, ele seguiu, em 1986, para Nova York. A idéia inicial era ficar apenas seis meses. A estada, contudo, se estendeu e Vik acabou naturalizando-se norte-americano. Os primeiros anos foram difíceis. Ele trabalhou em diversos empregos, ao mesmo tempo em que estudava direção e teatro e cenografia. Sua primeira mostra acontcu em 1989. Nela, ele expõe uma série de escultura chamada Reliquias – objets trouvés fabricados ou falsas descobertas arqueológicas, como a Maquina de Café Pré-Colombiana. Esses trabalhos já delineavam a atitude bem-humorada que marcaria toda a sua obra. Ao ver as peças fotografadas por um profissional, a título de registro, Vil teve o insight que influenciou decisivamente seu trabalho: as reproduções fotográficas, e não o original, seriam o objeto final de sua arte. Desde então, ele passou a usar a fotografia como suporte para desenvolver uma serie de experimentações com materiais como geléia, calda de chocolate,diamantes e lixo entre outros. O sucesso viria somente nos anos 1990, seu talento é descoberto por Charles Haggan, critico de arte o jornal The New York Times. Sua participação na conceituada mostraNew Photography, em 1995, abre caminho para o reconhecimento mundial. Em 2001, ele é escolhido como representante do Brasil na Bienal de Veneza. Em 2005, escreve o livro Reflex: A Vik Muniz Primer e o traduz para português, em 2007. Recentemente, Vik foi convidado para ser o primeiro brasileiro a participar como curador da nova versão o Art`s Choice (2008-2009), um projeto de sua geração, as obras de Vik integram os acervos de alguns dos principais museus do mundo, como The Metropolitan Museym of At e Museu de Arte Moderna (ambos em Nova York), Tate Gallery (Londres) e Center Georges Pompidou (Paris).

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A propósito de VIK Olhe à sua volta: há um mundo de coisas para as quais você não dá menor importância. Poeira? Você já pensou em conhecer outro significado à poeira? E o lixo pode ser algo alem de ser, simplesmente, lixo? Pois bem, um artista brasileiro -seu nome é Vik Muniz – foi capaz de olhar essas coisas cotidianas e, com elas, recriar possibilidades de apresentar e perceber o mundo. Como ele faz isso? Ele olha para as fotografias antigas e obras de arte conhecidas (ele se debruça sobre o passado sem medo!), recolhe retratos de personalidades famosas e dá a elas um toque de humor, e vivacidade, como no retrato da atriz Elizabeth Taylor, feito com... diamantes! Ou no dizer do próprio Vik: “A cópia ocupa um vasto lugar em minha obra como artista, não somente devido a meu sentimento de eterna gratidão pelos artistas que me antecederam, como devido à minha forte crença em um modelo de criatividade não-revolucionário.” Em seu livro Reflex: Vik Muniz de A a Z, o artista cita o escritor inglês Oscar Wilde: “O mistério do mundo é o visível; não o invisível” Desde meados da década de 1990, o artista vem subvertendo a relação entre realidade e ilusão, figuração e abstração, meios e fins. Vik trabalha em vários níveis de compreensão: num primeiro momento, o que s vê é uma fotografia. Depois, você vê além: há todo um pensamento filosófico e sensorial por trás de cada imagem, repleta de duplos sentidos. Duplos ou triplos, Vik é, como suas fotografias, vários em um, desempenhando papeis, como pintor, escultor, desenhista, fotografo, escritor, criador, ilusionista e crítico. A exposição VIK, realizada por Aprazível Edições e Arte, é a maior já dedicada ao artista. Depois de passar pelos Estados Unidos, Canadá e México, ela chega ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e ao Museu de Arte de São Paulo no momento em que Vik Muniz atinge o ápice de seu reconhecimento, tornando-se um dos brasileiros mais consagrados no cenário da arte internacional;

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Imagens em séries “A espinha dorsal da educação é o brincar”, escreveu Vik Muniz em seu livro Reflex. E prossegue: “Acredito que nem todas as pessoas sejam artistas, mas todas que desejarem ser possuem tudo o que o mundo tem a oferecer para que, um dia, elas se tornem. Se eu pude, qualquer um pode”. Agora, leia os textos que, a seguir tornam nítido aos seus olhos como cada serie de imagens foi criada pelo artista. Depois, brinque você também. Aproveite o mundo à sua volta e o reinvente!

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O melhor da (revista) LIFE O primeiro livro adquirido por Vik Muniz após deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos, em 1983, foi O Melhor de Life, uma coleção de fotografias famosas publicadas nessa revista, comprado em uma venda de garagem. Muitas das imagens são parte da memória coletiva cultural norte-americana. Para o recém-chegado Vik, o livro serviu como álbum de fotos de família, fazendo-o se sentir em casa no seu novo ambiente. Muitos anos depois, Le perdeu o livro. Em um esforço para recuperar as imagens, ele começou a desenhá-las baseando-se em sua memória. Quando foi convidado a apresentar os desenhos sentiu que ainda eram, de certo modo, toscos. Decidiu fotografa-los, suavizando o foto a fim de disfarçar as imperfeições. Devido às falhas de sua memória, os desenhos de Vik se diferenciavam das famosas fotografias nas quais foram baseados. Quando apresentou as fotos de seus desenhos, descobriu que a maioria das pessoas não questionava a precisão dos mesmos. Ao fazer esses trabalhos, Vik subitamente revela o quão abertos estamos para sugestões e manipulações e quanto do que vemos é baseado no que já conhecemos.

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Da mem贸ria, beijo em Time Square, O MELHOR DA (REVISTA) LIFE. | gelatin silver print > 35,6 x 27,9

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Da mem贸ria, filme em 3D, O MELHOR DA (REVISTA) LIFE. | gelatin silver print > 35,6 x 27,9

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Individuos Vik Muniz se tornou fotografo por acidente. Ele conta que começou sua carreira como escultor, mas, à medida que fotografava suas peças para documentálas, percebeu que era das imagens que realmente gostava. Quando tirava fotos das esculturas, ele encontrava o ângulo perfeito, a iluminação perfeita e a exposição perfeita para capturar o efeito que havia imaginado quando começou a produzir a escultura. Naquele momento, a fotografia se tornou mais interessante para ele do que a escultura propriamente dita. Vik explora esse fenômeno em Individuos, que apresenta imagens de 52 esculturas produzidas por ele de um único bloco de pastilhas branca. Cada vez que concluía uma escultura, ele a fotografava e em seguida a destruía para assim poder reutilizar o material em uma próxima peça. Por fim, as únicas coisas que sobravam das esculturas eram as fotos tiradas por ele para documentar a sua existência.

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INDĂ?VIDUOS > photogravure (52 imagens) | 38,1 x 38,1 cada.

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INDĂ?VIDUOS > photogravure (52 imagens) | 38,1 x 38,1 cada.

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Equivalentes Equivalentes ganha esse nome em referência a uma serie de obras do famoso fotografo norte-americano do início do século 20, Alfred Stieglitz. Suas fotos eram estudos dos formatos das nuvens, que sugeriam um sentido de equivalência entre as imagens e suas emoções. Vik, por sua vez, brinca de achar formas reconhecíveis nas formações de nuvens. Utilizando pedaços de algodão para reproduzir diferentes formatos, ele enfatiza a participações ativa do observador na interpretação das fotos. As fotos de Vik podem se vistas como algodão, nuvens ou imagens de objetos sem que haja duas leituras ao mesmo tempo. Quando se vê o algodão, perdem se as nuvens e os objetos e, quando se vê a nuvem, perdem-se os outros dois aspectos.

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O remador, EQUIVALENTES | platinum palladium print > 26,5 x 33cm

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O m達os de D端rer em ora巽達o, EQUIVALENTES | platinum palladium print > 33 x 25 cm

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Imagens de arame Esta série reflete o crescente interesse de Vik por imagens que possuam duas leituras divergentes: como material e como imagem. Ao escolher o arame quis um material que pudesse Sr visto tanto como uma substancia física quanto como uma linha de desenho. Ele se inspirou em artistas, como Jean Cocteau e Alexandre Calder, que utilizaram arames para fazer esculturas que eram vistas como desenhos no espaço. Vik acha que o lápis são como atores: ao criar uma imagem, fazem seu trabalho tão bem que o espectador nunca pensa em questionar a distinção entre o ator e o personagem, entre as marcas de um lápis e a imagem. Ao trabalhar com arame, Vik quis trabalhar com um “mau ator”, para que as pessoas nunca pudessem perde-lo na imagem, mas ficassem sempre atentas aos meios usados para produzi-la. Isso é o que Vik costuma chamar de “a pior ilusão possível”, aquela que ainda pode enganar o observador, mas apenas por um momento.

