Atravessamentos Poéticos

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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE GRADUAÇÃO, 2016 ARQUITETURA E URBANISMO ALUNA ANA BÁRBARA PESSOA SOMAGLINO ORIENTAÇÃO JOÃO MASAO KAMITA CO-ORIENTAÇÃO RAUL A SMITH



“Cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e elimina as outras; na do quase inextricável ts’sui pen, opta - simultaneamente - por todas. Cria, assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam.” Jorge Luís Borges



APRESENTAÇÃO Esse trabalho teve como primeira inquietação explorar

encontrou apoio no conceito situacionista de deriva, como

“Porém, se a experiência da cidade é ainda fundamento da

as diversas relações entre a arte, arquitetura e cidade e

forma de se apropriar da cidade e expandir as possibilidades

arquitetura, é preciso com igual intransigência e radicalidade

suas implicações na paisagem urbana. Desde que a arte,

da experiência urbana.

colocar em xeque o princípio que definiu o seu modo de ser

mais especificamente a escultura, encontrou o espaço

desde a época da Renascença aos nossos dias: o conceito de

físico como campo de intervenção, é possível perceber

O resultado foi uma “deriva programada” na área da Ponte

projeto. É o projeto que precisa ser redefinido, reelaborado,

a apropriação por parte dos artistas de questões antes

Lúcio Costa na Barra da Tijuca, em um recorte Praia-

mas fazer isso implica desconfiar, de saída, do autor do

específicas à arquitetura. Esse foi o fenômeno que deu

Lagoa. A evidência de um processo é um elemento forte no

projeto. (...) Entender, participar, transitar por essa nova

início à essa investigação.

trabalho, no momento em que o percurso acontece a cada

continuidade talvez seja o primeiro e fundamental passo

dez dias e ações do tipo mapeamento, registros escritos,

nessa inédita entidade metropolitana. Derivas programadas,

Dentro de um assunto muito extenso e de muitas

croquis e modelos em 3d são elaborados. Desse modo, o TCC

desprogramadas,

possibilidades, a primeira etapa foi compreender as

é mais sobre experiência metropolitana do que expectativa

tediosas, agonizantes, surpreendentes são modalidades

estratégias artísticas de intervenção no espaço como

de construção. A errância é praticada não somente no

necessárias para desarmar o espírito e experimentar o

forma de sensibilizar a arquitetura no contexto da crise do

sentindo de andar sem rumo, mas um convite à reflexão,

urbano como se fosse pela primeira vez.” (KAMITA, 2014)

modernismo. A noção do campo ampliado a partir da leitura

em buscar outros caminhos de interpretação e desviar do

do célebre artigo de Rosalind Krauss foi um dos primeiros

previsível.

aleatórias;

lógicas

atemorizantes,

Convido a começar por aqui:

passos para perceber a transdiciplinaridade como caráter da prática (não só artística) contemporânea. Os limites

Como a a vivência e a experiência urbana podem participar no

entre as disciplinas se tornaram menos rígidos, o que

processo de imaginação do espaço arquitetônico? Poderia

acarretou em desdobramentos no modo de atuação de cada

ser um outro partido para intervir na cidade? Que não é

campo. A partir dessa pesquisa inicial, foi definido o conceito

mais tratada como “problema a ser resolvido”, mas como

que deu sequência ao trabalho: a idéia do caminhar sendo

campo a ser desdobrado, e re-experimentado. O objetivo

o encontro das artes e uma possível forma de intervenção

não é chegar a uma resposta, mas pelo contrário, aceitar

na cidade.

as diversas possibilidades e instigar questionamentos em relação a própria concepção de projeto.

A Internacional Situacionista teve papel fundamental na construção do pensamento dessa investigação, a partir

A ordem da sequência desse caderno não responde a

de seu posicionamento em relação a cidade moderna e

ordem causal nem cronológica, mas surge como forma

ao urbanismo funcional, mas também, suas críticas à

de organizar os pensamentos e os questionamentos que

concepção do projeto arquitetônico. A idéia do caminhar

aparecem, como veremos a seguir. https://vimeo.com/173616666



ÍNDICE O LIMITE DO FUNCIONALISMO pag. 18

O PERCURSO pag. 11 e 61

ARTE E ARQUITETURA NO CAMPO AMPLIADO pag. 26

A BARRA DA TIJUCA pag. 50

O CAMINHAR COMO ENCONTRO DAS ARTES NA CIDADE

OS SITUACIONISTAS pag. 44

pag. 34



O PERCURSO Barra da Tijuca,

Um dia percebi que quando se está na segunda metade

Entre Av. Lúcio Costa e Av.das Américas

da ponte, é possível avistar, de longe, o tão almejado tempo de união com a natureza. Nele, as torres emergem

Uma sobra. Costura dos tempos que escaparam do que eram

do chão verde e se afastam uma das outras em uma

para ser. Um rasgo nas laterais em um plano paralelo. Vago

mesma distância. O verde e os prédios coexistem na

como o futuro, em alguma situação seria o encontro das águas.

simultaneidade harmônica de uma pintura. Quase dá para

Em outra, algo que existe (ou resiste?) como passagem. Vagueio

sentir a paz inegável dessa paisagem enquanto ando

no que sobrou entre espaços de certeza.

sobre águas poluídas.

Se não fosse o movimento do mar, a cena seria estática, tão

O movimento de um planeta através de qualquer ponto

somente com a ida e volta dos que correm. Areia segue inacabável

do céu é definido dentro do nosso sistema de linguagens,

consolidando o eixo contrário ao caminho. Adiante, a fronteira

como passagem. A passagem-sem-fim, é simplesmente

entre dois tempos: o sinal vermelho me segura entre a letargia

sem fim e existe beirando ela, o matagal abandonado, que

dos que esperam e a pressa dos que passam. Vagueio por um

é também resquício da restinga que existiu aqui. Ao entrar

descampado com trilhas estreitas de terra batida. Seria esse

devagar talvez meus pés afundem no chão. Não é possível

o lado agreste de uma área recentemente urbanizada? Existe

enxergar do outro lado e as distâncias são medidas com

aqui um comércio local e um terreno baldio, ou um espaçoso

meus passos. Em dias pesados e tristonhos, imagino que

meio fio, ou uma praça sem nome, ou um enorme palco à beira-

passar por aqui alivia a dor. Em certo momento da decida,

mar. Numa manhã de sol, um ônibus que carrega frutas parou

parece que atingi o declive máximo. Tiro o sapato e sinto a

aqui e o cheiro das tangerinas ficou em mim até anoitecer. Mais

terra, o celular já não pega mais e me perco nas memórias

cinco passos e a praia é esquecida.

da infância. Dentro dessa floresta aparentemente desprezível é possível transcender o momento presente

O barulho dos carros é constante e perguntam se estou

e ocupar dois tempos de uma vez, ou nenhum. Ela revela o

multando. Ninguém anda por andar. Reduzidos à largura da

nível original onde tudo em volta foi um dia, um testemunho

calçada, meus passos seguem uma passagem sem fim entre o

de tempos que se encontram, essa floresta é o Memorial

construído e um matagal abandonado. Iguais e altos, os prédios

da Barra. A cidade parece distante quando escuto um

se repetem continuamente e já não sei mais há quanto tempo

barulho. “É logo ali”. Sigo um senhor que parece morar

estou andando.

aqui, e atravesso meu descaminho. 11


Trilhas

CemitĂŠrio

Memorial Barra


Numa outra possibilidade, eu teria medo de entrar. Olhando

De estrutura metálica e paredes vazadas a passagem

as trilhas que circulam a floresta eu ficaria somente a

rápida pela Ponte 3 pode desorientar. Coberta e arejada,

imaginar. Caminhos, efêmeros e espontâneos, evidenciam

é um hiato entre o movimento e a pausa. Pode haver um

ações no espaço: cruzamentos de um ponto ao outro. Não

comércio informal, ou um espaço de estudos. Em terra

seria ainda mais libertador quebrar o X que as trilhas criam?

firme, fico vendo as pessoas entrarem no túnel sobre as

Seguindo uma delas me vejo de baixo da ponte; uma súbita

águas sem nunca saírem.

mudança de ambiência. Piso na sombra e não escuto mais os carros, sinto cheiro de esgoto quando o vento pára e

Ora sobre a ponte, ora sobre o canal, a Ponte 3 desloca o

percebo que não é a primeira vez. Os que passam rápido

pedestre por rampas e passarelas. A passagem objetiva

estranham meu movimento, mas há algo de agradável e

que existia antes é substituída por possibilidades variadas

acolhedor nessa rua: a proximidade com o canal, a brecha

que se sobrepõem entre espelho e reflexo. Em um sábado

entre os muros, a rua sem saída, o desvio que os pedestres

de sol, o caminho vira destino e as pessoas deitam por aqui

fazem. Hoje, há pedras que não nos deixam sentar. Juntas,

enquanto outras pulam na água. No entardecer é um bom

afiadas como dentes, lembram os que já não ficam mais

lugar para ver o céu mudar de cor, enquanto a noite é uma

aqui embaixo. Numeradas, são criptas de um cemitério sem

espaço de misturas, entre promiscuidade, lazer, comércio

corpo.

e medo.

A trilha vira asfalto e me desloca à cima do nível do chão.

