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de junho Hist贸rias de uma Noite de Guerra em S茫o Paulo

B谩rbara Lib贸rio | Fernanda Ferreira | Nicolas Iory



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de junho Hist贸rias de uma Noite de Guerra em S茫o Paulo



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de junho Hist贸rias de uma Noite de Guerra em S茫o Paulo

B谩rbara Lib贸rio | Fernanda Ferreira | Nicolas Iory



Agradecemos a todos que nos ajudaram a tornar realidade este livro, que dedicamos a nossas famílias que, com seu amor e dedicação, permitiram-nos trilhar o percurso que se encerra nesta obra. Ao menos por ora.


sumรกrio


capĂ­tulo 1



PREFácio Convidado que fui a fazer esse prefácio, apressei-me a ler, tão logo recebi o livro -ainda em fase de revisão. Com pouco mais de 90 páginas em formato A4, fiquei preocupado se conseguiria fazê-lo dentro do prazo exíguo de que dispunha. Para minha surpresa, li em menos de um dia inteiro. E explico. Diferentemente da enorme quantidade de textos, artigos, análises e interpretações das chamadas jornadas de junho, nunca tinha tido a oportunidade de ler um texto sem tais pretensões, mas um relato jornalístico dos acontecimentos. Sobretudo os do dia 13 de junho de 2013. Texto fascinante que nos remete à sensação de estarmos presentes ao que se passa nas ruas. Disputando o caminho e roteiro com a polícia, amedrontados com a fumaça e as balas e com o que poderá nos acontecer. Texto que nos tira o fôlego e que desejei chegar ao fim de cada parágrafo ou capítulo sem parada ou respiro. Poderia então parecer que o livro é despido de considerações profundas sobre o que se passou no país e nas ruas de São Paulo em particular, mas não é nada disso. Com linguagem absolutamente simples sem nenhum tipo de, digamos, pedantismo, disseca e faz-nos entender e refletir profundamente sobre aquele dia e aquelas semanas. E mais: os seus jovens autores nos fazem pensar em que país, ou nação, realmente vivemos. Assim, encontramos os nomes de personagens e organizações efetivamente populares como “Tanq Rosa Choq”, Paulinho Fluxus, espaço Mundo Pensante e Trupe Chá de Boldo ao lado dos nomes de ruas que reverenciam os que dominaram e ainda dominam, como Elevado Costa e Silva, rua coronel Xavier de Toledo, rua Maria Antônia, praça Roosevelt. Nas descrições dos fatos veremos frases curtas que dizem, sem tom discursivo ou acadêmico, como se dá, de fato, a questão da relação cidadão x poder de Estado, inclusive em sua face ridícula e patética. São frases como: “alguém tem que apanhar, senão a situação não muda”; “a

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gente vai matar vocês!”; “Aqui é tudo filhinho de papai que nunca apanhou na vida!”; “foi quando Giuliana sentiu o tiro no rosto. Havia se enganado. Desta vez, o policial disparou”. Somos também colocados diante dos homens da segurança, com seus diferentes pontos de vista e entendimento sobre o que se chama de manifestação e como agir diante delas. E também diante da distância que guardam das ruas e seus problemas, os que dirigem o Estado -com raríssimas exceções. Os personagens reais dos acontecimentos se apresentam como gente de fato. Verdadeiros. Luãs, Milas, Mayaras, Ninas, Preiss, Remis, Giulianas, Giseles, Sergios, Pieros. Suas reflexões e frases mostram que estamos diante de um episódio histórico que poderá ou não, só o tempo dirá, vir a se constituir num ponto de mudança de rumo na política e no modo de se dar a relação cidadãoEstado no Brasil no futuro. O capítulo “SEM CAUSA - Engolidos pelo Caos” deixa entrever que as ruas atingem até aqueles que delas querem se manter afastados. E gera solidariedades como a assistência jurídica a presos e o movimento Gapp (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), de atendimentos de primeiros-socorros. Assim, manifestações de rua, aparecem como uma forma de envolvimento da nação como um todo. Ainda que com a participação de apenas fração dela. Daí a disputa pelas interpretações. O livro então resiste à tentação de se transformar numa interpretação, tal como fez a grande mídia em suas narrativas, o que acabou por turvar e manipular aquilo que, de fato, significaram aquelas manifestações. Tudo começou por R$ 0,20, mas essa não é a primeira vez. Apenas mostra que a tarifa dos transportes coletivos é fonte e estopim de muitas revoltas. Assim foi, em 1879, a Revolta do Vintém; o Quebra-Quebra de 1947, em São Paulo; a greve dos bondes no Rio de Janeiro em 1956, quando a cidade ainda era a capital do país; a Revolta do Buzu em Salvador, em 2003; e a Revolta da Catraca em 2004, em Florianópolis, para falar de algumas mais significativas, fora uma centena ou mais de manifestações, quase que anuais, em algum município do país, por conta da tarifa dos transportes coletivos. Claro que a pauta dos protestos foi muito ampliada, fundamentalmente em torno da qualidade dos serviços públicos em geral, ou seja, mais bens públicos com qualidade em contraposição a serem tratados como bens de mercado. Mas mobilidade urbana entrou na pauta dos assuntos nacionais. Com maior ou menor ênfase, dada a competição que teve de enfrentar com as discussões sobre a Copa do Mundo e as eleições presidenciais de 2014.

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O Movimento Passe Livre se tornou um protagonista reconhecido nessa luta. “Ele, além do objetivo tático nas jornadas de junho de 2013, de barrar reajustes tarifários, carrega um estratégico: o de resgatar a natureza do bem público, descaracterizado pelo regime de concessão adotado no Brasil. A teoria econômica distingue bens de mercado e bens públicos. Nos de mercado, teoria do consumidor, a oferta e demanda determinam o que produzir, quanto produzir, para quem produzir. Ao definir o preço o mercado exclui empresas que não conseguem praticá-lo e ‘consumidores’ que não podem pagá-lo. A exclusão faz parte do mercado. Os bens públicos são universais. A exclusão é impossível ou inaceitável por perversa e ineficiente”.1 A “tarifa zero”, nome que surgiu em 1990, portanto 24 anos atrás, e que resume esses conceitos sobre bens públicos, é hoje uma referência plenamente conhecida. Tudo isso se deve, de forma mais incisiva, a junho de 2013. E o livro, sem fazer alarde, discurso ou tese, mostra isso de forma, digamos, emocionante e “quente”. Quem sabe uma frase nele transcrita, pode resumir o que aconteceu e ainda pode vir a acontecer no país: “A tarifa zero é como a ponta de um iceberg, que lá embaixo tem um montão de coisas que ninguém quer mexer”.

Nota 1

DIAS, João Luiz da Silva. O paradigma do transporte urbano. Questões Urbanas, 21 out. 2014. Disponível em: <http://www. hojeemdia. combr/m-blogs/ quest%C3% B5es-urbanas1.268616/oparadigmado-transporteurbano1.269680>.

Lúcio Gregori

Engenheiro e ex-secretário municipal de Transportes (gestão Erundina). Formulou a primeira proposta para implantação da tarifa zero no transporte público de São Paulo

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mapa do conflito eida e Alm

Concentração dos manifestantes no início do quarto ato do MPL em São Paulo

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Local do 1º confronto entre policiais e manifestantes

Matheus Preis, do MPL, tenta encontrar o coronel Ben Hur Junqueira, da PM

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Repórter Giuliana Vallone é atingida por uma bala de borracha Fotógrafo Sérgio Silva é atingido por uma bala de borracha

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TRAJETO PERCORRIDO PELA MAIORIA DOS MANIFESTANTES

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junho 2013


Nota 2

Movimento Passe Livre é um movimento social brasileiro que defende a adoção da tarifa zero para o transporte coletivo e é o principal articulador dos protestos contra o aumento das tarifas de transporte público em diversas cidades. Sobre isto, leia no capítulo 2, “MPL - O Movimento Passe Livre”.

O mês de junho de 2013 foi um período de ebulição social. Cerca de um milhão de pessoas foram às ruas protestar contra o reajuste da tarifa do transporte público em todo o Brasil. A superlotação, o desconforto, a má qualidade dos veículos e inúmeras horas perdidas no trânsito foram alguns dos argumentos dos manifestantes para não aceitarem o aumento. Era inadmissível reajustar a tarifa novamente sem ter um transporte público de qualidade. Em São Paulo, o aumento no valor das passagens do ônibus, metrô e trens foi de 6,67%, passando de R$ 3 para R$ 3,20. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), explicou à imprensa que o reajuste era justo, uma vez que estava abaixo da inflação acumulada desde janeiro de 2011, quando passou a vigorar a tarifa de R$ 3. Se fosse aplicada a inflação do período (14,8%), o preço chegaria a R$ 3,40. Entretanto, o valor da passagem de ônibus na cidade de São Paulo triplicou nos últimos 15 anos, e os reajustes nem sempre seguiam a inflação acumulada. Em 1998, o bilhete custava R$ 1 e em 2011 passou a ser R$ 3, aumento de 200%. No dia 2 de junho de 2013, com o reajuste, São Paulo passou a ter a passagem de ônibus mais cara do Brasil. Foi a gota d’água. Ninguém esperava que as manifestações populares tivessem tanta aderência. Os protestos organizados pelo MPL (Movimento Passe Livre)2 contra o aumento da tarifa começaram no dia 6 de junho com o apoio de pouco mais de 5.000 pessoas, e encerraram-se no dia 20 de junho, com a participação de mais de 100 mil manifestantes nas ruas, segundo medição da Polícia Militar. A causa, que já era debatida pelo MPL desde 2004, ganhou maior visibilidade pelas táticas utilizadas pelos membros do movimento nos atos de 2013. Eram sucessivos protestos com intervalos muito curtos que paravam avenidas importantes da cidade de São Paulo, como marginal Pinheiros e avenida Paulista. Eles queriam chamar a atenção, e estavam conseguindo. Assim como em toda mobilização social, havia pessoas que não se interessaram pela causa e não queriam ter suas vidas afetadas por conta dos atos que ocorriam em São Paulo. O movimento começou a gerar insatisfação e revolta em uma parcela da população.

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nota 3 Estratégia de luta que surgiu na década de 1980, caracterizada por pessoas vestidas de preto, que defendem a destruição de “alvos capitalistas”, como bancos e grandes corporações. (MONTEIRO, Paulo Cézar, 2013). nota 4

EM DIA de maior repressão da PM, ato em SP termina com jornalistas feridos e mais de 240 detidos. UOL, São Paulo, 6 jun. 2013. Disponível em: <http://noticias. uol.com.br/ cotidiano/ ultimasnoticias/2013/ 06/13/em-dia-demaior-repressaoda-pm-ato-emsp-terminacom-jornalistasferidos-e-maisde-60-detidos. htm>. Acesso em: 03 out. 2014. nota 5

Artigo 19 é uma organização independente de direitos humanos que atua na defesa e promoção da liberdade de expressão e do acesso à informação.

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Logo no início dos protestos, o governo e a imprensa criticaram duramente as manifestações. A ocupação da avenida Paulista, principal via da cidade e considerada o coração econômico da capital, além dos atos de vandalismo cometidos por uma minoria que se juntava aos protestos, eram o foco dos jornais. As depredações e danos ao patrimônio público encobriam a dimensão dos protestos. Já nas redes sociais, mídias alternativas ganhavam força ao transmitirem em tempo real tudo o que acontecia nas ruas. Era o outro lado da cobertura, relatos na perspectiva dos manifestantes, que publicavam fotos e vídeos da repressão violenta da Polícia Militar. Além disso, as redes sociais também eram usadas no processo de divulgação dos atos. Era por meio do Facebook que a maioria dos jovens ficava sabendo quando e onde seriam as próximas manifestações. Depois da realização de três protestos (nos dias 6, 7 e 11 de junho), as manifestações ganharam mais força, mesmo com os ataques da polícia. O quarto ato contra o aumento das passagens foi marcado para o dia 13 de junho, quinta-feira. As edições dos dois principais jornais de São Paulo (O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo) que chegaram às bancas naquela manhã traziam editoriais com críticas duras à atuação dos manifestantes, fazendo uso de palavras como “vândalos” e “baderneiros”, posicionando-se a favor de uma ação policial mais rígida e efetiva, propondo como solução aos “atos de vandalismos” a “força da lei”. A avenida Paulista não deveria ser invadida novamente. Os “vândalos” aos quais os jornais se referiam eram grupos que agiam de forma independente nas manifestações com ações de depredação de patrimônios públicos e privados (símbolo do Estado e do capitalismo). Alguns dias depois, essa tática de destruição e autodefesa contra a violência policial começou a ser chamada pela mídia de black bloc3. O protesto do dia 13 foi o ato que teve a repressão policial mais violenta da série de manifestações de junho. O saldo foi: violação dos direitos constitucionais, uso desproporcional da força por parte da PM, prisões arbitrárias, brutalidade policial. Dos quase 20 mil manifestantes que participaram do ato (segundo os organizadores), mais de 240 foram detidos, de acordo com a delegada Victoria Lobo Guimarães4, titular do 78º Distrito Policial (Jardins). Cerca de 100 pessoas foram feridas (segundo o MPL), sendo que 22 delas eram jornalistas em exercício da profissão (segundo relatório do Artigo 195). Sete repórteres eram da Folha de S.Paulo. Após a violência presenciada no dia 13 de junho em plena região central


de São Paulo, os veículos da grande mídia, que até aquele dia eram contrários aos protestos, passaram a apoiar as manifestações. O protesto seguinte, no dia 17 de junho, levou mais de 100 mil manifestantes para as ruas de São Paulo, de acordo com o MPL. O Brasil não via manifestações dessa magnitude desde as Diretas Já6 e do movimento Caras Pintadas7. Nos anos 1990 havia a proliferação de muitos movimentos sociais, mas não com índices de participação como as Diretas Já e o impeachment do Collor. As duas manifestações tinham lideranças e participação de organizações partidárias, diferente dos protestos de junho, em que os partidos de esquerda, como PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), estavam presentes, mas não como a força política que convoca a população. Os manifestantes declararam ali independência dos partidos. As manifestações de junho também tinham como característica a ausência declarada de liderança. Nos protestos organizados pelo MPL não há carros de som ou líderes puxando os atos. A estratégia é que as pessoas se empoderem8 da causa e se sintam parte de toda a manifestação. Nascia um novo jeito de protestar. Nas páginas seguintes, o leitor vai entrar em contato com protagonistas e coadjuvantes que participaram da manifestação do dia 13 de junho e viveram histórias de uma noite de guerra em São Paulo.

nota 6

De 1983 a 1984 a população brasileira, que vivia sob regime militar, foi às ruas em todo país, em diversas manifestações, reivindicar eleição direta para presidente. nota 7

Em 1990, o movimento de estudantes denominado Caras Pintadas reivindicava o impeachment do então presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello. nota 8

Processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. (KLEBA, Maria Elisabeth. São Paulo, v.18, n.4, p.733-743, 2009).

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manifestantes Cidade Proibida, estado de choque

Ewandro Consolmagno


capÍtulo 1 NOTA 9

Empresa prestadora de serviços que atua com comunicação popular, oferecendo cursos de Jornalismo a estudantes universitários. NOTA 10

Universidade de São Paulo. O espaço cultural que estava sendo reconstruído era um antigo canil no campus Butantã da universidade, que havia sido demolido em dezembro de 2012. NOTA 11

Nascido em 1930, Plínio de Arruda Sampaio faleceu em julho de 2014, aos 83 anos. Ele foi um dos fundadores do PSOL, partido pelo qual disputou a Presidência da República em 2010.

“Vi o governo pisando pra ver até onde a gente aguenta, A hora é de quem faz, aliás, de quem tenta [...] E comece a estudar, estaremos nos livros de história, O que eu senti hoje tá na alma, guardei em minha memória” versos do rapper Luã Mantovani sobre as manifestações vde junho

Sérgio Gomes sentia o coração apertado no fim da tarde daquela quinta-feira. No oitavo andar de um prédio na rua Rego Freitas, onde funcionava a Oboré9, da qual ele é um dos fundadores, Sérgio estava sem internet e não conseguia falar com o filho Paulo Favero. A cerca de um quilômetro dali, nos arredores do Theatro Municipal, começava o quarto ato do Movimento Passe Livre em São Paulo. Seria também o segundo a contar com a presença de seu filho, que havia passado os últimos dias organizando um festival que visava arrecadar fundos para a reconstrução de um espaço de cultura na USP10. Pelo telefone, Sérgio compartilhou sua angústia com Luiz Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, morto nos porões do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) durante a ditadura militar, em 1975. —Estou com o coração apertado aqui. Vai acontecer alguma merda essa noite e eu não sei do Paulinho - disse. —Imagina! - respondeu Luiz. - A manifestação de hoje é londrina! Ao lado da mulher, Ana Luisa, ele resolveu fechar as portas da Oboré e ir ver como estava o protesto. Surpreendeu-se com a falta de movimentação na rua ao sair do prédio. A multidão já havia ocupado a rua da Consolação, o que impedia o trânsito de carros na Rego Freitas. No contrafluxo dos manifestantes, surgiu Plínio de Arruda Sampaio11, ex-deputado federal e um dos fundadores do PSOL. —Plínio, você estava na passeata? - perguntou Sérgio. —Estou desde o começo do protesto. Já estou indo embora. Está uma maravilha! - disse Plínio.

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NOTA 12

O termo “coletivo” vem do latim collectivus, que significa “que agrupa, ajunta”. São chamados de coletivos os grupos formados a partir da associação de pessoas com interesses em comum.

NOTA 13

Espaço multicultural que integra música, artes visuais e artes do corpo. Localizado na rua 13 de maio, no bairro do Bixiga, na região central de São Paulo.

A tranquilidade de Luiz Herzog e Plínio Sampaio não eliminou o mau pressentimento de Sérgio. Ele ainda esperava por notícias do filho, o que só ocorreria algumas horas mais tarde. E elas não seriam boas. * Paulo Favero é conhecido como Paulinho Fluxus, ou apenas Paulinho. Aos 28 anos, ele estudava Artes Plásticas na Escola de Comunicações e Artes da USP, onde descobriu ser apaixonado por iluminação -com o que trabalha até hoje, em shows e eventos. A convivência com os colegas na USP e o “clima nostálgico dos anos 1960 e 1970” daquele ambiente, como ele próprio relembra, também aguçou seu lado ativista. Em 2009, quando tropas da Polícia Militar ocuparam o campus da universidade, Paulinho se juntou a outros estudantes e fundou o coletivo12 “Tanq Rosa Choq”, que atua por meio da arte, com o uso de lasers, armas de plástico e capacetes cor-de-rosa, além de um carrinho de supermercado travestido de tanque de guerra -entre outros apetrechos-, para se manifestar. - O “Tanq” é uma criatura performática que trabalha a ideia de disparos estéticos. Tentamos levar para fora da universidade questões como “o que podemos fazer para celebrar a liberdade antes de sermos contra a repressão?” - explica Paulinho. O rosa, desde então, é figura indispensável no seu vestuário. Foi com uma bandeira e um casaco dessa cor que ele saiu de casa, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, na Bela Vista, para o protesto do MPL no dia 13 de junho de 2013. Chegou ao Theatro Municipal por volta das 18h, quando começava a escurecer. Já havia por ali uma grande movimentação policial, com guardas postados no viaduto do Chá e viaturas estacionadas. Ele observou policiais retirando alguns manifestantes que chegavam ao protesto e sua preocupação aumentou. - Na hora eu pensei “cada um desses é R$ 20 mil de fiança… Os caras vão dar um prejuízo no movimento” - conta. Resolveu ir comprar algo para beber, aproveitando que a passeata ainda não havia começado. No caminho, ele encontrou um amigo que trabalhava no espaço Mundo Pensante13, uma casa de eventos no bairro do Bixiga. —Cara, o Remi foi preso porque estava com vinagre - disse a Paulinho, agora ainda mais preocupado. *

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Remi Barbosa Chatain, 29, é saxofonista de um grupo chamado Trupe Chá de Boldo. Por trabalhar à noite como técnico de som (também no Mundo Pensante), ele não tinha conseguido ir a nenhum protesto anterior. Naquela quinta-feira, porém, havia acertado com os chefes que iria deixar a passagem de som para mais tarde. Decidiu ir cedo para o protesto com a mulher, Mariana Degani, para verem como estava a movimentação nos arredores do Theatro Municipal. Estacionaram o carro na rua Japurá, próxima à Câmara dos Vereadores, e seguiram a pé. O relógio havia passado a marca das 16h há pouco tempo quando eles entraram na rua Direita, seguindo em direção à praça do Patriarca. O trajeto contrário ao da maioria dos trabalhadores, que caminhavam para o lado da Praça da Sé, fez com que dois policiais desconfiassem do casal. Remi e a mulher foram puxados pelos braços e confirmaram que estavam indo ao protesto. Ainda segurados pelos guardas, foram obrigados a abrir as bolsas. A de Mariana não trazia nada considerado “inapropriado”, já a mochila de Remi escondia a garrafa de vinagre, usado por manifestantes para aliviar a ardência provocada pelo gás lacrimogêneo utilizado pela polícia. —Isso aqui já era - disse um dos policiais. - Temos ordens para deter quem está com vinagre. Remi tentou discutir com os guardas, mas não houve trégua. Como a garrafa estava na sua mochila, Mariana foi liberada. Ela ainda tentou intervir em favor do marido, mas Remi pediu que fosse avisar os amigos do casal que estavam chegando à manifestação. Os dois guardas levaram o saxofonista para a praça do Patriarca, onde havia apenas uma Base Móvel da Polícia Militar até então. Foi obrigado a esperar sob vigilância de policiais subordinados ao capitão Toledo14, um sujeito com cara de poucos amigos. Logo após sua chegada, Remi ganhou a companhia de outro manifestante, mas não durou muito tempo: - Eles prenderam um japonês baixinho que era muito ligeiro. Ele disse que estava indo trabalhar e os policiais permitiram que ele ligasse para a mãe. Falou algo como “mãe, pegaram o vinagre que eu estava levando, não vou conseguir fazer a salada hoje” e os caras acabaram liberando - lembra Remi. Foi obrigado a se encostar a uma parede, que rapidamente estava tomada por dezenas de outras pessoas na mesma situação. Cinegrafistas fizeram imagens da multidão detida por porte de vinagre, enquanto policiais explicavam que todos ali foram pegos com coquetéis molotov15, pedras e pedaços de pau, segundo o relato de Remi.

nota 14

O capitão Rogério Lemos de Toledo da Polícia Militar era o responsável pela detenção e remoção para averiguação de manifestantes que chegavam ao Theatro Municipal no dia 13 de junho de 2013. nota 15

Arma incendiária geralmente utilizada em guerrilhas urbanas. Constitui-se em uma garrafa cheia (não necessariamente até a boca) de combustível (gasolina, álcool, etc.) com um pano amarrado, utilizado como pavio. O tecido é incendiado e a garrafa, arremessada contra o inimigo. O porte e uso de coquetéis molotov é proibido no Brasil pela lei 10.826, de 2003.

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Enquanto aguardava os policiais decidirem seu destino, ele viu a passeata começar, do outro lado do viaduto do Chá. Os manifestantes entraram pela rua Coronel Xavier de Toledo e o saxofonista permaneceu ali, ouvindo os cantos que ecoavam cada vez mais distantes. *

NOTA 16

Sobre isto, ver página 85 no capítulo 4, “SEM CAUSA Engolidos pelo Caos”.

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As vozes que faziam coro no centro de São Paulo também foram ouvidas pelo rapper Luã Mantovani, 23. Ele se guiou pelos gritos de “vem pra rua, vem!” e pelo posicionamento dos helicópteros no céu para alcançar o grupo, após sair da estação República do metrô. Luã nunca se envolveu muito com ativismo, mas estava engajado na luta contra o aumento da tarifa. Desde o primeiro protesto, no dia 6 de junho de 2013, ele ficou “antenado” nas discussões que surgiam pelas redes sociais e divulgava as notícias e desdobramentos dos atos em seu perfil no Facebook. Na quinta-feira, 13 de junho, quando já se aprontava para sair do bingo clandestino onde fazia “bico” como segurança, Luã leu um comentário que chamou sua atenção: - Uma garota disse para as pessoas tomarem cuidado porque ia ter uma emboscada na praça Roosevelt. Ela disse para não irem pela “ruazinha” que dá na Augusta - lembra. A “ruazinha”, no caso, era a João Guimarães da Rosa, onde é sediado o Fórum de Execuções Fiscais de São Paulo16. Com um boné, dois aparelhos eletrônicos (um iPod e um HD externo) e um vinagre na mochila, além de um buquê de flores nas mãos (que ganhou durante a passeata), Luã era mais um na multidão de cerca de 20 mil pessoas, segundo as estimativas do MPL. Muitos seguravam cartazes, outros utilizavam apitos. Haviam bandas ajudando a ritmar a cantoria dos manifestantes, que caminhavam pela rua da Consolação em direção à avenida Paulista. Não havia passado meia hora desde que Luã se juntou ao grupo quando a passeata foi interrompida, justamente na altura da praça Roosevelt. Os mais adiantados estavam próximos ao posto de gasolina no cruzamento com a rua Caio Prado, onde havia um cordão policial bloqueando a passagem dos manifestantes. Houve um momento de apreensão, aumentada quando, por trás da multidão, um grupo de policiais abriu passagem pelo lado direito da rua batendo seus cassetetes contra os escudos. Próximo à esquina com a rua Maria Antônia, algumas pessoas tentavam negociar com os militares a passagem em direção à Paulista. - O coro dos manifestantes era “sem violência!”. Eu estava cantando, todos


estavam. Tinha até um senhor do meu lado. Mas de repente me senti um inútil. Veio o barulho da primeira explosão e começou o caos – diz Luã. Os policiais que formavam a barreira na Consolação começaram a disparar bombas de gás e de efeito moral, além de tiros com balas de borracha. Por estar em um nível mais elevado em relação à maior parte dos manifestantes -que se concentrava em frente à praça Roosevelt-, o batalhão da Polícia Militar tinha uma visão privilegiada e a possibilidade de atingir não só aqueles que estavam à frente do protesto, mas também todos ao fundo. Luã sacou o vinagre da mochila, molhou a camiseta e pôs sobre o rosto para aliviar os efeitos do gás lacrimogêneo. Ofereceu para outros manifestantes que corriam para se afastar da linha de tiro. Parte da multidão havia descido para se esconder embaixo do túnel do Elevado Costa e Silva, o Minhocão, enquanto a maioria atravessou a praça Roosevelt. Ainda na rua da Consolação, um grupo menor permaneceu travando um confronto direto com os policiais. No tabuleiro daquele confronto, enquanto as peças dos manifestantes estavam dispersas, os policiais se colocaram estrategicamente postados em três áreas: a barreira que fez a multidão recuar na rua da Consolação, uma tropa na rua Augusta, recepcionando os manifestantes que atravessavam a praça Roosevelt, e uma terceira formação policial na rua João Guimarães da Rosa, bombardeando aqueles que passavam pela praça. - Foi cenário de guerra, sem sensacionalismo - conta Luã. - Era bomba de gás de pimenta e efeito moral como se fosse Vietnã, uma atrás da outra. Enquanto corria das bombas na travessia pela praça, Luã passou por seguranças da Guarda Civil Metropolitana que estavam filmando a confusão com uma câmera de mão. Do lado de fora de suas viaturas estacionadas, os guardas lacrimejavam e tinham os rostos vermelhos. —Olha o que vocês estão fazendo! - gritou Luã. —Não é a GCM. Nós estamos aqui como vocês. Quem está fazendo isso é a Polícia Militar - respondeu um dos guardas. Ao entrar na rua Augusta, o rapper viu carros parados no meio da rua e uma fileira de policiais bloqueando a passagem dos manifestantes. Um jovem usando uma touca preta estava próximo aos soldados, parado em cima da calçada. —Sai daí! - bradou um dos policiais. —Não vou sair. Quero subir a Augusta - respondeu o rapaz. O policial então abandonou a formação em fila, agarrou o jovem pelo pescoço e o jogou no chão. Ao redor, algumas pessoas filmavam a ação e contestavam a atitude do PM.