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Fiat Lux (L창mpada), IMAGENS DE ARAME | toned gelatin silver print > 50,8 x 40,6 cm

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Cadeira virada, EQUIVALENTES | toned gelatin silver print > 50,8 x 40,6 cm

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Imagens de Linha Após explorar a natureza-morta nas Imagens e Arame, Vik decidiu tentar as paisagens. Ele optou pela linha de costura como alternativa para criar suas imagens. Ao executar seus “desenhos” com linhas, Vik cortou em camadas. A ilusão de distância é criada pelos variados volumes formados pelas linhas. A parte da frente da imagem foi obtida aplicando grossas camadas de linha, enquanto elementos distantes foram aplicados em camadas mais finas. O título de cada trabalho é dado com base no comprimento total das linhas utilizadas em sua produção.

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18.288 metros (Castelo em Bentheim, baseado em Jacob Ruisdeal). IMAGEM DE LINHA | toned gelatin silver print > 61 x 50,8 cm

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14.630 metros (O Sonhador, baseado em Corot). IMAGEM DE LINHA | toned gelatin silver print > 50,8 x 61 cm

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Crianças de açúcar Enquanto estava de férias na ilha de St. Kitts, no Caribe, Vik conhece um grupo de crianças nativas na praia. Ele ficou encantado com o seu comportamento doce. Mais tarde, quando conheceu alguns dos pais das crianças foi igualmente afetado pela exaustão e pela falta de esperança dos adultos, resultado de longo anos de trabalho duro em plantações de cana-de-açúcar. Ao voltar para Nova York, não conseguia parar de pensar no futuro que seus jovens amigos estavam fadados a enfrentar. Vik decidiu duplicar as fotos que havia feito das crianças, usando açúcar como material. Em um pedaço de papel preto, polvilhava o açúcar cuidadosamente de modo que, gradativamente, se formassem os rotos das crianças. Esta serie reflete a crescente tendência de usar materiais intimamente relacionados ao sentido da imagem nos trabalhos do artista.

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O pequeno Calist não sabe nadar, CRIANÇAS DE AÇUCAR | gelatin silver print > 35,6 x 27,9 cm

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Valicia se banha com roupas de domingo, CRIANÇAS DE AÇUCAR | gelatin silver print > 35,6 x 27,9 cm

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Cárceres A série Cárceres foi criada baseando-se na famosa série de gravuras das fantasias arquitetônicas o artista e arquiteto italiano o século 18 Giovanni Battista Piranesi – Carceri D`Invenzione (Prisão Imaginária). De certo modo, esses trabalhos lembram as Imagens de Linha, mas aqui é o espaço arquitetônico que é evocado, não a paisagem. Em vez de repousar em camadas irregulares, a linha ziguezagueia, tensionada em uma trilha de alfinetes. Estes reforçam a alusão feita à gravura, na qual uma agulha de aço é usada para arranhar o desenho sobre uma superfície resistente a ácido. As fotografias resultantes apresentam um contraste estonteante entre dois tipos de espaço: a profundidade da perspectiva ricamente sombreada dos desenhos arquitetônicos e a baixa elevação dos alfinetes.

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Cárcere XIV, o arco gótico, baseado em Piranesi, CÁRCERES | chomogenic print > 182,9 x 243,8 cm

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Cรกrcere IX, a roda gigante, baseado em Piranesi, Cร RCERES | chomogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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O Depois A série O Depois foi criada em 1998 para a Bienal de São Paulo. Vik foi motivado pelas precárias condições de vida em que viviam aproximadamente 5 mil crianças órfãs nas ruas da principal cidade do Brasil. “Aquelas crianças não tinham nada em comum com meus jovens amigos caribenhos. Elas não brilhavam, estavam falsamente adaptadas ao seu ambiente. Elas já eram da mesma cor apagada da cidade. Usavam sua invisibilidade para que as pessoas as deixassem em paz.” Depois de fazer amizade com algumas das crianças, Vik pediu para que posassem para ele. Mostrou a elas um livro de historia da arte e pediu para que cada uma ecolhesse uma imagem cuja pose gostaria de imitar. Vik, então, as fotografou e usou as fotos como base para essas imagens, feitas do lixo colorido jogado às ruas na Quarta-Feira de Cinzas, o dia depois do Carnaval.

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Angelica, O DEPOIS | cibachrome print > 183 x 122 cm

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Socrates, O DEPOIS | cibachrome print > 183 x 122 cm

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Imagens de chocolate A calda de chocolate provou ser um material de enorme sucesso para o trabalho de Vik Muniz. Foi um material “pintável”, fácil de trabalhar e carregado de muitas associações. “Chocolate te faz pensar em amor, luxo, romance, obesidade, escatologia, manchas, culpa etc.” Por secar rapidamente –, o material forçou Vik a trabalhar depressa. Uma hora era o tempo Maximo com que podia trabalhar antes que a calda começasse a se solidificar. Por vezes, teve de “ensaiar” uma imagem, refazendo-a até descobrir o jeito mais rápido de executá-la. Essa produção performática o fez lembrar do trabalho de Jackson Pollock, o pintor “do pingos”, cujo processo “dançante” de pintura foi captado em uma conhecida serie de fotografias tiradas por Hans Namuth. Vik estudou a distancia que um observador fica de uma imagem pintada ou e uma fotografia tradicional, e isso o levou a ampliar bastante as dimensões de suas fotografias, forçando as pessoas a se afastarem da parede para que pudessem ver a imagem. Essa maior escala se tornou uma característica central de seus trabalhos subseqüentes.

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Action Photo, baseado em Hans Namuth, IMAGENS DE CHOCOLATE | cibachrome print > 152,4 x 122 cm

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Indivíduos, IMAGENS DE CHOCOLATE | cibachrome print > 152,4 x 122 cm

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Imagens de tinta Chegando ao século 21, percebemos que o modo com que recebemos notícias mudou significativamente. Mais e mais pessoas têm buscado informações através da televisão e da internet, enquanto a circulação de jornais vem diminuindo. Com a mídia ficando cada vez mais imaterial, as pessoas vêm se tornando mais vulneráveis aos seus efeitos, perdndo a capacidade de filtrar e olhar criticamente para o que vêem. Vik criou esta série, reproduzindo famosas fotografias de notícias com tinta – o material com que costumávamos vê-las - ampliando-as ate tornar o seu método de reprodução (o padrão de partículas usado nas impressões de jornais). Enfatizano a natureza impressa das imagens originais, Vik voltou suas atenções para a conexão entre as imagens de noticias e as suas instituições que as distribuíam. Em O Melhor de Life, que também lidava com o imaginário de noticias, Vik havia focado a natureza etérea d imagens conhecidas: quão presentes estavam no subconsciente das pessoas. Em Imagens de Tinta, enfatizou a natureza das imagens originais, sua existência como pontos no papel, num momento em que imagens são, cada vez mais, feitas de luz, em vez de substâncias.

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Desastre, IMAGENS DE TINTA | chomogenic print > 101,6 x 127 cm

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Monstro, IMAGENS DE TINTA | chomogenic print > 76,2 x 101,6 cm

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A partir de Warhol Vik se interessou em produzir imagens com materiais perecíveis, porque sua transitoriedade parecia justificar sua documentação. Muitos desses materiais eram comestíveis, e ele se sentia atraído por aqueles que evocam um sentido da pintura, como molho de tomate, manteiga de amendoim e geléia.

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Mona Lisa Dupla (gelĂŠia), A PARTIR DE WARHOL | cibachrome print > 122 x 152 cm

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Mona Lisa Dupla (manteiga de amendoim), A PARTIR DE WARHOL | cibachrome print > 122 x 152 cm

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Imagems de Poiera Em 1991, Vik visitou o Centro Georges Pompidou, em Paris, durante uma greve da manutenção. Ele gostou de ver as obras de arte cobertas por poeira. O efeito o fez lembrar da fotografia da obra O Grande Vidro, e Marcel Duchamp, tirada por Man Ray, coberta de poeira após ter ficado guardada em um deposito por muito anos. Dez anos depois, quando foi convidado a expor no Museu Whitney, em Nova York, ele decidiu utilizar o espaço como objeto e a poeira como material. Focou sua seleção em esculturas minimalistas, que supostamente dizem respeito a elas mesmas e nada alem disso. Ele também pediu que a administração o museu recolhesse os sacos os aspiradores de pó com a equipe a manutenção. Usando a poeira recolhida, produziu imagens de obras abstratas, que eram totalmente independentes do ambiente à sua volta. Fazer essa serie se provou extremamente difícil. O menos movimento poderia levantar a poeira no espaço. Vik teve de criar uma serie de estações de trabalho fechadas para fazer os desenhos. Usando estênceis, ele e seus assistentes polvilharam a poeira, que lentamente ia se depositando no lugar desejado, formando as imagens.