Um homem cruzava a ponte em direção a sua casa, quando

Duas pontes atravessam um estreito córrego. Água segue

por acidente, segue a calçada que o tira de sua trajetória

à oeste ao infinito e dois traços solitários se voltam para

e o desloca para um outro nível. Sozinho, jamais tinha feito

o mesmo ponto. Uma vez fiquei a observar, da parte mais

esse caminho antes e acende um cigarro. Ainda era noite

alta da ponte, os transeuntes transitarem como os dias

para os jovens que namoravam embriagados e havia cacos

transitam: sem hesitar. Em uma faixa tão estreita, as

de vidro no chão. Ele assusta uma criança que sai correndo

pessoas vão e vem, mecanicamente, friamente. Sem a

deixando a lata de spray e palavras sem letras grifadas na

devida atenção à importância de estar presente.

rampa da passarela. Ela corre com a pressa de quem não tem nada a perder. Costumava vender bebida a noite para

Foi construído, em um dia ímpar, uma terceira ponte.

os que frequentavam a Ponte 3. Por uma fração de segundo,

Sem criar margens, sem unir beiras, sem providenciar

não esbarra com a senhora que se exercita diariamente na

acessos, a Ponte 3 se apoia nos pilares sobre o canal. Ela

passarela.

não corresponde a lógica das demais pontes do local, ela se estende e atravessa revelando um outro fluxo. Agora não é mais possível circular desatento.


Deslocada sobre as รกguas

Cheiro das tangerinas


Em seguida, um muro não previsto me barra a passagem

Depois de horas no engarrafamento salto do

e me vejo novamente andando pelas sobras, procurando

ônibus e subo na passarela em direção ao

as beiras. Vozes soltas no ar ressaltam as piscinas e

shopping center. Havia um movimento maior no

quadras privadas e me pergunto de qual lado estou.

caminho que o normal e algumas pessoas correm

Negada por conta de tantas restrições, o que sobra à mim

por mim, em vão, já que o BRT lotado, não parou.

é o que escapa das definições.

Como estou com tempo, não desço na última saída

Entretanto, uma vez, descobri uma entrada, ou uma falha

e continuo a andar além de qualquer ponto de

na grade, que levava à um caminho entre os prédios. Ou

chegada aparentemente importante. Sobre o alto

seria um descaminho na minha rotina? Escondido entre

dos carros, dos shoppings, posso ver o quintal de

as torres, existe um bosque, que atravessa os fundos das

uma casa de um condomínio fechado. A faixa de

quadras que fora fechada um dia. Os prédios finalmente

pedestre, distante e apagada, me reflete melhor

se aproximam de nós e a fachada de trás dos edifícios

que um espelho. Irônico, penso, em meio a tanta

é desvendada. É possível escutar o rádio de alguém, e

programação não existir antes aqui uma passarela

ver um senhor regando as plantas. O bosque, as vezes

no uso mais óbvio da palavra: atravessando as

cenário tedioso, outras vezes plural, é o limite efêmero,

Américas da forma rápida e objetiva. Por trás de

nas sobras das sobras, entre um território tímido e um

toda a construção, a Lagoa. A Pedra da Gávea,

mutante.

agora tão perto, é coberta pelas nuvens. Sem

Falha nas grades

razão e sem motivo a passarela termina, num eixo Um peso súbito dificulta meu movimento. Descontínua

perfeito, meu caminho até o mar.

do restante do percurso, a Av. das Américas a pé, leva a distância ao seu limite máximo. Prevista desde o início como eixo de circulação principal da Barra, funciona como fios que cortam: barreiras aonde elementos passam freneticamente e não posso dar um passo até o sinal fechar. Atravesso a rua. Os shoppings, os estacionamentos, os outdors, os escritórios se voltam para mim e agora sei que estou no eixo certo.

Distante e apagada



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O LIMITE DO FUNCIONALISMO CRISE DA CIDADE MODERNA Na década de 1960 as consequências das intervenções modernas já eram evidentes na configuração da cidade. Há quarenta anos os arquitetos vinham construindo objetos autorreferentes que se instalavam no espaço aberto modernista sem estabelecer um vínculo com a cidade. O zoneamento funcional se tornou alvo das maiores críticas por determinar o uso de áreas da cidade através da planificação do tecido urbano, favorecendo o isolamento entre os usos e acentuando a distância entre trabalho, comércio, residências; enfim, entre as atividades que compõem a vida cotidiana. Segundo o arquiteto holandes Rem Koolhaas, os modernistas foram negligentes em seus projetos urbanos. As plantas livres e os edifícios autônomos não eram compatíveis com a complexidade da cidade:

O modernismo impulsionou o transporte de massa e a dependência do automóvel; por consequência, incentivou a rede de circulação a partir da lógica de um deslocamento mecanicista e funcional em detrimento da relação orgânica com o tecido urbano. Daí a frequente segregação dos espaços ”cortados” por autoestradas, elevados, viadutos, linhas de trem e metrô que dividem bairros e regiões da cidade. As distâncias não eram somente entre as zonas, mas entre as próprias pessoas com o espaço urbano. PruitT-Igoe em 1972 “A promessa alquímica do modernismo – transformar quantidade em qualidade por meio da abstração e da repetição – foi um fracasso, um embuste: mágica que não deu certo. Suas ideias, sua estética, suas

“Entretanto, toda vez que passo os olhos por

estratégias chegaram ao fim. Juntas, todas

essas imagens modernistas, o que me chama

as tentativas de criar um novo começo apenas

a atenção é a extraordinária incongruência

desacreditaram a idéia de um novo começo.

entre a perfeição e a instantânea completude

Uma vergonha coletiva correspondente

dos projetos arquitetônicos (...) e a inflexível

a esse fiasco criou uma enorme cratera

simplicidade, quase infantil, dos desenhos

na nossa compreensão de modernidade e

urbanos, imaginados como se a complexidade

modernização” (KOOLHAS,1995).

da vida cotidiana pudesse ser prontamente conciliada na liberdade oferecida nas plantas

Segundo Kate Nesbitt, a demolição do conjunto habitacional

livres ou como se toda a fragmentação (...)

PruitT-Igoe em 1972 na cidade de St. Louis em Missouri,

pudesse ocorrer sem perturbar o território da

representou o marco do fracasso do modernismo. A

cidade.” (KOOLHAS,1978)

década de 60 foi um momento chave para a transição do modelo de arquitetura. A estética modernista

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originalmente de caráter social, havia sido apropriada como

A criação de Institutos especializados em teoria da

nas configurações espaciais na arquitetura, que deve

símbolo da arquitetura empresarial e na década de 50, o

arquitetura, a publicação de revistas, debates e exposições

restabelecer um contexto histórico em sua concepção

moderno já havia se reduzido a um estilo utilizado nas áreas

foram diferentes respostas à crise modernista. Institutos

e assim, criar um espaço que tenha uma identidade. Indo

industriais da cidade.

como: IAUS em Manhattan (presidida por Peter Eisenman)

contra a ideologia moderna de “forma segue função”,

.

A.A (Londres) e Instituto de Veneza contribuíram na

Aldo Rossi declara que o mesmo tipo pode estabelecer

divulgação de artigos e publicações sobre a expansão das

uma flexibilidade de funções na cidade - como os

anos 1960, aliás, já se sabia que os

possibilidades na arquitetura e na troca de informações

projetos para o Cemitério de Módena e o conjunto

europeus não tinham sido muito bem sucedidos

entre os arquitetos europeus e norte-americanos. No

Habitacinal de Gallaratese: formas semelhantes e

na implementação da sua agenda social, e um

caso da IAUS, o instituto foi responsável na tradução do

funções diferentes.

clima de frustração com as reformas sociais

influente livro do italiano Aldo Rossi de 1966, A Arquitetura

tomou conta da profissão. A organização de

da Cidade.

“Nos

exposições e de publicações, bem como a

No seu artigo de 1976, Uma Arquitetura Analógica, Rossi cita o filósofo Walter Benjamin para mostrar a

criação de instituições dedicadas à teoria, de

A publicação de Rossi discute a ideia da cidade como

importância do contexto: “Eu sou indiscutivelmente

certo modo parece responder a essa crise

arquitetura, ou seja, na conjunção de traçado e construção,

deformado pelas relações com tudo o que me cerca”. A

indo contra a possibilidade da redução de elementos

analogia é o método que explica que os tipos de Rossi

arquitetônicos e objetos racionais que respondem à sua

têm o objetivo de despertar uma memória coletiva da

função. O arquiteto é a favor de um tipo permanente

cidade.

profissional” NESBITT,2006.pg23)


Outra publicação à reação à crise modernista, foi o livro

Robert Venturi identifica na Pop Art um potencial de

do arquiteto americano Robert Venturi, Complexidade e

transformar a relação da arquitetura com a paisagem,

Contradição em Arquitetura que, como Rossi, enfatiza a

já que a arte, segundo o autor, havia compreendido as

importância do contexto na arquitetura contemporânea

complexidades e contradições da cidade.

e se declara a favor do ecletismo em alternativa a

A Pop Art foi uma aproximação entre a arte e vida cotidiana

homogenia artificial dos modernos. De acordo com

que, para o arquiteto, era uma forma de representar uma

o arquiteto, o modernismo não compreendeu as

crítica ao urbanismo funcional ao incorporar imagens

complexidades e contradições da cidade ao projetar

da cultura de massas no contexto público. Como Rossi,

objetos supersimplificados que subestimavam suas

Venturi também defende a multiplicidade na paisagem que

verdadeiras necessidades de implantação.

foi restringida pelo modernismo.

Venturi é contra a ideologia do menos é mais e acusa

A diversidade é um aspecto positivo no desenvolvimento da

os modernistas de limitarem os problemas que queriam

cidade, como sugere os termos desenvolvidos no mesmo

resolver em favor do purismo.

artigo “tanto...como” (reconhece múltiplas interpretações das funções) dificuldade de inclusão e liberdade artística.

