ESPECTRA - preview

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ESPECTRA MARCOS BONISSON

1977-1987

KINOLOOKS 1984-1987

A PRESENÇA VERMELHA

1976 - 1977

EAST VILLAGE PORTRAITS

1985-1987

Cristina Zarur: Espectra é um título instigante. Penso em Roland Barthes, nessa pegada de sinalizar uma relação íntima entre fotografia e morte. Como você escolheu esse título?

O título inicialmente seria spectrum. Mas, resolvi torná-lo um substantivo feminino, porque, de algum modo, remete a uma situação de potência e mistério. A principal coisa a ser dita sobre Espectra é o porquê da escolha dessas três séries específicas e desse período, que vai de 1977 a 1987. Eu lido com um arquivo pessoal imensurável e desde a pandemia, ando de olho muito especificamente nesse conjunto de imagens por razões distintas. Não é porque eu fui encontrá-las perdidas no meu arquivo. Essas séries são quase inéditas, mas já tiveram alguma exposição de um jeito ou de outro. A coisa mais interessante é a confluência desses três ensaios e como isso se tornou uma alquimia, uma Espectra encarnada no meu corpo. A partir daí, perceber como as imagens dialogavam ao longo desses anos, que vai dos meus 18 aos 28 anos. A Presença Vermelha foi feita no Rio e em Minas. As outras duas séries feitas em Nova York. As imagens conversam, há um impacto juntá-las e fazer um livro de artista. Gosto de pensar nesse livro inventado como uma revista no sentido do formato e de uma revisitação nesse recorte de tempo. Em contexto, porque poderiam ser outros ensaios ou outras fotografias e não as que eu escolhi. Esse binômio “seleção e combinação” está sempre muito presente em tudo o que faço e nas provocações da linguagem, no meu trabalho há sempre um procedimento dizível de colagem. Nesse caso, em Espectra penso que a grande labuta era realizar uma publicação de invenção.

Ana Paula Albé: Você escolheu três ensaios, a princípio eles parecem muito diferentes, então gera um estranhamento. Um ótimo estranhamento, porque o livro vai levando a gente para outros lugares. A série Kinolooks traz através da fotografia outros meios. A gente passeia pelo cinema, pela performance. Faz a gente questionar essas relações, da fotografia com o cinema, da fotografia com a performance. E elas estão presentes de uma forma muito forte e muito potencializadora no livro. A escolha desses três ensaios e a forma como foram montados leva a gente para uma fotografia que expande todos os limites clássicos. Queria que você falasse dessas relações no seu trabalho.

Eu diria que as relações são cada vez mais de feitiçaria. A grande parte das relações do meu trabalho está fundamentada em juntar asa de morcego com pétala de jasmim. Eu não sei muito explicar isso. Essa “não explicação” me fascina, à medida que a experiência do trabalho do artista vai se densificando e, com o tempo, as explicações já não são tão importantes. Sim, a gente fala do trabalho, mas não significa uma explicação inequívoca e conclusiva. Tudo aqui é movediço. Pode ser mudado em termos de fala e ação e amanhã se transmutar em outro trabalho. As ordens não são só racionais, elas são ordens da desordem. Ordens do caos. Na pandemia, tive experiências sensoriais muito intensas, em um tempo muito complexo de vida (2020-2022) onde isso afetava o seu corpo, sua alma, sua psique e, obviamente, afetava toda a ideia de linguagem como nós a entendemos. No caso específico dessas três séries, acho que elas entram em confluência a partir de certas experiências de sonhos, visões e de leituras — principalmente do poeta anarquista Hakim Bey — e de olhar em retrospecto a potência do trabalho de William Burroughs na minha formação, além das influências de Hélio Oiticica e Rogério Sganzerla, a partir de como eu seleciono e combino certas situações no meu trabalho. Quase tudo se transforma em processo de colagens. Não tenho uma resposta exata para dizer o porquê da série Portraits estar conectada à “Presença Vermelha”. Mas toda imagem certamente tem isso, que já aconteceu, que é marcado, que é designado e continua transitando.

