Um lote de dicas para bailar em igualdade

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A Gentalha do Pichel lançou a proposta a Andar cos Tempos e Séchu Sende de juntar-nos para oferecer a campanha #UmLoteDeDicasParaBailarEmIgualdade Queremos reflexionar sobre o sexismo em várias situaçons do cotidiano e, em concreto, no baile tradicional. Com esta campanha pretendemos, desde a nossa experiência na transmissom desta parte viva do património cultural, oferecer-vos dicas sobre como nom reproduzir, apoiar ou ser conivente com comportamentos que fortaleçam a desigualdade de gênero no baile, mas que, cremos, valem para a vida toda. Com os desenhos da Gentalha, as ilustraçons de Séchu, os textos de Andar cos Tempos e inspirandonos na campanha feita por BeHoppers sobre a questom do papel da mulher na dança de salom e o machismo que se dá na mesma, resolvemos adaptar as dicas que essa campanha oferece ao nosso baile tradicional, para assi conseguir transmiti-lo sem ter por que cair em atitudes que afundem na desigualdade entre géneros ou comportamentos que subjuguem as mulheres. O resultado som estas 33 dicas que vos apresentamos neste formato para ler devagar, reflexionar, debater, compartilhar com quem vos preste e, sobretudo, para procurar bailar e viver em igualdade!


Existe ainda no baile umha noçom ultrapassada de que lhe corresponde ao sexo masculino guiar o baile, propor os passos e levar ao seu par, enquanto ao sexo feminino correspondelhe deixar-se levar e seguir os passos. É habitual que, ao estarem duas mulheres bailando juntas, se perguntem “quem fai de home?", é dizer, "qual das duas está a mandar no baile?" assumindo que o rol masculino é o que “manda”. A eleiçom do rol a desenvolver em cada momento do baile (“levar” ou “deixar-se levar”) há de responder à habilidade de cada pessoa para desenvolvê-lo, à apetência, ao estado de ânimo, etc, mas nom ao sexo da pessoa. O sexo non é um fator determinante, nem sequer é um fator que devêramos ter em conta. Deixai de dar isto por sentado e experimentai ambos roles segundo vos preste, até podeis ir intercambiando-os durante a mesma baila! Qualquer pessoa pode conduzir ou seguir o baile, e a vontadede cada quem deve ser respeitada.


Vivemos numha sociedade onde, a través de diferentes vias, educa-se às mulheres no rol passivo enquanto aos homes no rol ativo. É frequente ver como quem sai desse rol somete-se a um juízo social. Assi as mulheres com iniciativa som julgadas como, por exemplo, “marimachos”, e os homes que nom assumem umha masculinidade dominante som julgados como, por exemplo, “minha joias”. Por isto é difícil romper essa norma social em todos os âmbitos da vida. O baile, como ferramenta de comunicaçom social, nom é alheio a esta educaçom sexista e, infelizmente, ainda há escolas, espetáculos e professorado de baile que educa ao home no rol ativo (guiando o baile e propondo os passos) e à mulher no passivo (aguardando a que o home comece a bailar para poder bailar ela), sem dar margem a que as pessoas experimentem outras formas de relacionarem-se mais igualitárias. É preciso criar ambientes favoráveis onde qualquer pessoa se sinta confortável para experimentar o rol que mais lhe preste em cada momento, sem sentir pressons nem julgamento social.


Há quem semelha ter dificuldade em aceitar que mulheres podam bailar com outras mulheres e, sobretudo, que homes podam bailar com outros homes. Há quem marca "fila de homes" e "fila de mulheres" ao bailar o solto, ou interrompe momentos de baile alheios para tentar formar pares heteronormativos. A escolha do par deve ser respeitada e há de responder ao desejo de cada quem. Lembra isto quando vejas a dous homes ou duas mulheres formando par, pois a sua eleiçom nom é por falta de ter topado par misto, e nom é necessário que ninguém vaia no seu auxilio desfazer o par, a escolha de cada quem é legítima. Respeitemos a liberdade das pessoas em bailar com quem quiserem! A diversidade é enriquecedora.