“Tudo começou com o livro de Bob Venturi. Nós Venturi (Robert), Stern, Graves e eu - percebemos que devíamos nos ligar mais à cidade e às pessoas. E que devíamos ser mais contextuais: que devíamos prestar atenção nos velhos edifícios.”JONHSON (NESBITT, 2006)

ROBERT VENTURI

Algumas das brilhantes lições da Pop Art, envolvendo contradições de escala e contexto, deveriam ter despertado os arquitetos dos sonhos de ordem pura que, lamentavelmente, são impostos nas fáceis unidades gestaltistas dos projetos de renovação urbana da arquitetura moderna institucional, mas que, felizmente, são na realidade impossíveis de realizar em qualquer grande escala. E talvez seja na paisagem cotidiana, vulgar e menosprezada que possamos extrair a ordem complexa e contraditória que é válida e vital para nossa arquitetura como um todo urbanístico.


A posição de Venturi em relação a compreensão da

Essas críticas às ideias modernistas de ordem e pureza

cidade pela arte pode ser, em certo sentido, associada ao

porém eram inimagináveis no início da década de 1920,

pensamento de Peter Eisenman. Em O Pós-Funcionalismo,

com o apogeu do movimento moderno e em um momento

publicado pela revista Opposition pela IAUS, Eisenman

em que a arte e a arquitetura compartilhavam visões de

coloca a arquitetura em desvantagem em relação às

mundo semelhantes. A Bauhaus, o cubismo, neoplasticismo

outras artes: não só a cidade moderna nunca chegou a ser

e a produção de Le Corbusier estabeleciam um diálago na

consolidada, como o movimento moderno na arquitetura

sua postura em relação a sociedade e proporcionavam

não rompeu com a tradição figurativa do humanismo.

uma linguagem plástica comum entre eles e uma relação

A abstração na arquitetura não aconteceu, no sentido

entre arte e vida. Ao decorrer do século o que se pode

de produzir um deslocamento da posição do sujeito

observar é que a arquitetura ao buscar a abstração se

autocentrado. É esse deslocamento que possibilitou a

fechou ao funcionalismo. O modernismo na arquitetura

flexibilização das fronteiras entre as artes, e com isso a

favoreceu a autonomia dos meios artísticos e se

sua abertura e flexibilização.

distanciou do processo de encontro entre as artes.

É preciso, defende Eisenman, superar o funcionalismo para avançar na arquitetura.

No célebre artigo A escultura no Campo Ampliado, a historiadora norte-americana Rosalind Krauss retoma

“Hoje está claro que, apesar da renovação

essa questão sobre a autonomia dos meios artísticos e

de sua imagem retórica e das intenções

coloca que a escultura, através da abstração, rompeu

radicais de seu programa social, a tão

com o classicismo e iniciou o modernismo. A autora

proclamada ruptura do modernismo foi

observa que a escultura moderna estabelece uma relação

ilusória: ele sempre deu continuidade à

intrínseca com a arquitetura e a paisagem.

tradição clássica. Apesar de as formas serem realmente diferentes, o modo pelo

Kate Nesbitt, declara que “a arte desempenha um papel

qual ganharam significado ou representam

mais importante na arquitetura pós-moderna do que

seu significado real derivaram da tradição

a tecnologia” . A autora diz que, como resposta à crise

da

moderna, as questões sobre o significado, a história, a

arquitetura”

Funcionalismo

EISENMAN,

O

Pós-

responsabilidade social e o corpo são valorizadas em um pensamento urbano que havia o em favor da máquina como modelo formal.



“Muitas vezes temos a impressão de que, no

arquitetos Bernard Tschumi e Peter Eisenman, que

período pós-moderno, as idéias formais se

procuravam, em contrapartida ao purismo, a dissolução

tornam claras primeiramente na arte (...), e só

das fronteiras disciplinares. A outra corrente foi de

depois fluem para a arquitetura. Por exemplo,

projetos influenciados pelo construtivismo russo de Rem

Foster descreveu como a arte pós-moderna

Koolhaas e Zaha Hadid.

nas fantasias gêmeas da ordem e da onipotência; ele será o estado de incerteza; ele não estará mais preocupado com o arranjo de objetos mais ou menos permanentes, mas com a irrigação de territórios com

cria um campo e um objeto desestruturados, um sujeito humano descentrado (ao mesmo

A dissolução das fronteiras e a apropriação de estratégias

tempo artista e espectador) e provoca uma

artísticas foram importantes para o questionamento e a

erosão da história.” NESBITT, 2006)

invenção de novas formas de ocupação que favorecem a relação entre as pessoas e o espaço urbano a partir da

Em respeito a essa situação, Anthony Vidler diz em O

possibilidade do caminhar e do experimentar a cidade.

Campo Ampliado da Arquitetura que ao longo da história a

A arquitetura, frente ao reconhecimento dos limites do

arte buscou na arquitetura formas de romper com seus

modernismo, buscou formas alternativas para alterar

paradigmas tradicionais, como a escala, a abstração do

sua lógica de utilidade funcionalista deixando de adotar

suporte e a possibilidade da experiência física. Essas

fórmulas conhecidas para se adaptar a situações inéditas.

atitudes fizeram com que a arte fosse para o espaço público e se apropriasse de questões que antes eram

Como Koolhaas diz, “para sobreviver, o urbanismo

próprias da arquitetura. Essa nova abordagem do espaço

terá que imaginar um novo Novo” a partir de “um

urbano através de estratégias artísticas levou a uma

urbanismo redefinido como modo de operar sobre o

reflexão por parte dos arquitetos que já viviam a crise do

inevitável”(KOOLHAS,1996) e que assim exploda os limites

modernismo.

da arquitetura. Abandonando as expectativas de controle dos processos

Algumas exposições também marcaram tal reação ao

da cidade e outras questões que se configuram como

modernismo apresentando-se como forma de propagação

definições da arquitetura

de novas proposições arquitetônicas e urbanísticas. A

os

Bienal de Veneza de 1980 tinha o tema A Presença do

possibilidades de inserção no espaço e iniciam o que

Passado com curadoria do arquiteto Paolo Portoghesi e

Anthony Vidler chama de “não-exatamente-arquitetura”.

foi considerada um marco na arquitetura pós-moderna.

Como veremos a seguir, a noção do campo ampliado de

Em 1988 no contexto americano, aconteceu no MoMa, a

Rosalind Krauss evidencia a transdisciplinaridade entre

Deconstructivist Architecture, com projetos vinculados

escultura arquitetura e paisagem como forma de pensar

ao desconstruvismo filosófico de Jacques Derrida, dos

em outras alternativas de contexto.

arquitetos

“Se existe um “novo urbanismo”, ele não será baseado

desde

contemporâneos

a

antiguidade,

exploram

outras

potencial; não terá mais como alvo configurações estáveis, mas a criação de campos capazes de acomodar processos que se negam a cristalizarse em formas definitivas; não será mais sobre definições meticulosas, imposição de limites, sobre separar e identificar entidades, mas sobre descobrir híbridos inomináveis; não será mais obcecado pela cidade, mas pela manipulação de infraestrutura para intensificações e diversificações infinitas, atalhos e redistribuições – a reinvenção do espaço psicológico. Como o urbano agora é difuso, o urbanismo nunca mais será sobre o “novo”, somente sobre o “mais” e o “modificado”. Ele não será sobre o civilizado, mas sobre o subdesenvolvimento. Como está fora do nosso controle, o urbano está prestes a se tornar o vetor máximo da imaginação. Redefinido, o urbanismo não será mais, ou mais que tudo, uma profissão, mas um modo de pensar, uma ideologia: aceitar o que existe. Nós estávamos fazendo castelos de areia. Agora nadamos no mar que os varreu para longe.” (KOOLHAS,1996.Whatever Happened to Urbanism)



NĂŁo seria ainda mais libertador quebrar o X que as trilhas criam?


ARTE E ARQUITETURA NO CAMPO AMPLIADO BREVE HISTÓRICO

Na atitude de colocar a tela no chão, Pollock começou a pintar a partir de gestos corporais em alternativa ao toque do pincel na tela. O estar dentro de sua obra, como colocado por Kaprow, fez suas pinturas se expandirem espacialmente. Não havia mais uma separação entre o corpo e a pintura e seus gestos quase cinéticos necessitavam portanto, de um espaço maior. O que Kaprow mostra é que essa pintura física e de ação - action painting - através do desenvolvimento do corpo no espaço e no tempo podia se associar no ato da performance.

A questão da multiplicidade na arte se tornou um fator

O aumento da escala levou a uma segunda importante questão das obras do pintor. Pollock cria o campo

relevante em meados do século XX, onde os limites entre

ambiental e experimental na pintura. A opção do artista por grandes formatos faz com que os espectadores

as formas artísticas já não eram mais tão claros. O artista

sejam absorvidos por suas telas:

americano Allan Kaprow, em seu artigo publicado em 1958, O legado de Jackson Pollock , coloca o pintor como o precursor de uma série de mudanças, que influenciaram

Jackson Pollock

não só a pintura, mas também as outras formas de arte. A pintura expressionista abstrata de Pollock pode ser percebida como um ponto de virada na dissolução das fronteiras entre a arte, o artista e o espectador. Na sua dança do dripping, o pintor muda o posicionamento da tela do cavalete para o chão, o que significou superar a ideologia da pintura renascentista do plano retangular de projeção, onde a pintura existia nos limites do quadro. O

“Então, a Escala. A opção de Pollock

artista ignora esse confinamento do retângulo e rompe

por

com a tradição da ideia de forma e de composição em

muitos propósitos, sendo que o mais

favor de seguir em todas as direções, sem estabelecer

importante para a nossa discussão

um fim do quadro.