Entrevista de Marcos Bonisson

A partir daí você pode criar significantes e imagens acústicas fabulosas. Uma coisa que percebo é que todas essas três séries determinam um movimento. “A Presença Vermelha” surge de uma conversa na escada do Parque Lage em 1977 com Cazuza e Carla Mourão. Combinamos uma viagem a Ouro Preto no Fiat 147 do Cazuza. A gente foi pra Ouro Preto na Semana Santa, tudo mal organizado. A nossa cara. Cazuza trouxe de casa um cobertor vermelho que a mãe emprestou. Estava frio. O cobertor vermelho era de um tipo que ninguém tinha na época. Eu fiquei tão impressionado com aquela cor, falei “que incrível isso“. Esse tom magenta, avermelhado tinha uma força e o cobertor era enorme. Eu propus e a ideia já nasceu com esse título: “ Vamos inventar alguma coisa ao longo do caminho, até chegarmos em Ouro Preto chamado “A Presença Vermelha”. Todo mundo achou legal, e a gente foi brincando com essa ideia. Não foi um trabalho premeditado. Surgiu como um impulso de um bando de jovens. E, claro, essa presença vermelha dizia respeito a muita coisa, essencialmente, ao vermelho tão perseguido pela ditadura militar. Depois comecei a observar a partir de outros sentidos, como um vermelho da lascívia, da pulsão de vida, um vermelho que tem muitos significantes. Mas tudo isso estava on the road, em fluxo.

Os Kinolooks, surgiu inicialmente de andanças, errância pela geografia da ilha de Manhattan. Em 84 havia muitos cinemas de ruas em Nova York. A ideia não era a imagem como um fim, era a errância, o caminhar, o pedalar, o perambular e o processo de uma busca por um significante que você não sabe o que é. Eu entrava no cinema e aleatoriamente capturava imagens da tela com um filme Tri-X puxado, 800 Asas, 1600 Asas. Muitas vezes aquilo perturbava e as pessoas reclamavam dos clicks da câmera. Fui expulso de vários cinemas. Os filmes eram variados, uma miscelânea de filmes de Kung fu, cinema de arte, filme de sacanagem, filmes de hollywood também. Aquelas imagens foram capturadas aleatoriamente porque as situações, os takes, os planos eram projetados em 24 frames por segundos. É como tentar fotografar raios. Você pode pensar em acertar uma coisa, mas acerta outra. Aí definitivamente tem os cut-ups do William Burroughs. Os cut-ups estavam desde as pedaladas, das andanças, dessas seleções e combinações e as ressignificações. Essas imagens saiam de um contexto e se tornavam outra coisa.

Aquilo me fascinava e as produzi ao longo de três anos como uma narrativa incerta. Os kinolooks não eram um fim imagético. Eu entrava em um cinema e fazia um click de uma dada sequência fílmica. Fazer um clique daquela imagem e sua ressignificação, isso é bacana, mas era muito mais que isso. Era um corpo que se movia, um corpo que saia de casa, andava, pedalava, perambulava ele escolhia coisas, ele estava em movimento, ele tinha um espaço, uma mistura de adrenalina, dopamina, endorfina. Havia uma falange de impulsos eletroquímicos fazendo efeito em você e explodindo. Enfim, eu me tornava uma supernova deambulante em ação. Os Portraits, também tem a ver com o andarilhar por Nova York, naquele espaço designado como East Village, onde vivi por seis anos dos quase dez em Nova York. Convidava pessoas conhecidas e gente desconhecida para fazer os retratos. Tinha um acaso envolvido, não era algo premeditado. Esse perambular, essa errância tem a ver com esses três ensaios. Mas isso você vai percebendo ao longo do tempo. Como se eu tivesse três trabalhos soltos, e de repente uma junção. É fascinante observar essa dinâmica no pretérito e transmutá-la no presente. Em processo, o que se tem num caldeirão, é asa de morcego, perna de barata, pétala de orquídea e flor de jasmim. Uma mistura potente. O que Ana Paula Albé e eu fizemos, foi buscar essa visada de como essa publicação poderia produzir encantamentos.

Ana: Não tem nenhum tratamento de imagens...

Basicamente, nenhum. “A Presença Vermelha”, foi feita com filmes-slides, diapositivos. Não tem tratamento de photoshop. A presença vermelha está ali se manifestando naqueles espaços, sobre o minério de ferro, nos caminhos das Minas Gerais, e depois na volta ao Rio há a Presença Vermelha dentro do apartamento, na feira, etc. Esse trabalho, que nunca foi exposto, ficou famoso entre os amigos da Escola de Artes Visuais como algo sarcástico. Naquela época, a ditadura militar ainda tinha um PM na entrada do Parque Lage.

Cris: Tem um componente político nessa série?