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IMAGENS DE POEIRA | Ilfochrome print > 121,9 x 159,9 cm

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IMAGENS DE POEIRA | Ilfochrome print > 171,7 x 121,9 cm

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Imagens de Earthworks Vik estava intrigado pela natureza paradoxal dos trabalhos feitos sobre a Terra, criados pó artistas das décadas de 1960 e 70, como Robert Smithson, Michael Heizer e Walter e Maria, que fizeram enormes obras de arte no meio do deserto. A maioria desses trabalhos é conhecida apenas através e fotografias e desenhos. Quando viu pela primeira vez a imagem da famosa Spiral Jetty de Smithson, em Great Salt Lake, Vik pensou: “Uau! O que esse cara teve que fazer para conseguir essa fotografia...” Em 2002, Vik criou duas levas de trabalhos sobre Terra. Uma consistia em desenhos e utensílios domésticos medindo de 120 a 180 m, gravados no solo de uma mina de ferro brasileira usando uma escavadeira. Ele fotografou esses desenhos de um helicóptero. Usando a mesma câmera, fotografou uma segunda versão, medindo não mais de 30 cm. Imprimiu as imagens no mesmo tamanho, fazendo com que descobrir a diferença entre os modelos e o real trabalho sobre a terra, se tornasse um trabalho de detetive. Em 2005, Vik criou uma terceira série, dessa vez fazendo desenhos enormes, com centenas de metros de comprimento, numa dimensão capaz de rivalizar com os grandes desenhos de Nazca, no Peru.

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Tesoura, IMAGENS DE EARTHWORKS | toned gelatin silver print > 50,8 x 61 cm

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Macho, IMAGENS DE EARTHWORKS | gelatin silver print > 50,8 x 61 cm

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Imagens de nuvens Em 2001, Vik fez o primeiro dos seus desenhos de nuvens, usando a fumaça de um avião e popaganda aérea. Os desenhos consistem de linhas executadas no firmamento azul, representando nuvens, como pictogramas que “dão a idéia” de nuvens. A relação entre a imagem, a idéia e a realidade se transformou m uma grande confusão. O projeto Nuvem Nuvem apresentou o artista a um publico totalmente novo. O trabalho de Vik provou que o papel dos espectadores é fundamental à compreensão total da obra pela arte. Ironicamente, mesmo tentando fazer com que seus desenhos parecessem apenas nuvens soltas no céu, as pessoas enxergaram diversas outras formas, como um sombreiro e uma luva de beisebol.

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Nuvens nuvem, Manhattan, IMAGENS DE NUVENS | gelatin silver print > 50,8 x 61 cm

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Nuvens nuvem, Miami, IMAGENS DE NUVENS | gelatin silver print | gelatin silver print > 50,8 x 61 cm

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Imagens de cores Nesta série, Vik utiliza a escala Pantone para criar imagens que evocam os pixels das imagens digitalizadas. Em uma foto digital, quando a imagem é ampliada até o ponto em que seus pixels podem ser vitos, ela é considerada uma foto de má qualidade. Vik, ao contrário, adora esse efeito, focando justamente o ponto em que ainda temos bastante informação para reconhecer uma imagem apesar de sua fragmentação. Normalmente, nós só enxergamos essas imagens “pixeladas” nas telas de nossos computadores, onde podemos ampliá-las livremente. Vik, no entanto, procura outra forma de enfatizar a natureza física dos pixels, usando papeis coloridos, em vez da luz colorida das telas. Muitos dos pedaços de cor nas suas imagens estão envergonhados, suas laterais são levemente irregulares e os seus “pés” mantêm as etiquetas Pantone. Esses aspectos físicos destacam a complicada relação entre o objeto e a sua imagem, que fundamenta muito de sua obra.

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Baseado em Gerhard Richter, IMAGENS DE CORES | chromogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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Chuck, IMAGENS DE CORES | chromogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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Monadas Para esses trabalhos, Vik se inspirou em uma série fotografias produzidas por Arthur S. Molde e John D. Thomas. Esses fotógrafos usaram o período e recrutamento a Primeira Grande Guerra para reunir milhares de soldados, determinando que eles fizessem diversas formações. Definindo a posição dos soldados, Mole e Thomas criaram imagens representando a Estatua da Liberdade e o presidente Wilson, entre outras. Afetado pelas histórias de crianças recrutadas como soldados na Namíbia, na Costa do o Marfim e no Iraque, Vik decidiu utilizar soldadinhos de plástico para reproduzir uma foto bem conhecida de um adolescente da Guerra Civil norte-americana. Isso o levou a fazer outras imagens com bonecos e outros tipos de brinquedo plástico. O titulo esta seie faz referencia a um conceito do filosofo alemão Leibniz, o século 18. As mônadas são partículas indivisíveis que constituem a essência de todas as coisas.

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Soldado de brinquedo, Mテ年ODAS | chromogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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Cavalo, Mテ年ODAS | chromogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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Rebus Rebus foi a série que veio depois de Mônadas. Enquanto esta se caracterizava pelo uso de um tipo de brinquedo, como figuras de plástico ou besouros, aquela se diferencia por se utilizar de uma enorme variedade deles. “Eu penso que meu trabalho tem sido inspirado tanto pelas lojas de brinquedos como pelos museus”, diz Vik. “Eu julgo minha maturidade artística pela habilidade de me fazer entender pelas crianças, por ser como uma delas. Você só é novo uma vez – mas isso pode durar uma vida inteira.”

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Retrato de Alice, baseado em Lewis Carroll, REBUS | chromogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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Auto-Retrato (Estou muito triste para te contar, baseado em Bas Jan Ader), REBUS | chromogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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Imagens de Diamante e Caviar Um colecionador das obras de Vik que trabalhava no mercado de diamantes fez uma proposta ao artista: forneceria uma coleção de diamantes para que ele produzisse alguns obras, com a condição de que cedesse alguns dos trabalhos resultante para um leilão beneficiente. Para Vik, o glamour do brilho dos diamantes pareceu perfeito para fazer uma série de retratos das divas do cinema. Os diamantes com os quais trabalhou eram bastante pequenos, mas quando fotografados ganharam uma escala impressionante. Além de fazer referência à “imortalidade hollywoodiana”, as Imagens de Diamante nos remetem à questão: uma imagem de diamantes valeria mais do que uma imagem de chocolate? Vik deu seqüencia com a série Imagens de caviar: O caviar pode ter tanto glamour quanto diamantes, mas é muito menos durável. Ele decidiu, então, fazer imagens de outro grupo de estrelas de Hollywood – o monstros, que por suas características de transformação, decadência e morte ( vários costumam morrer no final dos filmes) fazem do caviar um conveniente veiculo de representação.

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Elizabeth Taylor, IMAGENS DE DIAMANTES | cibachorme print > 152,4 x 121,9 cm

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Monica Vitti, IMAGENS DE DIAMANTES | cibachorme print > 152,4 x 121,9 cm

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Frankenstein, IMAGENS DE CAVIAR | chromogenic print > 152,4 x 121,9 cm

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Dracula, IMAGENS DE CAVIAR | chromogenic print > 152,4 x 121,9 cm

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Imagens de Revistas Essa série é dividia em duas partes distintas: retratos e imagens de quadros famosos. Ela começa com uma reflexão sobre celebridade. No Brasil, Vik alcançou certa celebridade, o que o possibilitou seu encontro com outras celebridades. Ele achava difícil “casar” a pessoa real com aquela que ele havia conhecido através da mídia procurou reproduzir essa dificuldade de “montar” uma pessoa através da sua imagem publica ao representá-la com milhares de pedaços de revistas. Os retratos dessa série são todos de celebridades brasileiras (incluindo ele mesmo). Depois de terminar a série e retratos, Vik desejou continuar trabalhando com a técnica desenvolvida. Já que as naturezas-mortas foram concebidas como um método de estudo, ele reproduziu uma quantidade de naturezas-mortas de artistas como Fantin-Latour e Giorgio Morandi usando essa técnica. Os trabalhos de pintor impressionista de Claude Monet são um marco divisório na historia da arte pelo fato de se situarem entre figuração a abstração, entre a pintura e a ilustração. Vik decidiu, então, interpretar o famoso tríptico dos Nenúfares, também usando essa técnica.

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Auto-retrato (verso), IMAGENS DE REVISTA | chromogenic print > 233,7 x 182,9 cm

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Auto-retrato (frente), IMAGENS DE REVISTA | chromogenic print > 233,7 x 182,9 cm

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Imagens de Sucata Essa série é fita atravs da fotografia de imensas composições de materiais descartados. Como na série Mônadas – só que numa escala muito maior –, Vik as fotografa de certo ângulo, o que o obriga a criar uma imagem distorcida com a sucata, a qual só será corrigida através do ponto d vista da câmera. Embora o desenho seja concebido como uma imagem bidimensional, os itens postos no primeiro plano são maiores do que os destinados ao fundo a composição. As imagens apresentadas nessa série, baseadas em pinturas de Goya e Caravaggio, refletem a natureza da sucata: o que ela diz a nosso respeito e o que ela diz a respeito da nossa atitude diante o futuro.