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nota 17

O 78º Distrito Policial está localizado na rua Estados Unidos, no bairro dos Jardins, região central de São Paulo. Em junho de 2013, Victoria Lobo Guimarães, 51, era a delegada titular do estabelecimento. Cerca de um mês após as manifestações de junho, o local foi eleito a melhor delegacia pela Altus Aliança Global, que avaliou mil delegacias em 17 países de três continentes. nota 18

Sobre isto, ver capítulo 3, “IMPRENSA – Profissão de Risco”.

- Eu o vi tirar um pino de cocaína do próprio bolso e colocar na mochila do moleque. Pode anotar meu nome. Eu vi - relata Luã. - Ele mandou revistar a mochila e encontraram a droga. Um homem de terno e gravata que se apresentou como advogado filmava a cena com seu celular e notou que os policiais também estavam sem identificação. —O que você está fazendo? Isso é inadmissível! É antiético! - disse o advogado. —Está achando ruim? - respondeu o policial, tomando o celular do homem logo em seguida e o arremessando ao chão. —Eu gelei. Vi que estava no meio da rua cercado por quem devia estar me protegendo, mas que na verdade levava as pessoas aleatoriamente. Pela primeira vez, eu não sabia falar o que ia acontecer comigo - diz Luã. Após presenciar a cena, o rapper decidiu retornar para a rua da Consolação, com o intuito de chegar à avenida Paulista. Enquanto Luã voltava da rua Augusta, o estudante Paulinho Fluxus tentava evitar o pânico entre os manifestantes. Respirando pela boca, como havia aprendido a fazer para reduzir os efeitos do gás lacrimogêneo, ele queria que as pessoas se reunissem na praça Roosevelt, mas sem correria. - Eu acreditava que a gente teria um respiro lá, mas não tinha para onde correr. Os caras estavam mandando gás e bala de borracha. A galera estava desesperada e era perigoso alguém cair nas escadas da praça Roosevelt e passarem por cima - diz Paulinho. O estudante saiu pela rua João Guimarães da Rosa e o gás o cegou. Foi tateando pelo muro até ser encontrado por um amigo da USP que morava ali perto e também estava no protesto. Um grupo de manifestantes esguichou um pouco de vinagre em sua roupa, o que ajudou Paulinho a voltar a enxergar e respirar melhor. * Um micro-ônibus da Polícia Militar chegou à praça do Patriarca para levar os manifestantes detidos com vinagre ao 78º Distrito Policial17. Antes de entrar no veículo, Remi viu a chegada do jornalista Piero Locatelli18, da revista Carta Capital, que também se juntou ao grupo. Como foi um dos primeiros a ser preso, Remi se sentou no fundo do primeiro carro. O ônibus foi lotado de manifestantes, acompanhados por policiais que estavam de pé no corredor.

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Antes de partirem viagem, o capitão Toledo entrou no carro e avisou a todos: - Se vocês tirarem as mãos de baixo da bunda, isso vai ser interpretado como resistência e vão levar porrada. Ninguém desobedeceu a ordem durante a viagem. Ao chegar à delegacia, por volta das 19h, o micro-ônibus foi esvaziado e os manifestantes postos em fila no estacionamento do local. Um dos presos, lembra Remi, estava bêbado e não tinha envolvimento algum com o protesto. Durante a espera no lado de fora da delegacia, ele desmaiou e caiu no chão. Os policiais olharam, mas disseram que não podiam socorrê-lo19. Os manifestantes, por sua vez, não podiam tirar as mãos de trás do corpo. Remi pediu permissão para ajudá-lo, foi autorizado, e colocou uma mochila embaixo da cabeça do bêbado desmaiado. O saxofonista só começou a se preocupar com a mulher, que deveria estar em meio ao protesto, naquele momento, assim que outros ônibus começaram a chegar. - As pessoas saíam do ônibus e vinha uma nuvem com cheiro de vinagre, porque já tinha acontecido as bombas lá no centro. Eu sabia que a minha mulher ia estar com outras pessoas, mas ela tem bronquite. Logo a delegacia estava cheia e já não era mais possível organizar os manifestantes em fila. A Polícia Militar informou que mais de 240 pessoas foram detidas, mas Remi acredita que o número foi subestimado, devendo haver ali quase 400 manifestantes. Cada detido recebeu uma sacola plástica para segurar seu “flagrante” -no caso, o vinagre. Destoando da maioria, um dos presos trazia na sacola um paralelepípedo. - Tinha também uma menina que desceu do ônibus resistindo, estava toda de preto e super-revoltada. Ela devia ter uns 16 anos, era uma black bloc. E ela estava com uma pedra e um coquetel molotov - lembra Remi. Durante a espera, que passou de três horas, chegaram alguns advogados do PSTU para acompanhar o trabalho da delegada do local e dar suporte aos manifestantes. Já eram quase 22h30 quando foram liberados. Os funcionários da delegacia haviam feito um boletim de ocorrência coletivo para todos os que foram pegos com vinagre. Remi reivindicou uma cópia do documento, alegando que era um direito, mas ela foi negada. —E minha garrafa de vinagre? Não vão devolver? - emendou Remi. —Você quer ser preso de novo? - respondeu o policial. Remi achou melhor não insistir.

nota 19

De acordo com a resolução da Secretaria de Segurança Pública de 7 de janeiro de 2013, nas ocorrências policiais relativas a lesões corporais graves, homicídio, tentativa de homicídio, latrocínio e extorsão mediante sequestro com resultado de morte, inclusive as decorrentes de intervenção policial, os policiais que primeiro atenderem a ocorrência deverão acionar, imediatamente, a equipe do resgate, Samu ou o serviço local de emergência, para o pronto e imediato socorro.

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nota 20

Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas da Polícia Militar.

Paulinho acompanhou o grupo que estava decidido a subir a rua Augusta -o maior contingente de manifestantes após a dispersão na praça Roosevelt. Algumas pessoas começaram a articular a formação de barricadas de lixo para impedir o avanço da Tropa de Choque que vinha por trás. Paulinho notou os carros que estavam parados na rua e entendeu que eles também ajudavam a atrasar os policiais. Aquela percepção teria utilidade ainda naquela noite. Os militares perseguiam os manifestantes disparando balas de borracha e Paulinho tentava intervir para que as pessoas não revidassem arremessando pedras. Como sempre havia disparos em sua direção, ele percebeu que seu casaco cor-de-rosa atraía a atenção dos policiais. - Eu era um elemento de destaque e os caras me viam em todos os lugares. Nessa hora entendi que a estratégia do “Tanq Rosa Choq” não se aplicava ali - conta Paulinho. Já com um casaco preto por cima (que ele também havia levado), Paulinho Fluxus viu um homem mascarado acendendo uma bomba junto a outro grupo que incendiava sacos de lixo no meio da rua. A explosão aumentou o pânico entre os manifestantes. - Era um elemento completamente desestabilizador. Eu vi o cara, mas ele estava com uma camiseta no rosto. Fiquei com uma questão: o quanto o anonimato nos impede de saber quem eram as pessoas que estavam ao nosso lado. Podia ser um provocador, ou apenas molecagem. Como reconhecer? - diz Paulinho. * Enquanto subia a Consolação, paralela à rua Augusta, Luã via sempre o mesmo cenário em cada rua que atravessava: lixo pegando fogo e carros parados sem ter para onde ir. Naquele momento, um estalo o fez lembrar da mensagem no Facebook que alertava sobre uma emboscada da polícia na rua João Guimarães Rosa. Já era tarde para isso. - Entramos em uma dessas ruas à esquerda e me arrependo até hoje - narra Luã. - Encontrei um outro músico, que nunca tinha visto pessoalmente, e ele disse que a Rocam20 estava barbarizando pelas ruas. Seguiram caminhando sem rumo certo, desenhando um labirinto por entre as ruas para fugir da Rocam. Atravessaram a Augusta e perceberam uma moto virar a esquina logo atrás deles. Começaram a correr e cada um foi para um lado. Havia mais gente correndo ao lado de Luã, em direção à rua Frei Caneca.

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- Era como no filme “O Rei Leão”, em que os búfalos vêm correndo e aí ou você corre também ou eles pisam em você. Eu entrei no meio dos “búfalos”. Foi a cagada que fiz. Seis motos estavam perseguindo Luã, que percebeu ser o principal alvo, talvez pelo fato de estar com uma mochila. Os policiais tentaram bloquear seu caminho jogando as motocicletas junto à parede, mas Luã conseguiu pular a roda dianteira das motos ao menos duas vezes. Viu um bar lotado e correu para tentar se abrigar no local. Não deu tempo. Durante a corrida, um policial o alcançou e o derrubou jogando a moto por cima de seu pé. Luã caiu no chão em frente a um prédio onde curiosos assistiam à cena. Ele ainda estava com as flores que ganhara durante a passeata em mãos quando começou a receber os primeiros golpes de cassetete. - Apanhei pra caralho, que nem cachorro. Vieram outros dois guardas da Rocam e um ficou me chutando, o outro com o cassetete e o terceiro dando murros - conta Luã. No prédio em frente à abordagem dos policiais, os curiosos exaltavam a ação: —Tem que prender esses vagabundos mesmo! Essa molecada não quer fazer nada da vida! - gritavam. —Estava na manifestação? - perguntou o policial que o derrubou. —Estava, senhor - respondeu Luã. —Estava jogando bomba na polícia? —Claro que não. —Eu vi. —Viu o quê? —Que você estava com os baderneiros. —Estou aqui para protestar, assim como o senhor - finalizou Luã. Com o braço cheio de marcas deixadas pelos cassetetes enquanto tentava se proteger dos golpes e o tornozelo começando a inchar, Luã ficou ajoelhado no chão enquanto os policiais revistavam sua mochila. A garrafa de vinagre havia caído durante a fuga, mas Luã temia que os policiais forjassem uma prova contra ele, assim como tinha visto fazerem na rua Augusta. De costas para o prédio, Luã sentiu que alguém havia cuspido nele. Virou-se para tirar satisfações com os moradores do local, mas o policial que o havia derrubado retornou. —Sai fora que não quero levar você! - disse. —Desejo que você volte em paz para a sua casa - respondeu Luã após se levantar e abraçar o policial. - Isso que eu estou fazendo também é por você.

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Após um momento de silêncio, o policial respondeu: —Você estava causando. Não é assim que se faz. Luã sentiu que havia conseguido tocar no coração de seu agressor. Algumas horas mais cedo, quando estava a caminho da manifestação, o rapper pulou a catraca da estação Praça da Árvore em protesto solitário contra o aumento da tarifa. No retorno para casa, após o linchamento recebido da Rocam, Luã preferiu não correr o risco de apanhar também dos seguranças do metrô. Desta vez aceitou pagar os R$ 3,20 da passagem. Evitou cruzar com qualquer indício de manifestação no caminho de volta. Quando chegou a sua casa, por volta das 23h, foi recebido pelo pai com uma bronca: —Eu falei que não era para você ter ido a esse negócio! —Alguém tem que apanhar, senão a situação não muda - retrucou Luã. * Os tiros e bombas da Polícia Militar foram interrompidos em certo momento na subida dos manifestantes pela rua Augusta. Houve um instante de indefinição em que aqueles que estavam mais à frente gritavam “desce!” e os que estavam mais abaixo respondiam “sobe!”. Sem uma definição, o movimento estagnou por alguns minutos. Muitos moradores da Augusta observavam o movimento na rua, até que um deles saiu pela janela e ficou de pé no parapeito entoando os mesmos gritos que a multidão em frente à sua casa. Algumas pessoas buscaram aproveitar o aliado em posição privilegiada e começaram a perguntar “onde está a polícia?”, “você está vendo alguma tropa aí?”. Como os gritos eram dispersos, o homem não entendeu que se tratava de uma pergunta para ele. A multidão então se organizou de forma espontânea e começou a gritar em uníssono: “Onde está a polícia? Onde está a polícia?”. O homem então assimilou o recado, estendeu o corpo para olhar mais acima e fez um gesto indicando que o caminho estava livre. O grupo então voltou a entoar um recado juntos: “Muito obrigado! Muito obrigado!”. Logo acima, porém, pouco antes de chegar à avenida Paulista, uma nova Tropa de Choque estava postada bloqueando a rua, o que forçou os manifestantes a entrar à direita. Paulinho viu algumas pessoas jogando pedras na polícia e correu para impedi-las. - Não fazia o menor sentido incitar a violência ali e dar justificativas para os caras descerem a lenha enquanto havia um monte de pessoas subindo pela Augusta para fazer aquela curva - lembra Paulinho.

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Após dissuadir a ação daqueles que atacavam a tropa, Paulinho seguiu o trajeto dos manifestantes, que entraram à esquerda na rua Bela Cintra, a primeira paralela à Augusta. Alguém trouxe a notícia que havia policiais mais à frente, então todos se sentaram no meio da rua. Enquanto descansava um pouco, após ter andado cerca de três quilômetros desde que saiu do Theatro Municipal, Paulinho viu surgir por baixo da Bela Cintra uma tropa do Regimento de Cavalaria, trazendo de volta o pânico entre os manifestantes e os forçando a correr para o outro lado, em direção à Paulista. Quando chegaram à primeira esquina, os manifestantes puderam ver a rua da Consolação do lado direito e correram para lá. Qualquer alívio que ele possa ter sentido pelo fato de voltar para uma avenida larga, em que é possível ter uma visão muito mais ampla nas duas direções, foi eliminado no momento em que Paulinho percebeu a situação em que se encontrava. De um lado, a parte de baixo da Consolação, havia manifestantes subindo, fugindo das viaturas e homens que estavam por ali. Na parte de cima, alguns metros antes da Paulista, havia um cordão policial bloqueando a passagem. Por trás deles, da rua Matias Aires, chegava a cavalaria que os empurrou para lá. - Não tem para onde sair - pensou. O bombardeio então recomeçou. O cordão que impedia a chegada dos manifestantes à Paulista soltava bombas sem parar e uma densa nuvem de gás se formou na avenida. Os manifestantes foram manobrados pelas tropas para a rua Maceió, a única fresta livre naquele momento. Houve um afunilamento por ali: toda a multidão que ocupava a Consolação, com suas quatro faixas de rodagem de cada lado, precisou correr para uma rua com cerca de dez metros de largura. Espremida, a multidão demorava para se afastar dos policiais e suas bombas. O aperto era enorme e o ritmo, lento. O que já seria naturalmente ruim se tornava quase insuportável com o gás lacrimogêneo que não parava de ser lançado. Na esquina da Maceió com a Consolação, por onde escoavam a conta-gotas os manifestantes, funcionários e clientes de uma lanchonete assistiam à cena caótica que se passava do lado de fora. Alguns imploravam para que abrissem as portas e dessem abrigo. Com a indiferença dos funcionários, que permaneciam observando, começaram a quebrar vidraças do estabelecimento. *

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Quando já estava no metrô, voltando para casa, Milena Alves, 28, recebeu pelo Twitter a mensagem de duas amigas pedindo para que voltasse ao protesto. Mila, como é conhecida, tinha ido embora após a confusão na praça Roosevelt. Na hora, sua colega Manu a convenceu a subirem juntas para a estação Consolação e irem para casa. Após ler a mensagem no Twitter, Mila abandonou Manu no vagão e retornou sozinha. Desceu na estação Trianon por volta das 21h, com a missão de encontrar as amigas “tuiteiras” na Paulista, sem terem combinado um ponto específico. A avenida estava tomada por policiais e manifestantes que se organizavam em pequenos grupos isolados. Mila tentava falar com as amigas pelo Twitter, mas não recebia resposta e a bateria de seu celular estava acabando. - Tinha um monte de policiais por lá. Eu estava sozinha. Achei que deveria ou voltar para o metrô ou tentar ficar próxima a alguém - conta Mila. Abordou um grupo, com aproximadamente 30 pessoas, que estava junto ao Masp, pediu para ficar com eles e foi aceita. Estavam caminhando quando ouviram barulho de disparos e vieram policiais correndo em sua direção. Mila e seus novos colegas se assustaram e também começaram a correr. Desceram na primeira rua que encontraram, a Frei Caneca. Aquela rua era velha conhecida de Mila, que frequentava as baladas e bares do local desde a adolescência e já havia trabalhado no shopping Frei Caneca. De imediato, pensou em entrar em algum bar, ou talvez tentar chegar ao próprio shopping para se abrigar. No entanto, a rua estava deserta, com todos os estabelecimentos fechados. Mila estava no escuro. Os policiais vinham a passos rápidos, disparando balas de borracha para tentar frear os fugitivos. Um desses tiros atingiu o ombro esquerdo de Mila. A dor aumentou seu medo e a necessidade de correr ainda mais rápido. Não podia ficar para trás. Algumas pessoas foram ficando pelo caminho durante a fuga, se escondendo em algum lugar ou dobrando uma esquina qualquer. Mila tentava não se perder dos rapazes aos quais havia se juntado. Lembrou-se de um dos conselhos que recebeu quando começou a participar de manifestações, há alguns anos: “sempre fique com o grupo maior”. O “grupo maior” buscou abrigo em um posto de gasolina que estava fechado, completamente às escuras. Na corrida, Mila viu o esconderijo e julgou ser o melhor possível naquela situação. Na verdade, “era genial”, segundo ela. Ficaram em silêncio e imaginaram que os policiais não iriam vê-los na penumbra. Mas viram.

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Entre as 15 pessoas que estavam encostadas na parede do lava-rápido do posto de gasolina, Mila estremeceu. Os policiais se aproximaram. Eram quatro: um montado em um cavalo e outros três a pé. Com a arma em mãos, um deles ficou amedrontando os manifestantes, que se encolhiam na parede. Um dos integrantes do grupo tomou a frente e disse aos militares: —A gente não estava fazendo nada, só queríamos ir embora. —Eu vi vocês na Paulista - respondeu outro policial. - Não tente enganar a gente. Mila estava quieta, mal olhava diretamente para os soldados. Reparou que ao seu redor havia apenas outras quatro garotas: todas com bandanas no rosto. Não era difícil para os policiais pensarem que aquele grupo era de “baderneiros”, como costumam dizer. —A gente vai matar vocês! - continuou o mesmo PM. - Aqui é tudo filhinho de papai que nunca apanhou na vida! O policial montado em um cavalo rondava as imediações do posto para evitar a ação de curiosos. Um deles havia se encarregado de fazer as ameaças verbais, enquanto um terceiro apenas confirmava as frases do anterior, dizendo “isso mesmo!”, “vão apanhar sim!”. O quarto militar não dizia nada, apenas apontava sua arma para os rostos dos manifestantes acuados, que desviavam o olhar. Quando um deles ousava espiar a arma, o policial a encostava no rosto da pessoa e dizia: —Isso, olha mesmo! Olha! Mila já não se lembrava mais das dores no ombro. Sua mão tremia. Os policiais seguiam ameaçando. —Vocês deram azar que não tem nenhuma policial mulher aqui disse o PM, se dirigindo às meninas do grupo. - A gente vai dar um jeito em vocês. Vamos revistá-las do jeito que merecem! Passaram-se menos de dez minutos, que pareceram duas horas para Mila. Um dos militares puxou o integrante que havia tentado negociar no início da abordagem e o fez ajoelhar, colocando a arma de bala de borracha em sua cabeça logo em seguida. Mila acreditou que fosse matá-lo, mas o policial que estava a cavalo interveio: —Vamos embora daqui. A gente já fez o que tinha para fazer. Contrariados, os outros soldados aceitaram e subiram rumo à Paulista. Em estado de choque, os manifestantes ainda permaneceram algum tempo no posto, sem conseguir reagir. Subiram juntos para a Paulista, deram uma espiada da esquina e retorna-

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ram para evitar esbarrar novamente com os mesmos soldados da PM. Desceram para a estação República do metrô, onde se separaram. Quando chegou a sua casa, na zona leste, Mila soube que seu pai já havia ligado para um amigo delegado a fim de descobrir informações sobre a filha. Mila caiu em lágrimas ao contar o que tinha passado naquele posto de gasolina. Esperou todos irem dormir para cuidar da ferida deixada pela bala de borracha. Pelo Twitter, ficou sabendo que as amigas que a convocaram para voltar ao protesto foram embora logo após aquela mensagem. * O estudante Raul Longhini, 21, e sua namorada, a universitária Gabriela Lacerda, 24, também abriram mão do protesto após o bombardeio na praça Roosevelt. Os dois estavam juntos há um ano e dividiam uma casa na rua Itapeva há cerca de seis meses. Após fugirem das bombas disparadas pela Polícia Militar no centro da cidade, subiram a rua de casa e foram até o vão livre do Masp (Museu de Arte de São Paulo). Ficaram sentados por um tempo no local, até que alguns policiais pediram para as pessoas saírem de lá. Era aproximadamente 20h e havia a possibilidade de o protesto ser encerrado ali. Raul e Gabriela saíram do local sem pressa, o que irritou a tropa. Foram revistados separadamente -Gabriela por uma mulher. Ao serem liberados, o policial que havia revistado Raul chamou sua namorada de “prostituta”. O estudante se revoltou e foi para cima do guarda, mas outros PMs se postaram em defesa do colega. Irritados com a postura dos militares, decidiram ir a um bar na esquina com a alameda Casa Branca, o Charme da Paulista. Ao lado funcionava uma cafeteria da rede Starbucks. Pediram batatas fritas e cerveja. Os donos do bar queriam evitar que os clientes ficassem com as garrafas na mesa, com medo que pudessem ser usadas como arma em uma eventual chegada dos manifestantes ao local. As cervejas eram pagas no ato do pedido e servidas em copos descartáveis. - Na avenida só tinha polícia - lembra Raul. - Tinha camburão, cavalaria, Tropa de Choque, todos rondando a Paulista. O bar, no entanto, estava cheio. O assunto em todas as mesas era o mesmo: a manifestação. Raul e Gabriela estavam despreocupados, achavam que o protesto já tinha acabado.

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Ficaram mais de duas horas bebendo e conversando, quando uma tropa do Regimento de Cavalaria passou por eles para abordar um grupo de jovens próximos à estação Trianon-Masp do metrô. Quando passaram pelo bar onde Raul e Gabriela estavam, os clientes do local rechaçaram a ação do batalhão e começaram a gritar “vergonha!”. Do outro lado da Paulista, um grupo estava comendo lanches de pé, próximo ao Masp. Já do outro lado da alameda Casa Branca havia um grupo de soldados na Base Móvel da PM. Após observarem a reação dos clientes do bar, esses militares que estavam em frente ao parque Trianon atravessaram a rua e mandaram o estabelecimento fechar as portas. Derrubaram mesas e cadeiras no local, inclusive o copo de cerveja e a pasta que Raul carregava desde que saiu do trabalho, em Moema, naquela tarde. O álcool em seu sangue deu coragem para discutir com um dos policiais. - Ele não tinha o direito. Eu tinha pago por aquelas coisas. Então ele me mandou calar a boca e começou a soltar porrada em mim e na minha namorada - lembra Raul. Durante a investida dos militares sobre o casal, Raul tentou proteger a namorada e acabou se desequilibrando ao tropeçar nas grades utilizadas pela cafeteria Starbucks para separar a área de suas mesas do passeio público. Raul caiu de costas e Gabriela foi por cima dele, enquanto os policiais os rodeavam. Os homens que comiam um lanche do outro lado da Paulista eram jornalistas e registraram aquele momento com suas câmeras. Aquela cena, registrada pelo fotógrafo Eduardo Anizelli às 22h36, seria estampada na primeira página de 317,5 mil exemplares do jornal Folha de S.Paulo, algumas horas depois. Os policiais ainda seguiram agredindo Raul e Gabriela no chão, mas logo perceberam que havia jornalistas presenciando o ataque. Pararam de bater e o casal levantou-se. Gabriela foi levada por um segurança da Starbucks para dentro da cafeteria, enquanto Raul aproveitou que os policiais estavam acuados para discutir com eles. Os dois voltaram para casa, Raul com as costas e costelas roxas por causa da queda, e com marcas de cassetete nos braços. Gabriela havia lesionado o cotovelo, também por causa da queda. Durante a madrugada, Raul foi acordado pela mãe, dizendo que viu a notícia sobre o filho no portal de notícias G1. Ele foi procurado por muita gente nos dias e meses seguintes por causa de sua foto na Folha de S.Paulo, também publicada na revista IstoÉ, que chegou às bancas no fim de semana.

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nota 21

Sobre isto, ver capítulo 5, “POLÍCIA - A Mão do Estado”.