É um componente político paródico e crítico, até onde vai a cabeça de um jovem estudante de arte de 18 anos que também gostava de surfar. Um cara que sabia o que estava acontecendo no período final da ditatura. Certamente o vermelho tem uma significação transgressora. Aliás, até hoje. O vermelho é uma cor incrível, tem esse estigma boçal criado pela extrema direita, mas muitas outras significâncias.

Cris: Pensando no vermelho como a cor da pulsão, do desejo, queria abordar a questão do corpo. Na sua obra o corpo é solar, é um corpo de Dionísio. Nesses três ensaios também há um corpo presente, mesmo na ausência, há um corpo da ordem da pulsão.

O corpo sempre esteve presente em tudo que eu faço em linguagens visuais, de um jeito ou de outro e se manifesta no meu trabalho de vários modos. O corpo não é necessariamente humano, porque pode ser um corpo fantasmático, inclusive um corpo não só de seres, mas também de coisas. Pode ser um corpo desse planeta ou de outra galáxia. Quiçá, um corpo sideral. Um corpo da própria situação, do próprio ato mágico da vida. Esse corpo está presente o tempo todo. O “tempo” também é fundamental nessa publicação. Você pode abordar o pensamento sobre o “tempo” em filosofia, pode ser um tempo de Heráclito ou um tempo de Didi-Huberman. O corpo como linguagem poética do meu trabalho transita no antitempo, é um corpo de luta, experimental, um corpo que pulsa.

Ana: Fiquei pensando na relação do título, se Espectra não é justamente esse lugar que junta memória com esse corpo que pulsa na própria imagem. Além de ser o nosso próprio corpo que pulsa ao ver a imagem. Esse trabalho tem essa provocação, ele te leva para outros lugares. Ele te mexe, te empurra para um lado e para outro, e o corpo vai pulsando.

Memória pode ser um corpo, não é ?

Ana: Eu que estou dentro desse processo, de ver o livro se formar, percebo que Espectra é esse corpo. Memória e Espectra, esses dois conceitos, memória e corpo se roçam, se apresentam juntos. Não sei se a minha ideia de memória e corpo está sendo fiel a sua proposta.

Sim, acho que está sendo. A questão do trabalho em linguagem das artes é que não há uma visão única e final. Acho sensacional que pessoas consigam ver coisas no meu trabalho que eu não consigo enxergar. Essa visão de misturar memória e corpo pode gerar uma super matéria plástica. O corpo não é somente físico é um corpo metafisico, fenomenológico, um corpo Espectrum. Esse aspecto fantasmático dessas três séries está presente tanto no campo da escolha do título como das imagens. Sim. A memória, o corpo, o fantasmático em Espectra estão rodos juntos e misturados. Uma ordem essencial de todo fantasma é que ele sempre volta. Tanto é que na ideia do livro, nós “funkyamos” esse tempo. Não é um tempo cronológico. É um metatempo de processo em um trabalho imagético. Eu olho esses três ensaios, realizados de 1977 a 1987, e começo a pensar em muitas coisas, escolhas e combinações da minha vida mestiçadas ao meu trabalho e como esse trabalho perpassado por tantas experiências tem sido metonímico, como tem sido a parte pelo todo, como uma sinédoque. Isso me encanta, é um modo de trabalhar. Não é possível abarcar tudo do pretérito, porque senão você cai na armadilha de uma retrospectiva e essa não é a ideia de Espectra. Eu não estou a fim disso nesse livro. Estou a fim dos significantes. Você pode ver o todo pela parte, e mesmo assim não eliminar o todo que será sempre subjetivo ao tempo da memória.

Cris: Você falou sobre magia, acaso e sobre errâncias, o flanar pela cidade. Posso te considerar um poeta visual, capaz de ver a plasticidade e a poíesis do cotidiano?

Totalmente. Sempre fui. Tive desde muito cedo a consciência que a poesia tinha se libertado do domínio do verbo há muitos anos. Pelo menos, a partir dos dadaístas, que chutaram o pau da barraca faz tempo. A ideia de poética ser somente pensada como signo verbal é tão datada, que não dá nem para dizer o quanto. Hoje podemos falar de poéticas sonoras, visuais, poéticas do corpo, poéticas no sentido sensorial, ou o supra-sensorial, evocando aqui Hélio Oiticica.