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O Jardin das Delicias, baseado em H. Bosch, QUEBRA CABEÇA | digital C print > 261,6 x 194.8 cm

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Atalanta e Hippomenes, baseado em Guido Reni, IMAGENS DE SUCATAS | digital C print > 236,2 x 180,3 cm

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Saturno devorando um de seus filhos, IMAGENS DE SUCATAS | chromogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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Narciso, baseado em Caravaggio, IMAGENS DE SUCATAS | chromogenic print > 243,8 x 182,9 cm

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Imagens de Pigmentos Essas imagens nos remete às primeiras séries, como Crianças de Açúcar e Imagens de Terra, nas quais El usou materiais granulados como veiculo para seu trabalho. Ele compôs suas imagens derramando camada de diferentes pigmentos sobre reproduções de famosas obras de arte, como A Japonesa, de Monet, fotografandoas depois. Os trabalhos originais foram executados, na verdade, com tintas a óleo, que nada mais são do que pigmentos em pó misturados com óleo de linhaça. As imagens de Vik são pinturas a óleo sem o óleo.

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Catedral de Rouen, baseado em Claude Monet, IMAGENS DE PIGMENTOS | chromogenic print > 243,8 x 182,9

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Catedral de Rouen, baseado em Claude Monet, IMAGENS DE PIGMENTOS | chromogenic print > 243,8 x 182,9

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Montinhos O que curry em pó têm a ver com jujubas? O que espinhos de rosa têm a ver com fusíveis? O que bebês de plástico e besouros têm a ver com pêlos de gato? Com quantas coisas incongruentes, na lógica comum, a vida faz seus montinhos do dia-a-dia? Com quantas coisas aparentemente descombinadas se consegue chegar a uma obra de arte?

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Veneno para rato, Budas de Jade, dropes de pectina, meteoritos, alfinetes, aspirinas, granola, purpurina prateada, abelhas assasinas

Estrume de dinossauro, Canto (XIX) de Ezra Pound triturado, dado, AZT, bebĂŞs de plĂĄstico, pĂŠlo de gato, besouros

Veneno para rato, Estrume de dinossauro, MONTINHOS | chromogenic print > 76,2 x 101,6 cm

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Bombril, ouro sucateado, Viagra, jujubas, pêlos pubianos, curry em pó, parafusos metálicos, minhocas comestíveis

Framboesas podres, pó facial chanel, cocaina, esmeraldas, sombra de olho stila, borboletas, dentes humanos, espinhos de rosa, chiclete, fusíveis

Bombril, Framboesas podres, MONTINHOS | chromogenic print > 76,2 x 101,6 cm

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Imagens de Papel Aqui, famosas fotografias em preto-e-branco são recriadas usando minúsculos pedaços de papel em todos os tons da escala do cinza. O conteúdo histórico das fotos sugere uma realidade imutável, mas o material usado por Vik sugere a possibilidade de “sombras de cinza” sem nenhuma representação. Além de fotos documentais, Vik também reinterpreta imagens que redefiniram a fotografia como uma forma de arte bidimensional. As camadas e a forma de aplicação do papel apresentam não só o objeto de arte ou seu conceito, mas também revelam uma enorme sensibilidade estética no manuseio dos materiais e na sua composição.

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Filme de 1925, baseado em Ralph Steiner, IMAGENS DE PAPEL | digital gelatin silver print > 163,7 x 121,9 cm

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Casal no zool贸gico do Central Park, baseado em Garry Winogrand, IMAGEM DE PAPEL | digital gelatin silver print > 163,7 x 121,9 cm

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Parque Publico, Ann Arbor, Michigan, baseado em Robert Frank, IMAGEM DE PAPEL | digital gelatin silver print > 121,9 x 182,9 cm

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O expresso do leste, laeger Drive-in, West Virginia, baseado em O Wiston Link, IMAGEM DE PAPEL | digital gelatin silver print > 121,9 x 158,2 cm

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Imagens de Lixo “Sebastião, Suellen, Carlão, Magna, Zumbi e Isis são pessoas que vivem e trabalham no Jardim Gramacho, Rio de Janeiro, o maior depósito urbano e lixo do mundo. Eles sobrevivem reciclando as coisas que catam. Decidi fazer seus retratos em situações alegóricas, auxiliados pó lês usando o material que eles reciclam. Esse é um projeto incrível, que está me possibilitando conhecer algumas das mais surpreendentes pessoas do mundo, que vivem nas piores condições que jamais encontrei em toda a minha vida e que vêm me colocando em contato com um lado da vida que eu imaginei que não existisse mais.”

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A carregadora (Irm達), IMAGEM DE LIXO | digital C print > 129,5 x 101,6 cm

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Atlas (Carl達o), IMAGEM DE LIXO | digital C print > 129,5 x 101,6 cm

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Mulher passando roupa (Isis), IMAGEM DE LIXO | digital C print > 143,1 x 101,6 cm

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A cigana (Magda), IMAGEM DE LIXO | digital C print > 128,4 x 101,6 cm

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Quebra-Cabeca Nessa série, centenas de peças avulsas de quebra-cabeças são arrumadas, divididas em camadas e giradas para se encaixar com outras e recriar a pintura que estão embaralhando. Essa peças coloridas ilustram o esplendor arquitetônico de cidades idealizadas, civilizações míticas, centros de ensino, regiões subterrâneas – todas simbolizando as crenças, posições teóricas e visões de artistas como Rafael e Bosch, entre outros. Enquanto nenhuma construção – ou lugar – é efetiva, sua realidade se concretiza nas pinturas, reiterando o tema recorrente e Vik – ver é acreditar.

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Medusa Marinara

O Jardin das Delicias, baseado em H. Bosch, QUEBRA CABEÇA | digital C print > 261,6 x 194.8 cm

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Medusa Marinara Obras de arte imortalizadas em nosso imaginário são reproduzidas com o mais perecível dos materiais: a comida. A famosa Medusa de Caravaggio é refeita por Vik com fios de macarrão e molho d tomate (marinara): “Fiz inúmeras experiências com comida. Tentei descobrir se o fato um retrato ter sido desenhado com uma comida de que gosto e também com uma de que não gosto afetaria seu resultado. Por exemplo, eu detesto pasta e amendoim e, no entanto, foi muito agradável desenhar com esse material. Eu só imagino quantas coisas de gosto ruim não acabaram sendo usadas como tinta pelo simples fato de ser melhor têlas na superfície de uma tela o que grudadas no céu da boca!”

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Medusa Marinara | cibachrome print > 83,8 cm (di達metro)

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Duas Bandeiras Vik apresenta duas versões – com elementos de botânica – da bandeira americana. Entre os matrizes de verdade de uma e os tons marrons da outra, insinua-se a passagem de tempo e o ciclo das estações. Os trabalhos remetem aos quadros de Arcimboldo, pintor renascentista que fazia retratos com frutas, legumes e folhas das diversas épocas do ano.

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Duas bandeiras | chromogenic print > 137,2 x 252,5 cm cada

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Vik muniz: A vista abaixo da linha do equador Paulo Herkenhoff Os instrumentos que Vik Muniz utiliza para fazer suas “fotografias“ são tratores, GPS, satélites, microscópios eletrônicos, instrumento de dentista, seringas hipodérmicas, aspiradores de pó, fogões e outros objetos inclassificáveis numa taxonomia do aparato ótico. A produção e Vik Muniz Poe em jogo a história inaugurada por Joseph Nicéphore Niépce por volta de 1824, quando inventava a fotografia. Tudo em Vik Muniz s localiza fundamentalmente fora da caixa preta e do campo da imagem. A obra é irredutível ao mediium técnico da fotografia e a seu jogo de aparências. Para não Sr um espelho do olhar ingênuo, a critica deve superar a descrição dos procedimentos que fascinam com base na descoberta da ambigüidade semântica da imagem. A operação analítica se centra no nível do significante, em que o sujeito enuncia a linguagem e a percepção é ativada. Uma imagem de Vik Muniz é um cavalo de Tróia. A interioridade de sua obra porta um potencial de assalto à teoria da representação via fotografia, que é por ele operada como a negação do inaparente. O que não se assume ou presume pode conter armadilhas e segredos. Assim como no jogo do bicho “vale o que está escrito“, na obra vale o que está visto, mesmo com provas em contrário. Ver precede a linguagem, sabe Vik Muniz, com John Berger¹. O regime escópico se assenta, então, na densidade conceitual da imagem. O olhar ganha espessura com o conhecimento. Vik Muniz é leitor de Rudolf Arnheim, Ernst Gombrich, J. J. T. Mitchell e Ernst Cassirer. Seu interesse por esses pensadores emergirá ao longo deste ensaio. A abordagem psicológica de Arnheim ao sentido da visão envolve aspectos da percepção, da teoria da Gestalt e do movimento², fatos que alimentam a lógica do visível de Vik Muniz e, a partir do critico brasileiro Mario Pedrosa, também afetaram o concretismo no Brasil na década de 1950. No entanto, Vik Muniz, atento à permanente transformação dos paradigmas da cultura visual, toma a fotografia como um índice da modernidade falida.