- Muitos me mandaram mensagens, às vezes de revolta, mas não me incomodo. Se fosse para sair na capa de um jornal de novo para que um policial fosse preso, eu sairia - avalia Raul. Na foto publicada pela Folha de S.Paulo e IstoÉ, além de Raul e a namorada caindo, aparecem dois militares, apesar de a agressão ter sido efetuada por um grupo maior. Algum tempo depois Raul descobriu que o policial que aparecia na foto avançando sobre o casal, o cabo Henrique Expedito de Jesus21, continuava nas ruas, trabalhando próximo à sua casa, justamente na Base Móvel do parque Trianon. Raul sentiu que precisava tomar uma atitude para se resguardar de uma eventual retaliação por parte do militar. Sem titubear, acessou o Facebook e bloqueou o perfil do cabo Expedito, evitando que pudesse haver qualquer interação entre os dois na rede social. * Após escapar do bombardeio policial pela rua Maceió, Paulinho e um grupo, que devia contar com cerca de 150 pessoas, seguiram pela avenida Angélica, andaram um pouco pelas ruas do bairro de Higienópolis e foram parar na praça Marechal Cordeiro de Farias, a praça dos Arcos. As pessoas respiraram, acenderam cigarros e tentaram descansar, mas a brincadeira de gato e rato ainda não havia acabado por aquela noite. Uma Tropa de Choque se deslocou para o local e, a distância, começou a mandar bombas de gás lacrimogêneo. Os manifestantes tinham duas opções: ir para a Rebouças ou para a Doutor Arnaldo. Optaram pela segunda. Paulinho e alguns outros integrantes tentaram atrasar os policiais chutando de volta bombas em direção à tropa e fazendo barricadas com o lixo encontrado em frente à Galeria Vermelho. Enquanto isso, os demais distanciavam-se, já quase alcançando a avenida. Quando Paulinho percebeu, já havia outra tropa prestes a entrar atrás do grupo que corria pela Doutor Arnaldo. Ele e os que haviam ficado para trás seriam encurralados, presos entre duas formações policiais. Correram para se reintegrar ao grupo e encontraram a avenida com uma pista totalmente congestionada, no sentido Paulista, e outra livre, no sentido zona oeste. Foram pela pista vazia -ao lado do cemitério do Araçá-, mas eram alvos fáceis para as balas de borracha que vinham por trás. Decidiram seguir por entre os carros, no espaço normalmente ocupado pelos motociclistas.

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Os manifestantes estavam em frente ao prédio da Faculdade de Saúde Pública da USP quando surgiram policiais da Rocam por entre os carros, varrendo o corredor desde o fundo, distribuindo cassetadas em quem estava por ali e utilizando spray de pimenta. A rua Cardoso de Almeida, do outro lado da Doutor Arnaldo, era a única saída visível para escapar dos policiais motorizados. Era necessário atravessar o lado vazio da avenida para chegar até lá, o que tornava os manifestantes vulneráveis às balas de borracha que a Tropa de Choque disparava enquanto se aproximava. Paulinho atravessou a linha de tiro e lembrou-se dos carros parados na Augusta atrasando o avanço das tropas da polícia. Mobilizou outro manifestante, chamado Bruno, para ajudar a parar o trânsito na subida da Cardoso de Almeida, ao lado do cemitério do Araçá. Conseguiram bloquear a passagem de dois carros, que fizeram com que outros seis parassem. Paulinho estava à frente de um carro branco pérola, modelo sedam, com um motorista solitário ao volante. Era aproximadamente 21h30. A intenção, mais uma vez, era permitir que as pessoas que passassem por lá conseguissem se distanciar o quanto fosse possível. Pensaram que não jogariam bombas entre os carros, mas um policial da Rocam fez um disparo. - Era uma bomba de gás lacrimogêneo que parecia um rojão - explica Paulinho. - Acho que o cara nunca tinha experimentado aquilo. Ele apontou para o chão, mas a bomba continuou lá. Ele caiu da moto e um manifestante chutou o artefato de volta para os outros policiais ficarem em meio à fumaça. Enquanto observava a cena, o estudante foi surpreendido com uma explosão ao seu lado. Sentiu um comichão no tornozelo e caiu. Percebeu que estava preso: o sedam branco pérola havia avançado sobre seu pé direito. A roda dianteira do veículo estacionou sobre seu calcanhar. Caído no chão, do lado do passageiro, Paulinho tentava desesperadamente fazer com que o motorista recuasse. —Vai para trás! Dá a ré! - implorava, batendo no capô do carro. Paulinho acreditava que seria melhor o veículo recuar do que passar de vez. Sem parar de chamar a atenção do motorista, pensava se talvez fosse melhor tentar se erguer, mas havia o medo de piorar sua situação. A cena se desenrolou por pouco mais que 30 segundos. Uma segunda bomba explodiu próxima ao carro e o motorista tomou uma decisão. Acelerou. - Senti um estalo, parecia que alguém havia dado um tapa em uma mesa. Pensei “fodeu. Quebrei o pé”. Os demais carros que haviam parado aproveitaram a deixa e saíram em disparada. Paulinho conseguiu se erguer em uma perna e quase foi atropela-

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do novamente. Seu pé balançava, os ossos que sempre sustentaram seu peso agora estavam soltos por dentro da pele. Bruno apareceu para retirá-lo dali. Alguns metros à frente, veio outro manifestante, um cara que usava dreads no cabelo e estava com uma camiseta vermelha. O apoio dos dois lados passou firmeza para Paulinho, que conseguia agora andar em uma velocidade maior para fugir dos policiais. Uma bomba explodiu junto ao muro do cemitério e o cara com os dreads saiu correndo. Paulinho virou-se para Bruno em desespero: —Por favor, fica comigo! Continuaram descendo, cada vez mais distantes do resto do grupo, e as bombas seguiram caindo muito próximas aos dois. A dor era insana. Insuportável. Estavam perto de um ponto de ônibus. O estudante então pediu para que ficassem ali. —Não dá mais, cara. Para mim não dá - disse a Bruno. - Eu não consigo! Olhou para cima e viu as tropas chegando, ocupando todas as faixas da Cardoso de Almeida. - Eu pensava “se eu ficar aqui vou ficar na mão desses caras”. Me passou toda uma novela pela mente. Se ficasse, os caras iam me foder. A última coisa que eles iriam fazer é me atender. Iam me tacar em um camburão, chutar minha perna - explica Paulinho. —Não posso ficar aqui, mano - disse a Bruno. —Vamos descer! Vamos lá com todo mundo - respondeu o amigo. Descendo junto ao muro do cemitério, Paulinho Fluxus viu uma rua menor do outro lado. Foram para lá e encontraram dois caras. Um deles usava óculos de nadador e balançava uma bandeira vermelha em meio à rua. —Mano, larga essa bandeira e me ajuda aqui! - falou Paulinho. Recebeu a ajuda e caminharam até um muro, onde encostaram para descansar. Paulinho temia que os policiais fossem atrás deles. Por reflexo, apoiou o pé no chão. Não conseguiu conter o grito de dor. Teve certeza ali de que não poderia mais contar com seu pé. A pressão começou a baixar, sentiu-se atordoado. Precisava deitar senão iria desmaiar. Os sentidos começaram a falhar, já não escutava o que os outros diziam. Encontraram um carro modelo pick-up estacionado em frente a uma casa. Paulinho pediu que o colocasse dentro da caçamba do veículo. Chamaram a ambulância, mas Paulinho não imaginava que seria possível ela chegar ali. Sugeriram ligar para Sérgio Gomes, o pai do estudante, mas ele preferiu só avisar quando estivesse no hospital. Também pensaram em retirar o tênis

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de seu pé, que já havia dobrado de tamanho. Paulinho preferiu não ariscar. A tropa da polícia passou direto pela rua. Agora restava ao grupo esperar. Cerca de meia hora depois, o dono da casa apareceu na janela para espiar o que acontecia. Foi pessoalmente ver qual era a situação. —Olha, não queria incomodar, mas estou com a perna quebrada - disse o estudante. - Preciso de ajuda. Será que você poderia me arrumar um gelo? Quem havia acompanhado o noticiário sobre os protestos do MPL até aquela noite poderia facilmente avaliar que todos no movimento eram baderneiros. Paulinho sentiu que o dono daquela casa (e do carro) chegou ali com essa pré-concepção dos manifestantes, mas aceitou levar o gelo. Paulinho resolveu pedir também para o dono da casa o levar até o Hospital das Clínicas, já que a ambulância não chegava. Para sua própria surpresa, o homem aceitou o pedido. Apenas Bruno o acompanhou, na caçamba do veículo. * Chegaram ao hospital por volta das 23h. Somente naquele momento Sérgio Gomes foi avisado do que havia acontecido. Deram morfina para que o estudante parasse de tremer. Não sabia se era pela dor, cansaço ou pela adrenalina daquela noite. Apenas tremia. No mesmo corredor em que Paulinho aguardava o atendimento surgiram quatro policiais da Tropa de Choque acompanhando um soldado ferido. Combinou com Bruno para dizerem às enfermeiras que ele havia sido atropelado, sem citar qualquer relação com os protestos. Ironicamente, Paulinho passou pelos procedimentos de avaliação médica sempre junto ao policial. Alguém havia acertado um rojão em sua mão, mas não houve fratura. Já Paulinho recebeu a notícia de que havia quebrado os dois ossos do tornozelo direito, a tíbia e a fíbula, além de outras lesões em ossos menores. Passou por uma cirurgia já no dia seguinte, no Hospital Oswaldo Cruz, graças ao convênio médico do trabalho de sua mãe. Colocou 13 pinos e uma placa para reverter a lesão. Passou os dois meses seguintes em casa, sem poder apoiar o pé no chão. Por causa disso, perdeu os protestos que seguiram acontecendo em São Paulo durante todo o mês de junho. Na manifestação do dia 17 de junho, no entanto, a multidão passou em frente à sua casa, na avenida Brigadeiro Luís Antônio. Da janela, Paulinho usou lasers para fazer suas intervenções artísticas.

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Lá embaixo havia amigos do seu coletivo, o “Tanq Rosa Choq”, empurrando um carrinho de bebê pintado de cor-de-rosa, simulando um tanque de guerra. Para recriar o cano de disparo, eles haviam colocado um membro retirado de um manequim, justamente aquele que impedia Paulinho de estar ali: uma perna.

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Ewandro Consolmagno


MPL O Movimento 43 Passe Livre


capÍtulo 2 nota 22

Marcelo Pignatari é tenente-coronel da Polícia Militar e foi o comandante da operação policial no terceiro ato do MPL contra o aumento da tarifa do transporte público, no dia 11 de junho de 2013.

Ao fundo do protesto, quando as primeiras bombas de gás começaram a explodir, em torno das 18h30, ele ainda corria. Caiu e ralou o joelho, mas seguiu em alta velocidade tentando alcançar a formação policial que começava a se movimentar na rua da Consolação, na altura da rua Maria Antônia. Não deu tempo. Matheus Preis, 20, era o integrante do Movimento Passe Livre responsável pela negociação do trajeto com a Polícia Militar na noite de 13 de junho de 2013. Naquele momento, tentava encontrar o coronel Ben Hur Junqueira, que comandava a operação policial, para renegociar o itinerário. Dois dias antes, no terceiro ato contra o aumento da tarifa, ele é quem foi encontrado pelo militar quando tentava negociar o fim da repressão com o coronel Pignatari22, que comandava a operação naquele dia. —As pessoas estão andando, já vamos concluir o ato, vamos entrar no vão livre do Masp, não precisa reprimir violentamente - explicava Preis. Pignatari não chegou a responder. Uma mão surgiu puxando-lhe o ombro. O dedo foi levantado em direção ao rosto de Preis. Segundo ele, o diálogo foi duro. —Vai tomar no cu, seu viadinho. Filho da puta do caralho! Era Ben Hur quem gritava. Naquele ato, ele estava no comando da Tropa de Choque. —Eu estou de boa. Só estou tentando conversar. —Vai se foder, seu filho da puta! - bradava o policial. Ao chegar à concentração do quarto ato, em frente ao Theatro Municipal -olhando para todos os lados para ver se era seguido por algum policial a paisana-, Preis já sabia que o interlocutor da Polícia Militar seria Ben Hur. Não seria mesmo fácil. *

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Horas antes, na sede da central sindical CSP-Conlutas23, no centro da cidade, os integrantes do MPL estavam reunidos tentando organizar a ação daquele dia. Enquanto debatiam possíveis itinerários, ouviam os comércios locais fechando as portas, sirenes de viaturas policiais e o barulho de helicópteros que já rondavam a região. Ir para a Paulista não era uma opção. Pelo menos não para quem havia lido pela manhã os editoriais dos dois principais jornais da cidade, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Integrantes de partidos de esquerda presentes na reunião sugeriam que o ato fosse para a praça Roosevelt. O MPL discordava: as pessoas não ficariam satisfeitas em andar apenas três quarteirões e parar na praça. Além disso, se houvesse repressão, a escadaria do local não ajudaria na fuga. Os becos e vielas escuros do centro da cidade, também não. Não houve acordo com os partidos. A decisão seria tomada no local. - Antigamente, fazíamos grandes reuniões com partidos e organizações de esquerda para discutir a pauta e a organização do ato. Hoje, damos uma satisfação. Percebemos que quanto mais gente participava, menos democrático era. Virava uma disputa de programas. Nossa pauta acabava sendo destruída por alguma pauta alienígena de um partido que não entendia nada - explica Mayara Vivian, 24, uma das militantes do MPL. A reunião daquela tarde também tinha outro objetivo: era preciso discutir quem podia ou não ser preso, já que a prisão dos integrantes do movimento parecia óbvia. Os boatos eram fortes. Mais da metade dos integrantes se voluntariou, inclusive Mayara. —Só faço questão do meu cigarro. Se eu for presa, por favor, me levem o meu Eight para eu fumar, e o Marlboro para eu vender e sobreviver - caçoou. Ela está no MPL de São Paulo desde 2005, quando o movimento foi batizado na Plenária Nacional pelo Passe Livre, em Porto Alegre. Naquela época já existiam comitês da organização em outras cidades -em Florianópolis, a campanha pelo Passe Livre, que defende a tarifa zero no transporte para todos os cidadãos, existia há mais de seis anos. Antes de 2013, em São Paulo, o grupo já havia feito protestos de rua contra os aumentos das tarifas de ônibus em 2006, 2010 e 201124. Além da militância nas ruas, Mayara participa dos trabalhos de base que o movimento realiza em escolas e na periferia. Em parceria com líderes de comunidade e professores, o grupo debate a realidade do transporte público com a população e defende a ideia da tarifa zero. A luta contra o aumento da tarifa e contra os cortes de linhas de ônibus fazem parte da estratégia.

nota 23

A CSP-Conlutas é uma central sindical e popular fundada no Conclat (Congresso Nacional da Classe Trabalhadora) ocorrido na cidade de Santos (SP) nos dias 5 e 6 de junho de 2010.

nota 24

Em 2006, 2010 e 2011, no mandato do ex-prefeito Gilberto Kassab (2006-2012), a passagem de ônibus na cidade de São Paulo subiu de R$ 2 para R$ 2,30, de R$ 2,30 para R$ 2,70 e de R$ 2,70 para R$ 3, respectivamente.

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nota 25

A ponte Octávio Frias de Oliveira, conhecida como ponte Estaiada, foi inaugurada em maio de 2008, após três anos de construção e investimento de R$ 260 milhões. Até hoje, o complexo viário não é utilizado para o transporte coletivo.

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Entre as propostas defendidas pelo MPL estão a municipalização dos transportes e a sugestão de que a prefeitura assuma o planejamento e a execução da gestão do transporte coletivo, retirando essa tarefa do âmbito privado, e a criação de um Fundo Municipal de Transporte Coletivo, que teria como fontes de arrecadação multas de trânsito, publicidade nos ônibus e estacionamentos da zona azul, por exemplo, e seria gerido com participação popular. O grupo defende também a tarifa zero para todas as pessoas e o combate à cultura do automóvel, indo contra as grandes obras que beneficiam exclusivamente automóveis particulares, como a ponte Estaiada25, na zona sul de São Paulo. * —Poxa, desculpa, gritei com você no outro dia. Eu estava muito nervoso, teria gritado até com meu filho - disse o coronel Ben Hur. Foi com essa saudação “amigável” que a negociação sobre o trajeto da manifestação se iniciou naquela noite. O combinado era simples: o ato sairia do Theatro Municipal, pegaria a avenida Ipiranga e seguiria até a praça Roosevelt. A negociação deveria ser retomada quando chegassem lá. Para o MPL, o protesto não acabaria ali se os manifestantes quisessem continuar. Diferentemente do procedimento comum nesse tipo de diálogo, em que o negociador acompanha o interlocutor da Polícia Militar fisicamente durante todo o trajeto, Ben Hur apenas deu um número de celular a Preis. —Voltamos a nos falar mais tarde! - disse antes de entrar em uma viatura e ir embora do local. O coronel deu uma entrevista para o jornal O Globo, momentos depois. Foi perguntado sobre a possibilidade de a manifestação seguir caminho depois de passar pela praça. —Eles vão ter que procurar a nossa pessoa, conversar e ver se isso é possível. Se quiser fazer um novo acordo, estamos completamente abertos para isso - respondeu. A manifestação começou. Ao chegar à praça Roosevelt, Preis, que estava ao fundo da passeata, recebeu um telefonema dos colegas que estavam à frente do ato. —Não vai dar para parar por aqui. O pessoal quer continuar. Tem muita gente - diziam. Começava a busca pelo coronel Ben Hur Junqueira. Foram de dez a quinze minutos tentando ligar para o número dele sem sucesso. Preis começou, en-


tão, a buscar por outros policiais que pudessem ajudá-lo. Por onde olhava, só via cabos e soldados. Ele precisava falar com alguém de uma patente mais alta. Tinha que localizar o coronel. A manifestação começava a ultrapassar a praça. Preis localizou, então, um tenente. —Eu preciso falar com o coronel Ben Hur. Você sabe onde ele está? —Desculpa, ele não está aqui. Não sei onde está - respondeu o policial. —Mas eu preciso falar com ele. Você não pode tentar localizá-lo? -—Infelizmente não. —Olha, as pessoas vão se machucar, vai dar pau se eu não conseguir falar com ele, entendeu? Preciso renegociar o trajeto. O tenente calmamente pegou o rádio e fez uma ligação. —Coronel? Tem um menino querendo falar com você. Ele diz que se chama Matheus, do MPL. Quando conseguiu falar com Ben Hur, a instrução a Preis foi clara: -—Olha, você precisa vir aqui. Estou na Maria Antônia. Era hora de correr. Preis não havia se dado conta de que não adiantaria. Só percebeu quando começou a avistar no alto as primeiras bombas sendo atiradas pelos policiais. * Foram cerca de cinco minutos sem instruções sobre o que fazer, mas para Mayara, que estava na frente do ato, pareceram duas horas. Sem bateria no celular, ela havia perdido o contato com Preis. Tentava falar com ele usando aparelhos de outras pessoas, mas a comunicação estava difícil. Ela só sabia que a negociação com a polícia tinha sido interrompida. O grupo estava muito próximo da barreira policial, mas não podia ultrapassá-la. Os manifestantes começaram a ficar tensos e impacientes. Os militantes de partidos, como os do PSTU, tentavam levá-los, sem muito sucesso, à praça Roosevelt. Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, estava na frente do ato, segurando uma flor. Mayara foi categórica: —Tirem o Plínio daí. Se o coro comer, ele vai levar prejuízo. O ex-deputado foi embora. Demorou pouco para que as primeiras bombas explodissem, seguido do empurra-empurra e da dispersão do grande grupo. Mayara tentou se proteger como pôde. Correu para a esquina da rua Maria Antônia, perto de onde acontecia o tumulto, mas longe o suficiente para ficar a salvo.

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Mayara aprendeu a lidar com os confrontos na marra. Em 2006, durante um protesto do MPL, um estilhaço de bomba cortou seu dedo. Ela ficou uma semana internada e quase teve que amputá-lo. Acabou ficando sem um pedaço dele. - Criou-se um mito de que a gente só apanhou no dia 13. A gente apanha há dez anos. Nossa estratégia é bem diferente da esquerda tradicional. É radicalidade. Não dá para falar para um cara que está revoltado invadir só uma faixa da rua. Temos que ocupar tudo. Temos que empoderar as pessoas. Queremos derrubar o capitalismo, você acha que não vamos apanhar um pouco? Se der pau, melhor ainda. É isso que expõe a contradição política e social. As pessoas veem a brutalidade policial e se dão conta de que a cidade não é delas como deveria. t * A dispersão dos manifestantes foi instantânea. O grande grupo que havia parado por instantes para esperar o resultado da negociação foi alvejado e se dividiu em vários contingentes menores. Cada um seguiu pelo caminho que pôde. Nesse tipo de situação, a estratégia do MPL é dividir seus integrantes em pequenos aglomerados. Em contato durante todo o tempo por telefone, os membros da organização ainda tentaram reunir os manifestantes e continuar o ato. Preis seguiu com um grupo que tentou subir a rua Augusta, caminhou pela rua Bela Cintra e chegou até a rua da Consolação, na tentativa de entrar na avenida Paulista. Mas não seria possível. Foram reprimidos violentamente pela polícia ao se aproximarem. - A Consolação estava tomada por policiais em vários pontos. Os grupos que saíam por qualquer ruazinha eram alvejados. No máximo, era possível atravessar a avenida. Foi o que fizemos - explica. Com a dispersão a cada ataque policial, os manifestantes ainda conseguiram chegar até a avenida Angélica e se reunirem a outro contingente menor. Mas o ato já estava chegando ao fim. O caminho feito em quase nada se pareceu com o trajeto que Preis tentaria negociar com Ben Hur, caso o tivesse achado. A ideia era subir pela rua da Consolação, entrar na avenida Rebouças e terminar o ato no Largo da Batata. Preis não tentou entrar em contato novamente com o coronel Ben Hur. Nunca mais voltou a ligar para o número que o policial havia lhe passado.

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* A organização para as jornadas de junho, como viria a ser conhecida a série de atos organizados pelo MPL contra o aumento da tarifa, começou ainda em 2012. Era novembro quando, na Câmara Municipal de São Paulo, os vereadores começaram a debater o orçamento da cidade para o próximo ano. Para o setor de transportes, o anúncio: haveria cortes no orçamento e o montante seria realocado para outras áreas. Rafael Siqueira, 39, que integra o MPL desde 2006 e estava assistindo à votação, pediu a palavra: - Vocês estão retirando esse valor do orçamento e temos certeza que cobrarão isso da tarifa dos usuários. Vocês não estão reestruturando os impostos para que eles cubram esse valor. É o usuário quem vai pagar. Silêncio total. Não houve resposta. Rafael diz que é “militante velho”. Estava presente nas manifestações que pediam o impeachment de Collor. Ainda assim, afirma que, quando entrou no MPL, teve dificuldades para entender a estrutura aparditária e horizontal da organização. - Não somos ligados a partidos. Os integrantes até podem ter esse tipo de militância, mas não nos associamos a essas organizações. Acreditamos que a iniciativa pelo passe livre tem que vir da população, e não dos políticos. Além disso, temos uma estrutura sem liderança e hierarquia. Todo mundo está no mesmo patamar e responde pelo movimento - explica. É por isso que os integrantes, que ele afirma que “não são muitos como todo mundo pensa” (cerca de 80 na época, segundo o movimento), dividem-se e alternam-se entre funções: alguns lidam com a imprensa; outros fazem o que eles chamam de “frente de ato”; e também tem aqueles que ficam nas bases de operações do movimento, checando trajetos, nomes e números de detidos e feridos, etc. No primeiro protesto, no dia 6, Rafael estava presente. No dia seguinte, foi internado em meio a uma crise de estresse. Proibido de falar ao telefone ou acessar a internet, ficou dois dias sem notícias sobre o que acontecia do lado de fora do hospital. No dia 13 de junho, ele fez parte da operação a distância. Depois de dispensar os alunos da escola de música onde dá aulas há 13 anos, muniu-se de um celular e de um notebook para começar a organizar as informações que chegariam sobre o ato.

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- Não teve muito o que fazer. Foi brutal. Parecia que o pessoal seria morto. Na chegada do ato já soubemos de pessoas sendo presas. Entramos em contato com advogados e deputados. Às vezes tem que chamar deputado pra tirar gente da delegacia. O medo de que militantes fossem presos era iminente -a mulher de Rafael cogitou, inclusive, que eles se mudassem para o Uruguai-, mas o pavor de que outras pessoas fossem feridas e detidas injustamente era maior. Os integrantes do movimento se protegem como podem. Ele, por exemplo, antes de dar entrevistas ou de “falar algo que sabe que pode dar problema”, tira a bateria do seu celular para evitar gravações ou grampos telefônicos. - Havia muitos secundaristas no protesto, gente de 15 anos, 16 anos. Tinha senhora da periferia tendo colapso com gás de pimenta. Essa movimentação que fomos fazendo aos poucos, há mais de sete anos, faz com que, quando há um aumento de tarifa, em que a proposta é real e não só mais uma discussão sobre a tarifa zero, as pessoas que já estão discutindo transporte se auto-organizam. Achamos que as pessoas têm que tomar as ruas, mas você tem certa responsabilidade já que chamou aquilo. * - Para a gente, o principal era que houvesse uma revolta popular sobre a qual a gente perdesse o controle. Queremos que as pessoas tomem a luta para si e ocupem as ruas como quiserem. Não queremos ser uma liderança. É assim que Nina Cappello, 24, integrante do MPL, define a estratégia do movimento em junho de 2013. A ideia era radicalizar mais do que nos anos anteriores. A queima de catracas na avenida Vinte e Três de Maio, no primeiro grande ato de junho, foi o cartão de visitas. O grupo decidiu desde o início que a luta seria curta. Eles já haviam aprendido que, se a jornada durasse meses, como duraram as de anos anteriores, seria mais fácil para os governantes lidar com o desgaste da imagem pública do governo. O objetivo era torná-lo insuportável. Depois da avenida Vinte e Três de Maio, foi a vez de ocuparem a marginal Pinheiros, via sagrada para o governo de São Paulo (segundo Nina, a Tropa de Choque tem instruções de agir imediatamente no caso de invasão). No dia 11 de junho foi a vez do terminal Parque Dom Pedro, palco de violento confronto entre manifestantes e policiais. - O dia 13 era o dia “D”, tanto para a polícia quanto para a gente. O

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governo e a prefeitura produziram um cenário de terror com o Alckmin pedindo o endurecimento da ação policial mesmo depois da repressão brutal da terça-feira. Também havia uma ameaça muito grande de a gente ser preso - explica Nina. A militante não foi para a rua na quinta-feira. Estudante de Direito, não podia correr o risco de ser presa. Muito visada depois de dar diversas declarações à imprensa, ficou na base de operações do MPL. - Eu tinha dado uma declaração de que o que estava acontecendo era uma revolta popular e que o MPL não tinha controle sobre isso. Repercutiu muito mal entre a polícia, prefeitura, governo - conta Nina. Ela relata que, no dia da declaração, funcionários da prefeitura ligaram aos gritos: —Isso não é uma revolta popular, vocês estão loucos! —É uma revolta popular, vocês estão assistindo a isso. Se não quiserem entender, o azar é de vocês, a coisa vai explodir ainda mais - dizia Nina. Explodiu. A base em que Nina estava na quinta-feira ficava próxima à avenida Paulista. A cada ligação de integrantes do MPL que estavam no ato, ficava ainda mais aflita com o som das bombas. A cobertura ao vivo pelas redes de televisão Globo News e Band News também aumentava a preocupação. Ao olhar pela janela da sala, a militante conseguia ver a Tropa de Choque em formação. Ao mesmo tempo, pela primeira vez, a imprensa denunciava a repressão policial. A maré começava a virar. Nina recebeu uma ligação de Mayara, aflita, sem saber o que fazer. - Não precisa fazer nada. Está ótimo. As coisas estão virando para o nosso lado. O ato está maravilhoso - respondeu Nina. * Quando a poeira começou a baixar na praça Roosevelt, Mayara saiu de onde estava e pôde ver o tamanho do estrago: o chão das ruas estava repleto de estilhaços de bomba e de sangue. Havia carros abandonados. - Me senti na Faixa de Gaza. O cenário era de guerra do Oriente Médio. Ela tinha visto blocos de manifestantes seguirem caminhos diferentes. Os que foram pela rua Caio Prado ou entraram na rua Maria Antônia não tiveram uma noite tranquila. Mayara tentou seguir com os que caminhavam

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nota 26

O hospital central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo fica localizado no bairro da Santa Cecília, no centro de São Paulo.

