Tr s metros acima do c u

Page 118

junto ao muro, apoiando numa das mãos, tentando ver onde coloca os pés entre a vegetação que invade aquela rua poeirenta. Será que existem cobras por ali? Uma antiga lembrança de um livro de ciências naturais a tranqüiliza. As cobras não costumam sair de noite. Mas os ratos, sim. Deve estar cheio deles. Os ratos mordem. Lendas urbanas. Lembra-se de alguém, um amigo de outra pessoa, que foi mordido por um rato. Não demorou nada para morrer. Lepto sei lá o quê. Terrível. Tudo culpa da Pallina. De repente, um ruído à esquerda. Babi pára. Silêncio. Um galho é quebrado. Algo se move no escuro, arfando entre os arbustos e correndo rápido na direção dela. Um grande cão de pêlo escuro surge, rosnando, das moitas à sua frente. Babi pode vê-lo avançando veloz, latindo na noite. Ela dá meia-volta e começa a correr. Escorrega no cascalho. Levanta-se, tateia no escuro, avançando sem saber o caminho. O cão vem atrás. Aproxima-se, ameaçador, cada vez mais perto. Rosna e late, enfurecido. Babi alcança a cerca de madeira. Há uma abertura lá no alto. Enfia uma mão, depois a outra. Segura-se até encontrar um apoio para os pés. Direito, esquerdo e aí para cima. Pula no escuro, evitando por um triz as presas brancas e afiadas. O cão bate na cerca com um baque surdo. Começa a correr de um lado para o outro rosnando, tentando inutilmente alcançar sua presa. Babi se levanta. Machucou as mãos e os joelhos ao se jogar no escuro. Caiu em cima de alguma coisa mole e morna. Lama. Uma gosma que escoa devagar sobre o casaco e os jeans. Pelas mãos doloridas. Tenta se mexer. As pernas afundam até os joelhos. O cão continua correndo do outro lado da cerca. Babi só espera que não haja nenhuma passagem. Ouve o animal latir cada vez mais raivoso por não poder alcançá-la. Bom, melhor a lama do que as mordidas. Então, de repente, Babi sente um cheiro acre, talvez com um toque um tanto adocicado. Leva uma das mãos até o rosto para cheirar. De súbito, o campo parece envolvê-la por completo. Minha nossa, estrume! A troca já não parece mais tão conveniente. Pallina passa pelo portão segurando-o devagar para que não se feche. Depois, tira as chaves do bolso, se curva, levanta o capacho e coloca o chaveiro de novo no lugar combinado. Babi ainda não ligou. Mas, desse jeito, pelo menos, não vai precisar tocar a campainha para entrar em casa. Nesse exato momento, ouve o barulho de um carro. Um Mercedes 200 aparece na curva do jardim. Os pais de Babi. Pallina solta o capacho e alcança o portão. Deixa que bata atrás dela. Sobe as escadas correndo, entra na casa e fecha a porta. — Anda, Dani, os seus pais estão chegando. Daniela está na cozinha, entregue ao costumeiro ataque de fome das duas da madrugada. Dessa vez, terá de jejuar. Bate a porta da geladeira. Corre para o quarto e se tranca dentro dele. Pallina vai para o quarto de Babi e se enfia na cama de roupa e tudo. O coração está a mil por hora. Fica atenta. Ouve o barulho da porta da garagem. Não falta muito. Ela distingue na penumbra do quarto o uniforme deixado na cadeira. Babi ajeitou tudo antes de sair. Toda certinha, a coitada da amiga. Dessa vez, ela está realmente encrencada. Se Pallina soubesse onde Babi acabou se metendo, não perderia a oportunidade de zombar dela. Dessa vez, Babi está mesmo na merda, e não só em sentido metafórico.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.