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A linguagem é híbrida e mutável porque o olho é frágil. O projeto é fragilizar o frágil, exacerbar seus limites e, desse ponto extremo da falácia da percepção, construir a potencia do olhar na dúvida. Na civilização da imagem tecnológica produzida na mais impensável desmedida, Vik Muniz instaura a desconfiança através de um tríplice regime da réplica: 1) a fotografia como réplica do mundo (a apropriação da obra autoral, de Marc Ferrez a Hans Namuth, e a reprodução de obras de arte); 2) a escultura, a pintura e o desenho produzidos por ele como réplica da fotografia (sob a reinterpretação com “materiais inusitados“, como a poeira); 3) a fotografia da fotografia (réplica da réplica). Quando a imagem do segundo estágio toma a condição de fotografia, surge a pergunta chã: o que se vê? O olhar está agora impedido de uma percepção unívoca, a interpretar de um só modo, a ter uma conclusão única sobre seu objetivo. O olhar se depara, pois, com múltiplas lógicas da imagem numa mesma fotografia. A fotografia se impõe como o falso duplo do real. A ambivalência conduz à invariável reposição da dúvida: como ver? O regime da réplica sugere uma consciência metalingüística como defesa contra a ilusão da mente. A derrota das evidências é o componente estratégico da teoria de representação de Vik Muniz. A potência da obra está na capacidade de levar o olhar a um inclemente estado de dubitação e não na armadilha dos mecanismos de sedução. Ela propõe a iniciação epistemológica com a consciência da ilusão. Conhecer é enfrentar a ilusão. Em suma, só quem quiser permanecerá na caverna de Platão “ situação trabalhada pelo filósofo em A República –, na qual um homem encerrado só acede ao conhecimento do mundo através de sombras de estatuetas, que se projetavam no interior, de seres em movimento no exterior. Ao deixar a caverna, fica ofuscado pela luz do Sol, mas depois vê homens carregando as estatuetas e compreende que só agora contempla a própria realidade (as estatuetas). Aquele homem, então livre e conhecedor do mundo, tentará expor o que viu aos outros prisioneiros da caverna para libertá-los da ilusão. O mito da caverna, ao qual Susan Sontag estima que a humanidade permanece “irremediavelmente presa”³, é a cena primal da fotografia. No caos imagético e no caudal contemporâneo de produção e consumo de imagens, só o duvidar retém o diálogo com o olho saturado. A obra de Vik Muniz restaura a névoa que Walter Benjamim anotou recobrir os primórdios da 140


fotografia⁴ e desamarra-se do aprisionamento original denunciado por Sontag. Em resposta a Benjamim e Sontag, o paradoxo é repor a opacidade e impor a transparência para escarnecer do olhar.

Nenhum teórico da arte mergulhou tão ampla e profundamente como Ernst Gombrich nos meandros históricos da ilusão na arte, suas origens e conotações políticas⁵. A prática artística de Vik Muniz tem se desenvolvido, sem dispensar o enorme cabedal teórico próprio, como a construção de um tratado de ilusão de ótica em confronto com a consciência da crise da verdade no mundo contemporâneo⁶. O olho se situa entre a neurociência, a semiologia, a lingüística, a antropologia, a filosofia e a história da arte em geral (e a brasileira em particular). Nesse ponto, ocorre outra inflexão histórica, pois, afinal, Vik Muniz é herdeiro da tradição da fotografia no Brasil⁷. Este ensaio situará sua produção na historicidade e no contexto brasileiros, mas sem perder de vista a cena internacional. Vik Muniz quer maravilhar para esculhambar com a visão logocêntrica e gramatical do olhar em desalento. Em suma, nem excesso de conhecimento nem cânon mecanicista garantem respostas seguras ao olhar. A produção de um grupo de artistas, entre eles Vik Muniz, exige um novo paradigma conceitual do meio crítico brasileiro, que, mesmo no século 21, quase nunca está preparando um discurso pós-Niépce⁸. Por isso, é rala a fortuna sobre a obra fotográfica de Claudia Andujar, Mário Cravo Neto, Miguel Rio Branco e Arthur Omar. O poeta Murilo Mendes escreveu a “Nota Liminar” ao livro A Pintura em Pânico (1943)⁹, de fotomontagens surrealistas de Jorge Lima. Nesse marco da escassa crítica do modernismo brasileiro sobre fotografia, lê-se sobre “uma combinação do imprevisto com a lógica“. O poeta faz pensar, como Vik Muniz propõe, correlações de sintaxe e de contramarchas na gramática da imagem. Em Remarks on Colour, Ludwing Wittgenstein cogita sobre o código de leitura dos referentes da fotografia em preto-e-branco, como o cinza interpretado como a cor alourada no cabelo de alguém¹⁰. A alfabetização visual friccionada por Vik Muniz leva em conta, para depois diferir, o entendimento da cor na linguagem por Wittgenstein. A leitura de sua << obra fotográfica>> pede a capacidade de entender o regime da réplica e os elementos políticos que conformam a “imaginabilidade”, um complemento de ativação da percepção. A perversão da experiência derrota certezas e evidências. As imagens confluem para a “teoria do 141


pânico“, problema da consciência na fenomenologia da mente de Michael Tye¹¹. Vik Muniz constrói suas normas da Gestalt“ aqui seu reencontro com Arnheim “ com jogos cartesianos perversos. O impasse da consciência se ativa, pois o olhar não acede ao código de significados da imagem. A lógica desliza da legibilidade primaria ao ilegível. Fratura a harmonia entre imaginabilidade e percepção, pois conduz à fotografia em pânico. Pânico e o ato de duvidar são formas cognitivas do olhar. Uma geração de artistas contemporâneos enfrenta o salto da tecn0ologia da imagem com a passagem a fotografia analógica para a digital. Vik Muniz toma a simulação do registro do real “ campo de eficiência da tecnologia digital e das técnicas de pós-produção “ através de uma hiper-realidade simbólica. Não o photoshopping¹², um sistema de manipulação que levou a fotografia à definitiva perda de sua condição de prova do real. A fotografia, já dizia Sotang em 1977, “pode ser reduzida, ampliada, cortada, retocada, consertada e distorcida“ (pág. 4). Em A Última Foto (2007), Rosângela Rennó trata daquela passagem dramática com uma câmera analógica lacrada depois de tirar sua última imagem. Essa obra é justaposição da câmera a sua foto erradeira. A metalingüística de Muniz e Rennó intercepta as conseqüências da era da imagem digital. Esses dois artistas colocam o Brasil na linha de frente a reflexão critica acerca do significado a fotografia digital sobre o imaginário contemporâneo e dos efeitos de sua banalização técnica. Aqui a discussão de Mitchel sobre a “verdade visual na era pós-fotográfica“¹³ é capital para o pensamento visual de Vik Muniz cujas séries articulam estratégias de materiais e conceitos sobre a estranha verdade visual como uma certeza iludida pela ótica. Ainda que num mesmo grupo, suas imagens se distinguem entre si pela carga simbólica, como as conotações diferentes tomadas pelo chocolate nos retratos de Freud e Pollock. Na fenomenologia de Vik Muniz, a verdade semântica está no símbolo. Por isso, seu interesse em Ernt Cassirr, o autor de Filisofia das Fomas Simbólicas (1923-1923), obra capital para a formulação do ideário fenomenológico do neoconcretismo (mesmo a forma concreta tem um substrato simbólico, como o circulo que conforma O Ovo de Lygia Clark). Seu programa de replicação reúne agora a posiçao de Cassirer (“O homem é um animal symbolicum”¹⁴), a fenomenologia de Merleau-Ponty e formas de tensão, desestabilização e relaxamento da experiência de ilusão e ótica e do humor, sob a visão freudiana¹⁵, 142


entre múltiplas camadas conceituais. Os sentidos da libido, materiais, instrumentos de trabalho, pauta são laminados nessa fenomenologia. O artista substitui o corpo (a carne) por outra matéria com inesperada capacidade simbolizadora. A “carne” da copia fotográfica¹⁶, sede corporal da imagem, emerge em processo de “transubstanciação”: lixo, açúcar e chocolate tomam a condição de carne. Quanto mais pervertido o uso de um material, mais Vik Muniz se aproxima do real na sociedade, via o simbólico, como a exclusão social e o sistema de ciculaçao a arte. A laminação de significados constitui as bases da economia da imagem, com suas relações e tempo e trabalho investidas na produção. As conseqüências recaem sobre o valor de troca. Na XXIV Bienal de São Paulo (1998), dedicada à antropofagia e ao canibalismo, a obra de Vik Muniz desestabilizava a confortável tecnologia do photoshopping como devoração da verdade do real. É seu confronto principal com o presente. Na calculada regressão, está o futuro da poética, estratgicamente situada em dois pontos da exposição: a) um espaço próprio apresentou o conjunto de meninos de lixo (Consequências), metáfora do canibalismo social no Brasil, numa relação entre arte e sociedade no segmento Um e/entre Outro/s; e b) a presença contaminadora de Sigmund, o retrato e Freud na sala do dadaísmo e surrealismo no Núcleo Histórico¹⁷. A partir da XXIV Bienal, o antropofágico Vik Muniz criou duas imagens em chocolate: A Jangada do Medusa, e Géricault, e Ugolino, de Carpeaux, que se referem a problemas de canibalismo na literatura e Dante.