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sentido à universidade Mackenzie, pela rua Piauí. Logo foram alvejados por policiais que dispararam tiros de bala de borracha. Chegou a entrar na universidade para se proteger, mas logo saiu do local. - Eu pedia para as pessoas tirarem fotos e mandarem para o e-mail do MPL. Passava os meus contatos para elas. Quando viu que os manifestantes estavam se auto-organizando, Mayara entendeu que aquilo não dizia mais respeito ao MPL. As pessoas estavam tomando as ruas por si próprias. Era hora de encerrar o ato e convocar todos para o próximo, no dia 17. Entrou em um supermercado para comprar água e novamente se viu presa. O estabelecimento fechou as portas para evitar a entrada de gás lacrimogêneo, pois o confronto continuava lá fora. Não conseguia mais raciocinar. Pediu para um amigo ir buscá-la de moto. Saíram do supermercado e começaram a andar em alta velocidade, esperando que a adrenalina os relaxasse. Foram a um bar, comeram e beberam cerveja. Antes de irem para uma das bases do MPL, passaram na Santa Casa26 e encontraram diversos manifestantes feridos. Mayara deu seus contatos para todos eles. Já eram cerca de 22h quando, na base do movimento, ouviram um grupo de 200 pessoas cantando “vem pra rua, vem!”. - Eu tinha a impressão de que aquela noite não teria fim. * Nina só saiu da base de operações do MPL no fim da noite para ir à delegacia da região dos Jardins, próxima ao centro da cidade, para onde havia sido levada a maior parte dos manifestantes. Ainda que não se considerem uma liderança, o Movimento Passe Livre afirma que não descansa enquanto todos os detidos não forem liberados. Com a ajuda de advogados que apoiam a causa, Nina ficou até de madrugada na delegacia naquela noite. Talvez houvesse menos demora, segundo ela, se a polícia não tivesse adotado uma prática para confundi-los: enquanto os detidos para averiguação eram levados para uma delegacia, os manifestantes que provavelmente permaneceriam presos, como os que carregavam coquetéis molotov ou foram autuados em flagrante de depredação, eram encaminhados para outros distritos policiais. Nina não lembra a que horas aquela noite terminou ou do momento em que, enfim, chegou a sua casa. Só se recorda de acordar no dia seguinte com o


telefonema da produção do programa Roda Viva, da TV Cultura, convidando o MPL para participar do programa da próxima segunda-feira. * Se houve uma época em que a tarifa zero foi de fato discutida pela população paulistana antes de 2013, foi no final da década de 1980. Em 1989, Lúcio Gregori, que hoje tem 78 anos, era secretário municipal de Serviços e Obras na gestão da então prefeita Luiza Erundina27 quando recebeu uma ligação dela, às 23h, pedindo que ele fosse até a prefeitura para uma conversa. Gregori estava alheio à crise dos transportes. Com a alta da inflação mensal, a tarifa era reajustada quase semanalmente. Os contratos estavam vencidos e a frota da CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos)28, estatal da época, estava sucateada. - Era um delírio. A campanha que elegeu a Erundina foi centrada fortemente nessa questão: estatização do sistema e busca por uma tarifa justa descreve. Ao chegar ao prédio da prefeitura, que naquele tempo ainda ficava na região do Ibirapuera, o secretário se surpreendeu. Deparou-se com o secretário de Governo, José Eduardo Cardozo29, hoje ministro da Justiça, e com o vereador Francisco Whitaker Ferreira30, um dos fundadores do Fórum Social Mundial31. —A crise dos transportes está no auge e a população pede uma resposta. Queremos que você ocupe o cargo de secretário municipal de Transportes para regularizar essa situação - disse a prefeita, segundo Gregori. Gregori vinha de uma boa gestão na pasta de Serviços e Obras. Havia acabado de implantar a coleta seletiva na cidade. Já a Secretaria de Transportes tinha passado por sucessivas crises nos últimos meses. Ele aceitou o cargo, mas deixou claro que seria temporariamente. - O cargo de secretário de Transportes em São Paulo era muito ambicionado por um lado e pouco por outro. E ainda é assim. Pouco porque é um pepino do tamanho de um bonde, que só desgasta. Mas é quente, porque é o cara do governo que mais aparece. Comparado com outros secretários é de vinte a zero. Há bastante exposição na mídia - explica o ex-secretário. Ainda havia um agravante: naquela época, o secretário não acumulava os cargos de presidente da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e da CMTC e tinha pouco poder sobre o trânsito da cidade. Gregori compara o cargo ao da Rainha da Inglaterra (só que piorada): tem o posto, mas não

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Luiza Erundina foi prefeita da cidade de São Paulo entre 1988 e 1992. Ela era filiada ao PT (Partido dos Trabalhadores). nota 28

A CMTC foi responsável pela operação e fiscalização do transporte feito por ônibus na cidade de São Paulo até 1995. nota 29

José Eduardo Cardozo foi secretário Municipal de Governo de São Paulo durante a administração da prefeita Luiza Erundina. Ocupa o cargo de ministro da Justiça desde 2010, nomeado pela presidente Dilma Rousseff. nota 30

Francisco Whitaker foi eleito vereador, pelo Partido dos Trabalhadores, em 1988. Ele foi reeleito em 1992. nota 31

Evento feito por movimentos sociais para elaborar alternativas para uma transformação social global.

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manda em muita coisa. Ele chegou até a sugerir à Erundina que extinguisse a secretaria. Achava inútil. Diariamente se via olhando o trânsito caótico da marginal Pinheiros pela janela. —O que eu vou fazer com isso aqui? - pensava. Com sua experiência anterior como secretário, Gregori havia aprendido que serviços como a coleta de lixo, por exemplo, são pagos indiretamente pelo contribuinte. Também era de conhecimento geral que o reajuste de tarifas do transporte gerava desgaste recorrente ao governo. Ele teve a ideia de tornar indireto o pagamento do transporte coletivo, como já eram os de lixo e iluminação pública. A proposta também era uma cartada política: para fazer esse novo serviço, seria preciso mexer na questão dos impostos. Em um primeiro momento, Gregori desenvolveu a chamada Taxa Transporte, análoga a que existe na França. Em Aubagne, por exemplo, o município cobra uma “taxa de transporte coletivo” das empresas com mais de nove empregados e a utiliza para financiar o transporte coletivo gratuito, ao invés de empregá-la na compra de vale-transporte para os funcionários. A proposta soaria como uma bomba. Por isso, antes de uma reunião com todo o secretariado, Gregori avisou Erundina que lançaria a ideia como sua, deixando-a à vontade para demiti-lo caso tudo desse errado. No entanto, Paulo Sandroni, ex-presidente da CMTC, não permitiu que as coisas ocorressem tão na surdina, conta Gregori. Para ele, a ideia era genial e podia ser uma ótima jogada política. Em nova conversa com a prefeita, ficou decidido: sua gestão levantaria a bandeira da extinção da tarifa. Segundo Gregori, Erundina viu na proposta três oportunidades: a de discutir a distribuição de renda, já que o serviço seria forçosamente pago por meio dos impostos, que são necessariamente progressivos; a de mobilizar movimentos sociais que, em tese, apoiariam o projeto; e a possibilidade de jogar o debate em cima da Câmara Municipal, que teria as opções de aceitar ou de sugerir algo melhor. A Taxa Transporte não deu certo. A assessoria jurídica da prefeitura alertou que, segundo a Constituição Federal de 1988, só é possível criar um novo imposto municipal mediante autorização do Congresso Nacional. Daria problema. Surgiu, então, uma nova proposta: o pagamento indireto via IPTU (Imposto Predial e Terrotorial Urbano) . Haveria um aumento no imposto. Os proprietários de casas de luxo e bancos pagariam mais, propriedades menores

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pagariam menos e assim por diante. Começaram os cálculos para a viabilização do projeto. Segundo Gregori, a demanda aumentaria com a extinção da tarifa: cerca de 25% dos proprietários de automóveis passariam a usar transporte público e 60% dos cidadãos que não utilizam o transporte público começariam a usá-lo. Com isso, a frota da cidade, que era de 7.600 ônibus e estava congelada há 12 anos porque os contratos estavam vencidos, precisava de pelo menos mais 4.500 carros. Amir Khair32, que na época era secretário de Finanças, tentou sugerir que aqueles que não pagavam IPTU começassem a fazê-lo para bancar o novo sistema, conta Gregori, mas Erundina recusou. A ideia era clara: quem não pagava continuava não pagando, quem pagava pouco teria um acréscimo pequeno e assim por diante. Na primeira faixa, havia IPTUs que triplicavam de valor. O total arrecadado formaria um fundo que pagaria a tarifa para toda a cidade. A proposta foi lançada com pompa. Houve entrevistas coletivas, conversas com movimentos sociais e até propagandas na televisão criadas pelo publicitário Chico Malfitani. Ainda assim, o ex-secretário de Transportes diz que o secretariado não acreditava que Erundina pudesse mesmo estar falando sério. - Disse em uma entrevista que a ideia não era ônibus de graça. Era ônibus com tarifa zero. Eu não imaginava que estava cunhando um termo que hoje é tão usado. O problema, segundo Gregori, é que todos estão convencidos de que o transporte deve ser pago. - Vai dizer que, lá no fundo, vocês não atrelam uma coisa à outra também? - brinca. De fato, não foi fácil. A Câmara Municipal achou que a prefeitura estava jogando um tanque de guerra para ela, a imprensa não deu mole e até engenheiros tiraram sarro da proposta. - As pessoas falavam que os ônibus iam ficar cheios de vagabundos e bêbados que não tinham o que fazer. E também que, já que ninguém pagaria, haveria depredação, porque ninguém valoriza o que não é pago. Tinha um festival de argumentos que circulam até hoje para justificar que isso não é possível. Ainda assim, uma pesquisa de opinião33 da época mostrava que 76% dos paulistanos eram a favor da reforma tributária e 68%, a favor da tarifa zero. Mas não teve jeito. A Câmara desconsiderou a proposta. Mesmo com a derrota, Gregori ainda conseguiu realizar melhorias no

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Amir Khair foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo entre 1989 e 1992, na gestão da ex-prefeita Luiza Erundina.

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nota 33

A pesquisa foi realizada pelo Instituto Toledo & Associados, a pedido da prefeitura, em dezembro de 1989.

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transporte, como a transformação do sistema de concessão em sistema de serviço prestado. - Ao invés de ser por concessão, passou a ser por fretamento. Alugávamos os ônibus e decidíamos para onde eles iriam. Quanto mais ônibus o empresário colocasse nas ruas, mais nós pagaríamos. No dia 25 de janeiro de 1992, depois da aprovação da lei, nós enfileiramos 1.000 ônibus em São Paulo. Começava na praça da Bandeira e chegava até o aeroporto de Congonhas. Todos pintados com a cor única, vermelho, deixando de ter a cor de cada empresa. Quando o mandato de Erundina acabou, Gregori mudou-se para Jundiaí. Foi em outubro de 2005 que ele recebeu um telefonema do militante antiglobalização André Takahashi, do Centro de Mídia Independente, convidando-o para uma palestra na sede do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. Ao final do debate sobre a tarifa zero, em que criticou o passe livre estudantil e defendeu o passe livre universal, ele foi abordado por uma jovem de Florianópolis que queria levá-lo para lá. Dois meses se passaram até que o MPL o convidou para falar sobre o tema em Fortaleza. Foi assim que começou a relação, que dura até hoje, entre Gregori e o movimento. - O que o MPL tem de grande contribuição é que ele sacou que aquela primeira ideia de que a gente iria anunciar a tarifa zero e o povo invadiria a Câmara para pedir a aprovação da proposta não era verdade. Eles entenderam que isso precisaria de toda uma movimentação popular. É o movimento popular que tem que estimular a tarifa zero, e não a instituição. Então eles começaram a não só lutar contra aumentos na tarifa, mas também introduzem a discussão da tarifa zero. E tudo isso chega a 2013. A esperança de Gregori é de que, quem sabe um dia -e que ele seja logo- a tarifa zero seja, enfim, implementada. - Sempre que me perguntam o que vai mudar, digo que vai mudar tudo: a lógica de como você se desloca, a lógica da valorização dos imóveis em função da localização, o formato organizacional da política, porque está associada ao atendimento de demandas de movimentos populares, e a questão técnica e tecnológica. A tarifa zero é a ponta de um iceberg, que lá embaixo tem um montão de coisas que ninguém quer mexer.


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IMPRENSA Profiss達o de Risco

Ewandro Consolmagno


capÍtulo 3 Era fim de tarde e Giuliana Vallone, 27, estava na redação da Folha de S.Paulo, no centro da cidade, acompanhando pela TV o protesto daquela quinta-feira, 13, que já apresentava focos de violência na concentração. Dois dias antes, no terceiro ato do MPL, Giuliana havia feito uma reportagem para a TV Folha e presenciado cenas que até então nunca tinha visto. Manifestantes lançando coquetéis molotov contra os militares, policiais batendo em militantes, ciclista sendo arremessado ao chão por sete policiais por tentar entrar na faixa dos carros, muitos disparos de balas de borracha, muitas bombas de gás lacrimogêneo, muita fumaça. Ela ficou assustada com tudo aquilo. Como a redação já tinha imagens suficientes dos protestos para fazer a reportagem, o dia 13 seria acompanhado por menos gente, apenas por duas pessoas da equipe, só para garantir. Os fotógrafos Rodrigo Machado e Félix Lima foram os escalados para aquela noite. Não demorou muito para chegar a notícia de que um deles, o Rodrigo, havia sido agredido por golpes de cassetete ainda na concentração. Aquele dia ia pegar fogo. O tenente-coronel Marcelo Pignatari já havia informado que os manifestantes não iam ficar à vontade pela cidade. Giuliana decidiu ir para lá, embora não precisasse fazer a matéria. No meio do caminho, por volta das 18h, o pai de Giuliana, Marcelo Vallone, ligou para a filha. Dois dias antes havia sido o aniversário do seu irmão, mas ela faltou ao jantar em família por conta das manifestações. —Giuliana, hoje você não vai ao protesto, certo? – perguntou Marcelo. —Na verdade sim. Estou indo pra lá neste momento. —Pelo amor de Deus, Giuliana! Estou vendo pela TV, está perigoso, super-violento, a polícia truculenta. Vai dar merda! —É meu trabalho, pai, não tem o que fazer. Vou tomar cuidado. *

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nota 34

Quando os autores entrevistaram Piero Locatelli, o jornalista disse que não iria mais falar de sua prisão no dia 13 de junho. Por isso, além de recolher a maior quantidade possível de informações durante a entrevista, os autores optaram por recuperar as descrições e diálogos que Piero escreveu para o portal da Carta Capital em 14 de junho de 2013, às 00h44. LOCATELLI, Piero. Em São Paulo, vinagre dá cadeia. Carta Capital. São Paulo, 14 jun. 2013. Disponível em: <http://www. cartacapital. com.br/politica/ em-sao-paulovinagre-dacadeia-4469. html>. Acesso em 22 set. 2014.

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Na redação da revista Carta Capital o clima era de correria. As declarações do coronel Pignatari deixaram um ambiente de medo e tensão no ar, mas era necessário cobrir mais esse ato. Como de costume, o repórter Piero Locatelli34,27, começou a combinar com seus colegas de profissão um ponto de encontro para não ficar sozinho nas manifestações. Passou em um mercado no caminho para comprar uma garrafa de 750 ml de vinagre. Tinha aprendido com um manifestante no ato do dia 7 de junho que o vinagre amenizava os efeitos do gás lacrimogêneo. Não queria sofrer com irritações no nariz e nos olhos novamente. No dia 13 achou prudente levar uma garrafa também. Chegou de ônibus em frente ao metrô Anhangabaú, 15 minutos antes do protesto começar, e logo viu dois meninos sendo presos por estarem com vinagre. - Perguntei ao policial o que eles portavam. Ele falou “artefatos”, sem especificar. Os presos responderam que era vinagre. Eu não sabia que o mesmo iria acontecer comigo logo em seguida – disse Piero. Menos de 500 metros à frente, no viaduto do Chá, Piero avistou mais jovens sendo revistados e decidiu ligar a câmera do celular e filmar o que estava acontecendo. —Tira a sua [mochila] também - disse o soldado Leandro Silva, da PM. —Eu sou jornalista, amigo. Você quer a minha identificação? retrucou Piero. —Não. Não precisa. —Tem vinagre aqui dentro. Algum problema? —Tem. Vinagre tem. —Por quê? —Pode ir lá [ser revistado]. Piero teve sua mochila inspecionada e, por estar com vinagre, foi levado à praça do Patriarca com outros manifestantes que também carregavam o produto. No caminho, ligou para Marina Dias, colega de profissão e uma das pessoas que iria encontrar antes do ato, para avisar sobre o que estava acontecendo e alertá-la. Ela chegou ao protesto e foi direto ao encontro de Piero para noticiar o caso. Marina o encontrou com o rosto contra a porta de uma loja fechada, com as mãos para trás. Começou a fotografar. Em seguida, o repórter foi jogado em um ônibus da polícia com outros jovens. Tentou dialogar com os policiais mais uma vez e perguntou por que estava sendo detido e para onde seria levado, mas nenhum dos PMs respondeu, apenas fecharam as portas do veículo e seguiram para o 78º Distrito Policial, localizado na rua Estados Unidos, no bairro Jardins.


No trajeto de pouco mais de cinco quilômetros conversou com uma estudante que estava se preparando para prestar vestibular. —Por que estavam tirando fotos de você no ônibus? – cochichou a menina. —Porque sou jornalista e aqueles eram meus amigos – explicou Piero. —Ao menos você vai poder escrever sobre o que aconteceu. Os outros não poderiam fazer o mesmo. —Estamos presos pelo mesmo motivo. Na delegacia, Piero encontrou outras dezenas de pessoas detidas na manifestação. No pátio do distrito, foram colocados em fila novamente para serem revistados. Estava anoitecendo, o local não era coberto e o repórter começou a sentir frio. —Posso colocar a blusa? - perguntou Piero ao PM. —Não, daqui a pouco vai “ficar quente” - respondeu o policial. Depois de alguns minutos de espera, os manifestantes foram informados que ninguém estava preso, mas sim sob averiguação. Precisavam constatar que a substância que carregavam era mesmo vinagre e não algo que pudesse causar danos às pessoas. Todos os detidos deveriam receber um boletim de ocorrência. Depois de duas horas preso, Piero foi liberado com a chegada de advogados enviados pela revista Carta Capital. * Gisele Brito, 28, entrou mais tarde no trabalho naquela quinta-feira. A rotina de horário da repórter da Rede Brasil Atual tinha mudado por conta das coberturas dos atos que se estendiam até o fim da noite. Encontrou o jornalista Tadeu Breda, que faria a cobertura com ela, e juntos foram comprar uma garrafa de vinagre. Gisele tinha pavor do gás lacrimogêneo, considerava não só um modo de violência como de tortura. Nos atos anteriores já tinha passado muito mal por conta dos efeitos da fumaça. Antes de chegar à concentração, ela fotografou o vinagre e publicou em seu perfil nas redes sociais. “Apenas mais um dia de trabalho”, legendou. Naquele momento, as pessoas que não estavam por dentro do que se passava em São Paulo não entenderam a analogia da postagem. Horas depois aquele protesto seria conhecido como “revolta do vinagre”. Quando chegou perto do Theatro Municipal viu muitos manifestantes presos preventivamente em um paredão e sendo revistados. Logo depois ficou

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nota 35

Em 1968, ocorreram protestos articulados pelo movimento estudantil da época contra a ditadura militar.

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sabendo que Piero Locatelli tinha sido levado à delegacia por conta do vinagre que carregava. Gisele resolveu ligar para a redação para contar o que estava acontecendo, e foi instruída a jogar o tempero fora. Não deveria correr esse risco. Gisele sempre preferiu cobrir os protestos de movimentos sociais sozinha, sem os colegas de trabalho. Tinha o costume de fazer o próprio percurso, era o seu jeito de trabalhar. Quando os atos chegaram à praça Roosevelt, a repórter observou o integrante do MPL Matheus Preis negociar o próximo trajeto com a polícia. Foi quando explodiram as primeiras bombas. Com o pânico instaurado, todos começaram a correr e Gisele ficou com medo de cair e ser pisoteada. A fumaça começava a embaçar a sua visão e veio o pavor de fugir para alguma avenida que estava com o trânsito aberto. Ela não conseguia raciocinar direito, só queria fugir dali. Gisele correu para a rua Amaral Gurgel com um grupo pequeno de manifestantes que começaram a fazer bloqueios pela rua com sacos de lixo. A polícia seguia pelo outro lado cercando os grupinhos que encontrava pelo caminho. Decidiu voltar para a Consolação por dentro do bairro. Passou em frente à sua casa, na esquina da rua Santa Isabel com a Dr. Cesário Mota. Queria ficar por lá, tomar um banho e descansar, mas a obrigação impedia que entrasse. Assim que entrou pela Consolação avistou a cavalaria; ainda havia ativistas na praça Roosevelt. Gisele juntou-se a um grupo de 20 pessoas com a missão de chegar à Paulista. Ela queria ir ao Masp, pois havia escutado que o MPL faria uma entrevista coletiva lá. Como a Consolação estava bloqueada, começaram a realizar um zigue-zague pelas ruas paralelas e a usar táticas de guerrilha para despistar os policiais. - Íamos na contramão nas ruas em que passavam carros porque os veículos nos protegiam e a polícia não descia. Essa é uma tática dos manifestantes de 196835. Quando chegou à Paulista sentiu-se vitoriosa, mas a alegria durou pouco. Assim que se dispersou do grupo em que estava, percebeu que o que havia na avenida mais importante de São Paulo era uma ocupação militar. - Era cenário de caos, não tinha carro, a Paulista vazia. A PM fez uma ação preventiva de jogar gás nas ruas vazias que davam acesso. Tenho a lembrança de um dia cinza por causa das nuvens de fumaça. Gisele encontrou alguns colegas por ali e parou para conversar. Depois que a polícia conseguiu dispersar todos os manifestantes da Consolação, os bloqueios foram retirados e a avenida Paulista reaberta, mas os militan-


tes se reagruparam e seguiram em direção ao bairro do Paraíso. Quando o grupo chegou ao Masp, por volta das 21h, Gisele e mais dois repórteres do portal Terra sentaram-se nos bancos que ficam na lateral do museu, conhecida como vão livre do Masp. Ela já estava exausta. Do outro lado da rua havia uma base comunitária da Polícia Militar com muitos PMs fazendo a vigilância. Alguns ativistas começaram a gritar palavras contra os militares, e eles reagiram. Atravessaram a rua e correram atrás de todos que estavam ali. A jornalista levantou e se chocou com outras pessoas e quebrou seus óculos. Ficou meio perdida, desorientada. Quando tentou virar para o outro lado e correr, já era tarde. Tropeçou em um degrau e sentiu o primeiro golpe de cassetete nas costas. Depois na nuca, na perna, nas nádegas. Quando se deu conta, estava sozinha e cercada por policiais que desferiam golpes e mais golpes de cassetete por todo o seu corpo. - Estava cercada só por policiais, eram muitos, não me lembro quantos, e eu gritei “porra, caralho, estou trabalhando” e levei um golpe na cara. Aí eles viram que eu estava com identificação de imprensa. Assim que viram que Gisele era jornalista, viraram as costas e voltaram para a base. * Giuliana ficava muito agitada quando ia para coberturas desse tipo. A adrenalina tomava conta do seu corpo e não conseguia ficar parada. Como estava inquieta, resolveu ir na frente da equipe, junto com Félix, para a rua da Consolação. Ela e o fotógrafo queriam a imagem dos manifestantes subindo a avenida, por isso se posicionaram mais à frente da manifestação enquanto aguardavam a negociação entre a polícia e o MPL sobre o trajeto a ser feito. A repórter se distraiu por dois minutos e quando se deu conta, já estava em meio ao confronto. Bombas de gás foram disparadas pela polícia e a dispersão teve início. Como não estava com câmera profissional, ela se separou dos fotógrafos e começou a fazer imagens com o próprio celular. Filmou policiais jogando bombas entre os carros, motoristas saindo dos veículos desesperados sem conseguir respirar por conta do gás, trânsito totalmente travado, pessoas que não tinham nada a ver com os protestos sendo atingidas pelo confronto. Começou a filmar a Tropa de Choque subir a Consolação. Um dos policiais a viu e apontou a arma. —Você vai ficar aí mesmo? – disse o militar.