Em muitos casos quando se transmite o baile, imponhem-se os movimentos delicados, suaves e sensuais às mulheres enquanto aos homes se lhes exigem movimentos retos, saltados e fortes. Esta maneira de bailar diferenciada por sexos reforça a ideia da “masculinidade forte” e da “feminidade débil ou sensual” transmitida pola sociedade patriarcal. As pessoas bailam de diferente maneira segundo a habilidade e donaire que tenham, segundo o estado de ânimo ou das intençons que tenham ao bailar. A liberdade de estabelecer o nosso próprio estilo no baile sem fazer discriminaçom por questons de género é um direito. Reclama-o e baila com a força ou suavidade que che pida o momento.


O baile é um diálogo entre os pares que estam a bailar e nom um monólogo de apenas umha pessoa que guia. Algumhas pessoas guiam dum jeito tam firme e impositivo que seu par se sente enjaulado. O baile, além de arte e meio de socializaçom, também é um processo de comunicaçom, assi que escuita o que o teu par tem a dizer e deixa que se crie umha baila harmónica, fruto do diálogo e das achegas de ambas partes.


Quantas vezes estiveste numha foliada com filas gigantes nas que nom eras quem de apanhar um ponto já que nom conseguias ver, nom havia espaço para mover-se livremente ou nom se adequava ao nível que ti tes? Seguramente muitas já que nos torreiros tendemos a reproduzir o que vemos cima do cenário, propostas cénicas que, compre lembrar, tenhem como fim último a espetacularidade. Mas no torreiro da festa, no momento espontâneo do baile, nom fai sentido tentar reproduzir formas antinaturais para o baile. Se repararmos em como bailavam antigamente, veremos que as pessoas se organizavam em pequenos grupinhos ou até em pares soltos, pois bailar deste jeito favorece o dialogo com o par ou com o grupo de pessoas que estam a bailar. Aplicar o decrescimento também no baile, melhora a qualidade das bailas e as nossas capacidades ao bailar.


Muitas vezes, quando duas moças se juntam para botar umha baila perguntam-se: “quem fai de home?” Até o professorado de baile tende a perguntá-lo quando o grupo de pessoas que bailam está formado maioritariamente por mulheres. Com esta pergunta está-se querendo saber quem vai guiar no baile. Aparentemente nom teria que haver problema mas, se reparardes, com essa frase estamos a dizer implicitamente qual é a funçom do “home” no baile, dizendo que a mulher que “fai de home” vai guiar, transmitindo que o rol de dirigir lhe corresponde a este e o de obedecer à mulher. Essa frase inculca-nos que a funçom de guia é necessariamente desenvolvida polo “home” e quita a potestade de fazê-lo ao sexo feminino, pois a mulher que está a guiar é “umha mulher que está fazendo de home”. O professorado deve deixar de usar este tipo de frases limitadoras com as mulheres da aula. Quando se procure umha pessoa para guiar, em lugar de perguntar “quem fai de home?” perguntai “quem quere guiar?” para que qualquer pessoa sinta a potestade de poder levar avante esse rol.


O baile é umha ferramenta de socializaçom que serve para comunicar-te com outras pessoas. Algumhas vezes bailamos para nos divertir e brincar, outras para desafiar-nos a nós mesmas ou à pessoa com a que formamos par. Serve-nos também, como qualquer outro espaço socializador, para pretender, mas este nom é o único objetivo nem possibilidade do baile. Algumas pessoas parecem ir ao torreiro com um objetivo em mente: engatar com alguém, aproveitando a proximidade para tocar, abraçar e se impor sensualmente. Essas pessoas com frequência incentivam amizades a bailar dizendo que é umha boa oportunidade para ligar com alguém. Nom é que isto non seja verdade, mas usar o baile simplesmente como arma de seduçom pode ser violento e incómodo para todas as pessoas com quem bailas. Lembra que o baile tem mil possibilidades, aquelas possiblidades que bailadoras e bailadores querem e aprovam nesse momento único de cada baila.