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Matéria Memória Projeto-chave em sua trajetória, The Best of Life (1988) aticula a formação e Vik Muniz em publiciade¹⁸, a neurociência, o processo histórico da pop art e a historia da fotografia. A revista Life desempenhou um papel-chave na historia da fotografia. Foi a melhor aliança entre o potencial da indústria gráfica de impressão, a comunicação e massas e a editoria e fotografia. Suas páginas cumpriam o papel de educar o olhar do público médio para a idéia de fotografia como arte. A fotografia no corpus de Vik Muniz atua como um pêndulo entre oi conceitos apresentados por Roland Barthes em A Câmara Clara: o studium e o punctum. O studium é tudo o que na fotografia é culturalmente conhecido, o que já se sabe. O punctum numa fotografia ”esse acaso que nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala)”, diz Barthes¹⁹. Quase sempre pareceria impossível TR um punctum original introduzido pelo próprio Vik Muniz nas fotografias apropriadas de terceiros, já que esse efeito teria sido construído pelo outro autor. Nesse caso, Vik Muniz introduzirá o punctum próprio através de um detalhe, que pode ser a abjeção dos pequenos dejetos com que ele conforma as figuras na serie Conseqüenciais. Noutra situação, a operação na série fotográfica de The Best of Life é o desenho de ”memoria imediata” das mais importantes imagns veiculadas na revista Life. A única possibilidade aqui experimentada por Vik Muniz é a retenção, não a representação da cena. Seu método conduz a uma indagação da cena. Seu método conduz a uma indagação do filósofo Edmund Husserl sobre o trabalho da memória na fenomenologia: “Existe uma lei segundo a qual a memória primária só é possível numa anexação contínua a uma sensação ou percepção anterior?”²⁰. Vik Muniz trabalha com as “fases retencionais” de sua memória. A memória do espectador descobrirá a ilusão de ótica. Uma vez, convidado a expor seus desenhos, o artista fotografou-o, dando tratamento de impressão gráfica da Life a suas próprias fotografias. Ele percebeu a simulação do caráter de realidade das imagens originárias com base em sua memória. É necessário retornar a Barthes. Se o studium codifica a fotografia, Vik Muniz desconstrói o código pelo desenho da memória, que causa um descontrole gráfico do significado gráfico-fotográfico

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por subversão metonímica. Essa operação inaugura, pois, sua abordagem da e circulação e retenção de imagens pela memória humana. Se a noção do punctum tiver validez na fotografia de Vik Muniz, ele é então o pormenor (”objeto parcial”), tal como um erro. É o resultado da falha da memória, da falta do que não foi retido. Para Barthes, a fotografia capta ”o Real, em sua infatigável expressão” (pág. 17). Para Vik Muniz, o puncton é o que está fora da fotografia original d outro que ele capturou em sua obra, portanto fora do real. Está naquilo que o artista opera com outra matéria, em processo de transnominação do objeto ” açúcar ou criança?, poeira ou Richard Serra? ”, podendo ser ambos. Daí ser enigma irresoluto.

Açúcar “Em usinas escuras, homens de vida amarga E dura Produziram este açúcar Branco e puro” Esses versos de O açúcar, de Ferreira Gullar, levaram Vik Muniz a fazer Crianças de Açúcar (1996), com polaróides tiradas do Caribe, para as quais não tinha projeto de uso. Este é seu ”doce suor amargo”²¹. A agrura das crianças é socioeconômica. É mais corrosão que acidez: o trabalho árduo na produção do açúcar por gerações na ilha de Saint Kitts. A obra de Vik Muniz, embora integrada a questões avançadas do conhecimento, não deixa de abordar certos temas póscoloniais, como a imobilidade social nas estruturas agrárias baseadas no antigo regime do açúcar. Sua obra estabelece, então, surpreendentes diálogos, como no caso de Marc Latamie, que faz a crítica da economia do açúcar na Martinica²², próximo a poesia social de seu compatriota Aimé Césaire de Caderno do Regresso ao País Natal (1939). Latamie opera no plano da economia política, Vik Muniz pensa o lugar do sujeito nas estruturas ao individuá-los com seu nome próprio em cada imagem, como Valentine, the Fastet. A espessura política do Vik Muniz de Crianças de Açúcar é como Clarice Lispector (Mineirinho), Hélio Oiticica (Homenagem a Cara de Cavalo), Cildo Meireles (Missão/Missões, como Construir Catedrais) e Adriana Varejão (Proposta para uma Catequese): propõe relações entre arte e história dos vencidos, na perspectiva de Walter Benjamin de luta pelo “passado oprimido”. 145


Vik Muniz é atento à recepção de Crianças de Açúcar. Espectadores projetam fantasias sobre a matéria granulada, branca e pigmentar que conforma a imagem. Falam e sal, açúcar e cocaína, que definem o valor o uso da matéria. A utilidade dos bens aponta seu valor de uso, diz Marx em O Capital²⁴. A confusão remete Crianças de Açúcar às Cosmococas, e Oiticica e Neville d`Almeida²⁵, inclusive ao jogo semântico entre cocaína/branco/Brancusi²⁶. O branco, grau zero da pintura de Malevitch, está nas Cosmococas. O vestígio suprematista na obra de Vik Muniz é o grau zero de rigidez estrutural da economia pós-colonial. Não ver o açúcar reitera a opacidade social que o artista quer tornar visível. Vik Muniz revisita O Espírito as Leis (1748), em que um Montesquieu irônico afirma que ”o açúcar seria muito caro” se não fosse o trabalho escravo (livro 15, capítulo V). O valor de troca persiste em Crianças de Açúcar como o sintoma de uma ancestral alienação do trabalho e da imobilidade social no presente. A matéria para Vik Muniz tem o valor simbólico como num Bólide de Oiticica.

Chocolate O foco da série chocolate é o regime libidinal da oralidade. Olhar imagens é excitar a cavidade bucal, sede física das sensações do paladar. A tradição neoconcretista esteve vinculada às trocas entre os sentidos, como ocorre nessa série de Vik Muniz. A teoria do Não-Objeto (1959), apresentação das bases do neoconcretistmo por Ferreira Gullar, proclamou que ”Ninguém ignora que nenhuma experiência humana se limita a um dos cinco sentidos do homem, uma vez que o homem reage com uma totalidade e que, na ´simbólica geral do corpo` (M. Ponty), os sentidos se decifram uns aos outros”. Consistentemente, Vik Muniz substitui o tato pelo paladar, como na Roda dos Prazeres, de Lygia Pape. As apetitosas pinturas indicam que a série Chocolate contém traços daquilo que a psicanálise designa como “fase oral-sádica”. A voracidade do olhar sobre as imagens em chocolate troca a díade incesto e homicídio, que adiante será encontrada nas referencias a Freud e Melanie Klein. Ao espectador, cabe fantasiar a devoração de Freud ou Pollock. O retrato de Jackson Pollock em ação por Mamuth27, aponta questões de 146


liquidez, velocidade, viscosidade e temperatura da matéria pictórica, da imagem construída por Vik Muniz. Se a pintura é lenta para Manet, Morandi e Jasper Johns, ela, no entanto é acelerada para Pollock, como se apreende do retrato. Essa devoração intrínseca do/pelo tempo na construção da imagem remete ao deus grego Cromos (o Saturno na mitologia romana), que é o mesmo da Teogonia de Hesíodo28 e de Cronos Devora um de Seus Filhos de Rubens. Transpor a foto da celeridade da pintura do expressionismo abstrato de Pollock. Vik Muniz propicia a imaginário da devoração da própria história de arte. ”O canibalismo não é somente a serviço do instinto de conservação”, disse Lygia Clark, ”mas os dentes são ao mesmo tempo as amaras que servem às tendências libidinosas, instrumentos os quais ajuda a criança a penetrar no corpo da mãe.”29 A passagem de Clark trata da manifestação de sexualidade oral canibálica da criança com relação à mãe tem a ver com as fantasias de destruição e reparação da mãe pela criança abordadas por Melanie Klein30. Sigmund de Vik Muniz é um Freud devorável. É puro chocolate. Antes, Sigmund Freud expôs o instinto de destruição do pai pelo filho em Totem e Tabu (1912-1913), uma construção teórica na qual a morte do pai pelos filhos numa horda primitiva visava a posse das mulheres do grupo. O espectador é o homicida, que devora, pois, certo Freud, o ”pai da psicanálise”, em seu momento canibálico totêmico.