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—Se você quiser que eu saia, eu saio... – respondeu a repórter. A jornalista parou de gravar, reencontrou os fotógrafos e foi para a Augusta, pois uma parte dos manifestantes havia fugido para lá. A rua, que é famosa por ser o ponto de encontro de jovens paulistanos de todos os estilos e extremamente movimentada durante a semana, naquele momento se encontrava abandonada e com bloqueio de lixos para atrasar a PM. Os bares começavam a fechar as portas e a bateria do celular de toda a equipe estava chegando ao fim. O relógio já marcava 19h30. Félix e Rodrigo precisavam voltar para fazer mais imagens e pediram para Giuliana esperar por eles ali. As ruas estavam escuras e o medo começou a dominar. O barulho das bombas chegava cada vez mais perto, então ela decidiu recuar pela rua Marquês de Paranaguá. O porteiro de um prédio abriu os portões do edifício e deixou a jornalista e mais três pessoas se abrigarem na recepção. Enquanto esperava a movimentação passar, Giuliana viu Leandro Machado, repórter da editoria Cotidiano da Folha de S.Paulo, passar em frente ao prédio em que se abrigou. Resolveu sair. Queria voltar para a redação porque já estava sem bateria no celular e havia se perdido da equipe. Não tinha mais o que fazer ali e não queria ir sozinha até o jornal. O centro estava perigoso. Mas Leandro ia continuar na cobertura, então os dois resolveram subir a Augusta juntos. Após alguns minutos de caminhada, avistaram a Tropa de Choque posicionada no meio da rua, sem nenhuma concentração de manifestantes por perto. Uma mulher desnorteada pediu informações à repórter. Por conta dos protestos, o ônibus em que ela estava parou em um local que ela não conhecia. Precisava chegar à Paulista. —Está perigoso, fica com a gente. Quando as coisas se acalmarem, falo como chegar até lá - disse Giuliana. Todos entraram em um estacionamento e ficaram lá alguns minutos, esperando apreensivos até o barulho cessar. Quando já não ouviam mais nada, saíram do local. Viram os policiais dentro do ônibus da Tropa de Choque em posição de saída. Enfim, iam embora. Giuliana chamou a mulher, acreditando que já estava tudo tranquilo, e indicou-lhe o caminho até a Paulista. Enquanto conversava com Leandro para saber os próximos passos, a mulher voltou correndo e gritando que os policiais haviam retornado. Ficaram observando a Tropa de Choque entrar em formação novamente. Não entendiam porque os policiais retornaram, não havia manifestantes ali. Giuliana viu um policial dar um passo para frente e mirar nela e em Lean-

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dro, mas não achou que fosse atirar. Mais cedo um PM tinha feito a mesma coisa com ela na rua da Consolação e nada aconteceu. Foi quando sentiu o tiro no rosto. Havia se enganado. Desta vez, o policial disparou. * Sérgio Silva, 32, estava mudando de residência e não conseguiu cobrir os três primeiros atos organizados pelo Movimento Passe Livre, como costumava fazer desde 2010. Em meio à correria da vida pessoal, leu, assistiu e ouviu o que a grande imprensa falava sobre os protestos e ficou indignado. - A Folha e o Estadão estavam dizendo que as manifestações eram atos de vândalos, baderneiros e que a avenida Paulista deveria ser retomada. Aqueles editoriais da quinta-feira, dia 13, instigaram não só a mim, mas muitas pessoas. A maioria dos manifestantes foi para as ruas naquele dia por causa da mídia que tentou distorcer algo que não era real. Na expectativa de encontrar um ato muito maior do que os anteriores, Sérgio Silva, fotógrafo freelancer da agência Futura Press, resolveu fazer a cobertura do quarto protesto daquela onda de manifestações. Iria registrar o que realmente acontecia nas ruas, sob a ótica da lente da sua câmera. Chegou à praça Ramos de Azevedo às 18h para acompanhar a caminhada. O trajeto até a Consolação demorou 40 minutos. Cinco minutos depois, ele não imaginava, mas teria sua vida marcada para sempre. * — Leandro, pegou em mim! - disse Giuliana. Ele estava de costas e não reparou de imediato o que aconteceu. Quando viu o rosto de Giuliana, Leandro começou a gritar e entrou em desespero. Três homens que trabalhavam no estacionamento foram ajudar a carregá-la para dentro do local, e a deitaram no chão. - Estávamos absolutamente parados, não tinha nada acontecendo a uns 20 metros da gente. Eu e o Leandro não atacamos os policiais, só olhamos e conversamos. O policial não falou comigo. Não houve diálogo - lembra Giuliana. Enquanto o amigo avisava a redação, pessoas se aglomeraram para ver e filmar o ferimento da repórter. —Para de me filmar, estou trabalhando! - gritou e virou de costas. Mas mesmo assim as pessoas permaneceram. Ela gritou de novo e tentou se esconder.

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- Meu rosto estava sangrando muito. Na hora achei que tinha sido tipo boxe, que tinha levado uma porrada no supercílio e estava sangrando. Pensei que ia tomar uns pontos. A sensação é como a de levar uma bolada na cara. Quando pus a mão no meu rosto, já não tinha mais óculos. O repórter Giba Bergamim, também da Folha de S.Paulo, chegou ao local e chamou a ambulância. Giuliana começou a se dar conta do que aconteceu. Seu olho estava do tamanho de uma bola de beisebol e seu osso estava doendo. Pediu para tirarem ela de lá. Um carro do jornal chegou e a jornalista não quis esperar a ambulância. Caruso, motorista da Folha, a levou para o Hospital Sírio Libanês. No caminho tinha que ligar para o pai e avisar sobre o que aconteceu. —Pai, tomei um tiro no olho com uma bala de borracha. Estou indo para o Sírio agora. —Porra, Giuliana! Falei pra você não ir, que merda. O que eu faço agora? Vou para o Sírio? Fico aqui? —Pai, você, eu não sei, mas eu estou indo para lá. * Bombas de gás lacrimogêneo não paravam de ser lançadas. O barulho da “guerra” era ensurdecedor e a correria se alastrava. Balas de borracha eram disparadas para todos os lados. Sérgio desistiu de fazer o seu trabalho e escondeu-se atrás de uma banca de jornal para se proteger. Enquanto esperava os tiros acabarem, avistou uma garota de mais ou menos 15 anos correndo na direção contrária aos tiros. Ela caiu em meio aos sacos de lixo e começou a gritar desesperadamente, estava em pânico. O fotógrafo saiu de trás do seu escudo para ajudar a adolescente a se levantar. A garota, que tossia muito, saiu correndo. Sérgio também voltou tossindo para a banca, asfixiado com o gás. Tirou o agasalho e colocou em volta do rosto para se proteger da fumaça. Sem acreditar no conflito tão forte que estava envolvido, pensou em sair e fotografar o que acontecia. Era uma oportunidade única de fazer um registro do embate e saber de onde vinham os tiros. Ele se direcionou para a frente da banca, mas não conseguiu enxergar nada por conta da fumaça. Sem saber qual a distância dos policiais, Sérgio começou a fotografar sem se preocupar com a técnica. Os policiais se encontravam a sua frente quando sentiu uma dor agonizante no rosto. Seu olho esquerdo jorrava sangue. Uma bala de borracha o atingiu em cheio.

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* Gisele foi golpeada por vários policiais, mas só conseguiu ver o rosto daquele que deu a pancada em sua face. Ela conseguiu se levantar com dificuldades e foi atrás do agressor. Começou a xingá-lo e a berrar que queria falar com o responsável pelo batalhão, mas foi ignorada. - Lembro que era um homem alto e negro. Policial faz o que recebe como ordem. Naquele momento a ordem dele era avançar e depois era recuar e fazer outra coisa. Ele não ia me bater na frente do batalhão inteiro. Ela ficou desnorteada, com medo de desmaiar. Estava muito abalada, não acreditava no que tinha acabado de passar. Ligou para a redação para avisar e começou a andar em direção ao Paraíso para pegar um ônibus para a sua casa. Um ou dois pontos para frente começava mais um conflito entre a PM e os manifestantes. O gás começou a entrar no ônibus e os passageiros chamaram os manifestantes de baderneiros. Gisele não aguentava mais, gritou para todos fecharem as janelas do ônibus para a fumaça não invadir ainda mais. Ela chegou a sua casa por volta das 22h. Escreveu o texto que seria publicado minutos depois no portal da Rede Brasil Atual. Começou a navegar na internet e descobriu que ela não era a única. Centenas de pessoas tinham sido agredidas. Leu sobre a Giuliana Vallone e o Sérgio Silva, as pessoas presas por porte de vinagre e foi dormir. Conseguiu pegar no sono só por volta das 4h da manhã. * Giuliana tinha medo de ficar cega. No carro, lembrou-se de uma notícia sobre um jogador de futebol americano que, depois de uma pancada no olho, ficou cego por causa da hemorragia. E o olho dela não parava de sangrar. Seu namorado foi a primeira pessoa a chegar ao hospital. Ela o abraçou forte, começou a chorar. Só conseguia repetir uma frase. —Não quero ter um olho de vidro, não quero. Foi a única vez que a jornalista chorou naquele dia. Mesmo ferida, continuava agitada e com muita adrenalina, não conseguia ficar parada. O pai Marcelo, a mãe Myrian, e o então chefe Fernando Canzian chegaram ao hospital. O cirurgião plástico verificou o estado do olho da repórter. Depois de examinar o ferimento, brincou:

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—A notícia boa é que seu olho está aqui. Mas o seu caso ainda era incerto, precisavam do diagnóstico do oftalmologista. Enquanto esperava pelo especialista, o cirurgião costurou o ferimento e a repórter levou alguns pontos nas pálpebras. Ainda alucinada por tudo o que viveu naquela noite, foi ver seus amigos e familiares que tomaram os corredores do hospital, todos preocupados com seu estado de saúde. Eles só tinham notícias pelo que liam nos portais da internet e por uma foto que haviam tirado enquanto Giuliana estava sentada na sarjeta, com o olho inchado e sangrando. Depois de tentar tranquilizá-los, foi levada para a sala do oftalmologista para fazer os exames. Giuliana não enxergava nada. Mesmo com uma lanterna mirada para o seu rosto, o olho não teve nenhuma reação. A única coisa que discernia era a mudança de luz. - O médico me disse que o sangue podia levar seis meses para ser reabsorvido e que só aí saberíamos os danos, porque ele não conseguia enxergar a retina, só sangue. Saí da sala e ele falou para os meus pais que eu tinha 99% de chances de ficar cega. * Ele virou-se para trás e saiu caindo por cima de tudo o que estava em seu caminho. A dor era terrível. O inchaço veio na hora e o sangue escorria pelo seu rosto. Com um braço Sérgio segurou a câmera e com o outro tirou a blusa e colocou sobre o olho. Ele entrou em desespero. Era muita dor, muito sangue, muito gás. O olho direito lacrimejava por conta da fumaça e embaçava ainda mais a visão. Decidiu tentar forçar a abertura da vista atingida, mas o olho já não respondia mais, mirava apenas para o chão. Estava dilacerado. Saiu correndo no meio da multidão gritando de dor e clamando por ajuda. Como estava praticamente “cego”, tropeçou no professor Severino Honorato, que percebeu o ferimento no fotógrafo e o socorreu. Severino segurou o braço de Sérgio, colocou em volta do pescoço, e o tirou da zona de confronto. Não havia taxi, ônibus ou ambulâncias na rua. O jeito foi fazer o percurso de dois quilômetros a pé até o Hospital Nove de Julho. A situação no hospital estava um caos. Muitas pessoas feridas na manifestação foram para lá e os funcionários começaram a fechar as portas. O professor conversou com uma atendente para conseguir que o fotógrafo fosse atendido, pois ele sangrava muito. Sérgio recebeu morfina e curativos durante as poucas horas em que ficou

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no Nove de Julho. Assim que constataram a complexidade do problema, o transferiram para o Hospital de Olhos Paulista, especializado em traumas oculares, no bairro do Paraíso. Foram feitos diversos exames. Sérgio precisava ser operado. Havia um corte dentro do olho. A cirurgia tinha a função de estancar o sangue que saía desse corte em seu globo ocular. O fotógrafo levou cinco pontos internos naquela noite. Após conversar com ele, a equipe médica decidiu esperar a recuperação natural do olho, até o ferimento desinchar e cicatrizar, para não agravar ainda mais a lesão. Sérgio esperou dois meses para saber se voltaria a enxergar. Não voltou. A bala de borracha disparada naquela noite o cegou. * No dia seguinte, Gisele foi à delegacia acompanhada de um advogado disponibilizado pela redação da Rede Brasil Atual fazer um boletim de ocorrência pela lesão corporal, abuso de autoridade e um exame de corpo de delito. Foi preciso fazer dois boletins de ocorrência, um na delegacia da rua Aurora e outro na dos Jardins, onde foram instaurados todos os inquéritos de investigação sobre os protestos. - Quando fui chamada para fazer o reconhecimento, fiquei com medo. Ele ainda estava na rua, seria terrível encontrá-lo. Colocaram a foto de todos os policiais negros que atuaram naquele dia, mas a repórter ficou em dúvida entre três soldados. - Eu não conseguia falar com certeza quem era. Ele foi o único que vi, mas fui agredida por vários. Não valia a pena fazer uma acusação direta. Não reconheci a foto. Por não confirmar quem era o agressor, o processo não foi para frente. * Giuliana não conseguiu dormir. Passou a noite segurando uma compressa com gelo sobre o olho e navegando na internet. A assessoria do Hospital Sírio Libanês precisava soltar um boletim médico a seu respeito porque a imprensa queria saber sobre ela. O seu celular tinha mais de 150 mensagens e cerca de 2.000 pessoas a adicionaram no Facebook de um dia para o outro. A jornalista só se deu conta do tamanho da repercussão quando viu sua foto na capa do jornal em que trabalhava, a Folha de S.Paulo.

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Marcelo passou a noite com a filha no quarto do hospital. Uma enfermeira entrou no quarto para pingar colírio no olho ferido de Giuliana, por volta das 6h. Seu pai ainda dormia. Devido ao inchaço, a repórter teve que ajudar a enfermeira e abriu o olho com as mãos para pingar o remédio. —Estou vendo meu dedo! – disse empolgada. —Que bom, querida – desdenhou a enfermeira. Seu pai acordou às 8h. Ela contou que enxergava e ele não acreditava. —Fecha o olho bom e abre o ruim para ver a TV. O que está passando? – pediu o pai. —Está passando o Obama! – disse. Ele ligou para a esposa na hora. —Myrian! Ela está enxergando! Ela viu o Obama! * Giuliana não costumava postar nada nas redes sociais. Quando compartilhava algum trabalho que fez na TV Folha ganhava no máximo 50 “curtidas” dos amigos que visitavam o seu perfil. Entretanto, sentiu que precisava dar uma satisfação às pessoas preocupadas e que mandavam mensagens de solidariedade. Quando percebeu que sua visão voltou, sentiu-se ainda mais motivada e escreveu no perfil do Facebook sobre o seu estado de saúde e o relato dos acontecimentos daquela noite. A mensagem teve mais de 12 mil compartilhamentos. - Fiquei mais tranquila em termos de saúde, mas ainda era bizarro, porque todo mundo estava louco em cima de mim. Conheci o Piero nessa época, conversamos sobre isso. Só ele me entendia. * Piero saiu da delegacia e foi direto para a redação escrever sobre tudo o que viveu naquelas três horas. Depois de tanto estresse, saiu para beber com seu chefe. Quando acordou no dia seguinte e abriu sua conta no Facebook, mais de 3.000 pessoas tentaram adicioná-lo na rede social. Tanta atenção causou-lhe desconforto. - Não deveria ter sido dessa forma, meu caso não merecia isso. Sou jornalista, não tinha o desejo de virar notícia. *

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- Não tem como se conformar em perder a visão do jeito que foi. Eu tenho que entender que agora não enxergo mais, mas me conformar com o que aconteceu, jamais. Com essa indignação Sérgio vive um processo de readaptação que chama de eterna. Cada dia se depara com uma nova situação que precisa aprender a lidar, como encarar um lance de escadas, por exemplo. Como perdeu o senso de profundidade, tem que descer degrau por degrau devagar, para não correr o risco de cair. Depois de seis meses, Sérgio trocou o olho dilacerado por uma prótese de porcelana. * Quero agradecer de novo por todo o apoio que tenho recebido. Ainda não cheguei nem perto de conseguir responder às manifestações de carinho de todos vocês (enxergar com um olho só é foda. Hahaha), mas uma hora chego lá. Sintam-se todos abraçados. Tamo junto. Beijos. (Giuliana Vallone, via Facebook em 15/06/2013) Giuliana ficou dois dias internada e teve alta no sábado. De sua casa, seguindo a mesma linha de satisfação e agradecimento, postou uma mensagem à noite no Facebook sobre sua recuperação e a dificuldade em responder a todos. No domingo de manhã, sua mãe reprimiu-lhe: —Giuliana, você escreveu um palavrão no Facebook e o [portal de notícias] G1 publicou! Seu olho demorou duas semanas para voltar ao normal. - Me chamavam de Wolverine na redação – conta Giuliana sobre a alusão ao personagem da história em quadrinhos que tem um poder mutante de regeneração celular, o que lhe permite ser curado de ferimentos de forma rápida. Como sequela, a jornalista ficou com uma pequena cicatriz e a pupila do olho direito levemente mais dilatada que o normal. Ela tentou cobrir outros protestos depois do acidente, mas não conseguiu. Quando a primeira bomba era disparada ao seu lado, o coração disparava junto. - Você acha que o medo não vai te pegar porque é jornalista, mas pega de um jeito meio inconsciente, é um trauma.

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* Horas antes do quarto protesto contra o aumento da tarifa, os editoriais do dia 13 de junho da Folha de S.Paulo e do O Estado de S. Paulo chegaram às bancas com palavras de ordem. Com a chamada “Chegou a hora do basta”, o Estadão solicitava maior rigidez da Polícia Militar para conter os “vândalos” e “baderneiros”. Já a Folha, trouxe “Retomar a Paulista” como título para pedir aos militares a desocupação do espaço público. A rotina para a construção de um editorial é praticamente a mesma para os dois principais jornais de São Paulo. O editor de opinião lê os grandes periódicos do dia, forma um panorama com os principais assuntos, discute a pauta com outros editorialistas e escreve o texto, que deve refletir a linha de opinião do jornal sem nenhuma obrigação de ser imparcial. Esse processo não foi diferente no mês de junho de 2013. Marcelo Leite era o editor de opinião da Folha à época dos atos de junho. Segundo ele, o texto do dia 13 foi o editorial certo na hora errada. - O conteúdo do editorial está correto. O erro foi considerar que o Movimento Passe Livre era um movimento setorial, sem repercussão e radical. O editorial não era contra o movimento de massas, era contra a apropriação do espaço público, da Paulista especificamente, por grupos minoritários. Foi um erro de avaliação não ter percebido a dimensão que o movimento popular estava adquirindo - explica. Antônio Carlos Pereira é o editor de opinião do Estadão há mais de 30 anos. Com a mesma linha editorial desde 1875, o jornal tem como princípio descrito no seu projeto editorial o respeito à liberdade. Para o jornalista, as manifestações de junho não respeitaram a liberdade de todos, e por isso o periódico não concordou com os protestos e com o modo como os manifestantes faziam as reivindicações. - No momento em que você usa sua liberdade para privar seu semelhante da liberdade dele, é hora de parar com a brincadeira. Ultrapassou o limite. Não existe manifestação pacífica que me prive de liberdade. Você não pode discutir direito de ir e vir proibindo que a pessoa vá e venha, é um contrassenso. É um jeito de chamar a atenção, mas existem várias maneiras, a legítima e a ilegítima. Coincidência ou não, a ação policial daquela quinta-feira foi mais incisiva e dura com os manifestantes. Só naquela noite, sete repórteres do grupo Folha foram feridos. No editorial do dia 15 de junho, nomeado “Agentes do caos”, o jornal apontou a ação da PM como “truculenta” e “sem controle”.

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Por ter mudado o seu discurso dois dias depois de ter feito um editorial contra os protestos, a Folha recebeu diversas críticas e acusações. Muitas delas alegando que o jornal recuou pelo fato dos seus jornalistas terem sido feridos. - Não acho que a Folha recuou, acho que os editoriais seguintes adaptaram a visão do jornal ao real significado que o movimento adquiriu. Foi uma espécie de adaptação às condições do movimento - contou Marcelo. Suzana Singer, então ombudsman36 da Folha, foi quem recebeu por e-mail as críticas dos leitores à cobertura do jornal: - Foi uma crítica enorme, mas é bom fazer uma ressalva: o leitor que procura o ombudsman, em geral, é um leitor engajado. Eram os que estavam nos protestos ou que apoiavam as manifestações. Ela ressalta as dificuldades da equipe de reportagem do jornal. - Não tinha liderança, então tudo era mais difícil. Quando você vai cobrir uma greve, você vai lá no líder sindical e começa por ali. E black bloc? É um cara que apanha da polícia na periferia e vem agora se vingar, ou é um filhinho de papai? Não dá para saber, os caras não mostram a cara, eles não falam. Era muito complicado. Já O Estado de S. Paulo continuou a pedir rigor dos policiais, mas “sem excessos”. Com o editorial “Entender as manifestações”, pediu para os militares não agirem com truculência para “não dar aos radicais o pretexto que querem para novos atos de vandalismo”. - Não achamos que erramos. A linha não mudou. Quando começaram as manifestações, dissemos que era interessante a população se manifestando com uma certa vitalidade. Mas você vê que não era bem assim, que aquelas manifestações não eram íntegras. Se tem desordem, não tem liberdade.

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Termo utilizado para denominar o representante dos leitores dentro de um jornal e responsável pela crítica interna da produção do veículo.

* A Mídia Ninja tornou-se mais conhecida durante as manifestações de junho. Eram jovens que arrastavam até as ruas um carrinho de mercado carregado com gerador, câmeras, microfone, caixa de som e um laptop para transmitirem ao vivo os protestos que lutavam contra o aumento da passagem. Na bagagem, quase uma década de experiência. Não estavam ali à toa. Descobriram no mês de junho de 2013 o TwitCasting, ferramenta que faz transmissões de imagens ao vivo via computadores ou diretamente do celular, o que agiliza e melhora a propagação dos vídeos. As redes sociais, que usavam para compartilhar e distribuir a informação, começaram a “bombar”.

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nota 37

The New York Times é um jornal da cidade de Nova York com distribuição nos Estados Unidos, sendo um dos jornais mais respeitados do mundo. O The Guardian é um jornal britânico que tem circulação no Reino Unido e é um dos principais periódicos da Inglaterra. nota 38

Rede de cultura independente presente em mais de 200 pontos pelo Brasil.

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No Facebook, passaram de 2.000 curtidas para 240 mil em um mês. Suas transmissões ao vivo começaram a ter mais de 60 mil pessoas assistindo, o que corresponde a um ponto de audiência de acordo com a escala utilizada pelo Ibope. Era a revolução da mídia alternativa. Os ninjas se tornam uma referência na cobertura dos protestos. Os jovens que iam participar das manifestações passaram a confiar mais nesse tipo de mídia alternativa e veículos estrangeiros, como The New York Times e The Guardian37, procuravam os ninjas como fonte de informação segura para questões dos movimentos sociais. - A galera ia para a rua, voltava para casa, assistia pela TV a cobertura dos grandes veículos e não se identificava completamente com o que estava sendo dito. E aí, via a Mídia Ninja nas redes sociais e se identificava com o que aconteceu. A legitimidade vem desse processo direto, da gente estar lá e ser manifestante também - conta Rafael Vilela, 25, um dos membros do coletivo. No dia 13, Rafael realizou a cobertura principalmente por fotografia. De uma câmera com internet, fez postagens em tempo real, com legendas do que estava acontecendo. - É uma experiência em fotojornalismo radical também, visceral, de você postar para centenas de milhares de pessoas em tempo real, com a sua legenda. Boa parte das fotos eu postei com o olho cheio de gás. Tinha esse lance de denúncia da polícia, do relato cidadão, mas com uma linguagem muito qualificada. A Mídia Ninja nasceu no coletivo Fora do Eixo38 quando os integrantes do grupo identificaram a necessidade de difundir e comunicar o que eles produziam para o máximo possível de pessoas. - A gente percebeu que a grande mídia não tem interesse em falar do novo artista do Acre ou narrar a turnê de dez cidades que uma banda fez no Rio Grande do Sul. Tendo isso claro, a gente criou o nosso próprio sistema de mídia. Eles se baseiam na lógica da troca de informação sem intermediários, que se tornou possível com a democratização do acesso aos meios e à tecnologia. Dessa forma, todo mundo é capaz de produzir e distribuir conteúdo. Com uma ferramenta gratuita, linguagem atrativa e que dialoga com o jovem, a Mídia Ninja produz informações de forma independente, por meio de transmissões de vídeo em tempo real pela internet, reportagens e documentários sobre questões sociais. A distribuição do conteúdo é feita pelo portal dos ninjas e principalmente pelas redes sociais, como Facebook e Twitter. Em 2004, a Mídia Ninja ainda estava em projeto. Os membros do Fora do Eixo começaram a desenvolver a linguagem da fotografia em tempo real, utilizar as redes sociais, difundir o conteúdo e transmitir os festivais ao vivo


pelo PósTV -canal digital criado pelo coletivo. Já em 2011, começaram a se dar conta da potência dessa ferramenta e passaram a cobrir toda e qualquer manifestação de rua nos pontos que o grupo estava presente. Nesse período entraram em contato com jornalistas mais experientes para trazerem maior conhecimento para a rede. Em abril de 2013, a Mídia Ninja foi lançada oficialmente como um coletivo e não mais uma extensão do “Fora do Eixo”. - Foram nove anos trabalhando com essa linguagem, trabalhando em rede, fazendo uma experiência de redes sociais muito forte, então quando a gente lança a Mídia Ninja, já sai muito grande. Talvez fossemos a única estrutura capaz de cobrir com liberdade e com linguagem esses protestos - contou Rafael. Após quase uma década de experiência, os ninjas concentraram toda a cobertura dos protestos de junho na página do coletivo no Facebook. - Um bom jornalismo não precisa de um helicóptero e um prédio de 20 andares para ser feito, você pode fazer um bom jornalismo conversando com as pessoas, com uma estrutura precária, mas que funciona. É a tal da baixa resolução e alta credibilidade que a gente foi construindo.

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Ciclista em frente à tropa do Regimento de Cavalaria na rua da Consolação

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Mídia Ninja


Rua da Consolaçäo antes do início do confronto entre policiais e manifestantes

77 Bruno Fernandes


Yan Boechat

Militante segura placa de protesto junto a uma das barricadas feitas na região central de São Paulo

Yan Boechat

Manifestante pede fim da violência da Polícia Militar ajoelhado na rua da Consolação


Bruno Fernandes

Faixa estendida na concentração do 4º ato do MPL em São Paulo em alusão à vitória da população em Porto Alegre, onde o aumento da tarifa foi revogado após protestos em abril de 2013

Raphael Tsavkko Garcia

Integrante do MPL Matheus Preis conversa com policial durante sua busca ao coronel Ben Hur Junqueira


Movimento Passe Livre

Policial faz disparo na rua da Consolação. Uma das balas de borracha usadas pela Polícia Militar no dia 13 de junho de 2013 cegou o fotógrafo Sérgio Silva

Dubes Sônego

Manifestantes em micro-ônibus da Polícia Militar. Mais de 240 pessoas foram detidas no protesto de 13 de junho de 2013


Bruno Fernandes

Tropa de Choque em frente ao posto de gasolina em que o frentista José Lopes desmaiou por causa do gás lacrimogêneo. Foto tirada de dentro de um ônibus com o para-brisa estilhaçado

Raphael Tsavkko Garcia

Policiais em meio a nuvens de fumaça de gás lacrimogêneo na avenida Paulista


Mídia Ninja

Policial utiliza spray de pimenta no viaduto do Chá, próximo ao local onde manifestantes ficaram detidos por portarem garrafas de vinagre, antes do início do protesto

Dubes Sônego

Manifestantes fazem barricada para atrasar o avanço das tropas da PM


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Desde 1921 DIRETOR DE REDAÇÃO: OTAVIO FRIAS FILHO

ANO 93 ★

UM JORNAL A SERVIÇO DO BRASIL Sexta-Feira, 14 De Junho De 2013

folha.com.br EDIÇÃO SP/DF ★ CONCLUÍDA À 1H22 ★ R$ 3,00

★ NO 30.753

Polícia reage com violência a protesto e SP vive noite de caos ★ No 4º ATo CoNTrA TAriFA, PM CerCA MANiFeSTANTeS e USA BALAS De BorrAChA e BoMBAS De GáS ★ DezeNAS De PeSSoAS FiCAM FeriDAS e 192 São DeTiDAS ★ hADDAD CriTiCA CorPorAção Eduardo Anizelli/Folhapress

Policial agride casal que tomava cerveja em bar na avenida Paulista, próximo ao Masp, ontem à noite, e recebeu ordem para que deixasse o local Diego Zanchetta/Estadão Conteúdo

Petrobras está impedida de fazer comércio internacional

EUA afirmam que Síria usou armas químicas contra rebeldes

Devido a uma dívida de r$ 7,3 bilhões, a Petrobras está impedida de importar, exportar e de participar de rodadas de leilão do pré-sal, segundo a própria estatal. o motivo é o cancelamento da certidão de débitos da empresa por uma decisão da Justiça em processo que discute a dívida com a receita. A Petrobras tentou, em vão, reverter a medida. mercado B1

os eUA disseram ter informações de que tropas do presidente sírio, Bashar al-Assad, lançaram mão de armas químicas contra os rebeldes. o governo diz que as forças sírias usaram gás sarin em pequena escala diversas vezes e que de 100 a 150 pessoas morreram nos ataques. A gestão obama está dividida quanto a uma intervenção militar no país. mundo a12

A repórter Giuliana Vallone, ferida no olho por tiro da PM

saúde

RODÍZIO

ATmOSFERA Cotidiano 2 pág. 2 editoriais

pág. 7

suprema Corte dos eUa proíbe a patente de genes humanos

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Cotidiano2C2 Cotidiano pág. 2

Não devem circular carros com placas cujo final seja:

90

317.575 exemplares impressos + digitais

ou

Distúrbios começaram com ação da Tropa de Choque ELIO GASPARI

COLUNISTA DA FoLha

Quem acompanhou a manifestação pode assegurar: os distúrbios começaram por um grupo de uns 20 homens da Tropa de Choque, que, a olho nu, chegaram com esse propósito.