Coma já digemos na dica #5, umha baila é umha conversa respeitosa entre duas pessoas, na que ambas partes fam achegas desde o rol que estam a desenvolver. Quem nom guia o baile agarrado ou nom propom os pontos no baile solto, nom está simplesmente seguindo a quem guia. A pessoa que nom guia, nom tem um papel secundário, pois ambos os papéis som importantes e necessários para que umha baila preste. A responsabilidade dum bom baile está dividida entre quem guia e quem apanha os passos e intui os movimentos. Interpretar as direçons do nosso par e estabelecer umha boa conexom no baile agarrado, ou entender os códigos dum ponto e colhê-lo antes que o ponto acabe no baile solto, mostram a habilidade dum bom ou dumha boa bailadora, e que saber deixar-se levar nom é, em absoluto, um rol passivo no baile. Essa atitude também se estende para aula. O professorado deve dirigir as aulas para quem guia e quem nom, dando orientaçons, correçons e conselhos para os dous lados, e respeitando a vontade das pessoas para escolherem o rol que querem fazer, sem marcá-los por imposiçom de género.


A norma de “fila de homes - fila de mulheres” entronca na ideia homófoba de que os pares devem ser mistos e, polo tanto, de que o baile é só um momento para pretender. Se nom, por que há de molestar que dous homes bailem juntos? Como já digemos na dica #8, o baile serve para engatar, mas também para divertirnos, brincar, desafiar… A escolha do par e a colocaçom no espaço há de depender do motivo polo que queiramos bailar. Aliás, como digemos na dica #3, a escolha de cada par é legítima e deve depender do livre desejo de cada pessoa, sem ter que responder à heteronorma. Por isto, se a tua motivaçom à hora de escolher par é a de mocear, escolhe a aquela pessoa à que lhe tes o olho botado.


Nom che tem passado que durante umha baila te fartas de estar a levar ou de deixarte levar? Na dica #5 já falamos de que o baile deve ser umha conversa entre pares e nom apenas um monólogo impositivo de quem conduze. Umha boa dica para que a conversa seja ótima e o diálogo flua é que a conduçom seja compartilhada, com 50% da responsabilidade para cada par. Experimentando ambos roles (conduzir ou deixar-se levar) fai que empatizemos mais com a pessoa com a que bailamos e com as propostas que podem surdir á hora de desenvolver um ou outro rol.


No baile solto bailamos com os braços erguidos. Esta colocaçom fai que consigamos manter o equilíbrio e que adonairemos mais o baile graças ao acompanhamento que os braços fam do movimento que executamos com todo o corpo. Há umha velha costume que diz que os homes devem bailar com os braços mais erguidos do que as mulheres e, em consequência, os seus movimentos sobressaem muito mais. Esta maneira de impor o baile enlaça com a dica #4, na que falávamos de que aos homes se lhes ensina a bailar cum rol de força enquanto às mulheres desenvolvem o rol da sensualidade e submissom. Eles com os braços altos e os movimentos saltados, elas com os braços e a olhada baixa, os movimentos delicados... Mandatos que recuncam no rol de poder para as pessoas socializadas como homes e no da submissom para as pessoas socializadas como mulheres. Todas as pessoas que fazemos baile tradicional precisamos erguer mais ou menos os braços dependendo da nossa fisionomia para buscar o equilíbrio, do movimento que estamos a fazer ou do espaço que temos ao bailar, mas nada tem que ver com o sexo com o que nasces. Lembra que a liberdade de estabelecer o nosso próprio estilo no baile sem fazer discriminaçom por questons de género é um direito.


O baile nom dá livre acesso ao corpo de ninguém. Quando bailamos agarrado devemos respeitar o espaço pessoal e o corpo da outra pessoa sem fazer movimentos ou propostas que podam violentá-la. Bailar nom é sinónimo de acarinhar, esfregar-se, fazer tocamentos... sem o consentimento da outra pessoa. No baile solto também devemos respeitar o espaço da outra pessoa. Às vezes, por ímpeto ou emoçom no baile, botamo-nos cima do par, obrigando-o a retrair-se cada vez mais e recuar, tornando incómodo o baile e contraindo a outra pessoa para ter inciativa.