Lixo A hiper-realidade de Conseqüências (1908) torna visível o lugar do lumpen: o lixo como cena social no vigente modelo socioideológico. Modesto Brocos não era racista quando apontou, através de uma pintura, a teoria do esbranquiçamento da população brasileira, pois não professa os princípios representados. Na tela A Redenção de Cam (1895), a avó negra dá graças aos céus porque seu neto é branco. Sua ação crítica é tornar visível os valores da persistente sociedade escravocrata no Brasil. Goya não representa ad exemplum para atemorizar a resistência espanhola, mas para acusar o opressor e dignificar sua vítimas. Assim, Conseqüências se situa em meio à arte latino-americana de Antonio Berni, Hélio Oiticica e Cildo Meireles. Berni criou uma criança-padrão ” Juanito Laguna ” que sobreviveu do lixo urbano do Terceiro Mundo. Vik Muniz também aborda crianças na economia 147


marginal. Em Conseqüências, corpo e lixo se fundem em metáfora do lugar social de um espaço sem futuro. Conseqüências trata do abandono social da infância num alinhamento que no Brasil envolveria ainda Paula Trope, Rosana Palazyan e Maurício Dias & Walter Riegweg, cujo projeto lideram com meninos de rua e menores em conflito com a lei. Com a reversão escatológica (”O abjeto ameaça o ego”, diz Julia Kristeva31), os garotos de Vik Muniz se vestem em esplendor, ainda que corpo-lixo. Para ele, o significante construído assegura a irredutibilidade do ser a um nada social. Ainda por isso, cada criança é individualizada: Madalena, Sócrates e Emerson. Conseqüências dialoga com a cédula de Zero Cruzeiro, de Cildo Meireles: na cartela, espaço reservado a grande feitos e heróis da história positivista, as imagens são de um louco e de um índio kraô, grupos aos quais a sociedade brasileira não atribui valor algum. A relação de Vik Muniz com Oiticica está menos calcada no interesse no Carnaval, cujo lixo dá corpo às crianças de Conseqüências. No Bólide Caixa 18 Poema Caixa 2 Homenagem a Cara de Cavalo (1966), Oiticica põe um saco de pigmento vermelho junto à foto do bandido morto pela polícia. Noutra feita, comparamos Cara de Cavalo à lama viva encontrada por Clarice Lispector na tragédia social do Brasil na crônica Mineirinho32 . Na visão sacrifical do genocídio social brasileiro, o que está justaposto em Oiticica é a fusão emblemática num só corpo-lixo em Conseqüências. No campo semântico argumentativo de Vik Muniz, o lixo e o açúcar são lama viva.

Poeira

”Meu primeiro emprego foi desenhar outdoors. Não acredito na estabilidade da imagem, mas em espectos cinemáticos”, diz Vik Muniz33. Tal idéia do cinemático é semelhante aos fenômenos visuais resultantes da velocidade do carro em relação ao modo como a paisagem e construções passam a ser percebidas em movimento durante uma viagem de carro. Foi isso que levou o minimalista Tony Smith, na auto-estrada New Jersey-Turnpike, a cogitar um possível fim de arte34. A atração exercida pelas idéias de W. J. T. Mitchell sobre Vik Muniz decorre de suas investigações sobre a dinâmica da linguagem e da percepção das imagens multiestáveis, como a fotografia e o cinem35. Vik Muniz é, ademais, um husserliano, como o minimalismo. O pensamento

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de Husserl se baseou num ”retorno à própria coisa” como o método filosófico de sua fenomenologia. Isto é, cabe se concertar sobre aquilo que é dado, esclarecer o que é dado. A rigorosa objetividade dos artistas minimalistas passa por esse comando de Husserl, que é contrário ao psicologismo36. Vik Muniz recolheu a poeira da sala da arte minimalista do Whitney Museum e com ela desenho as obras lá expostas. Para o artista, aquele ”retorno à própria coisa” se converte na poeira empregada para construir as Pictures of Dust. A perversão praticada por Vik Muniz é inverter a assepsia minimalista e musicológica por contaminação pela sujeira do museu. Um trabalho assim remete à fotografia Criação de Poeira, de Man Ray, cujo título indica seu processo acumulativo de um material sem valor de troca. O minimalismo se vincula ao paradigma político do ”cubo branco”, modo como o espaço modernista de exposição se organizou assepticamente, conforme a crítica de Brian O`Doherty em Inside the White Cube: the ideology of the Gallery Space. O cubo branco desbota o passado e controla o futuro através de criação de modos aparentemente transcendentais de presença da obra, de controle social de sua circulação e de incidência do poder envolvido no processo cultural, diz O`Doherty37. A essepsia do cubo branco encontra, então, sua incomoda antítese em Pictures os Dust. Ademais, Vik Muniz mergulhou em análise do lixo musicológico: partículas de obras de arte, pele e cabelo humanos e pêlos de animais, entre outros. ”Cabelo também é carne”, nota Leonara de Barros. Esses elementos minúsculos encontrados no pó sujo do museu remetem à noção do inframince de Marcel Duchamp, que é o ”quase nada” significante, que apela aos sentidos e traz resultados políticos e simbólicos, como o ruído do roçar das pernas de uma calça de veludo. É o estado de diferença ínfima que não pode ser detectável, apenas distinguido38. O inframince passa a compor a corporeidade das obras minimalistas interpretadas pela imagem de Vik Muniz. Mal podemos perceber que são partículas, mas sem precisar. O minimalismo, que busca a objetividade da forma, sem inscrição de marcas do sujeito, agora surpreende por conter “pedaços de gente“, como descreve o artista. Ao trazer carne humana, ainda que sob forma de irrisórios vestígios de pele e cabelo, envolve psicologicamente o tabu sobre a carne humana nos termos descritos pela antropologia e psicanálise. Como um choque de fenomenológico , Picture os Dust trata da própria carne na carnalidade da pintura. A obra é o canibal.

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Cartografia do Resto Computadores obsoletos formam um mapa em estado de penúria funcional. No regime de WWW, o valor de uso está no oposto da utilidade. A obsolescência programada pela indústria é ineficiente frente à potência poética da idéias, ainda que a infame promessa arme a abjeção tecnológica nesse lixo. Os computadores, sob a ótica de On Garbage, de John Scanlan, são detrito e fratura de sistemas de conhecimento. O acúmulo em WWW é da desmedida econômico-espacial da Web e do photoshopping. Imagem evoca o mapa de Jorge Luis Borges em Del Rigor de La Ciencia: o mapa desmesurado que coincidia com o próprio território do Império. Hoje, seus pedaços arruinados são habitados por animais e mendigos. A web é o império virtual. Sendo WWW a World Wide Web, é um portulano hipermidiático; carta marítima em rede, condição virtual para a circunavegação global sob a pressão do mouse. Em WWW pode estar um Aleph diante da desmedida informacional. O acidente geográfico é a plataforma Java. Esse universo é sem limite. WWW também reverte a obsolescência objetiva em superação tecnológica do instrumental do photoshopping. Vik Muniz desestabiliza a tecnologia de pós-produção. A calculada regressão abriga o futuro da poiesis. No cemitério eletrônico o “o mal estar da civilização“ computacional o “sentimento oceânico de se ver só“ como escreve Freud. WWW se monta como ruína de um monumento ao capitalismo cognitivo. A ambivalência verificada nas imagens leva a um tempo imanente e diacrônico, a uma oposição sem saída entre lógica e percepção. O olhar atônito é salvo pela experiência numinosa “ a arte é aquilo que arrebata o sujeito independentemente de sua vontade.

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Notas ¹ Ways of Sing. Londress Penguim, 1972, pág. 7.

² Toward a Psychology of Art: Collected Essays. Los Angeles, University of California Press, 1966.

³ Essa é a primeira idéia lançada por Sontag no ensaio “Na Caverna de Platão”. In: Ensaios Sobre a Fotografia. Trad. Joaquim Paiva. Rio de Janeiro, Editora Arbor, 1981, pág. 3.