Temperaturas amenas na Grande SP Mínima 14ºC Máxima 24ºC

opinião a2

Leia “A nova face do Irã”, a respeito de eleições naquele país, e “Aviso aos navegantes”, acerca de declaração de Dilma contra críticos de seu governo.

A Polícia Militar reagiu com forte violência à quarta manifestação contra o aumento das tarifas de transporte, o que levou caos e tensão ao centro de São Paulo. o estopim ocorreu quando a PM fez bloqueios na região da rua da Consolação para tentar conter os manifestantes, estimados em cerca de 5.000, e evitar que chegassem à av. Paulista. Policiais usaram bombas de gás e balas de borracha. Manifestantes responderam com pedras. A violência apavorou pedestres e motoristas, que chegaram a abandonar os carros nas ruas. Dezenas de pessoas ficaram feridas —muitas delas não faziam parte do protesto. A PM não informou quantos policiais se feriram. houve ao menos 192 detenções, em meio a incidentes isolados de depredação. o prefeito haddad (PT) disse que “a imagem que ficou foi a da violência policial”. o governador Alckmin (PSDB) afirmou, em rede social, que o governo “não vai tolerar vandalismo”. rio e Porto Alegre também tiveram atos contra o reajuste. Novo protesto foi marcado para segunda-feira em São Paulo. Cotidiano 1 C1

Nenhum megafone mandou a passeata parar. Começaram a atirar bombas de gás. Manifestantes buscaram pedras e também conseguiram o que queriam: uma batalha campal. Foi cena de conflito de canibais com antropófagos. Cotidiano 1 C3

Jornalistas da Folha héLio SChwartSman levam tiros da PM; Democracia precisa aprender a conviver sete são atingidos Sete jornalistas da Folha foram atingidos pela PM, incluindo Giuliana Vallone e Fabio Braga, feridos no rosto por balas de borracha. “Um PM atirou covardemente nela”, disse testemunha. A Secretaria da Segurança lamentou os casos. Cotidiano 1 C2

com manifestações

Mesmo rejeitando o vandalismo, deve-se reconhecer que protestos por vezes tonificam a democracia. É preciso garantir que movimentos reivindicatórios ocorram sem julgar o que os motiva. opinião a2

Primeira página da Folha de S.Paulo de 14 de junho de 2013. Na foto principal, o casal de estudantes Raul Longhini e Gabriela Lacerda cai na avenida Paulista após suposta agressão do cabo Henrique Expedito de Jesus. Na parte de baixo, a repórter Giuliana Vallone após ter sido atingida por uma bala de borracha


Editorial da Folha de S.Paulo do dia 13 de junho de 2013


Editorial do jornal O Estado de S.Paulo do dia 13 de junho de 2013


SEM CAUSA Engolidos pelo Caos

MĂ­dia Ninja


capÍtulo 4 Irritação da pele, olhos, nariz, traqueia, pulmões, garganta e estômago; dificuldade para respirar; vômito e até diarreia. Esses são alguns dos efeitos que o gás lacrimogêneo, disparado em bombas pela Polícia Militar para dispersar tumultos, pode causar. Em exposição prolongada, estimada em uma hora, os efeitos podem levar a vítima a desenvolver lesões na córnea ou mesmo cegueira. Garganta e pulmões podem sofrer queimaduras avançadas e a asfixia pode ser completa. E não é preciso estar perto do local de conflito para ser alcançado. Disparadas por armas, as bombas têm alcance de cerca de 150 metros. Adelson Bastos, 31, é, há onze anos, porteiro de um prédio localizado na praça Roosevelt. Acostumado com protestos no local, ainda que duas espessas portas de vidro e um hall de aproximadamente cinco metros separem a portaria da rua, ele já tem um procedimento padrão para seguir quando a fumaça começa a passar pelas frestas: abandona a recepção e esconde-se no segundo subsolo da garagem do edifício. - O nariz arde demais. Deixo a portaria sozinha e fico acompanhando as câmeras de segurança na garagem. Só subo quando alguém quer entrar e coloco a camisa sobre o rosto - explica. No dia 13 de junho de 2013 não foi diferente. Os moradores dos andares mais baixos não tardaram a ligar reclamando da fumaça e do cheiro do gás. Os condôminos que estavam chegando ao prédio espirravam e coçavam nariz e olhos. A irritação e falta de ar também foram os primeiros sintomas de Maria Helena Spolador, 57, que tentava sair do prédio do Fórum de Execuções Fiscais, na rua João Guimarães da Rosa, próximo à praça Roosevelt, quando as primeiras bombas começaram a explodir. O relógio mostrava que eram quase 19h. - Coloquei o pé para fora e ouvi o barulho. É muito forte. A gente vê na televisão, mas não tem noção de como dá medo - diz. Com o início do tumulto, manifestantes, gestantes, crianças e idosos queriam invadir o edifício público para buscar abrigo, mas não tiveram sucesso. Quando tentaram entrar pela garagem do prédio, foram surpreendidos com uma bomba de gás jogada no local.

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Se detonadas ao ar livre, as granadas produzem nuvens que concentram até 5.000 mg do gás lacrimogêneo por metro cúbico. O índice aumenta em espaços fechados: a concentração pode chegar a 50 mil mg. - Voltei para o meu andar de tão ruim que fiquei. É um cheiro terrível. Uma outra senhora, que tinha problemas cardíacos, começou a passar mal instantaneamente - fala Maria Helena. As vidraças do prédio não transmitiam segurança. O medo de que transeuntes invadissem o local era iminente. Além disso, era impossível ficar próximo às janelas -o cheiro forte do gás continuava queimando gargantas. Ainda assim, tinha quem se arriscasse a se aproximar para tentar conversar com os moradores dos prédios próximos. Naquela noite, Maria Helena não conseguiu chegar cedo a sua casa, no bairro do Jabaquara, para receber o sobrinho que dormiria lá. Ficou cerca de duas horas presa no centro da cidade, esperando as coisas se acalmarem, enquanto o marido e os três filhos esperavam por notícias. Ela se diz premiada: trabalhava no Fórum Civil, na avenida Paulista, mas justo naquela semana foi realocada para o prédio no centro da cidade, em um mutirão que estava regularizando serviços atrasados. - O pessoal ficou bronqueado porque não foi liberado mais cedo naquele dia, mas eu fazia um trabalho tão mecânico que não me atentei ao clima. Sequer tinha acesso ao computador. Nas duas horas de espera, os funcionários também ficaram sem informação. Sem televisão ou acesso aos portais de notícia nos computadores, o jeito era se atualizar pelo celular. O de Maria Helena, no caso, estava com a bateria no fim. E ela, sem carregador. Quando pararam de ouvir o barulho de helicópteros, um dos diretores do prédio deu carona às mulheres que ficaram lá. Com os metrôs República, Anhangabaú e Sé fechados, elas só conseguiram entrar na estação Liberdade. - O clima era de fim de feira. Acho que a manifestação já tinha se dispersado. Não se via mais ninguém pelo centro da cidade - afirma Maria Helena. Quando seu filho a buscou na estação Saúde do metrô, levaram a mulher cardíaca, que já tinha melhorado, até a sua residência. Só chegaram a casa deles depois das 22h. Da experiência, Maria Helena levou um pedido aos filhos: que eles não fossem aos protestos posteriores. - Vi o tumulto, senti o gás queimar o nariz e todo o sistema respiratório. Pode até pesar a história de participar daquele momento, mas quando se está ali no meio, você é mais um. A polícia não quer saber.

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* Quando os manifestantes começaram a subir a Consolação, no início da noite, e entraram em conflito com a Tropa de Choque e a Polícia Militar, o frentista José Lopes, 57, também se sentiu mais um na multidão -e bem no olho do furacão. - O que eu vi aquele dia foi um cenário de guerra. Nunca tive tanto medo de morrer na minha vida - conta. Um grupo de policiais que se concentrava na frente do posto de gasolina em que ele trabalha, na esquina da rua da Consolação com a rua Caio Prado, corria o risco de ser alvejado pela multidão de manifestantes. Não deu tempo. A Tropa de Choque chegou e, com ela, os tiros de bala de borracha e as bombas de efeito moral. - Não tinha para onde correr. Era um em cima do outro. Para onde você olhava tinha gente subindo nos tetos dos carros, bombas sendo atiradas, policiais batendo em manifestante, pessoas com paus e pedras… Era um terror. O gás lacrimogêneo fez mais uma vítima. José e mais um colega não conseguiram se abrigar dentro da loja de conveniência do posto junto aos outros funcionários. Enquanto seu amigo conseguiu se trancar dentro de um carro, ele ficou vulnerável aos efeitos das bombas. - Era como o Titanic. Se eles abrissem a porta para mim, iam ficar sufocados também. Na hora que o navio afunda não dá para abrir as comportas. Só deu tempo de correr para desligar a corrente de energia elétrica do posto de gasolina. - A polícia não perdoava e foi jogando bombas de gás aqui dentro. O medo era de que uma delas explodisse as bombas de gasolina. Já pensou? Explode o bairro e não sobra ninguém. Já passando mal, o frentista recebeu ajuda de manifestantes que lhe deram vinagre. Depois que o tumulto terminou, o corpo cedeu. José teve que se apoiar em um canto quando quase desmaiou por falta de ar. - Só consegui pensar “meu Deus, daqui não escapo mais, vou embora”. Ainda assim, o expediente não acabou. O dono do posto não quis fechar o estabelecimento e a noite de trabalho só terminou depois das 23h. Apesar de já ter presenciado outras manifestações -ele trabalha há 20 anos no local-, Lopes acreditava que aquela seria pacífica como todas as outras. O cenário de caos e pânico não fazia parte dos planos do paraibano, que apesar de estar em São Paulo há 36 anos, ainda não se acostumou. - Mais seis anos e volto para Cajazeiras. Cidade do sertão é diferente. Lá

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não tem bomba, não tem tumulto, o modo de vida é outro. Enquanto isso, o frentista segue estremecendo toda vez que há notícias de novo protesto na região. - Já penso logo na saída e desenho o caminho de para onde vou correr.

FECHADOS PARA MANIFESTANTES A banca de jornal de Olinda Betti, 67, que fica na avenida Paulista, fechou mais cedo naquele dia, assim que começaram as primeiras movimentações de policiais empunhando cassetetes. O medo era da depredação: em 2005, após a vitória de 4 x 0 do São Paulo em cima do Atlético-PR, na final da Copa Libertadores, os torcedores foram comemorar o título no local e destruíram estabelecimentos. O prejuízo de Olinda foi de R$ 90 mil. No dia 13, o filho dela, dono da banca, permaneceu pela região para tentar garantir a segurança do local. No meio da noite, ligou para a mãe, que acompanhava as notícias do protesto pela televisão: —Não tem o que fazer. Eles são muitos - contou. Encontraram a vidraça lateral estilhaçada no dia seguinte. Até hoje, não foi consertada. - Eu tentei fazer um seguro naquela época, mas o corretor me deu um bolo. Como eles têm muitas bancas seguradas na região, acho que ficaram com medo. O jeito foi calcular o prejuízo -ou apenas somá-lo ao das noites anteriores, quando a banca teve seus vidros quebrados, portas amassadas e pichadas. O faturamento daquele mês despencou. - A gente fica chateado. Não somos contra as manifestações, pelo contrário. A gente sabe o quanto paga de imposto, e ainda tem que pagar caro pelo transporte. Mas sofre mesmo quem não tem nada a ver com isso. Os bancos têm seguro. O bar Papo, Pinga & Petisco, localizado em meio à praça Roosevelt optou por funcionar à meia-porta naquela noite. Quando as bombas começaram a explodir, o jeito foi fechar o estabelecimento com os clientes lá dentro até que o clima amenizasse. Não houve depredação e as pessoas no local continuaram consumindo, mas o faturamento não foi o mesmo. - Você vê na TV que está tendo confusão na praça Rossevelt. Quem vai se arriscar a ir pra lá tomar uma cerveja? - pondera Edney Vassalo, 40, proprietário do estabelecimento.

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O empresário não questiona a causa do protesto ou o direito de manifestação dos cidadãos, mas diz acreditar que eles fizeram isso errado. - Não dá para povo atrapalhar povo. Político não está nem aí se está tendo manifestação na praça, ele não passa por aqui. Tem que protestar no Palácio do Governo, na Câmara, no Congresso. Tem que atrapalhar a vida dos políticos. O que adianta queimar ônibus, fechar o trânsito na Consolação? É só povo atrapalhando povo! - indigna-se. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, de 14 de junho de 201339, naquela noite, uma agência bancária e um hotel tiveram vidros quebrados. Ônibus foram apedrejados e pichados, e lixeiras incendiadas em barricadas. Às 18h, segundo o site do jornal O Estado de S. Paulo, a cidade apresentava 151 quilômetros de lentidão no trânsito. Avenidas importantes como Paulista, Consolação e Sumaré foram interditadas, assim como ruas do centro da cidade e da região dos Jardins. Diversas linhas de ônibus tiveram seus itinerários modificados. Milhares de pessoas que não quiseram ou puderam ir aos protestos foram encontradas por ele. Na noite do dia 13 de junho de 2013, São Paulo não teve para onde fugir.

Nota 39

PÂNICO, bombas e balas de borracha deixam centro em São Paulo. Folha de S.Paulo, 2013. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/fsp/ cotidiano/113959bombas-e-balasde-borrachadeixam-centroem-panico.shtml>. Acesso em: 17 out. 2014.

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POLÍCIA

A Mão do Estado

Dubes Sônego


capÍtulo 5 nota 40

Sobre isto, ler página 32 no capítulo 1, “MANIFESTANTES - Cidade Proibida, Estado de Choque”.

- Eu acho que foi um verdadeiro sucesso. Nem a foto que estampou a capa da Folha de S.Paulo no dia 14 de junho, em que aparece supostamente agredindo Raul Longhini e sua então namorada40, faz o cabo Henrique Expedito de Jesus, 47, pensar que algo pode ter dado errado na operação da Polícia Militar no dia 13. Para o policial, o objetivo da ação foi alcançado: impedir que aquela manifestação terminasse com o mesmo cenário de depredação e vandalismo das anteriores. Naquele dia, Expedito, que faz parte da corporação há 28 anos e atuava no batalhão de policiamento da região dos Jardins, começou a trabalhar mais tarde, às 16h. Posicionou-se, no início, na rua da Consolação, próximo à avenida Paulista, junto a outros policiais que tentavam impedir tumultos e vandalismo. Conforme os manifestantes iam se deslocando, os policiais os acompanhavam. Quase no fim da operação, já haviam caminhado até o Masp, perto de onde a fatídica foto foi tirada. O efetivo da Polícia Militar havia sido dividido em grupos com cerca de 30 integrantes. Cada contingente tinha um comandante. Também havia o apoio da Tropa de Choque, que já rondava a região desde o início da tarde. O reforço é solicitado sempre que a situação não consegue ser contida apenas pelo efetivo comum. - Não há ação que não tenha acontecido sem ordem do comando. Tanto é que não houve descontrole de ninguém - relata o cabo. Expedito afirma que ficou surpreso com o número de “arruaceiros” presentes no ato e com a maneira violenta com que tratavam os policiais. Para ele, algumas pessoas tinham um interesse claro: provocar a corporação. - Eles atiravam pedras quando estávamos parados, esperando ordens. Tivemos sucesso em apreender diversos materiais de origem perigosa, artefatos de bomba, pedras, paus… Coisas que, se você vai reivindicar um direito de forma pacífica, para que levar? - questiona. Não houve orientações para impedir que a multidão chegasse à avenida Paulista. O cuidado especial com a via é uma preocupação diária: a presença

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de diversos hospitais, como Hospital das Clínicas, Santa Catarina, Oswaldo Cruz e o Hospital do Coração, torna inviável que todas as faixas da avenida sejam ocupadas. Não é permitido fechar totalmente o tráfego. A operação policial encontra apoio na lei 14.072, de 2005, conhecida como Lei de Eventos, que diz que toda atividade, em via aberta à circulação ou em local fechado, que interfira nas condições das vias, só pode ser realizada mediante autorização da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). O MPL não a possuía. Expedito também não se lembra de ter recebido ordens para revistar manifestantes e apreender os que portavam vinagre. Ele desconhece o motivo pelo qual mais de 240 pessoas foram detidas para averiguação. Mas o policial se lembra bem do momento em que foi fotografado pela imprensa em frente ao bar Charme, na avenida Paulista. Seu relato, no entanto, em nada se parece com o de Raul. * Segundo dados da Polícia Militar, de junho de 2013 a junho de 2014, 75 policiais foram feridos em manifestações. O coronel Reynaldo Simões Rossi foi um deles. Ele sofreu duas agressões, uma delas no dia 6 de junho, no primeiro ato da série, quando comandava o batalhão de policiamento da região central. Mas ele sequer faz alusão ao dia quando fala das agressões que já sofreu em operações. - Foi apenas uma garrafada. Um machucado na testa e outro no dedo. Nada demais. O efetivo policial da área central da cidade é responsável pela condução dos quatro principais eventos do Estado de São Paulo: a Virada Cultural, a Parada Gay, o Réveillon da Paulista e a Corrida de São Silvestre. Com a experiência, Rossi adquiriu uma certeza: o sucesso de um evento é coletivo. - Antes de junho de 2013, havia um equilíbrio, uma separação dos papéis de cada ator. Os protagonistas e os envolvidos participavam de reuniões para a elaboração, não só da atividade policial, mas também de todas as questões em geral. Havia um acordo de condutas, o que facilitava. Nós tínhamos um menor emprego de efetivo, uma melhor distribuição e uma integração maior entre todos os envolvidos. O sucesso nessas experiências era extremamente favorecido - comenta. Mas as manifestações de junho trouxeram um novo componente: a convocação pelas redes sociais, que traziam pouquíssimas informações. Quem vai

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participar do ato? Qual será a conduta dos manifestantes? Quantos serão? Qual é o itinerário do protesto? Qual é a proposta do evento? Por causa disso, muitas vezes, como ocorreu no dia 13, é preciso inflar o efetivo de policiais. Sem conseguir estimar o número de manifestantes, a PM superdimensiona o contingente policial. Não é incomum que profissionais de outras áreas, como a administrativa, ou até policiais que estão de folga, sejam convocados de última hora para participar de manifestações. - Isso não significa que você vai perder em qualidade. Para cada tipo de efetivo existe um tipo de demanda. Para os mais experientes, posso deliberar o acompanhamento da manifestação. Para os que tenham outra característica, posso deliberar a proteção de determinados prédios públicos, por exemplo - diz. A Secretaria de Segurança Pública, no entanto, não divulga quantos policiais estavam envolvidos naquela noite, afirmando que o número é estratégico e confidencial. A quantidade de munição e artefatos utilizados no dia 13 segue o mesmo protocolo. Além disso, havia as ameaças de violência que antecediam os protestos. Nas convocações por redes sociais, Rossi conta que era possível encontrar diversos termos vinculados ao anarquismo e à violência. - No dia 13 não houve orientação especial. O procedimento foi o mesmo utilizado em toda manifestação: o uso proporcional da força. Após o enfrentamento contra uma fração de tropas que estavam ali para assegurar a segurança da própria manifestação, surgiram vários conflitos isolados. Cada força policial que atuou no terreno usou a força proporcional e adequada ao cenário que ela encontrou. Naquela noite, Rossi não estava nas ruas. Ele ficou na sala de gestão da Polícia Militar, gerenciando o evento a distância. Junto a outros comandantes, tentava integrar todos os meios: ficar em contato com o comando nas ruas, gerenciar o helicóptero Águia e até monitorar as redes sociais. O coronel sabe que, até hoje, estão sendo apuradas denúncias de abuso de autoridade por policiais. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, conseguidos via Lei de Acesso à Informação, um inquérito único foi aberto para apurar as denúncias de abuso de autoridade por policiais. - O dia 13 foi mais um dos episódios de enfrentamento entre forças policiais e uma parcela dos manifestantes. Sempre houve um grupo interessado no enfrentamento, como os black blocs. Esse grupo foi crescendo com a exposição midiática, então muitas pessoas passaram a sair da periferia, se travestirem e se comportarem como black blocs. Era uma forma de chamar a atenção e sair do ostracismo. Vimos uma pulverização de atos de violência no centro da cidade como um todo - explica Rossi.

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* Para o coronel da reserva e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, há um problema claro na relação entre a Polícia Militar e grandes manifestações: ela não está apta para isso. - Foi feita uma pesquisa em que 64% dos policiais declararam que não estão preparados para manifestações. Eu acho que alguém calculou mal, porque, na verdade, 90% não estão, porque eles não são preparados. José Vicente já ministrou aulas na academia da Polícia Militar, onde, segundo ele, o que se ensina aos futuros policiais é o policiamento do dia a dia, atender aos problemas criminais e a comunidade. Segundo seus dados, a polícia faz 10 mil prisões em flagrante por mês, mas efetua 200 mil atendimentos sociais mensais em São Paulo. Ainda assim, ele conta que a PM oferece um curso de especialização de 240 horas sobre como lidar com manifestações e tumultos. Quando comandou batalhões de policiamento em São José dos Campos, lidou com muitas greves. Uma delas aconteceu depois que a Embraer demitiu 11 mil funcionários em um fim de semana e a paralisação queria impedir que os que não foram demitidos entrassem na empresa. - Eu percebia que ótimos policiais do policiamento comunitário se tornavam imprestáveis para cuidar de um conflito desses. Já tive que segurar policial pelo colarinho porque ele perdeu o controle. André Vianna, tenente da Tropa de Choque na década de 1970, também assistia a esse tipo de despreparo. Ele sabia que precisava fazer algo para mudar o cenário. —Não podemos mais ser apenas ferramentas do Estado. Ficamos aqui, aquartelados, sem informações sobre o que acontece lá fora. Precisamos saber em que tipo de conflito entramos e o que acontece - afirmava o tenente-coronel que era seu superior. Um dia, antes de uma operação em uma greve de metalúrgicos, evento bastante frequente naquela época, Vianna convocou seus homens. —Senhores, vocês estão satisfeitos com o quanto ganham? —Não, senhor. —Mas quanto vocês ganham? Eles responderam. —Pois bem. Os trabalhadores que estão em greve estão pleiteando salários maiores porque ganham menos. Vocês acham justo o salário que eles ganham?

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—Não. Era dessa forma que o tenente tentava sensibilizar o contingente e fazê-los entender que nem todos os grevistas tinham interesses políticos ou eram vândalos, mas apenas queriam condições de trabalho melhores. - Isso muda o foco. Eles entenderam que não iam atacar manifestantes, mas sim evitar atos de depredação e deter quem exagerasse - explica Vianna. Para ele, as manifestações de junho de 2013 foram uma oportunidade para o aprimoramento da corporação. Os protestos que fugiram do padrão de estruturação ao eclodirem em locais e em momentos distintos dão chance para que a Polícia Militar prepare e melhore não só procedimentos, mas todo o serviço de inteligência. * Depois daquele mês, a PM passou a dar mais atenção ao monitoramento via internet, visitando as páginas de movimentos sociais, os eventos de convocação e convidando as lideranças para conversar, a fim de que o processo seja organizado em conjunto. O problema é que as jornadas de junho não tinham liderança. O MPL se esforçava para não se apresentar como líder das manifestações. - Embora procuradas, essas pessoas não aceitaram o pedido de reunião. Pouco se lixaram. Disseram que já tinham avisado a imprensa, então as autoridades estavam avisadas. Não é assim que funciona - explica José Vicente. Ainda que o direito de reunião esteja garantido na Constituição, para ser legal, é necessário que tenha fins pacíficos, sem a presença de armas e com prévio aviso às autoridades. * Os policiais do grupo de Expedito haviam parado em frente ao Masp à espera de novas ordens. Foi quando começaram os gritos e o arremesso de pedras por parte de pessoas do outro lado da rua, em frente a um bar. A ordem do comandante foi clara: era preciso dispersar o tumulto. O contingente policial, então, começou a se deslocar para o local, atravessando a avenida. As pessoas correram. Raul, então, tropeçou no cavalete à sua frente e acabou derrubando a namorada. Segundo Expedito, não houve discussão ou agressão. Depois das fotos publicadas pela imprensa, o caso foi levado à Corregedoria da Polícia Militar e o cabo foi inocentado. Não houve infração militar.