Cris: Onde você garimpou os personagens do Portraits? Tem uma mulher decapitada, uma fã de Frank Sinatra, tem punks. De onde brotaram esses personagens nas suas andanças?

A década de 80 no East Village foi muito intensa e badalada. Foi um período de muita atividade artística, artistas e muitas, exposições de arte no East Village. Eu vivi muito tempo na Rua 9 com a Segunda Avenida em Manhattan. Havia equipes de televisão do mundo inteiro fazendo reportagens e filmando aquela efervescência de atividades e novas ondas. A cidade pulsava. Havia Madona, Basquiat, os night clubs. Era uma coisa fascinante, você tinha toda aquela festa e alegria e, ao mesmo tempo, tinha uma situação trágica acontecendo, que foi a AIDS. Muita gente conhecida falecendo por conta do vírus HIV. Naquele momento a cidade de Nova York era o olho do tufão. Atualmente, a região do East Village é totalmente gentrificada, no início da década de 80 era um lugar incrível. Já no lower east side havia muitos pontos de venda de heroína, muitos edifícios abandonados, um submundo incrível, tudo emaranhado, uma coisa meio sci-fiction, meio “Favelost” do Fausto Fawcett. Foi também o momento da política neoliberal de Ronald Reagan, e do dinheiro yuppie. O termo yuppie ganhou projeção naquela época. Na cidade de Nova York havia uma nebulosa de confluências, uma cidade muito intensa de tudo. Essa experiência nova- iorquina foi totalmente marcante, foi e está tatuada no meu corpo ao longo de quase dez anos vividos nessa super cidade. Tanto a série Kinolooks como os retratos do East Village dizem respeito a esse tempo-espaço e as minhas vivências novaiorquinas nos anos 80. A confluência dessas três séries nessa publicação tem essa dinâmica imagética e uma falange fantasmática que as conduzem à Espectra.

Ana: Seu trabalho leva a fotografia para um lugar muito libertador. Você mexe com a fotografia sem ficar amarrado em algumas regras, em alguma história. Você apropria dela sem engessá-la. Quem foi que formou sua escola?

Eu tive o prazer e a honra de estudar artes. Frequentei uma escola extraordinária que foi a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, à época do Rubens Gerchman. Vivi aquela escola intensamente. Chegava as 10 horas da manhã e só saía à noite. Ali pude estudar cerâmica com a Celeida Tostes, estudar cinema com o Sérgio Santeiro, história da arte com o Alair Gomes, gravura em metal com a Isabel Pontes, fotografia com Constance Brenner, fotogravura com Gianguido Bonfanti, entre outros mestres bambas. Foi uma experiência fabulosa.

Já visitei várias escolas de artes no mundo, mas nenhuma tão bonita como o Parque Lage. Um “palazzo italiano”, um lugar mágico no meio da mata do Rio de Janeiro, embaixo do Cristo Redentor. A biblioteca da escola era maravilhosa e ainda é.

O Gerchman conseguia muitas doações para a biblioteca da escola. Havia muitos livros de arte, e as revistas eram incríveis. Havia a Flash Art americana e a versão italiana. Havia a Art News, ArtForum, um bando de revistas que chegavam periodicamente. Aquilo teve um impacto profundo na minha formação intelectual, sensorial, ver coisas que estavam acontecendo no mundo. Eu já tinha um excelente conhecimento da língua inglesa o que facilitava as leituras. Havia também a revista brasileira GAM. Foi nessa revista que, aos 19 anos, eu descobri o trabalho do Hélio Oiticica. Foi mais ou menos na época que o Hélio estava voltando de Nova York 78. Mais tarde fui apresentado aos Hélio e tive o prazer de participar dos dois últimos projetos de proposição coletiva que ele fez em vida. Os Acontecimentos Poéticos-Urbano. Kleemania no Cajú, bairro onde HO frequentava em errâncias. O Kleemania foi em dezembro de 79. Hélio convidou um grupo de artistas e eu era o mais jovem. O segundo foi o Esquenta pro Carnaval no morro da Mangueira em janeiro de 1980. Muito infelizmente, poucos meses depois Hélio faleceu. Tudo isso teve muito impacto na minha informação. Não é só o trabalho do Hélio, que até hoje eu pesquiso e acho um artista inacreditável. Um alienígena até onde a gente pode experimentar talento e conhecimento mestiçados. Um ser multidimensional, que transitou nesse mundo. O Hélio é uma referência que não se esgota. Rogério Sganzerla também. Ele já é de outro tempo na minha vida. Uma riqueza de pensamento, de experiências e vivências. Ele e a companheira dele, a atriz e diretora Helena Ignez. A convivência com Rogério e Helena foi muito importante para mim, principalmente no campo diegético e das poéticas fílmicas.