Há professorado e escolas de baile que fam comentários ou ensinam movimentos apoiando-se em comentários machistas. Frases como “mulher, nom sejas mala de governar e deixa-te levar”, “rapariga, pareces umha cabra saltando tanto”, “moço, pareces um minha joia”, “quem fai de home?”, “move as cadeiras, que pouco feminina es!”, “saca fulano, que és o único home que temos”, etc, ressoam em aulas e acabam por perpetuar práticas de opressom que desvalorizam às pessoas que se saiam da norma de género. As escolas tenhem um papel multiplicador e o professorado um rol de poder, assi que o problema se agrava, pois essas mensagens estam-se lançando desde umha possiçom de prestígio a muitas geraçons que confiam em esse professor ou professora para a sua formaçom no baile. Se deres aulas, lembra que essas brincadeiras e comparaçons nom som inocentes, pois ajudam a expandir o sexismo e perpetuar o machismo. Escudar-se em que o que se está a ensinar é baile tradicional nom é um argumento para defender a transmissom de estereótipos sexistas, pois a tradiçom, longe de ser um concepto estático, está em contínua renovaçom e actualizaçom com o fim de perviver, e mais quando estamos a falar dum elemento patrimonial que está tam vivo no nosso tempo de lecer diário. Existem outros modos de dar aulas de forma mais respeitosa e igualitária, sem afundar em estereótipos de género e sem deixar de transmitir baile tradicional. Assi que nom! Nom existe ningumha justificaçom para dar aulas com estereótipos sexistas!


Na dica #10 falamos da ideia homófoba que se difunde muitas vezes no baile sobre que os pares devem ser mistos, é dizer, o normalizado é que homes bailem com mulheres. Assi há pessoas que se molestam ao ver bailar pessoas do mesmo sexo, umha atitude que só se pode argumentar a través da intolerância e da homofobia. Ante isto, devemos normalizar e visibilizar pares diversos, pois o baile, como digemos na dica #3, serve para divertir-nos, brincar, desafiar e também para mocear, e podemos escolher a parelha que melhor nos preste para qualquer dessas acçons, rachando a presom social patriarcal. Em cada baila, convida pessoas do mesmo sexo para bailar, normaliza-o, pois quanto mais o vejamos, quantas mais pessoas conviverem com esta realidade, mais normalizado estará.


As pessoas com quem bailamos nom estam no torreiro como umha mera ferramenta para que, quem guia, mostre o bem que baila e todos os passos que sabe. As pessoas que bailam estam no torreiro para criar um diálogo, como já digemos na dica #5, e para que se dê umha conversa, há que deixar falar a todo o mundo. Ademais, as características do nosso baile solto, tal como vos contamos na dica #8, fam que o desafio seja inerente ao mesmo. Desafiar de jeito construtivo fai que a qualidade da baila aumente e que consigamos aprender novos movimentos. Desafiar de jeito agressivo e desrespeitoso exclui às pessoas que andem no baile e cria ambientes desagradáveis que nom favorecem a socializaçom nem a aprendizagem, em definitiva, a democratizaçom do baile e a conversa entre bailadores e bailadoras. Para que isto ocorra é necessária exercitarmos umha escuita activa, observando qual é a dinâmica que se está a dar no grupo e respeitá-lo. Para que este diálogo tenha um claro sentido de igualdade de género, há que ter em conta que as dinâmicas que se dam no baile som as mesmas que se dam na sociedade. A sociedade educa ao género masculino a ter iniciativa e protagonismo, por isso, e em geral, a um bailador nom lhe custará tanto guiar todo um baile como lhe custará a umha bailadora, sobretudo se nom foi educada nesse rol. Por isto é preciso criar ambientes abertos e amáveis ao bailar, para decidir quem guia, por que guia todo o tempo, e se presta que só o faga umha pessoa ou repartir a tarefa entre várias, sempre tentando que aquelas pessoas que nom forom socializadas num empoderamento direto, podam ter um oco para propor pontos e movimentos.


Quando vaias convidar alguém para bailar, procura deixar liberdade para recusar o convite. Às vezes observamos pessoas pegando a outras polo braço sem mediar palavra, ou mesmo interrompendo conversas e descansos e insistindo, sem respeito, para ir cara o torreiro do baile. Fazendo isso, nom damos o espaço necessário para que a outra pessoa manifeste sua vontade. Ainda que estejamos entre amizades, certifiquemos que estamos deixando a outra pessoa à vontade para decidir o que quere ou nom quere fazer.