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- Na foto que a imprensa divulgou parece que estou perto do casal. Mas o serviço de inteligência da PM tem imagens de outros ângulos mostrando que estou muito distante. Não conseguiria ter batido neles. * - O poder não recua. Já vi imagens em que policiais foram cercados e tiveram que fugir correndo. Isso não pode acontecer - diz José Vicente. Ele explica: quando as pessoas percebem que ninguém se importa, principalmente a polícia, as coisas começam a sair do controle. Nos Estados Unidos, a recomendação é que uma pichação precisa ser apagada já no dia seguinte. - Se as pessoas acham que ninguém está se importando, a baderna se instala. E o pior, tem uma série de direitos que você não exerce, como andar na rua sem medo. A presença policial é importante no dia a dia e nesses momentos críticos. Mas manter o controle não é fácil. Para explicar, ele conta uma história: em uma suposta visita da ex-ministra da secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, ao comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o policial começou a usar o celular, a conversar com outras pessoas e escrever enquanto ela falava. Demorou pouco para que a secretária perdesse a paciência e o repreendesse. —A senhora perdeu o controle por dez minutos de inconveniência. Imagina o meu soldado, que está há dez horas tomando chuva, pedrada, xingamento, com uma roupa desconfortável e pesada - teria retrucado o comandante. Esse é o desafio da polícia moderna: criar todas as condições para garantir o direito de manifestação, preservando o direito de outros, além de dar aos policiais condições básicas para atuar, como segurança, água e alimentação. O coronel Rossi lembra que a polícia precisa lidar com os três públicos que existem em toda manifestação: aquele que é a favor, aquele que é contra, e outro que não quer ser afetado por uma coisa e nem por outra. - Quando falo afetado, quero dizer diretamente, pelos próprios problemas vinculados a interdições de via e atrasos provocados no transporte público, e também no caráter indireto, porque a alteração no sistema viário, a alteração na vida da cidade, em especial na área central, gera impactos e abre oportunidade para que criminosos se aproveitem disso. Mas, garante, a polícia tem aprendido a lidar com as manifestações e não é a principal responsável pelos confrontos que ocorrem nos protestos. Nú-

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meros da corporação mostram que, em 2013, de 584 manifestações em que a PM esteve presente, 23 não foram pacíficas (4,1%). Em 2014, em 575 protestos com operação policial até o início de agosto, houve a quebra da ordem em apenas cinco (0,8%). Já sobre o sucesso das reivindicações dos movimentos sociais, Rossi é categórico: - Qual o atributo de sucesso de uma manifestação? Quando o tema levado às ruas é o tema discutido ao final da manifestação. Então não me parece oportuno que qualquer tema levado às ruas, que no final o que se discute são confrontos, seja considerado bem-sucedido. * Como integrante do batalhão de policiamento, Expedito recebeu naquele dia equipamentos que não costuma usar no dia a dia: um escudo de acrílico, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. E fez uso de todos eles. - Geralmente, são artefatos usados em momentos considerados de crise, quando a situação está saindo do controle, quando os manifestantes estão intervindo no direito de ir e vir das pessoas e quando há depredações ao patrimônio público ou em bens particulares de quem quer que seja. A intenção é dispersar o povo. No entanto, foram balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo que causaram diversos ferimentos, como os dos profissionais Giuliana Vallone e Sérgio Silva. - Existe muito questionamento do uso de armas não letais. Os americanos usam o termo “menos letais”, porque qualquer coisa pode ser letal. A gente aprende na academia que, se não tiver armado, você pode matar um cara com uma caneta. Mas qualquer país do mundo utiliza esses artefatos. É melhor usar uma bomba de gás lacrimogêneo ou uma bala de borracha do que uma bala de chumbo - avalia José Vicente. Para o coronel Vianna, o mau uso dessas armas, assim como lesões após disparos em partes sensíveis, deve ser apurado e responsabilizado, já que os policiais recebem preparo técnico para utilizá-las na academia. O problema na responsabilização das denúncias apuradas sobre o dia 13 é a identificação dos policiais. Segundo José Vicente, o corregedor da Polícia Militar afirmou que a maior parte das vítimas não compareceu ao reconhecimento ou não conseguiu fazê-lo. Sem agressor ou vítima, não há crime. Por outro lado, os manifestantes agredidos reclamam da falta de identifi-

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cação dos policiais. Segundo normas internacionais, ela não é obrigatória, porém, de acordo com o artigo 304 do Código de Processo Penal, a assinatura e identificação do policial são obrigatórias nos autos de flagrante, caso ele realize alguma prisão. - Nos pelotões de manutenção da ordem, o que se recomenda é que não necessariamente tenha o nome do policial no peito. Em Nova York, ele anda com uma plaqueta de identificação, que identifica seu batalhão e seu número, não o seu nome. No Chile a tropa de choque tem capacetes numerados. Para que isso? Assim você não expõe a pessoa, já que o policial está ali em caráter institucional - explica Vianna. *

nota 41

Mário Covas (PSDB) governou o Estado de São Paulo entre os anos de 1994 e 2001. Nascido em 21 de abril de 1930, faleceu em 6 de março de 2001.

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Para fazer denúncias contra má conduta de policiais, o cidadão tem três canais: o Disque Denúncia, a Corregedoria da PM e a Ouvidoria das Polícias do Estado de SP. Todos garantem o sigilo do denunciante. A ouvidoria das polícias, que existe desde o início do governo de Mário Covas41 em São Paulo, protocolou ao menos 36 denúncias sobre o dia 13 de junho, várias retiradas de matérias jornalísticas, tendo como denunciante a própria imprensa. Segundo o órgão, há cinco protocoladas na Corregedoria da PM. Quatro ainda esperam uma resposta da instituição. Um deles, em que um cidadão relata ter visto em um vídeo na internet um policial quebrando o vidro da própria viatura, foi respondido: o soldado estava apenas retirando partes remanescentes do vidro que já havia sido quebrado por manifestantes. - É um número grande de denúncias. Eu acho bastante, mas foi um tipo de evento que não havia desde a época do Collor - explica Julio Neves, atual ouvidor. No entanto, o número de denúncias poderia ter sido maior. O problema é que, em junho de 2013, a ouvidoria não tinha um ouvidor legal. O mandato de Luiz Gonzaga Dantas havia expirado em 2011. Os mandatos duram dois anos. A eleição para ouvidor funciona da seguinte forma: o Condepe (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) escolhe três candidatos, que não podem ter nenhum tipo de relação com as polícias e envia a lista tríplice para que o governador do Estado escolha o novo representante. Depois que o mandato de Dantas expirou, houve duas tentativas de eleições problemáticas, em que Geraldo Alckmin, então governador, não escolheu um novo ouvidor. Dantas foi ficando no cargo em uma espécie de


“mandato-tampão”. Chegou-se a expedir um decreto retroativo, em que se afirmou que ele era responsável pelo expediente da ouvidoria desde que o mandato dele teve fim. - Quando o Dantas ficou aqui mesmo sem mandato, sem dúvidas houve queda de eficiência na ouvidoria. O Condepe brigou muito para que um novo ouvidor fosse nomeado com urgência. Sem mandato, a pessoa fica totalmente subserviente à secretaria. Ela pode, por exemplo, ser demitida. Com mandato, não - diz Julio. No dia 17 de junho, segunda-feira, Dantas encontrou-se com Sérgio Gomes, pai de Paulinho Fluxus42, no sindicato dos jornalistas. Sérgio soube da situação irregular dele há pouco tempo. Questionou-o e desafiou-o a renunciar ao cargo, já que estava “usurpando o cargo de ouvidor”. A imprensa toda estava no prédio, acompanhando uma coletiva do MPL. Dantas ficou nervoso. Sérgio conta que, dias depois, o sindicato enviou um ofício à ouvidoria, pedindo que ela investigasse a responsabilidade dos policiais nos atentados contra jornalistas. “Envie seu ofício para a Corregedoria da Polícia Militar para investigar. Quando ela chegar a uma conclusão, eu enviarei o relato para o sindicato”, foi a resposta do então ouvidor Luiz Gonzaga Dantas. - Então a ouvidoria é simplesmente um despachante? Esse é o papel? O usurpador da ouvidoria começou a cair após a noite do dia 13 - afirma Sérgio. Julio diz que o contato com a corregedoria e o governo é essencial para o bom funcionamento da Ouvidoria da Polícia do Estado de SP. Assim como a imparcialidade moral, apesar do orçamento do órgão ainda estar atrelado à Secretaria de Segurança Pública. - Cobramos a corregedoria constantemente. Fiscalizamos o corregedor e, a bem na verdade, fiscalizamos o secretário também. Eu não acompanho a linha do secretário, nunca acompanhei. Nem do governador. Já tive várias situações aqui de me colocar em choque com o próprio governo.

nota 42

Sobre isto, ver página 19 no capítulo 1, “MANIFESTANTES - Cidade Proibida, Estado de Choque”.

* Naquela noite, Expedito, que mora em São José dos Campos, há 95 quilômetros de São Paulo, e percorria a distância entre as cidades todos os dias, chegou a sua casa quando já passava das 3h da manhã. A operação foi até às 2h e o fez perder o último ônibus da Viação Pássaro Marrom, que saía às 23h30. Teve que pegar uma van de outra viação, no terminal Tietê, durante a madrugada. Por sorte, estava de folga no dia seguinte.

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Só foi saber da foto que saiu nos jornais do dia 14 de junho nos dias que se seguiram. Os colegas de batalhão começaram a ligar contando que seu rosto estava estampado nas bancas de jornais em uma imagem que sugeria uma agressão a um casal de manifestantes. A sensação de revolta foi imediata. - A imagem sugere algo que não fiz. É claro que fiquei bravo. Mas o caminho natural para reverter essa situação é a Justiça. Por isso, estou movendo ações judiciais contra a Folha de S.Paulo, o UOL e as revistas Veja e IstoÉ. Todos os veículos que publicaram a foto. Expedito não tem o apoio da corporação para isso. Os gastos do processo e os honorários do advogado, no valor de R$ 8.000 até o momento, estão sendo pagos do bolso dele. Apesar do incidente e do cansativo confronto com os manifestantes no dia 13, em que policiais militares também ficaram feridos, Expedito acha que fez o que devia fazer. Não se arrepende. - A manifestação terminou como a gente esperava. Quem teve que ser detido foi levado ao conhecimento da polícia e dessa forma alcançamos nosso objetivo. Todo excesso é apurado pela corregedoria e, se os policiais passarem dos limites, são punidos. Ao que eu sei, ninguém foi punido por causa daquele evento, então posso afirmar que não houve abuso. Quando há, há punição.

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OUTRAS ORGANIZAÇÕES Os coadjuvantes

Movimento Passe Livre


capÍtulo 6 A bandeira do MPL estava longe de ser a única hasteada nas ruas de São Paulo durante as mobilizações populares de junho. Entre as milhares de pessoas que saíram de casa por conta própria, havia também aqueles que representavam entidades como ONGs e partidos políticos. Estes não foram pegos de surpresa. Arielli Tavares, 24, fazia parte de um grupo com cerca de 150 pessoas usando camisetas vermelhas em meio à passeata do quarto ato contra o aumento da tarifa do transporte público. Integrante do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) desde 2009, Arielli estava acostumada à rotina de manifestações de rua e já conhecia as ações do MPL de outras mobilizações. Ela havia participado dos atos organizados pelo movimento em 2011, quando o preço da passagem do ônibus foi reajustado de R$ 2,70 para R$ 3. Transformar os protestos de 2013 em algo maior que as lutas anteriores era o principal objetivo do PSTU naquele momento. - A gente estava totalmente imerso na luta. Nossas iniciativas são sempre de inserção nessas movimentações para somar forças. O PSTU é um partido de mobilizações. Demarcar isso é muito importante para nós - explica Arielli. Mesmo que em baixa escala, o PSTU ajudou a transformar a luta do MPL em um movimento nacional quando, dias antes do primeiro ato em São Paulo, ocorrido no dia 6 de junho de 2013, mobilizou estudantes de todo o país durante o congresso da Anel (Assembleia Nacional dos Estudantes Livres) -ligada ao partido-, em Porto Alegre. Como porta-voz da ala jovem do PSTU, Arielli assumiu o papel de estar junto ao MPL na linha de frente dos protestos desde o dia 6 de junho. Não que fosse algo previamente combinado com a organização -que se diz apartidária. Arielli participou de diversos encontros entre membros do partido no início daquele mês para organizar as ações da entidade. Na tarde da

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quinta-feira, dia 13, ela estava na sede da central sindical CSP-Conlutas, no centro de São Paulo, preparando adesivos e panfletos que o PSTU havia produzido para distribuir durante o protesto daquele dia. Foi alertada por telefone para não ir de mochila, pois a polícia estava revistando e prendendo manifestantes na chegada ao Theatro Municipal. Resolveu deixar os materiais lá mesmo para não correrem o risco de perder o investimento. Soube da intenção do MPL de sair do teatro até a praça Roosevelt, mas logo percebeu que havia gente demais para parar tão cedo. Estava na frente da multidão, junto à faixa dos organizadores do protesto, quando notou a movimentação de policiais pelas laterais do ato, deixando os manifestantes acuados e apreensivos. - A impressão que me deu é a de que eles [policiais] queriam atingir quem estava na faixa. Eles vieram pelo lado, mas esperaram chegar na frente do ato para atirar. Os demais integrantes do partido estavam distantes de Arielli no momento em que começou o tumulto na praça Roosevelt. O bloco se dissolveu em vários grupos menores, cada um correndo para onde fosse possível. Arielli foi para a rua Augusta, onde reencontrou integrantes do Movimento Passe Livre que disseram que pretendiam reorganizar o protesto e subir para a avenida Paulista. Ela não concordava com a ideia. - É uma decisão de momento, mas para o PSTU é muito importante ter uma autodefesa. E a gente não estava à altura de enfrentar o nível de repressão que os governos dispõem para reprimir o movimento social organizado - explica Arielli. Decidiu descer a rua Augusta e reencontrar os integrantes do partido, que estavam em frente à lanchonete Estadão, no viaduto Nove de Julho. Ao lado de outras lideranças da entidade, disse para as pessoas irem para casa em pequenos grupos, evitando ficarem sozinhos. Uma viatura da Polícia Militar interrompeu sua fala atirando bombas próximo aos militantes. Todos tinham entendido o recado. - Já havia 200 pessoas detidas. Quanto mais você ficasse na rua, mais risco você corria de ser levado também. Meia hora após o início do confronto com a PM, todos os integrantes do PSTU que foram ao protesto já estavam retornando para casa. Não houve detidos e nem feridos entre os membros da entidade. Arielli avalia que a permanência dos demais manifestantes na rua mesmo após a repressão

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policial mostra a importância de se fazer parte de um grupo organizado. - Você sozinho não tem a dimensão do que está em risco - explica. - Você pode dar sorte e não acontecer nada, mas se você se der mal, estará sozinho. Ali se expressava a inexperiência e a falta de senso de proporção. Após a dispersão, Arielli foi ao 78º Distrito Policial, nos Jardins, para acompanhar o trabalho dos advogados do partido no apoio aos manifestantes detidos. Embora a maioria fosse liberada rápido, ela permaneceu no local até as 3h da madrugada. * Paulo Spina, 34, é integrante do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) desde 2007. Antes de entrar para o partido, ele cooperou com organizações do terceiro setor como a Vir a Ser, que fazia atendimentos médicos a crianças em uma favela próxima ao bairro do Limão, na zona norte de São Paulo. Ele acreditava que a ação de ONGs era capaz de melhorar a vida das pessoas. Quando as empresas que financiavam o projeto resolveram suspendê-lo, Paulo entendeu que era necessário dar um passo adiante. - Percebi que havia um problema estrutural. Então você precisa de ações estruturais para resolvê-los. Eu vi que não ia haver partido perfeito nem a hora perfeita, mas eu teria que entrar nisso para pensar em medidas que pudessem mudar a realidade - explica. Paulo tinha um mau pressentimento na tarde daquela quinta-feira, 13 de junho. E ela se justificava. Dois dias antes, data do seu aniversário, havia participado do terceiro ato do MPL, em 11 de junho de 2013. Para ele, os acontecimentos daquela noite foram noticiados pela imprensa de modo a incriminar a manifestação e exaltar a ação da polícia, sobretudo após a publicação de uma foto43 em que um militar ferido estava cercado por manifestantes e optou por não disparar sua arma. - Eu estava apreensivo com o que poderia acontecer. Era uma situação diferente em relação às manifestações anteriores. Até escrevi um texto so para mim, porque precisava tirar aquele sentimento de mim. No PSOL, que é um “guarda-chuva de movimentos sociais”, como Paulo define, ele conheceu pessoas que o ajudaram a criar o Fórum Popular de Saúde do Estado de SP, que trabalha contra a privatização do sistema de saúde. O Fórum se tornou aliado do MPL ao se aproximarem durante a rotina de mobilizações de rua. Eles organizaram juntos o movimento “Catracas

nota 43

Na manifestação do dia 11 de junho de 2013, o soldado Wanderlei Paulo Vignoli, da Polícia Militar, foi cercado por manifestantes quando abordou um suposto pichador em frente ao prédio do Tribunal de Justiça do Estado de SP. Após ser ferido na cabeça por uma pedrada, o policial sacou a arma para se defender de um possível linchamento, mas não fez disparos. Uma foto da cena foi publicada na primeira página do jornal Folha de S.Paulo na quinta-feira, 13 de junho.

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nota 44

José Luiz Datena é apresentador do programa “Brasil Urgente”, da TV Bandeirantes. Durante a transmissão da edição de 13 de junho de 2013, Datena criticou a manifestação e promoveu uma pesquisa entre seus telespectadores, na qual perguntava: “você é a favor deste tipo de protesto?”. Quando o placar da pesquisa mostrava que 1.860 pessoas não apoiavam os protestos e 2.820 eram favoráveis, o apresentador propôs que a pergunta fosse reformulada, passando a ser “você é a favor de protesto com baderna?”. Quando o resultado da nova pesquisa apontava que 2.000 pessoas eram a favor, mesmo com baderna, e 820 eram contrárias, Datena mudou seu ponto de vista e passou a dar razão às manifestações.

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da Saúde”, que valeu-se do mesmo raciocínio utilizado pelo MPL para questionar cobranças que dificultam o acesso ao atendimento a serviços de saúde, assim como as catracas fazem com o transporte público. Ainda no fim de 2012, o Movimento Passe Livre pediu o apoio de Paulo Spina e seus parceiros para as jornadas que ocorreriam no ano seguinte. No dia 13, Paulo saiu do Caism (Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental) da Água Funda, onde trabalha há nove anos, para se encontrar com os amigos do PSOL e do Fórum em frente ao Theatro Municipal. A família de Paulo já estava acostumada com sua rotina de passeatas, mas a preocupação também havia se expandido até eles, que passaram a noite pedindo notícias. Seus três filhos estavam sob a guarda da mãe naquela semana. O partido estava articulado para atuar contra o aumento da tarifa. Havia bandeiras do PSOL na passeata, que contou com a presença do ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, um dos fundadores da sigla. Em Brasília, conforme divulgado no site do partido, o deputado federal Jean Wyllys (RJ) solicitou explicações ao então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a respeito de declarações que havia dado à imprensa dizendo que cobraria da Polícia Federal informações sobre os atos que ocorriam em São Paulo e no Rio de Janeiro. O medo que Paulo sentia até a chegada ao protesto começou a se dissipar assim que a passeata teve início. Ao todo eram 30 integrantes do partido, aproximadamente. - Senti uma energia que me tranquilizava. Quando a gente saiu pela Coronel Xavier de Toledo achei muito emocionante porque os prédios daquela rua são próximos, então tem uma acústica diferente que fazia ecoar muito as palavras de ordem. Estava todo mundo feliz de estar ali. A impressão que tenho é de que era uma manifestação alegre. O telefone celular de Paulo não parava. Ele trocava informações com outros militantes a todo momento. Entre uma ligação e outra, assim que Spina chegava à rua da Consolação, sua mãe telefonou avisando que estava assistindo à manifestação pelo programa do Datena44, na TV Bandeirantes. Ela informou que o apresentador fez uma pesquisa ao vivo com os telespectadores na qual a maioria afirmou ser a favor dos protestos, mesmo que fossem “com baderna”. Foi um momento de alegria para Paulo, que comemorou com as pessoas ao seu redor. A felicidade não durou muito. O grupo se desfez tão logo começou a ação da Polícia Militar. Permaneceu ao lado de apenas outros três mili-


tantes do PSOL. Reencontraram um integrante do MPL na rua Augusta e se dispuseram a ajudar no que fosse preciso. Ao contrário dos integrantes do PSTU, eles aceitaram o desafio de seguir para a Paulista. - Achei impressionante a coragem de alguns manifestantes que foram para a frente do ato determinados a enfrentar as bombas. A gente sempre teve essa postura que quando a polícia vem é o momento de recuar. Mas ali foi outra forma de ação coletiva. Terminaram o percurso perto da estação Clínicas do metrô. Pararam em um bar na avenida Doutor Arnaldo, onde a maior parte do bloco inicial de 30 integrantes se reuniu para discutir aquilo que acabaram de vivenciar. Uma das manifestantes chorava muito, estava desolada. No entanto, não havia tempo a perder. Seguiram para a casa de um dos militantes, pois tinham uma conversa que não podia aguardar: eles estavam organizando uma manifestação do movimento “Resistência Urbana”, junto ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), para o dia seguinte. Precisavam avaliar se o protesto seria mantido mesmo após a violência policial daquela noite. O local escolhido para o ato aumentava ainda mais o receio do grupo: era a avenida Paulista, supostamente segregada pela Polícia Militar no ato do MPL. A decisão só saiu no meio da madrugada: o protesto estava de pé, mas o Movimento Passe Livre não aceitou divulgar sua realização justamente para evitar que as pessoas fossem a ele com um sentimento de revolta. Para Paulo Spina, apesar das hostilidades sofridas pelos partidos políticos alguns dias após o dia 13, na manifestação do dia 20 de junho de 2013, o PSOL saiu fortalecido após as jornadas. - O PSOL aponta para uma política de que só vai ter mudança quando sair para a rua. Então na hora que você tem uma vitória, que foi a queda da tarifa, houve um processo de fortalecimento da esquerda. * Presenciar ações violentas da Polícia Militar não é novidade para os integrantes da Conectas Direitos Humanos. A organização atua desde 2001 na defesa de um Estado Democrático de Direito efetivo e, nessa luta, manteve-se em constante acompanhamento das ações da PM na periferia. Ver o que aconteceu no dia 13 de junho de 2013 não surpreendeu aos membros da ONG.

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Naquele mês, houve no centro de São Paulo uma amostra do que acontece nos subúrbios da cidade, de acordo com o advogado Flávio Siqueira, integrante do núcleo de Justiça da entidade. - A polícia fez aquilo que sabe fazer na periferia: tocar o terror. Não é gestão cidadã. Se incomodou o Estado, a PM, que é a mão do Estado, vai atuar. Os policiais não estão preparados para agir em manifestações, e eu nem sei para o quê eles estão preparados. Mas para lidar com questões sociais, não. Flávio foi um dos membros da Conectas Direitos Humanos a participar presencialmente da manifestação da quinta-feira. A postura da ONG nesse tipo de situação não inclui levar bandeiras ou ao menos se apresentar como entidade. Seus integrantes atuavam como observadores para depois avaliar quais medidas deveriam ser tomadas. Quando houve o confronto com a Tropa de Choque da Polícia Militar na praça Roosevelt, Flávio se abrigou em um bar na rua Augusta, que foi invadido pelo gás de pimenta. O maior erro da atuação policial naquela noite foi a decisão de dispersar os manifestantes, segundo o advogado. - Na medida em que há decisão de dispersar, a qualquer ato de resistência a polícia teria que usar a força. Mas não foi avisado a ninguém que haveria a dispersão ali. E depois eles ainda encurralaram os manifestantes. Não existe dispersão em que você encurrala. O uso de balas de borracha, spray de pimenta, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral também é condenado pela ONG, que critica a quem se refere a esse arsenal como “armas não letais”. - Dependendo da forma de utilização, [essas armas] são letais. A qualificação certa é “armas menos letais”. Estilhaços de bombas de efeito moral podem causar lesões graves. O fotógrafo Sérgio Silva perdeu um olho após um tiro com bala de borracha. Para a Conectas, essas armas não precisariam ser usadas. Quando começou a ação policial no cruzamento da rua da Consolação com a Maria Antônia, a entidade publicou rapidamente em seu site uma nota sobre a violação do direito à manifestação que estava acontecendo e informou que iria pedir uma audiência com o Governo do Estado e denunciaria o caso à ONU (Organização das Nações Unidas). Foi o início de uma ação que se estende até hoje. A defesa pelo direito de manifestação pública, reunião e associação se tornou mais uma luta da Conectas Direitos Humanos. A entidade colheu relatos de uma amostra dos agredidos naquela noite, que deu origem a um relatório entre-

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gue à OEA (Organização dos Estados Americanos) durante uma reunião em que estavam presentes membros do governo federal. O desconforto provocado nos governantes por ações como essa é uma das formas de pressão encontradas pela entidade para cobrar providências. Apesar do esforço da Conectas e de outras entidades, Flávio acredita que o tema da defesa dos direitos humanos saiu perdendo após junho. De acordo com levantamento do Artigo 19, em fevereiro de 2014, havia 21 projetos de lei em discussão nos âmbitos federal, estadual e municipal que versavam sobre mobilizações de rua. Desses, 18 se referem à criação ou alteração de crimes e apenas dois pedem a proibição do uso de armas menos letais. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin sancionou uma lei em agosto de 2014 que proíbe o uso de máscaras durante protestos. Também não houve punição para policiais envolvidos em atos de violência durante as jornadas de junho. - Não puniram porque a corporação acredita que eles fizeram tudo certo, por mais que tivessem violado normas. É uma separação do âmbito militar e civil que é um resquício da ditadura. Isso é uma separação que não faz sentido em um Estado Democrático de Direito.