é o fato de que as pinturas em escala

“Com Polock, entretanto, a assim chamada dança do

mural deixaram de se tornar pinturas

dripping, o golperar, espremer tubos de tintas, fazer

e se transformaram em ambientes.

borrões e o que mais entrasse em uma obra, deu um

Diante de uma pintura, o nosso tamanho

valor quase absoluto ao gesto habitual. (...) Com a tela

como

enorme estendida no chão, o que tornava difícil para

ao tamanho da pintura, influencia

o artista ver o todo ou qualquer secção prolongada

profundamente nossa disposição a

de “partes”, Pollock podia verdadeiramente dizer que

abrir mão da consciência de nossa

estava “dentro” de sua obra.” (KAPROW, 1958)

existência temporal enquanto a experimentamos” (KAPROW,1958)

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telas

enormes

espectadores,

serviu

em

para

relação


O CAMPO AMPLIADO Assim, as fronteiras entre obra, artista e espectador

específicos. Forma, imagem, cor e superfície constituem

entram num processo de diluição. A pintura começa a

a unidade sem haver uma composição entre elas. Não há

incorporar a ação no espaço e no tempo, convertendo-se

hierarquia entre as partes, mas sim relação de igualdade

num ato performático que abriu as portas para diferentes

entre elas através da seriação. Os materiais têm suas

formas de arte se relacionarem entre si.

características enfatizadas, são a própria obra, não há um significado ocutlo. Os objetos específicos do minimalismo

"Jovens artistas hoje não precisam mais dizer

não pertencem ao campo da pintura nem da escultura.

"eu sou um pintor" ou "um poeta" ou "um dançarino". Eles são simplesmente "artistas".

O que se pode observar é outro modo de relação entre o

(...) No entanto, a partir do nada, vão inventar

artista, sua obra e o espectador que incentiva a abertura

o extraordinário e então, talvez, inventem

das fronteiras entre os próprios tipos de arte. A pintura

o nada. As pessoas ficarão deliciadas ou

como campo de ação atribui a tela como processo e

horrorizadas, os críticos ficarão confusos ou

o ato de pintar se abre para a perfomace. O caráter

entretidos, mas esses serão, tenho certeza,

experimental da pintura a faz se aproximar da escultura

os alquimistas dos anos 60." (KAPROW,1958)

através da terceira dimensão e da expansão para o

Diagrama do Campo Ampliado de Krauss / a abordagem de tais questões urbanas levaram a uma reflexão da própria arquitetura

espaço real. No caso do minimalismo, não havia mais uma Anos depois, Donald Judd no célebre ensaio Objetos

importância quanto à forma, mas sim a valorização do

Específicos (1963) retrata a dificuldade de categorizar

processo e da experiência espaço-temporal entre a obra

os novos trabalhos em pintura ou escultura e que não

e o espectador.

pintura, como campo de ação, enfatiza o retângulo como

É por esta razão que Kaprow afirma que Pollock é o ponto

integrante da obra e não o limite: “As formas e a superfície

chave para o início da variedade de encontros na arte

são apenas aquelas que podem ocorrer plausivelmente

que leva a noção da multiplicidade e do campo ampliado

dentro de ou sobre um plano retangular.” (JUDD, 1963)

discutido pela crítica Rosalind Krauss

Mais adiante, completa “os limites da pintura já não

Em A Escultura no Campo Ampliado (1979), a autpora diz

estão mais presentes” e “o espaço real é mais potente

que a partir de um determinado momento as fronteiras

e específico do que a pintura sobre a superfície plana”

entre arte, arquitetura e paisagem se tornaram flexíveis

(JUDD,193). O processo de unificação é uma das

e que para especificar cada arte seria preciso relacioná-

características dessa nova forma de arte, os objetos

la com outros meios artísticos. A autora observa que a

Donald Judd, Sem Título (DSS 216), 1970. Ferro galvanizado com Plexiglas âmbar 10 unidades, cada 9 x 40 x 31 polegadas (22,9 x 101,6 x 78,7 centímetros)

constituem nenhum movimento, escola ou estilo. A


especialização dos artistas e a separação dos meios de

"Nos últimos 10 anos coisas realmente

Esse processo teria início com a escultura de Rodin

arte perante um ideal de pureza modernista se inverteu

surpreendentes têm recebido a denominação

no final do século XIX. Antes, a escultura tinha em sua

e no pós-modernismo, a arte não é mais definida por

de escultura: corredores estreitos com

essência a ideia de monumento. Ela era concebida como

um determinado meio, mas sim em relação a diferentes

monitores de TV ao fundo; grandes fotografias

uma representação figurativa e muitas vezes como

processos artísticos - fotografias, panfletos, livros.

documentando

campestres;

homenagem a alguma figura histórica ou mitológica.

espelhos dispostos em ângulos inusitados em

Apoiada sobre uma base ou localizada em cima de

Rosalind Krauss inicia seu artigo ao questionar a incrível

quartos comuns; linhas provisórias traçadas

pórticos e frontões ou dentro de nichos, sua relação

elasticidade que o termo escultura havia adquirido diante

no deserto. Parece que nenhuma dessas

com o espectador era de contemplação. A escultura

objetos que estavam sendo incluídos nessa categoria:

tentativas, bastante heterogêneas, poderia

modernista quebrou com essa lógica de monumento a

reivindicar o direito de explicar a categoria

partir do processo de abstração, que não só a tornou

escultura." (KRAUSS,1979)

não-representativa, como abstraiu sua base e a sua

caminhadas

necessidade de um lugar pré-estabelecido.

ut

e Snake is O

Th Tony Smith,


“No final do século 19 presenciamos o desvanecimento da lógica do monumento. Aconteceu gradativamente. Neste sentido, ocorrem-nos dois casos que trazem, ambos, a marca da transitoriedade. Tanto Portas do Inferno como a estátua de Balzac, de Rodin, foram concebidas como monumentos. (...) O indício do fracasso dessas duas obras

O campo ampliado define a escultura moderna como uma

O que se pode concluir dos textos lidos em relação a história

negação, um vazio, que depois de adquirir uma negatividade

da arte, é que por trás desse processo havia uma busca em

extrema, possibilitou gradativamente que a escultura

romper com as tradições artísticas em vigor - como com as

se relacionasse com a paisagem e com a arquitetura,

instituições, os suportes, a temática e o próprio processo

admitindo questões que antes excluía, como a relação com

artístico - que fez com que a escultura em sua negação

o indivíduo, a relação com o espaço físico das galerias e

explorasse novas possibilidades de existir.

até, a partir do final da década de 60, com o espaço urbano. Para descrever esse processo de experimentalismo

como monumento (...) não é apenas o fato

“Ao se tornar condição negativa do monumento,

de existirem inúmeras versões em vários

intenso, Krauss formulou um campo de relações através

a escultura modernista conseguiu uma

museus de diversos países, mas também

de um diagrama que colocava a especificidade da escultura

espécie de espaço ideal para explorar, (...)

a inexistência de uma versão nos locais

em diálogo com outros campos. A resultante era que a

filão rico e novo que poderia ser explorado

originalmente planejados para recebê-las.

definição convencional de escultura era apenas uma das

com sucesso. O filão era porém limitado. (...)

(...) Eu diria que com esses dois projetos

possibilidades no campo, um ponto de passagem entre

Neste ponto a escultura modernista surgiu

escultóricos cruzamos o limiar da lógica do

tantos disponíveis. Os outros campos seriam arquitetura

como uma espécie de buraco negro no espaço

monumento e entramos no espaço daquilo

e paisagem, bem como seu ser negativo, não-arquitetura e

da consciência, algo cujo conteúdo positivo

que poderia ser chamado de sua condição

não-paisagem.

tornou-se progressivamente mais difícil de

negativa — ausência do local fixo ou de abrigo,

ser definido e que só poderia ser localizado

perda absoluta de lugar.” (KRAUSS,1979)

Através da lógica de um certo tipo de expansão, Krauss

em termos daquilo que não era. Nos anos 50,

determina que a não-arquitetura é paisagem e a não-

Barnett Newman disse: “Escultura é aquilo

paisagem é arquitetura e assim estabelece o eixo complexo

O modernismo explora essa perda de lugar fixo e

com que você se depara quando se afasta

do campo ampliado.

a escultura autorreferencial, que leva a objetos

para ver uma pintura.”

que expõem a sua autonomia em relação às

A respeito dos trabalhos encontrados no

Enquanto o primeiro eixo das negações era neutro por

outras artes ao se tornarem representação não

conta da abstração do contexto por parte da escultura, o

só de seu próprio material , mas de seu próprio

início dos anos 60, seria mais apropriado dizer que a escultura estava na categoria de

processo de construção. Krauss denomina os

terra-de-ninguém: era tudo aquilo que estava

paisagem e, assim, com o real.

objetos desse período como o somatório de não-

sobre ou em frente a um prédio que não era

arquitetura + não-paisagem, isto é, sua condição

prédio, ou estava na paisagem que não era

negativa.

paisagem.” (KRAUSS,1979)

eixo complexo admitia a relação com a arquitetura, com a


"Mas pensar o complexo é admitir no campo da

Enquanto o processo de abstração da escultura, resultou

O que se percebe, é que os artistas se apropriaram de

arte dois termos anteriormente a ele vetados:

em novas possibilidades de contexto que até então excluía,

questões da arquitetura para romper com convicções

paisagem e arquitetura — termos estes que

o campo da arquitetura permaneceu vinculado à lógica do

da arte tradicional, enquanto, mais tarde, foram os

poderiam servir para definir o escultórico (como

funcionalismo. Como já observou Peter Eisenman:

arquitetos que começaram a explorar o campo das artes para escapar do funcionalismo. Anthony Vidler, ao

começaram a fazer no modernismo) somente na sua condição negativa ou neutra. (...) Nossa