Nas conversas, ademais de deixar espaço para que toda a gente fale (dica #16) temos que ter em conta que as palavras que usemos sejam compreendidas polas pessoas que escuitam. O mesmo acontece no baile! Nom devemos obcecar-nos em sacar pontos que a maioria da gente com a que se está a bailar nom compreende e polo tanto nom pode reproduzir. Também no caso inverso, pois se vemos um grupo com mais nível a bailar do que tenho eu, nom tenho por que meter-me no baile para exigir-lhes que se adaptem a mim. Há vezes que os passos mais enrevesados nom prestam e outras vezes botamo-los em falta, mas todo depende das pessoas que estejam a conformar os pares ou o grupo que está a bailar. A habilidade no bailar demostra-se sabendo criar pontos em base aos passos que compartes com as pessoas que te acompanham em essa baila, e nom fazendo pontos complexos ou longuíssimos só por luzimento pessoal deixando às demais pessoas só a mirar. Observemos com que bailamos e saibamos adaptar-nos aos limites do nosso par, podendo desafiar ou dificultar os passos sempre em harmonia e respeito com quem andem no baile.


Sabemos que o papel de guiar é difícil, mas isso nom justifica enfocar toda a hora da aula cara a pessoa que guia. Essa postura acaba por desvalorizar o papel de quem tem que deixar-se levar, o qual tem a mesma dificuldade (dica #9). O professorado deve dedicar as aulas e as suas orientaçons a todas as pessoas que estam a bailar. Para cada passo ou liçom para quem conduz, deve haver umha equivalência para quem se deixa levar, procurando usar termos que nom associem um ou outro rol ao género (dica #7).


Nos espetáculos folclóricos é comum ver coreografias que reproduzem estereótipos de género: quase sempre vemos pares mistos colocados numha fila de homes e noutra de mulheres; homes levando a iniciativa e guiando o baile; mulheres bailando com atitude sensual e suave (braços mais baixos, movimento de cadeiras, menos saltos) enquanto homes, pola contra, bailam com atitude enérgica, em definitiva, criando personagens de homes másculos e mulheres submissas. Além disto, cima do cenário vemos normalmente às mulheres ataviadas com indumentária pesada e incómoda, que realça os atributos de adorno e limita os seus movimentos (muitas saias, amido na roupa interior para dar volume ou até cancan para enfatizar as cadeiras, mil colares pendurados do pescoço, panos cujo atado nom permitem erguer os braços). Os cenários som plataformas de prestígio e a maior parte das vezes o que se fai cima dele, dita como deve ser o baile que se considera “tradicional”. Sejamos responsáveis! Criemos espetáculos baseados no baile tradicional que empodere por igual a todas as pessoas que bailam, e nos que a indumentária nom seja umha escusa para limitar os movimentos e o protagonismo de ninguém. Ao igual que se introduzem nas coreografias estruturas e movimentos que nom forom recolhidos ou só se recolheram a umha pessoa, podem-se introduzir novos usos das roupas e novos formatos em espetáculos folclóricos, fomentando deste modo a igualdade cima e embaixo do cenário.


A posiçom de autoridade de pessoas docentes, coreógrafas ou diretoras nom legitima atitudes machistas. Às vezes, quando comentários, atitudes ou mandatos machistas venhem do professorado, é mais difícil fazer fronte e contradizer, já que se lhe supom um lugar de poder, de sapiência. O professorado ou as pessoas com postos de legitimidade na transmissom do baile devem, mais do que ninguém, achegar os seus conhecimentos de maneira ética, fomentando o respeito nas aulas. Moitas das vezes, estes comentários som inconscientes, mais nom por isso inofensivos. Se presenciares comentários ou atitudes machistas nas aulas, tanto se venhem do professorado como do resto de alunado, compre evidenciá-lo e convidar à pessoa a que confronte e rache com os seus prejuízos.