Rogério é um artista que também é do metaverso. Um visionário Ele mesmo escreveu: “O cinema não me interessa, mas sim a profecia”. Profecia não é do mundo das certezas, é do mundo dos visionários. Um artista que invoca profecias, sobretudo, enfatiza uma vidência. Essa é a beleza da profecia, desde sempre, desde o desde o oráculo de Delfos, das feiticeiras. Elas advinham, porque é assim que a narrativa da cosmogonia flui.

Rogério era um camarada extraordinário. Não é à toa que atualmente, a minha pesquisa de doutorado tem foco nas poéticas cinemáticas de Sganzerla e uma prática artística a partir de um roteiro inédito que escrevemos juntos em 1999. Em modo similar, a de mestrado foi sobre o período de produção de Oiticica em Nova York (1970-1978). Portanto, a eles, essas pesquisas não são somente homenagens e revelações, é um jeito de dizer, Obrigado.

Ana: Você é simpatizante do suporte livro para novas invenções. O livro é um lugar?

Não é um lugar, o Livro Inventado é muitos lugares. O que me encanta no livro é a ideia de um suporte cheio de força poética e ser facilmente transportável, por isso, já fez muito tempo que o meu trabalho está muito relacionado aos Livros Inventados e ao cinema de artista, aos filmes experimentais. Essa minha prática cinemática se hibridiza com os livros inventados em campo arterial. Tenho participado de festivais e mostras de arte com filmes experimentais no mundo inteiro. Certamente, o que transita virtualmente amplia o escopo de abrangência do trabalho. O livro é essencialmente um núcleo de conhecimento, desde os palimpsestos, desde os textos sobre pele de bicho, desde a biblioteca de Alexandria e antes com a escrita cuneiforme em tabletes de argila na ancestral mesopotâmia. Nesse campo de produção de livro de artista é essencial evocar o artista Artur Barrio. Eu aprendi muito como ele em vários sentidos. Os cadernos-livros do Artur são extraordinários. A produção do Barrio é excepcional. Eu já fiz dois filmes sobre o trabalho dele, um no Brasil e outro na Filadélfia. Sempre observei como o Barrio utilizava os seus cadernos-livros como fonte de informação. Aquilo me fascinava imensamente. Você pode pegar um fragmento escrito, uma imagem, colagem realizada em 75, e transportar essa ideia para um tempo-espaço atual. Às vezes, Barrio “escangalha” os lugares em que trabalha em modo encantatório e delirante.

Esses “escangalhamentos” de linguagem, situações e muitos outros sentidos na obra de Barrio são luminosos. Não por acaso, ele é na atualidade, um dos artistas mais importantes do mundo.

Esse processo de selecionar e combinar em linguagens não é fácil. Para os artistas é sempre um dilema. É um processo complexo que nunca termina. No caso dos livros, há um fluxo nas páginas. Eu não acho que existe essa coisa que se fala sobre respiro. ” Essa página está toda branca é um respiro”. Nada disso. A linguagem é um sufocamento, não tem essa coisa de respiro. Tudo em um livro de imagem é imagem. Não importa se você coloca uma página toda preta, ou branca. Em um livro essa página é imagem. Se você imprime uma foto minúscula ao lado de uma foto grande, tudo é imagem. Basicamente, num livro de imagem você vê duas páginas abertas ao mesmo tempo, o tempo todo, isso é dialógico. Aí começa outra questão delirante que é o cinemático do livro. Ou seja, você tem que pensar como um enxadrista, pelo menos, cinco jogadas à frente ou para trás, essas coisas dão muito trabalho, não há atalhos. Eu sou obsessivo com o exercício da linguagem e não saberia ser de outro modo.

agradecimentos

Ana Paula Albé, Arthur Barrio, Carla Mourão, Cazuza, Cristina Zarur, Khalil Charif, Margery Segal, Peter McCaffrey, Roberta Bonisson e Rogério Sganzerla

livro de Marcos Bonisson

entrevista Cristina Zarur

Ana Paula Albé

projeto gráfico Ana Paula Albé

Piscina Pública Edições

ISBN 978-65-994169-4-1

São Paulo 2022

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