"A arquitetura moderna propôs-se corrigir

perceber as dificuldades cada vez mais crescentes de se

cultura não podia pensar anteriormente sobre o

e se libertar da ficção renascentista da

distinguir as práticas artísticas contemporâneas, chega a

complexo, apesar de outras culturas terem podido

representação, postulando que a arquitetura

seguinte conclusão:

fazê-lo com maior facilidade. Labirintos e trilhas

não tinha mais necessidade de representar

são ao mesmo tempo paisagem e arquitetura;

uma outra arquitetura: ela devia apenas

“... parece que o que Rosalind Krauss uma

jardins japoneses são ao mesmo tempo paisagem

corporificar sua própria função. Deduzindo

vez chamou de “campo expandido” da

e arquitetura; os campos destinados aos rituais

então que a forma segue a função, a

escultura invadiu a arquitetura, ou, como a

e às procissões das antigas civilizações eram,

arquitetura moderna introduziu a ideia de

construção experimental de Dan Graham

indiscutivelmente, neste sentido, os ocupantes

que uma edificação devia expressar (...) sua

e que outros demonstram, a arquitetura

do complexo." (KRAUSS,1979).

função, ou uma espécie de ideia da função.

invadiu a escultura.” (VIDLER, 2010).

(...) Desse modo, no esforço para distanciarAs esculturas do eixo complexo reestabelecem uma lógica

se da antiga tradição representativa, a

Vidler transporta o campo ampliado de Krauss para

com o contexto e são instaladas, não só no espaço físico

arquitetura moderna tentou despojar-se

arquitetura no seu ensaio Arquitetura no Campo

real, mas em um lugar específico a ela. A partir

dos aparatos exteriores do estilo "clássico".

Ampliado, 2005. Enquanto Krauss discute a dissolução

das diferentes combinações do campo, Krauss determina

Esse processo de redução foi denominado

das fronteiras entre os campos, Vidler aponta para a

os lugares que a escultura passa a se relacionar:

abstração. " (EISENMAN,O fim do clássico, fim

reconstrução dos fundamentos da disciplina a partir da

arquitetura + não-arquitetura (estruturas axiomáticas),

do começo, fim do fim )

superação dos dualismos - forma e função, historicismo

paisagem e não-paisagem (locais demarcados) paisagem

e abstração, utopia e realidade, estrutura e delimitação.

e arquitetura (local construção). Ao se inserir em tais espaços a escultura se relaciona

O autor sugere quatro conceitos unificadores alternativos:

com problemas que antes eram da arquitetura; e essa

paisagem, biologia, novos programas e a expansão dos

abordagem artística de questões urbanas, conduziram à

projetos a partir dos diagramas.

uma reflexão sobre a própria arquitetura.

Surge então um espaço entre arquitetura e escultura, onde ascende, como Vidler coloca, novas imagens, topografias e programas.


Pensar em outras formas de interrelação com a cidade foi algo extremamente explorado pelos artistas, que por terem menos comprometimento em relação a sociedade do que a arquitetura, puderam investigar formas de inserção além do duelo arquitetônico abstração X historicismo. A abstração da arquitetura moderna, junto a ilusão de estabelecer o controle por meio do plano, cria uma paisagem homogênea e desfavorece a relação do edifício com as pessoas. Em cenários assim, a arte encontrou espaço para intervir. Não como solução, nem somente como crítica, mas como um gesto que foge à razão da cidade funcional programática contemporânea. As esculturas site-specfic (obra para lugar específico) interpretam o lugar como parte da obra, ou, segundo as palavras do artista americano Michel Heizer, como o próprio lugar: "o trabalho não é posto em um lugar, ele é o lugar". A obra de arte se consolidou como ações de manipulação do território de forma a criar um outro significado à este. A relação acontece de tal forma que se removida, tanto a escultura quanto o lugar seriam destruídos. A escultura Tilted Arc de Richard Serra, por exemplo, depois de ser criticada arduamente pela população foi removida e ao em vez de realocada, foi destruída. Tanto a escultura quanto o lugar de incômodo criado ao ser colocada na Federal Plaza em Nova York deixaram de existir. Um dos pontos desse trabalho é pensar na aproximação com a cidade e na problemática do contexto como campo de ação em comum entre as disciplinas. O que foi compreendido a partir da noção do campo ampliado, é que as estratégias artísticas de intervenção no território foram apropriadas pelos arquitetos a partir da década de 60. Não como mímese da arte, mas através de projetos que não se limtam mais na relação objetiva entre edifício e paisagem na área de implantação.

Federal Plaza Tilted Arc Richard Serra


ARGAN, Giulio Carlo. (citando Marcílio Ficino). “História da Arte como História da Cidade”, capítulo “Urbanismo, Espaço e Ambiente”. Martins Fontes, São Paulo, 1989. P. 223.


“Mas a cidade não é feita de pedras, é feita de homens. Não é a dimensão de uma função, é a dimensão da existência.”


O CAMINHAR COMO ENCONTRO DAS ARTES A prática do site-specific reforçou o processo que acontecia desde o início do século; a dissolução da arte como objeto e sua valorização como experiência. Em um passeio noturno de carro pela auto-estrada de Nova Jersey, o artista americano Tony Smith reflete sobre os limites da arte:

“Esse trajeto de carro foi uma revelação para mim. A estrada constituía uma grande parte da paisagem artificial; mas não se podia qualificá-la como obra de arte. Por outro lado, essa viagem fez por mim algo que a arte jamais fizera. Aquilo que eu ainda não sabia como chamar produziu, a seguir, o efeito de libertar-me de um grande número de opiniões que eu tinha acerca da arte. (...) A experiência que tivera na estrada, por mais precisa que tenha sido, não era reconhecida socialmente. Eu pensava comigo: claro que é o fim da arte. A maioria dos quadros parecia pictórico depois disso. Era impossível pôr aquilo em um quadro, era preciso vivê-lo.” Wagstaff, Samuel. Talking with Tony Smith, Artforum, 1966

As questões levantadas nesse percurso representam uma série de mudanças que levaram a arte para fora das galerias a fim de conquistar a experiência no espaço real. Essa estrada e seu percurso seriam uma forma de arte? De que modo? Como um grande objeto ready-made ou como uma experiência? Como espaço em si ou como ato do atravessamento?


É possível relacionar a experiência artística do percurso de Tony Smith com as novas possibilidades de escultura da década de 60. Os trabalhos de Carl Andre e de Richard Long por exemplo, são esculturas que criam um espaço através do caminhar de diferentes maneiras. Enquanto a obra de Andre delimita um espaço bidimensional no qual caminhar, como em Secant, o que se percebe em Walking a Line in Peru de Long é que a arte se faz caminhando. Um ano depois da publicação do percurso de Tony Smith, Richard Long cria uma de suas obras mais importantes, a Line made by Walking em 1967. Muito além da ausência de um objeto, a obra evidencia a ausência de qualquer instrumento além do próprio corpo. A escultura é o resultado da ação do corpo no espaço em um movimento de andar para frente e para trás repetidamente até demarcar o terreno. Retomando o relato de Smith, o que se percebe é que o percurso sugere uma experiência aonde a paisagem está sempre se alterando no caminhar, o que Smith chama de "situações vivas". O artista afirma que depois dessa experiência ele passou a explorar construções e lugares abandonados sem precedentes e que criavam uma paisagem artificial.

A Line made by Walking

"Mais tarde, na Europa, descobri algumas pistas de aterrisagem abandonadas - trabalhos abandonados, paisagens surrealistas (...). Cada vez mais, sem qualquer precedentes, as paisagens artificiais começaram a entrar em mim" Wagstaff, Samuel. Talking with Tony Smith, Artforum, 1966 Essa admiração por uma paisagem artificial e o questionamento da condição de um objeto de arte, pode ser observado também no ensaio Um passeio pelos monumentos de Passaic (1967) de Robert Smithson. Vale ressaltar antes, que todo o campo explorado por Smithson é uma forma de questionar o real. Os mapas que produz não procuram ser uma outra representação do espaço, mas sim trazer à tona o caráter ficcional do espaço físico que nos cerca.


Ao relatar o passeio ao subúrbio de Nova Jersey,

a cada visita. Não são derivados de um determinado tempo,

todo o caráter de ordem da arquitetura.

Smithson mescla a vista do ônibus, com as

mas de uma paisagem entrópica, em constante transformação,

O artista encontra nos processos químicos-físicos os

imagens do jornal e seus próprios registros

que mesmo estando em construção, já são ruínas.

conceitos que sustentam sua percepção do mundo.

fotográficos, quebrando com a linearidade do

A entropia, apresentada nesse mesmo ensaio de

tempo e estabelecendo uma continuidade entre

O percurso de Smith e de Smithson foram em contextos

1967, evidencia a constante mutação da matéria de

representação e realidade

diferentes mas tiveram um questionamento em relação ao

um estado para o outro, e que nunca regresserá ao

.

sentido da experiência em comum. Smith perguntou se a estrada

seu estado de origem. O que também é uma forma de

Ao longo do caminho, Smithson dá o título de

não seria uma arte pelas sensações que o fez ter e declara que

criticar os projetos de revitalização arquitetônicos.

monumento às construções industriais, como

a arte deveria ser vivenciada. Smithson vive seu percuso em

tubulações e máquinas - uma ponte sobre o rio

Passaic, relacionando-o com ficção e realidade e dá um outro

que se abria para a passagem de barcas, era um

sentido à monumento. O percurso é, nas duas situações, uma

Monumento de Direção. Os monumentos de Passaic

prática artística que cria não só uma outra percepção de um

não fazem alusão a um marco histórico, mas estão

lugar existente, mas como o próprio lugar, que existe somente

abertos a inúmeras possibilidades de interpretação

ao longo da ação do caminhar.