Nos espetáculos de dança folclórica, homes e mulheres aparecem caracterizados e caracterizadas com a recreaçom da suposta indumentária usada em épocas passadas. Elas ataviadas com muitas capas de roupa e eles mais ligeiros, o que permite mais liberdade de movimentos no lado masculino. Isto adoita ser escusa para justificar que os homes bailem mais saltado do que as mulheres e incluso que eles podam sacar ponto enquanto elas nom, já que nom se lhes vem os pes. Ante isto, nom podemos deixar de lembrar que a roupa com a que se fai umha recreaçom é escolhida pola direçom artística, e que, ao igual que se permite licenças na montagem do baile em busca da sua espetacularidade, pode permitir licenças para que as mulheres bailem no espetáculo com roupas menos opressoras. De facto já acontece, e há espetáculos que recriam a indumentária dos anos 40, porém as mulheres, ainda que liberadas de tanto refaixo e com os pés à vista, continuam sem sacar ponto cima do cenário. Por todo isto, achamos que a indumentária é só umha escusa que esconde as reticencias para lograr a igualdade no baile. Como já digemos na dica #20, o cenário é plataforma de prestígio e difusom e as dinâmicas que se deam em el vam-se ver refletidas nos torreiros, onde, ainda que toda a gente vistamos com roupa do século XXI, seguimos sem guiar nem bailar de igual modo. Por isto, as propostas cénicas devem usar a indumentária para potenciar a expressom artística de qualquer pessoa que esteja a bailar e nom como umha limitaçom.


O objetivo geral do baile, desde sempre, foi socializar e divertir-se. Nas foliadas, serans, ruadas e demais festas e momentos nos que se dava o baile, nom só bailava gente moça, mas integrava-se a toda a comunidade: crianças para aprenderem os códigos do baile e pessoas velhas para achegar a sua sabedoria e bom fazer. Assi foi, e assi deve continuar a ser, polo que quando vaias a algumha festa com baile tradicional, aproveita a oportunidade de aprender de primeira mam das pessoas velhas e integra e transmite-lhe às crianças este rico bem patrimonial, para segurar que perdure no tempo, à vez que fomentas o cada vez mais escasso e necessário diálogo intergeracional.


Como levamos visto em muitas dicas, dentro do baile tradicional há umha serie de normas associadas aos géneros das pessoas. Muitas vezes essas normas venhem derivadas pola própria sociedade patriarcal onde se foi construindo o baile. Os nossos e as nossas referentes no baile, informantes que bailarom na sua juventude, forom criados e criadas numha ditadura com fortes princípios machistas, por isso se, por exemplo, estava mal visto que mulheres tiveram atitudes de empoderamento em espaços públicos, no baile também estaria mal visto que umha mulher sacara o ponto no torreiro, o dia da festa da paróquia e à vista de toda a comunidade. Que exemplo daria numha sociedade patriarcal? Ainda assim, há recolhas de campo e documentos que nos amossam pessoas que já naquela época racharam com os estereótipos inculcados por ordem de género. Valorizemos e visibilizemos estes referentes de igualdade tam necessários para rachar os moldes de pensamento que som os estereótipos. Fagamos pesquisas sobre mais referentes e divulguemos os resultados o máximo possível.


Se ves algumha pessoa tendo atitudes machistas no torreiro, nom o justifiques ou olhes cara outro lado. Conversa com essa pessoa em particular, procura esclarecer que o que fixo nom se pode permitir e que deve respeitar as pessoas com quem dança. É provável que entre na defensiva e justifique seu comportamento. Argumenta e procura que se coloque no papel da outra pessoa, que entenda que nenhuma forma de opressom é válida. Deixa claro que nom vas tolerar essas atitudes, convidando a abraçar a igualdade para o bem comum.


Infelizmente, a grande maioria de nós estamos educados e educadas no patriarcado polo que reproduzimos, muitas vezes inconscientemente, comportamentos sexistas e machistas. Repensar-nos, tomar consciência e atuar em consequência é muito importante para transformar a realidade na que vivemos. No caso do baile tradicional também! Por diversos motivos, há pessoas que nom se formularom estes debates e que nom som conscientes de que segundo como bailem, estam a ter um comportamento machista. Bailarmos em clave feminista, em igualdade e sem reproduzir estereótipos de género pode amosar a aquelas pessoas que sempre bailarom de jeito sexista sem questioná-lo, que há outras maneiras de estar na festa e na foliada e que, ademais, é muito mais divertida por integradora e igualitária.