NASCIDOS EM JUNHO Na manhã da quarta-feira, 12 de junho de 2013, o advogado Luiz Guilherme Ferreira, 28, estava saindo de casa para ir ao escritório quando uma ligação mudou seus planos. Soube que um amigo jornalista havia sido preso na noite anterior. Luiz Guilherme cursou Jornalismo na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) por um ano, mas queria seguir carreira na área do Direito. Como era o advogado mais próximo de seus ex-colegas, foi convocado a ajudar o amigo, mas não tinha experiência com direito criminalista. - Cheguei sem saber por onde começar. Sabia tudo no teórico, mas não tinha ideia de como proceder na delegacia. Seu amigo, João [nome fictício], estava no 2º Distrito Policial, no Bom Retiro, de onde seria transferido para um centro de detenção provisória, o que só não aconteceu por um problema burocrático. A acusação contra

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ele era de dano ao patrimônio público, desacato à autoridade e resistência à prisão. Segundo o advogado, tudo isso se deu após João ter ajudado a derrubar uma cabine da Polícia Militar na avenida Paulista. João foi levado ao 78º Distrito Policial assim que foi preso e teve fiança estipulada no valor de R$ 20 mil para que respondesse ao processo em liberdade. Alguns meses antes, em março, aquela mesma delegacia havia designado o pagamento de R$ 5.000 para soltar o motorista que arrancou o braço de um ciclista após atropelamento na avenida Paulista. Na ocasião, o condutor do veículo não socorreu a vítima e se livrou do braço, preso no retrovisor do carro, no córrego da avenida Dr. Ricardo Jafet. Luiz Guilherme passou o dia 12 de junho lendo os autos de prisão no Fórum Criminal da Barra Funda e fez o requerimento de liberdade provisória e relaxamento de flagrante ao juiz. No dia seguinte, o Ministério Público entrou no caso e reverteu o valor da fiança para R$ 5.000. Luiz Guilherme chegou a sua casa no fim da tarde e assistiu à transmissão do quarto protesto do MPL pela TV. A partir daquele dia, a atuação em delegacias se tornou rotina para Luiz Guilherme. Conheceu outros advogados na rua, como Daniel Biral, seu atual sócio em um escritório no centro da cidade, e formaram o grupo chamado Advogados Ativistas. O grupo se organiza para acompanhar a todos os protestos que acontecem na cidade, fiscaliza as prisões realizadas e tenta a liberação dos detidos ao chegar à delegacia. Já é conhecido de todos os funcionários do 78º DP, nos Jardins. Desde o caso de seu amigo jornalista, Luiz Guilherme calcula que, somente ele, conseguiu a liberdade de aproximadamente 200 pessoas detidas em protestos de rua. No início de 2014, o juiz recusou a denúncia que o Ministério Público havia encaminhado a respeito de seu amigo João. A acusação de dano ao patrimônio público não foi aceita porque as cabines da Polícia Militar, como a derrubada por João em junho de 2013, não pertencem ao Estado, mas sim à Associação Paulista Viva. A proprietária das cabines sequer pode hoje apresentar nova denúncia pois o crime contra o patrimônio particular já prescreveu. Apesar de agora fazer dupla jornada rotineiramente, trabalhando no escritório e em manifestações, Luiz Guilherme não se arrepende. - É gratificante quando a coisa anda. Eu quero somar. A vida pessoal muda, mas você tem que fazer as pessoas entenderem que isso também é o seu trabalho. Eu hoje tenho uma visão da rua diferente, conheci pessoas geniais, acrescentou muito.

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* O publicitário Alexandre Morgado, 30, trabalhava há apenas um mês na avenida Paulista. Ele estava curioso para saber o que eram aqueles protestos que tomavam o noticiário, geralmente com acusações de vandalismo aos manifestantes. Não entendia qual era o problema nas mobilizações de rua. Por volta das 19h do dia 13 de junho, quando alguns manifestantes começaram a passar em frente ao prédio onde Alexandre trabalhava, próximo à praça do Ciclista, decidiu sair do escritório para ter suas próprias impressões. - A polícia começou a brutalizar. Eu peguei meu celular para filmar e um dos policiais se incomodou e apontou uma arma para a minha cara. Foi bastante impactante para mim. A cena assustadora transformou em raiva a curiosidade que ele sentia até chegar ao protesto. - Eu estava indeciso sobre o papel das manifestações e, 20 minutos depois, já chutava bombas de gás de volta para a polícia e xingava a plenos pulmões. Foi uma revolta muito grande. Ficou na calçada junto a outras pessoas que pararam para assistir ao tumulto. Entre elas estava uma senhora que foi atingida na perna por uma bala de borracha. Alexandre se prontificou a ajudá-la, já que havia sido brigadista de incêndio 45 por três anos e possuía treinamento de primeiros-socorros. Na hora, no entanto, viu que não tinha o que fazer. - Não tinha nenhum equipamento. Ela estava super-nervosa, não entendia nada do que acontecia. Eu também estava abobado. Chamaram o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e aguardaram por 52 minutos até a chegada da ambulância. Nesse período, as balas de borracha e granadas continuavam sendo utilizadas pela Tropa de Choque. Alexandre ficou ali até o som da última explosão na avenida Paulista, mesmo após o atendimento ter levado a mulher atingida pela bala. Na semana seguinte, reuniu dez amigos para apresentar seu projeto: criar o Gapp (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), com a missão de prestar atendimentos de primeiros-socorros durante manifestações. - Chamei aqueles que eu sabia que tinham curso de primeiros-socorros ou eram brigadistas de incêndio. Chamei também uns barbudos grandes,

nota 45

As brigadas de incêndio são, de acordo com manual do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, grupos formados por pessoas que habitam/ trabalham em edifícios que recebem treinamento para realizar a prevenção e combate ao princípio de incêndios, auxiliar no abandono da área e realizar primeirossocorros, visando proteger a vida e o patrimônio e reduzir os danos ao meio ambiente até a chegada do socorro especializado.

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nota 46

As ONGs (Organizações Não Governamentais) são organizações da sociedade civil, consideradas o terceiro setor. Elas objetivam encontrar soluções para algum problema da sociedade.

corajosos, que eu achava que iriam aguentar umas balas de borracha. Os amigos aceitaram a proposta, mas apenas um continua no grupo até hoje, o biólogo Fernando Monteiro, de 27 anos. Fora do escopo do atendimento, o Gapp também realiza ações sociais, como a arrecadação de doações para comunidades carentes e o treinamento de brigada de incêndio em ocupações do MTST. Eles também já contribuíram com a Defensoria Pública e com os Advogados Ativistas. Alexandre conheceu na rua um jovem que era quase sempre revistado pela polícia quando participava de manifestações. Uma vez ele perguntou ao rapaz: —Mas por que você foi revistado? —Porque sou negro. —Então para com isso, cara - brincou Alexandre. Em uma dessas revistas, o rapaz foi preso por estar sem documento de identidade. Alexandre fez questão de filmar a ação policial. —Por que ele está sendo detido? —Porque está sem RG - respondeu o militar. —Então o senhor confirma que esse é o único motivo? —Confirmo. Quando chegaram à delegacia, viram que havia sido imputado ao rapaz o crime de dano qualificado ao patrimônio. Forneceram o vídeo aos Advogados Ativistas, que conseguiram sua liberação. Alexandre e Fernando já passaram por muitas coisas desde que fundaram o Gapp. Atenderam a dezenas de pessoas, inclusive policiais, viram novos membros entrando para o grupo e o deixando em seguida. Sofreram agressões, machucaram-se e Alexandre até mesmo já foi preso. Hoje estão com 17 integrantes e buscam se firmar como organização não governamental 46. Os socorristas treinam o atendimento uns nos outros e já receberam instruções periódicas de um bombeiro que se solidarizou com o grupo. Quando vai aos protestos hoje em dia, Alexandre leva consigo um kit avaliado em cerca de R$ 1.000, incluindo desde um estetoscópio até uma manta térmica de quatro metros. No dia 13 de junho, tudo o que ele precisava, mas não tinha, era de uma atadura, gaze e soro fisiológico, que custam menos de R$ 20 juntos. Apesar de usar um anel do personagem dos quadrinhos Lanterna Verde, o publicitário recusa o título de herói. - Eu abomino esse termo. Dá calafrios. Muita gente entra na nossa pá-

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gina no Facebook e pede ajuda na manifestação que pretendem realizar. Todos os protestos que a gente negou apoio, todas as vítimas que a gente não atendeu… Isso me dá um desconforto profundo. Eu sempre sinto que tem mais a ser feito, então me dá um desgosto quando as pessoas usam essa palavra. Fernando Monteiro também rechaça o rótulo. - Eu me sinto o contrário de um herói. Eu me sinto mais humano. Cai um véu que não tem mais como voltar. Isso traz raiva, dor, indignação, frustração, mas acho que o maior benefício que há nisso é que traz uma humanização.

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fim de jornada


nota 47

Dilma Rousseff foi reeleita em outubro de 2014 para um segundo mandato, até 2018.

Durante o mês de junho se tornou convencional dizer que “o gigante acordou”, referindo-se à mobilização da sociedade. A expressão, no entanto, não agrada a todos. Para além do aumento na tarifa do transporte público, as razões que fizeram com que houvesse esse “despertar” podem ser interpretadas das mais diversas formas. Segundo o filósofo e historiador Fernando Sarti Ferreira, as mudanças no país desde que o PT (Partido dos Trabalhadores) assumiu o governo federal, primeiramente com Luiz Inácio Lula da Silva, de 2002 a 2010, e depois com Dilma Rousseff47, de 2010 a 2014, foram o principal fator para que acontecessem os protestos em 2013. - Junho é resultado das modificações no país nos últimos 12 anos. Os dados mostram que as pessoas estão ganhando mais, e esse bem material contribui para o empoderamento do indivíduo. Ele se sente mais seguro para querer mais, para cobrar por mais. Para o sociólogo Marco Aurélio Nogueira, autor do livro “As Ruas e a Democracia - Ensaios sobre o Brasil Contemporâneo” (2013), o “gigante” nunca dormiu, apenas estava “em stand by, com as partes do corpo não conectadas entre si”. - O que fez com que o gigante saísse do stand by e fosse para uma vida louca foi uma combinação mais ou menos acidental. Acidental foi o modo como a polícia enfrentou as manifestações, gerando uma corrente de solidariedade, de revolta. O que não foi fortuito é a dinâmica em rede na qual se vive. As pessoas vivem conectadas, isso faz com que de um dia para outro milhões de pessoas soubessem que haveria uma manifestação. Nós assistimos ali à consolidação da internet como ferramenta de ação política. As jornadas de junho não começaram e nem terminaram no dia 13. Após o quarto ato contra o aumento da tarifa em São Paulo, o MPL marcou a manifestação seguinte para a segunda-feira, dia 17. Segundo a estimativa do Movimento Passe Livre, mais de 100 mil pessoas

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nota 48

A Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, foi alvo de protestos desde junho de 2013 até o dia de sua conclusão, em julho de 2014. O alto investimento na construção de estádios e os poucos avanços na infraestrutura do país eram os principais argumentos daqueles que eram contrários à sua realização no Brasil.

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participaram do protesto apenas na capital paulista. Ao mesmo tempo que os paulistanos se reuniam no Largo da Batata, zona oeste da cidade, cidadãos de outras 11 capitais iniciavam seus protestos, totalizando cerca de 1 milhão de brasileiros nas ruas -a maior mobilização popular desde o movimento Caras Pintadas, em 1992. Em Brasília, parte dos manifestantes subiu na cobertura do Congresso Nacional (para deleite dos fotógrafos). - A ação policial do dia 13 de junho de 2013 foi decisiva. De repente milhões de pessoas viram pela televisão e pelas redes sociais o que aconteceu no dia 13 e se sentiram, por motivos variados, parte integrante daquilo - fala Nogueira. Já no dia 19, seis dias após os episódios de repressão policial em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) convocaram uma entrevista coletiva para anunciar a revogação no aumento da tarifa, que voltou ao valor de R$ 3. A ação foi considerada um “sacrifício grande” pelo governador. Apesar da vitória da população, que também aconteceu em aproximadamente outras 100 cidades, entre elas 13 capitais, os protestos de rua continuaram a acontecer. O MPL, no entanto, deixou de organizá-los a partir do dia 20 de junho, quando houve um ato de comemoração pelo recuo do governo. A saída do MPL aumentou a pulverização de reivindicações isoladas que já começava a acontecer desde o dia 17 de junho de 2013, na passeata que reuniu 100 mil em São Paulo. Protestos contra a realização da Copa do Mundo48 e contra a corrupção, por exemplo, ganharam força, assim como atos de vandalismo e de hostilidade contra partidos políticos. Se já havia pouca organização nos protestos com o MPL, sem o movimento ela passou a ser nula. Ainda antes de a tarifa ser reduzida, no dia 18 de junho, foi a vez de os black blocs ganharem notabilidade. Grupos de mascarados depredaram a sede da Prefeitura de São Paulo, saquearam lojas no centro da cidade e atearam fogo a um veículo da Rede Record. Black bloc não é uma organização, e sim uma tática de atuação violenta em resposta à violência praticada todos os dias pelos governos, como justificam seus adeptos. Eles defendem a desobediência civil como tática de protesto e se autodenominam anarquistas. - O black bloc autêntico é o cara que quebra as coisas em nome da contestação do sistema. Eu estou adjetivando porque acho que tem o


black bloc oportunista, que não tem nada a ver com o anarquismo, mas usa a estética black bloc para dar vazão aos seus problemas hormonais; existem aqueles que foram informalmente educados para a violência, figuras produzidas pelo ressentimento social; e também aquele que não é necessariamente ressentido, mas achou bacana aquele lance ali. É a coisa do “vamos contribuir para o espetáculo” - analisa Nogueira. No dia 23 de junho o instituto Datafolha apontou que, mesmo após a redução da tarifa, 66% dos paulistanos acreditavam que as manifestações deveriam continuar. Apesar do desejo, isso não aconteceu. O último ato daquela jornada ocorreu -já sem o MPL- no dia 21 de junho, quando três protestos distintos ocuparam a avenida Paulista. A falta de um tema central e de uma liderança que desse rumo aos protestos seguintes culminaram com o fim daquela série de mobilizações, na avaliação de Marco Aurélio Nogueira. - Aquele tipo de movimento excluía a direção política e por isso ele não poderia ter vida longa. Quase como um paradoxo. É como se o movimento desativasse a si próprio devido às opções que ele mesmo fez. * A presidente Dilma Rousseff se posicionou pela primeira vez em relação aos protestos em um pronunciamento na TV no dia 21 de junho. Dilma prometeu “ouvir as vozes das ruas” e anunciou propostas para as áreas da educação, saúde e transporte público. Seu principal anúncio, no entanto, se referia ao desejo de fazer uma reforma política, projeto que, dias depois, foi transformado em uma proposta para a realização de um plebiscito49. Sem apoio da base aliada, o projeto acabou sendo adiado. * - Junho ainda está em pauta - diz o historiador Fernando Sarti. A redução do valor da passagem do transporte público foi indiscutivelmente uma vitória, mas o Movimento Passe Livre de São Paulo ainda anseia pelo dia em que será instituída a tarifa zero na cidade. Para o ex-secretário Lúcio Gregori, as jornadas de junho aumentaram as chances de a proposta vir a ser aprovada. - É possível, mas não significa que haja condições favoráveis. O assun-

nota 49

O plebiscito sobre a reforma política proposto pela então presidente, Dilma Rousseff, abordava cinco temas: o financiamento público ou privado de campanha, o sistema eleitoral (se o voto seria proporcional ou distrital), a continuidade ou não da suplência para senador, o fim ou não do voto secreto em deliberações do Congresso e a continuidade ou não de coligações partidárias proporcionais. ENTENDA 5 temas sugeridos por Dilma para plebiscito sobre reforma política. G1, São Paulo, 2 jul. 2013. Disponível em: <http://g1.globo. com/politica/ noticia/2013/07/ entenda-5-temassugeridos-pordilma-paraplebiscito-sobrereforma-politica. html>. Acesso em: 7 out. 2014.

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nota 50

Sobre isto, ver página 51 no capítulo 2, “MPL - O Movimento Passe Livre”. nota 51

O engenheiro Frederico Bussinger foi secretário municipal de Transportes de 2005 a 2007 na gestão de José Serra (PSDB) na Prefeitura de São Paulo. É autor do texto “Transporte coletivo: direito do cidadão, dever do Estado”, de 1986, um dos documentos discutidos pelo Movimento Passe Livre na ocasião de sua fundação, em 2005.

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to ficou mais falado e, embora haja muito preconceito, hoje seria menos escandaloso se o [prefeito] Haddad dissesse que a partir de amanhã a tarifa é zero do que foi quando a primeira proposta foi anunciada pela ex-prefeita de São Paulo Erundina, em 198950. Já na avaliação do ex-secretário de Transportes Frederico Bussinger51 que, a principal pauta levantada pela sociedade em junho de 2013 não se refere ao valor pago, e sim à qualidade do transporte público. - As pessoas querem mais qualidade, sem aumento, com redução ou até mesmo cobrando zero. Essa equação não fecha. Se usarem ferramentas como o IPTU progressivo, qual a melhor alocação para esse dinheiro? Será na tarifa? Na minha visão, a grande reivindicação da população é a qualidade de serviço. Há um problema estratégico a ser resolvido e que ainda não está tratado. É uma bomba-relógio que está armada. Quando isso vai explodir a gente não sabe. Com 11,8 milhões de habitantes, a cidade de São Paulo tem uma frota de mais de 5,4 milhões de carros -segundo dados de 2013 do Detran (Departamento de Trânsito de São Paulo), o que significa uma média de um carro a cada duas pessoas. Além disso, segundo pesquisa de Mobilidade Urbana divulgada pela Rede Nossa São Paulo e Ibope em setembro de 2014, o paulistano gasta, em média, 2h46min no trânsito para fazer todos os seus deslocamentos diários, o que em um ano corresponde a 29 dias perdidos no trânsito. Em março de 2014, a Câmara Municipal de SP aprovou o projeto do prefeito Haddad para implantar mais de 150 quilômetros de corredores de ônibus na cidade. Atualmente são 291 quilômetros em operação, o que representou uma economia média de 19 minutos nas viagens de ida e volta, segundo pesquisa feita pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). Para estimular a bicicleta como meio de transporte público e assim colaborar com a melhora do trânsito na capital paulista, foram inaugurados mais de 78 quilômetros de ciclovias até setembro de 2014. Até 2015, a prefeitura promete implementar 400 quilômetros. O modo como a população encara os métodos de atuação da Polícia Militar também mudou após as manifestações, em especial a do dia 13 de junho, de acordo com Fernando Sarti. - Houve a desmoralização, o descrédito e a perda do medo em relação à PM. Ver a reação dos manifestantes contra a violência policial foi bem inédito. Hoje tem acontecido um fenômeno de, em várias vezes que a PM assassinou jovens na periferia, a população não titubeou, foi para a


rua, queimou coisas. Dá a impressão de que não será mais tão fácil. As pessoas vão denunciar a violência policial. Foi um ganho. O advogado Flávio Siqueira, integrante da Conectas Direitos Humanos, também concorda que hoje as pessoas veem com mais clareza o que é a PM, e esse debate pode contribuir para a formação de uma polícia melhor. - O debate da reforma da polícia ganhou força, com certeza. A classe média se tocou de quem é a polícia, porque até então ela não estava ali, estava na periferia. Pode ser uma união da periferia com a classe média para discutir a polícia que a gente quer. Junho surgiu para isso. Começaram a falar de desmilitarização após o dia 13. Ganhou conotação nacional. O dia 13 de junho de 2013 não foi o começo e nem o fim. O que aconteceu naquela noite e, sobretudo, a maneira como ela repercutiu tanto nos meios de informação tradicionais como nas redes sociais, representou uma virada na vida política do país. Talvez a melhor definição para o que houve naquela quinta-feira tenha ficado a cargo de um comentário despretensioso do rapper Luã Mantovani: - No dia 13, a coisa foi treze mesmo!

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A VIDA APÓS JUNHO


Paulinho Fluxus Ainda trabalha com iluminação em shows e segue atuando com seu coletivo, o “Tanq Rosa Choq”. Seu pé operado ainda dói, especialmente quando o dia está frio.

Remi Barbosa Chatain Segue tocando saxofone com seu grupo, Trupe Chá de Boldo. Entrou para o Núcleo Paulista da Auditoria Cidadã da Dívida, que luta pela realização de uma auditoria da dívida pública interna e externa. Não perdeu o hábito de levar vinagre para manifestações.

Luã Mantovani Largou o emprego de segurança em um bingo clandestino e lançou o seu primeiro CD solo, “Lua”, em novembro de 2014. Preferiu não gravar nenhuma letra a respeito dos protestos de junho.

Mila Alves Após ser ameaçada por policiais em um posto de gasolina, mobilizou seu círculo de amizades e continuou indo aos protestos, ainda mais revolta-

da. A insônia, que já fazia parte de sua vida antes de junho, piorou após o episódio.

Raul Longhini Terminou o namoro com Gabriela Lacerda e foi morar em Registro (SP), onde estuda Engenharia Agronômica. Denunciou o cabo Henrique Expedito de Jesus na Corregedoria da Polícia Militar, mas não levou o processo adiante.

MPL Segue realizando trabalhos de base em escolas e universidades. O movimento também busca as assinaturas necessárias para levar à Câmara Federal, por iniciativa popular, o projeto de Lei Tarifa Zero, que institui a gratuidade nos transportes. A luta contra os cortes de linhas, contra aumentos de tarifa e a favor de sindicatos e movimentos de trabalhadores do setor também seguem em pauta.

Lúcio Gregori Aproveita a aposentadoria em Jundiaí (SP). No bairro onde mora, há uma catraca instalada em seu único acesso e os visitantes precisam informar o número do do-

cumento de identidade para entrar. Esse serviço gera uma cobrança mensal aos moradores do bairro, mas Gregori se recusou a pagar. Após vencer a disputa na Justiça, hoje a catraca é liberada sem custos para o criador da proposta de tarifa zero.

Sérgio Silva Está movendo um processo contra o Estado de São Paulo, pedindo, de alguma forma, a reparação da perda que teve. Tentou uma antecipação de tutela para conseguir recursos para pagar o tratamento, mas o pedido foi negado pelo juiz. Encabeça o projeto fotográfico “Piratas Urbanos”, que ganhou exposição no dia 13 de junho de 2014, um ano após perder a visão do olho esquerdo.

Giuliana Vallone Após ser atingida por uma bala de borracha no olho direito, Giuliana pediu para deixar a TV Folha e passou alguns meses trabalhando na editoria Ilustrada da Folha de S.Paulo. Em setembro de 2014 se tornou correspondente do jornal em Nova York.

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Gisele Brito Seis meses após a violência que sofreu, Gisele recebeu o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos, que homenageou jornalistas feridos durante a cobertura das manifestações. Ela não se orgulha por isso.

Piero Locatelli Não gosta de ser reconhecido por sua prisão no dia 13 de junho. Escreveu um livro sobre as manifestações e hoje age diferente quando trabalha em protestos, usando capacete com identificação.

Mídia Ninja Lançaram o portal de notícias no dia 12 de junho de 2014, data da abertura da Copa do Mundo. Hoje o grupo faz matérias mais aprofundadas e investigativas. Atualmente, a página da Mídia Ninja no Facebook conta com mais de 300 mil curtidas. O modelo de jornalismo criado pelos ninjas inspirou o surgimento de outras mídias independentes.

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Maria Helena Spolador Se aposentou no final de 2013 e está feliz. Cuida da casa, da família, faz terapia, trabalha na igreja, estuda Direito nas horas vagas e também adicionou às suas funções a de “marmiteira”: cuida da alimentação do marido e dos outros funcionários que trabalham na empresa da família.

Adelson Viana Continua trabalhando como porteiro de um dos prédios próximos à praça Roosevelt.

Edney Ardanuy Vassalo Segue como proprietário do bar Papo, Pingo e Petisco, também próximo à praça Roosevelt.

José Lopes Ferreira Ainda é frentista no mesmo posto de gasolina. Em seis anos se aposenta e quer voltar para a Paraíba, onde diz que a vida é mais tranquila.

Cabo Henrique Expedito de Jesus Hoje trabalha em São José dos Campos, no primeiro batalhão da PM. Ele se aposenta em 2016 e pretende mesmo "amarrar as chuteiras": descansar e curtir a família.

Coronel Reynaldo Simões Rossi Foi gravemente ferido em operação em outubro do ano passado, em um dos protestos contra a Copa do Mundo. Trabalhou na Escola Superior de Soldados e hoje está no comando da Academia de Polícia Militar do Barro Branco.

Arielli Tavares Foi candidata a deputada estadual pelo PSTU nas eleições de 2014. Foi a segunda candidata mais bem votada do partido, com 2.226 votos, mas não foi eleita. O jingle de sua candidatura anunciava: “Eu estou com a Arielli porque ela é jovem e é mulher./ Fosse luta, fosse greve, ela estava lá!”.


Paulo Spina Está iniciando sua tese de mestrado a respeito dos protestos do MPL e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Quatro dias após a manifestação do dia 13 de junho, Larissa, 15, sua filha mais velha, pediu ao pai para irem juntos ao ato que reuniu cerca de 100 mil pessoas em SP. Spina já não estava apreensivo naquele dia.

Flávio Siqueira Continua trabalhando com a Conectas Direitos Humanos.

Luiz Guilherme Ferreira Segue fazendo dupla jornada, no escritório e nas manifestações. Fez uma faixa do grupo Advogados Ativistas em tecido preto, com letras vermelhas “para não fugir da estética dos protestos”. Durante um confronto dos manifestantes com a PM, percebeu que as bombas da polícia caíam sempre perto de onde ele estava segurando a bandeira. Resolveu jogá-la fora ali mesmo.

Alexandre Morgado Escreveu o estatuto do Grupo de Apoio ao Protesto Popular para que a organização seja oficializada como ONG. Após tudo o que viveu com o Gapp, Alexandre não sabe dizer ao certo se hoje é mais ou menos feliz que antes de começar com esse trabalho. “Eu passo muita raiva, mas acho que não é uma escolha. Não dá para fugir do que você viu.”

Fernando Monteiro Ao contrário de Alexandre, Fernando não vacila ao ser perguntado se ele é mais feliz após ter entrado para o Gapp: “Eu prefiro ver uma verdade triste que continuar vendo apenas ilusão. Pra mim, isso traz felicidade”.


REFERÊNCIAS AGENTES do Caos. [Editorial]. Folha de São Paulo. São Paulo, 15 jun. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1295534-editorial-agentes-do-caos.shtml>. Acesso em: 25 set. 2014. ARTIGO 19. Principais tipos penais usados contra os manifestantes. Jun. 2014. Disponível em: <http://artigo19.org/wp-content/uploads/2014/06/infotipospenais.png>. Acesso em: 26 set. 2014. ARTIGO 19. Protestos Brasil 2013, s.d. Disponível em: <http://www.artigo19.org/ protestos>. Acesso em: 26 set. 2014. BALZA, Guilherme; Carvalho, Marivaldo; Garcia, Janaína; Melo, Débora. Em ato com 110 mil pessoas em SP, manifestantes gritam por uma vida "sem catraca". UOL. São Paulo, 20 jun. 2013. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/manifestantes-gritam-por-uma-vida-sem-catraca-em-ato-que-interdita-a-av-paulista-em-sp.htm>. Acesso em: 27 set. 2014. BERGAMO, Mônica. Delegacia dos Jardins é eleita a melhor da cidade. Folha de S.Paulo, 30 jul. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ colunas/monicabergamo/2013/07/1318667-dilma-sai-em-defesa-de-joaquim-barbosa-e-diz-que-nao-ha-constrangimento-entre-eles.shtml>. Último acesso em: 20 out. 2014. BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm>. Último acesso em: 20 out. 2014. BUSSINGER, Frederico. Transporte coletivo: direito do cidadão, dever do Estado. Cadernos Fundap, 1986. Disponível em: <http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/ cadernos/cad12/Fundap12/TRANSPORTE%20COLETIVODIREITO%20DO%20CIDADAO%20DEVER%20DO%20ESTADO.pdf>. Acesso em: 30 set. 2014.

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Esta obra foi diagramada com as tipografias Eau Douce, Gandhi Serif, e famĂ­lia Octin



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