Ruínas às avessas, Smithson

Assim, seus trabalhos encontram espaço para criticar


No contexto da arte européia do pós-guerra, a aproximação com as questões da arquitetura para romper com sua definição tradicional teve seus primeira s ações com os movimentos do final da década de 1950. Tanto as artes visuais quanto as temporais exploraram novas possibilidades de se inserirem na vida cotidiana, isto é, no espaço urbano. Esse processo de inserção da arte na vida começou com o movimento Letrista, que encontraram no caminhar na cidade uma forma de materializar sua arte temporal no espaço. Os Letristas, que depois se converteram em Situacionistas, tiveram antecedentes nos movimentos vanguardistas das primeiras décadas do século XX. Indo contra, não só aos valores burgueses e suas instituições artísticas, mas também contra a cidade moderna, os dadás organizaram algumas performances com os seus percursos aleatórios denominados Visitas. A primeira visita foi a ocupação dos jardins abandonados da Igreja Saint-Julien-le-Pauvre na Paris de 1921. Era um local não conhecido e degrado. O objetivo dos dadás era criticar o modernismo, retomando a ideia do flâneur, e atribuir um valor artístico em um espaço banal da cidade a partir de sua ocupação. Portanto, nessa operação dadá, não havia um objeto, mas sim a presença dos corpos no espaço concebendo-o um novo valor. É a primeira operação que atribui valor estético a um espaço vazio da cidade e não à um objeto.

Tal valorização do percurso como forma de experiência estética demonstra como a lógica do tempo vai se inserindo nas artes do espaço. Na contemporaneidade o minimalismo adotou a lógica de repetição em série e da produção em massa, o que garantia que os objetos fossem idênticos. Em Caminhos da Escultura Moderna, Krauss se posiciona em relação a uma obra do artista minimalista Judd:

“(...) “uma coisa depois da outra” parece o transcurso dos dias, que simplesmente se sucedem um ao outro sem que nada lhes tenha conferido uma forma ou direção, sem que sejam habitados, vividos ou imbuídos de significado.” O que tem por trás dessa disposição do objeto no espaço é que com a escultura moderna e a possibilidade do observador experimentá-la, não é mais possível separar espaço e tempo na análise da obra. A percepção do tempo em curso implica que não existe um objeto centralizado no espaço, nem uma hierarquia entre começo, meio e fim. Tão somente o transcurso de uma processualidade. O indivíduo tem seu próprio tempo de vivenciar a escultura. Portanto, toda organização espacial tem na sua essência a natureza da experiência temporal. A indagação sobre as singularidades da experiência do espaço e do tempo fora objeto de reflexão desde o final do século XVIII.


“Todas os corpos, entretanto, existem não apenas no espaço mas também no tempo. Eles continuam e podem assumir, a qualquer momento de sua continuidade, um aspecto diferente e colocar-se em relações diferentes. Cada um desses aspectos e agrupamentos momentâneos terá sido o resultado de um anterior e poderá vir a ser a causa de um seguinte, constituindo, pontato, o centro de uma ação presente.” (LESSING,1766)

Lessing iniciou há mais de dois séculos o debate quanto a especificidade de cada arte e em seu livro Laocoon, o autor reconhece que as artes visuais também são atribuídas pelo veículo do tempo. Até então, as artes visuais eram objetos na composição do espaço e a arte textual ações narradas através do tempo. Porém, com a transformação dos paradigmas artísticos e a inclusão de outros meios como forma de expressão da arte, essa diferenciação ficou cada vez mais irrelevante. Rosalind Krauss conclui em Caminhos da Escultura Moderna, que as tendências pós-minimalistas, especialmente a landart e a site-specific, quando assumem a idéia de passagem, (através de um atravessamento), consolidam essa especificidade do tempo na escultura através do caminhar:


“Essa idéia de passagem, com efeito, é uma obsessão da escultura moderna (...) E com essas imagens de passagem, a transformação da escutura - de um veículo estático e idealizado num veículo temporal e material -, que teve início com Rodin, atinge sua plenitude. Em cada um dos casos, a imagem da passagem serve para colocar tanto o observador como o artista diante do trabalho, e do mundo, em uma atitude de humildade fundamental a fim de encontrarem a profunda reciprocidade entre cada um deles e a obra.” (KRAUSS, 1998, pg341)

Spiral Jetty, Robert Smithson


Robert Morris no ensaio O tempo presente do espaço(1978)

Em Shift, (publicado em 1973 na revista Art in America)

apresenta a idéia de uma presentidade, que consiste em

Richard Serra narra a implantação de sua escultura

um "tempo presente da experiência espacial imediata"

homônima. A posição dos elementos no terreno estabelecem

como "mudança de avaliação da experiência”. A noção dessa

diversos enquadramentos da paisagem que podem ser

passagem é o que confere espessura e permanência no

observados quando o visitante caminha pela obra.

tempo: "O que desejo juntar, para o meu modelo de presentidade é a inseparabilidade íntima do espaço físico e daquela de um presente continuamente imediato. O espaço real não é experimentado a não ser no tempo real. O corpo está em movimento, os olhos se movimentam interminavelmente a várias distâncias focais, fixando inúmeras passagens estáticas ou móveis. A localização e o ponto de vista estão constantemente se alterando no vértice do fluxo do tempo." Essa experiência do percurso como veículo espaçotemporal acontece em sua obra Observatory, que pode ser percebido como um entre arquitetura e escultura. Nesse mesmo sentido de percurso, a Spiral Jetty de Robert Smithson consiste em uma trilha que avança quarenta e cinco metros em espiral sobre o Grande Lago Salgado em Utah. Destina-se a ser penetrado e só é possível apreciá-lo

“No verão de 1970, Joan e eu passamos cinco dias andando pelo lugar. Descobrimos que duas pessoas, percorrendo a pé a distância do campo em sentidos opostos, cada uma tentando manter a outra à vista, apesar da curvatura do terreno, iriam determinar mutuamente uma definição de topológica do espaço. Os limites do trabalho se tornaram a distância máxima que duas pessoas podiam tomar uma da outra mantendo ainda, cada uma, a outra à vista.” (SERRA, 1971). Serra cria uma nova percepção de um espaço a partir da distribuição dos elementos esculturais tendo o corpo e seus movimentos como juiz. “Eu queria uma dialética entre a percepção que uma pessoa tem do lugar, em totalidade, e a relação que tem com o corpo, caminhando. O resultado é uma maneira da pessoa se medir a si mesma, ante a indeterminação do terreno.”(SERRA, 1971)

no seu percorrer. Sua forma é em espiral por conta de um mito de que Lago teria rodamoinhos perigosos por causa de uma conexão subterrânea com o Oceano Pacífico. Na incorporação do mito à forma, Smithson não só redesenha a paisagem, como busca implementar a história com a experiência do momento da passagem através do espaço e do tempo. Shift, Serra


Em suma, o que vem se consolidando desde a escultura moderna até as esculturas site-specific e landart é a apreensão da obra de arte a partir de sua experiência literal no espaço. Não há mais uma desconexão entre o espectador e o objeto, pelo contrário, a obra só pode ser compreendida pela experiência entre o sujeito, o objeto, o espaço e o tempo da arquitetura. Ao invés de representar o mundo em peças isoladas e decorativas, os artistas passam a compartilhar a tarefa de construir o mundo. No caminho contrário a abstração, o site-specific cria a identidade do território através da aderência entre a intervenção e o lugar deste. A passagem na escultura portanto, pode ser vista como a possibilidade do encontro das diferentes expressões artísticas no espaço urbano. E também é a partir da idéia de passagem na escultura, ou de um atravessar através de um percurso, que esse trabalho encontrará seu gancho com a cidade.

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Walk

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A partir das críticas levantadas à cidade moderna e ao funcionalismo, essa investigação seguiu com um foco nas esculturas site-specific e na questão do contexto. Como acabamos de ver, a ideia de atravessar se consolidou na escultura e desencadeou no que chamamos do encontro das artes do tempo e do espaço na ação do caminhar. O deslocamento na escultura, diferente da arquitetura moderna, procura ressaltar a ação do corpo no espaço. O corpo como instrumento; instrumento de medida, instrumento sensorial, instrumento de orientação. Através da ação do caminhar, o corpo é capaz de demarcar um espaço. A inquietação que surge é explorar a ação do corpo na cidade e refletir de que forma esse pode se apropriar do espaço urbano em tempos em que as áreas públicas e o livre acesso, são cada vez mais inóspitos e desvalorizados. Dessa forma, pensando em uma estratégia de me aproximar da cidade tendo o corpo e o percurso como guias, retomo ao contexto da crise do modernismo e encaminho essa investigação para a Internacional Situacionista.