Pode-se dizer que o baile é umha atividade maioritariamente associada às mulheres. Isso é reforçado desde a infância, quando o tempo livre das nenas é orientado cara atividades como a dança e o dos nenos cara o futebol. Ao crescer, reforçamos esses estereótipos e os associamos à sexualidade. Ainda hoje várias pessoas questionam as orientaçons sexuais de homes que gostam de dançar. Muitos homes valorizam o baile, mas nom entram em grupos ou escolas de dança para nom enfrentar o preconceito da família, das amizades ou da sociedade. Bailar nom define a sexualidade de ninguém, é uma atividade como qualquer outra. Nom deixes que os prejuízos e a intransigência das pessoas intolerantes limitem a liberdade de escolheres o que fas com o teu tempo, tem a liberdade de invertê-lo naquilo que mais che preste!


Dado que, como digemos na dica #27, o baile (principalmente o de cenificaçom) é umha atividade feminizada, muitas vezes nos grupos folclóricos há demanda de homes bailadores para que os espetáculos de cenário sejam mais luzidos. Grandes filas de pares mistos som apreciadas e denotam prestigio, e ate nom fai muito, concursos e demostraçons assi o exigiam nas suas bases. Isto fai que alguns grupos que nom tenhem homes suficientes encham a “fila dos homes” com mulheres, intercalando-as entre o homes (sempre o primeiro e o último da fila seram homes) ou, se quadra, travestindo-as. Outros formam filas apenas com o número de homes que tenhem no grupo, deixando sem bailar a mulheres por nom terem um par masculino. Estes critérios nada tenhem que ver com a qualidade do baile nem do grupo em si, estes critérios respondem a pautas sexistas explícitas, como a de que as filas tenhem que ser mistas, e pautas sexistas implícitas, como que o género masculino é mais importante, necessário e principal do que o feminino, e por isso um grupo que tem homes é mais importante que um grupo que só tem mulheres, é dizer, o “segundo sexo”. A qualidade de qualquer espetáculo nom deve basear-se em critérios machistas senom na qualidade técnica das pessoas, da coreografia ou da direçom artística. Os grupos devem rachar com estes critérios, mas também aqueles certames, organizaçons e pessoas que contratem espetáculos folclóricos deveram começar a exigir que nos seus cenários nom se fomentem atitudes desiguais entre as pessoas.


É obvio que para bailar precisamos da música e das cántigas, mais muitas das vezes nem sequer reparamos no que estamos ou estam a cantar. A literatura oral que recolhemos e reproduzimos nas cançons, achega-nos informaçom sobre como entendiam o mundo as geraçons que nos precederam. Algumha da informaçom que se canta, fala-nos de tempos passados que nom queremos volver repetir, como ameaças sexuais com obriga de submisom: “Maruxinha, Maruxinha, a do refaixo amarelo, se te atopo no caminho, nom che há valer um ‘nom quero’”. Porém, outras cántigas transmitem a sabedoria útil para seguir transmitindo hoje em dia, como por exemplo: “Por cantar e por bailar/ ninguém se perdeu no mundo/ perdeu-se por marmurar/ a vida de cadaiuno”. Por estes dous motivos, é importante conhecer e compreender as coplas que recolhemos, e valorar cales tenhem sentido para seguir reproduzindo e cales nom, pois nos nossos dias nom queremos transmitir essa mensagem. Também compre lembrar que muitas das coplas que cantamos forom criadas no momento do baile, interatuando com quem está no torreiro: “já nom param de bailar/ já nom param de bailar/ a culpa temo-la nós/ nom lhe parar de tocar”. Assi que quando cantes, escolhe aquelas coplas que che aprenderom reparando na mensagem que estás a transmitir e, baseando-te no seu estilo, anima-te a compor coplas que falem do momento e dos tempos que estás a viver, como se fixo sempre!


Muitas vezes há situaçons no baile tradicional que violentam porque noutro contexto vital nom seriam aceitas. Por exemplo, numha aula na que nom che deixam sacar ponto por ser mulher, ou na que pressionam a um home para que leve a iniciativa ainda que nom queira faze-lo. A escusa que ampara estes comportamentos sexistas é que é baile “tradicional” e que “sempre se fixo assi” polo que temos que seguir reproduzindo o machismo, pois a tradiçom era machista. Ante isto temos que lembrar que a tradiçom nom é estática senom que, para estar viva, a tradiçom adapta-se ao momento que lhe toca viver. O que “sempre se fixo así” foi transmitir o legado cultural crivado polas geraçons anteriores, desbotando aquilo que nom as enriquecia e fazendo achegas desde as suas experiências no momento que lhes tocou viver. Lembra que todos e todas temos direito a achegar ideias e maneiras de fazer na nossa cultura que consideremos enriquecedoras a nível social. Muitas vezes caímos em atuar por inercias sem parar-nos a pensar conscientemente em aquilo que estamos a fazer. Questionai frases de corte imobilista que atentam contra a igualdade das pessoas, e fomenta o debate para construirmo-nos entre todas e todos a cultura que queremos deixar em legado à geraçom vindoura.