⁴ Essa é a primeira idéia lançada por Benjamin em “Little History of Photography” (1931). In: Selected Writings of Walter Benjamin. Ed. Michael W. Jennings et allii. Trad. Edmund Jephcott e Kingsley Shorter. Cambridge, The Belknap Press of Harvard University Press, 2001, volume 2, págs. 507-530.

⁵ Art and Illusion, a Study in The Psychology of Pictorial Representation (Londres, Phaidon Press, 1977) e The Image & The Eye, Further Studies in The Psychology of Pictorial Representation (Londres, Phaidon Press, 1994), entre outros.

⁶ A propósito, ver Vik Muniz de A a Z. São Paulo, CosacNaify, 2007.

⁷ O presente texto é apresentado sob forma de condensado de partes de um ensaio maior em processo.

⁸ Duas exceções são Tadeu Chiarelli e Annateresa Fabris. O despreparo aludido se refere à dificuldade de certa geração de críticos, surgida nos anos 1970 e seus seguidores, em abordar a fotografia como componente da arte. O termo “pósNiépce” se refere aqui a Joseph Nicéphore Niépce e a tudo o que é posterior a sua invenção. 151


⁹ “Nota Liminar”. In: Jorge de Lima. A Pintura em Pânico. Rio de janeiro, 1943, não numerado.

¹⁰ N.271. Trad. Linda I. McAlister e Margarete Schättle. Berkeley, University of California Press, 1978, pág, 52e

¹¹ Ten Problems of Consciousness: a Representational Theory of the Phenomenal Mind. Cambridge, The MIT Press, 1995, págs. 161-208.

¹² O photoshopping só é usado por Vik Minuz para pequenas correções e limpeza nas imagens mais complexas.

¹³ The Reconfigured Eye: Visual Truth in the Post-Photografic Era. Cambridge, The MIT Press. 1994.

¹⁴ Essay on Man. Trad. New Haven, Yale University Press, 1992. pág. 25.

¹⁵ Piadas e Sua Relação com o Inconsciente (Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten), 1905.

¹⁶ Impossível deixar de referir à questão da carne da linguagem com base em Merleau-Ponty em Le Visible et l´Invisible, Paris, Gallimard, 2004, pág. 170-201.

¹⁷ Esse Inserção, juntamente com a fotografia O Escultor e a Deusa, de Ernesto Neto, foi minuciosamente analisada por Elisa de Souza Martinez em “Entre Discursos Curatoriais: Formatos e Interações”. In: [Maior e Igual a 4D] Arte Computacional no Brasil: Reflexão e Experimentação. Maria Luiza Frago (org.). Brasília. Universidade de Brasília, 2005, págs. 46-54.

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¹⁸ O artista fez o curso de publicidade na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) em São Paulo.

¹⁹ A Câmara Clara. Trad. Manuela Torres. Lisboa: Edições 79, 1981. pág. 47.

²⁰ E. Husserl. A Phenomenology of Consciousness of Internal Time. In: Donn Welton (ed.). The Essential Husserl. Bloomington, Indiana University Press, 1999, pág. 192.

²¹ Alusão ao livro do fotógrafo Miguel Rio Branco sobre os extremos da energia vital. Dulce Sudor Amargo. Cidade do México, Fondo de Cultura Econômico, 1985.

²² Na exposição Tempo (MoMA. 2002). as Crianças de Açúcar foram expostas ao lado da instalação Casabagass de Latamie.

²³ “On the concept of history” (1940). In: Selected Writings of Walter Benjamin. Trad. Harry Zohn. Op. cit., vol. 4. pág. 395.

²⁴ Trad. Ben Fowkes. Longres. Penguin Books, 1996. pág 126.

²⁵ Ver do autor “Arte e Crime/Quase-cinema/Quase-texto/Cosmococas”. In: COSMOCOCA Programa in Progress Hélio Oiticica/Neville d`Almeida. Buenos Aires, Malba, 2005, págs. 241-260. ²⁶ Enrevista de Neville d` Almeida ao autor em 4 de agosto de 2005.

²⁷ Entre Julho e outubro de 1950. Namuth fez mais de 500 fotografias de Pollock trabalhando em seu estúdio.

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²⁸ Teogonia. Origem dos Deuses. Trad. Juan Torrando. São Paulo, Massao OhnoRoswitha Kampf. 1981. Ver os versos 356-462. pág. 142.

²⁹ Sobre o Canibalismo. Texto datilografado: 1 folha não datada. Arquivo Lygia Clark. O mundo de Lygia Clark. Consultado no Centro Documentação do Museu de Arte moderna do Rio de Janeiro.

³⁰ “Love. Guilt and Reparation”. In: Melanie Klein e Joan Riviere. Love, Hate and Reparation. Nova York, W. W. Norton & Company, sem data, págs. 60-61.

³¹ Powers of Horror: and Essay on Abjection. Trad. Leon Roudiez. Nova York, Columbia University Press, 1982, pág. 63.

³²”Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva” (Mineirinho, 1962. In: Legião Estrangeira. Rio de Janeiro. Ed. do Autor. 1964, pág. 252-257).

³³ Em conversa com o autor em 16 de dezembro de 2008.

³⁴ Ver Michael Fried. “Art and Objecthood”. in Gregory Battcock (ed.), Minimal Art, a Critical Anthology. Nova York, E. P. Dutton. 1968, pág 130 e seguintes. Tony Smith estava atento às sensações pláticas que the trazia a paralaxe, um fenômeno descrito pela física.

³⁵ The language of Images (Chicago, The University of Chicago Press, 1980) e Picture Theory: Essay on Verbal and Visual Representation (Chicago, The university of Chicago Press, 1980).

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³⁶ Husserl é citado por Mel Bochnet, um artista capital do minimalismo. Battcock. op. cit., pág 92.

³⁷ Inside the White Cube: the ideology of the Gallery Space. San Francisco, Lapis Press, 1986, pág. 11, 81 e 89, respectivamente.

³⁸ In View 5, no. 1 (março, 1945). in: The Writing of Marcel Duchamp. Org. Michel Sanouillet e Elmer Peterson. Nova York, Da Capo, 1986. pág. 194.

³⁹ Londres, Reaktion Books, 2004 Scanlan é citado por Vik Muniz em conversa com o autor em 16 de dezembro de 2008.

⁴⁰ “Del rigor de la Ciencia”, parte de Historia Universal de la informia (1954). In: Obras completas de Jorge Luis Borges. Buenos Aires, Emecé Editores, 1966, volume II, págs. 130-131.

⁴¹ Civilization and Its Discontent. Trad. James Strachey. Nova York, W. W. Norton & Company, 1961, pág. 11.

⁴² Ver Yann Moulier Boutang. Le Capitalisme Cogruitif: la Nouvelle Grande Transformation. Paris, Éditions Amsterdam, 2008.

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FICHA TÉCNICA CURADORIA Vik Muniz REALIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO Aprazível Edição e Arte Leonel Kaz Nigge Loddi EXPOSIÇÃO Direção / Emilio Kalil MUSEOGRAFIA E PRODUÇÃO Arquiprom Marklen Siag Landa Fernando José Arouca Silvia Landa DESIGN Anderson Brito Dayane H. V. Pereira Lívia da S. Machado VIK MUNIZ STUDIO Erika Benincasa Fabio Ghivelder Lucas Blalock Catalina Toro Akravuth Tevisarn Claudia Serpentino Cortés Dillon DeWaters Hyla Skopitz Ben Ruggerio Alex Wharton PRODUÇÃO GERAL Bianca Felippes APRAZÍVEL EDIÇÃO E ARTE Ana Amélia Velloso Raquel da Solva Vicente Dilma Félix

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ESCRITÓRIO EMILIO KALIL Ana Carolina Rajão Leni Rocha Murilo Maurício ASSESSORIA DE IMPRENSA Vanessa Cardoso Mário Canivello COORDENAÇÃO DE MONTAGEM Dora Silveira Corrêa Cláudia Vendramini MONTAGEM Adão de Oliveira Alexeim Lobo Colin Cazé Araújo Luiz Carlos da Costa Camargo (Call) Moises Barbosa Rodrigo Moraes de Lima Ubiratan Souza Torres Silva MUSEOLOGIA Ivanei Silva EQUIPE MUSEOGRÁFICA Lucas Schroeder Buitoni (Arquiteto) Camila Vasconcellos (Estagiária) Monica Oliveira (Produção) LUMINOTÉCNICA Beti Font Light Design MARCENARIA Artos Engenharia SERRALHERIA La Serna PINTURA Lima Menezes

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AÇÃO EDUCATIVA (RIO) Franklin Pedroso IMPRESSÃO E ACABAMENTO Ipsis Gráfica e Editora Vik Muniz é representado no Brasil pela Galeria Fortes Vilaça

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