A INTERNACIONAL SITUACIONISTA APROXIMAÇÃO COM A CIDADE

No contexto reacionário europeu, a Internacional Situacionista (IS) fundada por Guy Debord, na década

Mesmo meio século depois, as críticas situacionistas ao

de 1960 tinha o funcionalismo e a cidade moderna como

modelo de urbanismo ainda são relevantes. Eles previram a

principal crítica. Porém, seu objetivo inicial era ir além dos

espetacularização da cidade, que hoje pode ser percebida a partir

padrões da arte moderna e propor uma arte integrada

do conceito de cidade-museu e de cidade-genérica. E previram a

à vida. Logo perceberam que essa arte portanto deveria

cidade moderna como um espaço passivo, sem um envolvimento

ser urbana e ligada intrinsicamente com o cotidiano.

mais sensível, o lazer e os conflitos que um espaço urbano deveria propor. De acordo com a IS, a forma de combater essa situação

"Nosso campo de ação é portanto, a rede urbana,

seria através de uma sociedade participativa: onde os cidadãos

expressãatural da criatividade coletiva, capaz de

fossem os próprios criadores do espaço urbano -vivenciadores.

compreender as forças criadoras que se libertam com o declínio de uma cultura baseada no individualismo. Julgamos que as artes tradicionais não terão vez na criação da nova ambiência em que queremos viver." (CONSTANT,1959)

DEBORD

"A construção de situações começa após o desmoronamento moderno da noção de espetáculo. É fácil ver a que ponto está ligado à alienação do velho mundo o principio característico do espetáculo: a não-participação. (...) A situação é feita de modo a ser vivida por seus construtores. O papel do "público", se não passivo, pelo menos de mero figurante, deve ir diminuindo, enquanto aumenta o número dos que já não serão chamados de atores mas, num sentindo novo do termo vivenciadores." DEBORD, GUY


De certo modo, o que os situacionistas defendiam era o

Como crítica ao ordenamento da cidade moderna imposto

contrário dos arquitetos modernos, que acreditavam na

pelos seus planejadores, os exercícios para apreensão

arquitetura e De certo De modo, o que os situacionistas

urbana somente acontecem através da participação das

defendiam era o contrário dos arquitetos modernos,

pessoas. A deriva – andar sem rumo – estimula o indivíduo

que acreditavam na arquitetura e no urbanismo como

a se desvincular da sua rotina e experimentar a cidade

condicionadores da sociedade. O planejamento e o

além de sua utilidade. Enquanto os arquitetos procuram

urbanismo funcional portanto, foram os principais alvos

a orientação e a territorialização através dos mapas a IS

do pensamento urbano situacionista. Acreditavam

incentiva o se perder, o desfrutar, o se deixar impregnar

que estabelecer uma ordem geométrica setorizada

por outros fatores além da imagem. A outra estratégia,

no território, além de ir contra a espontaneidade da

a pscicogeografia, é o “estudo das influências do

cidade, criava um espaço urbano segregado, inóspito;

ambiente no indivíduo ao longo da deriva”. A cidade não é

Faltava criatividade nos planejamentos modernistas,

compreendida por um único ponto de vista e no momento

onde as obrigações e as funções eram colocadas à

em que o corpo percorre o espaço, inúmeras sensações

frente da relação entre os moradores e a cidade de

e pensamentos ocorrem.

uma forma mais lúdica e libertadora. Através do Urbanismo Unitario (U.U), os situacionistas

“As grandes cidades são favoráveis à distração que chamamos

elaboraram

de

de deriva. A deriva é uma técnica do andar sem rumo. Ela se

apropriação da cidade. O objetivo do U.U “não é uma

mistura à influência do cenário. Todas as casas são belas. A

reação contra o funcionalismo, mas sua superação”,

arquitetura deve se tornar apaixonante. Nós não saberíamos

pois quer ir além do aspecto utilitário imediato, a

considerar tipos de construção menores. (...) A valorização

fim de atingir “um ambiente funcional apaixonante”

dos lazeres não é uma brincadeira. Nós insistimos que é

(DERBORD,1959).

preciso se inventar novos jogos”. (DEBORD E FILLON,1954.)

e

desenvolveram

estratégias


A base do pensamento situacionista então é observar

Aonde é possível identificar esses espaços afetuosos,

A Naked City é considerada a melhor representação gráfica

e experimentar a cidade existente a fim da criação de

indeterminados, as brechas e as sobras, que escapam

da pscicogeografia e da deriva. São 18 imagens de Paris,

situações, que significa “momento da vida, concreta e

do planejamento urbano? Espaços neutros que existem

colocadas de acordo com a vontade dos que praticaram

deliberadamente construída pela organização coletiva de

somente para servir a funções objetivas, tendo suas

a deriva. As direções são indicadas pelas setas e cada

uma ambiência unitária de um jogo de acontecimentos”

qualidades suprimidas? Poderiam esses ser uma

recorte de Paris são Unidades Ambientais, zonas as quais

(DEBORD). De certo modo, a forma de apropriação urbana

abertura para se refletir e reexperimentar a cidade?

os próprios cidadãos estabeleceram, por suas intuições

situacionista evidencia o que escapa dos planejamentos

e sensações e não por imposição administrativa. Nessa

urbanísticos:

forma efêmera de ocupação - uma forma situacionista de experimentar a cidade - está implícito que as situações

“A brusca mudança de ambiência numa rua, numa distância de poucos metros; a divisão patente de uma cidade em zonas de climas psíquicos definidos; a linha de maior declive – sem relação com o desnível – que devem seguir os passeios a esmo; o aspecto atraente ou repulsivo de certos lugares; tudo isso parece deixado de lado. Pelo menos, nunca é percebido como dependente de causas que podem ser esclarecidas por uma análise mais profunda, e das quais se pode tirar partido. As pessoas sabem que existem bairros tristes e bairros agradáveis. Mas estão em geral convencidos de que as ruas elegantes dão um sentimento de satisfação e que as ruas pobres são deprimentes, sem levar em conta nenhum outro fator” IS.N1

só acontecem a partir da presença do indivíduo, que cria o lugar aonde algo imprevisível pode acontecer ao longo de sua presença. Assim, o lugar não determina as ações, mas as ações dos moradores determinam os lugares.

The Naked City, 1957 Debord

A apropriação situacionista do espaço tem o objetivo de despertar “novos comportamentos” e “novos sentimentos”, através da reexperimentação do cotidiano. De outro modo, a participação e a construção de situações,


A apropriação situacionista do espaço tem o objetivo

As vias expressas e as torres afastadas que definem

“Mesmo que o projeto que acabamos de traçar em grandes

de despertar “novos comportamentos” e “novos

a cidade verde moderna foram substituídas por uma

linhas seja tachado de sonho irrealista, insistimos no fato

sentimentos”, através da reexperimentação do cotidiano.

construção contínua deslocada do solo, que a partir de

de ser ele exeqüível do ponto de vista técnico, desejável

De outro modo, a participação e a construção de situações,

estruturas adaptáveis está em constante transformação.

do ponto de vista humano e indispensável do ponto de

possibilitam outras formas de aproximação com o espaço

As áreas habitacionais, de comércio e lazer seriam

vista social. A crescente insatisfação que domina toda

público, que segundo a IS, não é sinônimo das áreas livres

móveis, consolidando uma área social complexa. Toda a

a humanidade chegará a um ponto em que seremos

das cidades verdes modernas.

cidade seria cortada por espaços atravessáveis para a

todos obrigados a executar os projetos para os quais

prática da deriva. Esse ambiente situacionista tinha como

dispomos de meios de ação; e que poderão contribuir

contexto a dinâmica da vida contemporânea.

para a realização de uma vida mais rica e mais completa”.

A Nova Babilônia foi um tentativa de materializar o

(CONSTANT, 1959)

pensamento situacionista. A sua definição seria segundo Constant: “onde se constrói sob a cobertura, com a ajuda de elementos móveis, uma casa coletiva; uma habitação temporária constantemente remodelada; um campo de

.

nômades em escala planetária.”

A Nova Babiblônia, 1963 Constant

A Nova Babiblônia, 1963 Constant



Plano para Centro da Barra - Athayde Ville - Oscar Niemeyer

"Uma Ăşnica verdade absoluta se pudesse existir, representaria a morte de todas as discussĂľes". Hannah Arendt


BARRA DA TIJUCA

APROXIMAÇÃO COM A CIDADE Dentro de um assunto muito extenso e de muitas encruzilhadas, a investigação prosseguiu com a abordagem de um estudo de caso. A preocupação foi determinar uma relação entre os pontos apresentados, mas de acumulá-los, e refletir sobre esses ao longo do trabalho. A procura de algo de pudesse representar o entrelaçamento de tais conceitos se deu através de alguns pontos escolhidos para debate: a crítica da arte contemporânea em relação a arquitetura e a pretenção de perenidade de suas construções; a determinação dos programas pelos arquitetos como um sistema fechado; os limites que restringem a apreensão da cidade pelo indivíduo; e a experiência urbana através de um percurso, como forma de incorporar a cidade.

Em meio a um cotidiano cada vez mais programado a experiência urbana é cada vez mais escassa. O deslocamento, na maioria das vezes, não ultrapassa a função objetiva de se chegar a um outro ponto e a cidade se afirma cada vez mais como cenário de obrigações, mera passagem. Os espaços públicos contemporâneos são empobrecidos por questões econômicas, pela valorização da imagem publicitária e cada vez mais desvalorizados por suas características nostálgicas em meio a uma era “As relações entre espaço público e imagens da cidade contemporânea passam hoje inevitavelmente pelo processo de espetacularização urbana contemporânea que é um dos maiores responsáveis pela negação dos conflitos e dissensos no espaço público contemporâneo” (BERENSTEIN, 1999)

Colocando-me como arquiteta, cidadã, e agente ativa, o estudo de caso parte de uma deriva programada em um trecho específico da cidade. O objetivo não é chegar em um projeto, mas registrar através de mapas, ilustrações,textos outras formas de perceber o espaço urbano, que podem resultar, ou não em possíveis intervenções.