O machismo é um sistema de valores que está entranhado na nossa sociedade de jeito estrutural e que, infelizmente, está presente na socializaçom de todos e de todas, polo que afeta a todas as pessoas. Acontece que desde pequenas, as mulheres escutam ou presenciam um discurso opressor e machista que vai desde “porte-se como umha princesa”, “isso é coisa de nenos” até os já discutidos na campanha “ti nom podes sacar punto” ou “quem fai de home?”. Também aos nenos se lhes educa no rol da liderança (“ti es um campiom”) e se lhes machuca se nom o querem seguir e nom seguem as normas da masculinidade hegemónica (“nom sejas minha joia”). Ambas som situaçons que atentam contra a liberdade das pessoas mas, compre lembrar que, em escalas diferentes. O machismo afeta sempre mais às mulheres pois está aí para garantir a manutençom de todos os privilégios masculinos que ele carrega e garantir a superioridade dum género, o masculino, sobre outros. Por isso é importante trabalharmos por favorecer ambientes que empoderem as mulheres e reconheçam o valor delas na sociedade, contra restando esse sistema opressor e desigual que supom o patriarcado. Muitas vezes, cai-se em assinalar ás mulheres por terem pensamentos e/ou atitudes machistas como "as mais machistas". Com esta posiçom defensiva está-se a perder a oportunidade de desconstruir este sistema de valores que no fundo nom convém a ninguém. E si, desaprender leva trabalho para todxs, mas caminhando á par podemos conseguir liberar-nos dele. No baile, feminismo é garantir que todas as pessoas tenham a mesma oportunidade de exercer o rol que queiram, é ter o mesmo protagonismo, é bailar livremente e ser respectadxs, é escolher o par com liberdade e sem juízos... pois exercer o feminismo garante a igualdade entre as pessoas sem discriminaçom entre géneros e é por isso que ter atitudes feministas, na vida em geral e no baile em particular, beneficia a todas as pessoas


Bailar de jeito tradicional é encher um torreiro do século XXI com pessoas de diferentes idades, vestidas com roupas do S.XXI a bailar muinheira, jota e aqueles ritmos transmitidos por diferentes geraçons e aceitados pola coletividade como “tradicionais”. Bailar de jeito tradicional é reviver em cada baila as estruturas e os códigos comuns que avoas e avós deixaram em legado e som aptas para que as pessoas de hoje em dia podam seguir a divertir-se a través dumha muinheira, dum passo-dobre ou dumha mazurca. O baile tradicional nada tem que ver com normas rígidas que coarctam a liberdade e dignidade de quem baila. Pensa, realmente umha muinheira deixa de sê-lo porque dous homes bailem juntos? Deixamos de bailar umha jota se é a mulher quem propom o ponto? Bailar de jeito tradicional é bailar a canda os tempos, e os nossos tempos pedem igualdade!


Tratar o baile sem machismo exige reflexom, determinaçom e energia. Requere desconstruir conceitos e formas de pensar inculcados por muitas vias desde que nascemos, e para isso é preciso autoquestionar-nos e ter vontade de reformular-nos, um processo laborioso mas dos de maior enriquecimento pessoal que existem. Se estivermos realmente com vontade e trabalhamos côvado com côvado, conseguiremos ver como o baile com olhada feminista, sem estereótipos sexistas, contribui ao crescimento das aulas, dos espetáculos, do baile espontâneo e de todas as pessoas bailadoras. Se nos colocamos no papel da outra pessoa, trocamos as funçons, revemos passos e métodos de conduçom, tudo pode colaborar para fazer de nós melhores bailadores e bailadoras e, de certo, pessoas mais livres e respeitosas com as vontades próprias e alheias. Nom som óptimos motivos para tentar bailar em igualdade e termos um baile que abrace o feminismo?


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