A Barra da Tijuca foi o local escolhido como campo de

Como o próprio arquiteto coloca, “a função do urbanista é

ensaios poéticos.. Na Zona Oeste do Rio de Janeiro, o

ver com antecipação”, mas hoje a Barra é um exemplo de

caráter modernista do seu Plano de Urbanização fez com

planejamento urbano corrompido pela especulação imobiliária e

que a Barra se configurasse de forma distinta do restante

pelos efeitos da espetacularização da cidade.

da cidade. Entretanto, mesmo com tal situação imprevista, é possível Quando o Plano Piloto para a Barra da Tijuca foi elaborado

identificar no Plano Piloto, apesar de todas as suas boas

pelo arquiteto Lúcio Costa em 1969, seu raio de ação ia além

intenções, a realização perversa da a lógica da cidade moderna

de um planejamento urbano de um novo bairro para a cidade.

que a Internacional Situacionista já havia apontado como causa

O arquiteto previa para aquela baixada o “novo coração da

de ambientes sem vida e um empobrecimento da experiência

Guanabara”, onde essa área seria a forma de possibilitar a

urbana em geral:

união entre todas as zonas da cidade a partir de um novo Centro Metropolitano. É possível perceber ao longo do Plano Piloto, o arquiteto extremamente atento à todos os aspectos estéticos, naturais, paisagísticos do que seria esse futuro lugar. Em tom sensível, Lúcio Costa determina as edificações a serem construídas, seus gabaritos, o sistema de circulação a

“Articulado aos edifícios residenciais, deverá haver um sistema térreo autônomo de lojas e toda sorte de utilidades, com passeio coberto de seguimento contínuo, embora quebrado por sucessivas mudanças de rumo, criando-se assim pátios, pracinhas e áreas de recreio para crianças, tudo com o objetivo de propiciar a convergência em vez da dispersão. Estes núcleos urbanizados serão ligados diagonalmente a uma via paralela à BR – Av. das Amaéricas - , ao longo do canal Cortado, devidamente alargado e com as margens arborizadas, prosseguindo a pista até cerca de 1km da Via 11 – atual Ayrton Senna” (COSTA, 1969 - Plano Piloto para Barra da Tijuca)

fim de criar o bairro ideal e estabelecer um estilo de vida

“Com o tempo, todos se beneficiarão porque enriquecidas com o plantio – por iniciativa própria dos moradores – de cajueiros e coqueiros, essas grandes áreas densamente sombreadas e verdes se converterão em oásis acolhedores e contribuirão para a composição paisagística do conjunto.” (COSTA, L. 1969)

Plano Piloto para a Barra, 1969

específico para esse lugar.


Os edifícios residenciais em um térreo comercial

“Pátios, pracinhas, áreas de recreio”, as atividades de

formariam os “núcleos autônomos”, objetos isolados no

lazer são restritas dentro desse conjunto. As atividades

espaço, que seriam cercados por uma área verde, as

que compõem a vida são descritas com simplicidade

praças e pátios, articuladas através de vias expressas

e objetividade e se alternam entre lazer, trabalho e

de circulação. As características da Cidade Verde que

residência, sem dar espaço a novas situações, mas

Constant já criticava:

correspondendo as “chaves do urbanismo” constantes da Carta de Atenas: habitar, trabalhar, recrear e circular.

“Diante da necessidade de construir rapidamente cidades inteiras, erguem-se cemitérios de cimento armado onde grande parte da população está condenada a levar uma vida muito enfadonha. Ora, para que servem as incríveis invenções técnicas do mundo atual se faltam condições para delas se tirar proveito, se não conduzem ao lazer, se há carência de imaginação?” (CONSTANT, 1959)

“Nosso conceito de urbanismo é portanto social. Opomo-

“no traçado da cidade tradicional, o social é deixado

nos à concepção de uma cidade verde, onde arranha-

para as ruas, áreas quase públicas”

céus isolados devem necessariamente reduzir o relacionamento direto e a ação comum dos homens. (...) Para que exista uma relação estreita entre ambiente e comportamento, a aglomeração é indispensável. Contra a ideia de uma cidade verde, que a maioria dos arquitetos modernos adotou, lançamos uma cidade coberta,(...)

Os espaços livres das cidades verdes não eram

que conterá não só grupos de habitação, como também

considerados espaços públicos, por serem áreas neutras

espaços públicos (permitindo modificações de uso

aonde as pessoas poderiam circular passivamente,

segundo as necessidades do momento).”

sem que houvessem conflitos, encontros, situações que

(CONSTANT, Outra Cidade para Outra Vida, 1959)

estimulam a apropriação do espaço pelos moradores.

corte Nova Babilônia

“Cidade Verde - Unidades habitacionais isoladas. Espaço social mínimo: os encontros só ocorrem por acaso e individualmente, nos corredores ou jardins. O trânsito domina tudo.”


A cidade coberta, a qual Constant se refere, se trata da Nova

Fica evidente a diferença entre o Plano Piloto e os ideias

Babilônia, que como já mencionado, era uma tentativa de

situacionistas. Embora o Plano se preocupe com questões mais

materializar o pensamento situaciosnita. Em contrapartida

sensíveis como a paisagem e um estilo de vida “que integrasse o

ao planejamento funcional, a Nova Babilônia previa muito

homem a natureza”, não há uma preocupação em inovar. Inovar

além do que habitar, trabalhar, recrear e circular. Um

o cotidiano, os sentimentos, os momentos na vida do indivíduo.

dos quarteirões da Nova Babilônia, a Zona Amarela, era

Não há proveito de todos os avanços tecnológicos para a criação

destinado a zona de jogos, e deve seu nome a cor do solo

de um estilo de vida inédito. Toda a preocupação continua de

que evoca uma atmosfera alegre e descontraída:

certa forma estagnada em responder funções básicas para a produtividade, tendo a área de lazer restrita a um passeio em

“As duas casas-labirinto são constituídas por inúmeros aposentos de forma irregular, escadas em espiral, recantos perdidos, terrenos vagos, becos. Busca-se aí a aventura. Pode-se chegar à sala surda, aquela revestida de material isolante; ou à sala gritante, com paredes de cores berrantes e sons ensurdecedores (…) A longa estada numa dessas casas tem o benéfico efeito de uma lavagem cerebral e costuma a ser praticada na intenção de desmanchar os possíveis novos hábitos”. (ISn°4, 1960)

torno da natureza. Falta uma relação mais profunda entre a vida, a cidade e as vontades subjetivas de cada um.

MAPA ZONA AMARELA

Desejamos a aventura. Como é difícil encontrá-la na Terra, há quem a procure na Lua. Apostamos antes de tudo e sempre numa mudança aqui na Terra. Nossa proposta é de nela criar situações, situações novas. Queremos derrubar leis que impedem o desenvolvimento de atividades eficazes para a vida e a cultura. Estamos no limiar de uma nova era, e é imperativo esboçar já a imagem de uma vida mais feliz e de um urbanismo unitário; urbanismo feito para dar prazer CONSTANT NIEUWENHUYS


Enfim, hoje, 50 anos após início da urbanização da Barra, o

Hoje, imensos quarteirões residenciais criam uma

bairro está longe do que Lúcio Costa previa e seu crescimento

estrutura homogênea e repetitiva na paisagem do bairro.

continua de forma desenfreada e sem as devidas preocupações sociais e nfra-estruturais.

Os espaços livres previstos no Plano Piloto, a partir da privatização por questões de segurança, são destinados

A circulação do bairro se consolidou de forma peculiar. A

apenas aos moradores dos condomínios. As poucas

partir da lógica linear do tipo autoestrada, os eixos principais

praças públicas não são aproveitadas, já que o simples

são a Av. Lúcio Costa e Av. das Américas, ambas no sentido

andar é de certa forma censurado. Não há hibridismo,

longitudinal. O restante são vias transversais e a maior parte

conflitos, encontros inusitados. E nessa dura lógica, as

de uso privativo, servindo de acesso exclusívo aos condomínios

pessoas se distanciam de seu próprio bairro e os espaços

fechados - planejados para serem os núcleos autônomos - e

são passivos ao dinamismo do cotidiano contemporâneo.

aos shoppings centers - que se afirmaram como principal área de lazer do bairro tendo um caráter privado.

“Podemos ir além e pensar que os conflitos urbanos não só precisam ser considerados como legítimos e necessários,

O percurso a pé portanto é praticamente nulo na maior parte

mas que é exatamente da permanência da tensão entre

da Barra e quando não, o motivo não é o desfrute. A circulação

eles que depende a construção de uma cidade mais

é impessoal e mecanicista e o pedestre, uma sobra dentro de

democrática, que mistura permanentemente, embaralha e

todo o planejamento do bairro, se movimenta por obrigação. O

tensiona as fronteiras entre espaços”(BERENSTEIN,2009).

deslocamento acontece de um local privado à outro, também

O conceito de arquitetura como evento do arquiteto

privado. Os frequentes estacionamentos funcionam como

Bernard Tschumi sugere que os corpos constroem

barreiras entre o comércio e o eixo de circulação, afastando

os espaços por meio do movimento. Como pensar em

ainda mais o que poderia ser considerado um ambiente

arquitetura em uma situação na qual os corpos são

movimentado do contato direto com a cidade.

segregados do espaço urbano?

Outra característica marcante da Barra são as quadras

No ritual efêmero da passagem, ambiências são criadas,

largas, projetadas para a escala do automóvel, previstas no

situações construídas, limites rompidos ao longo da

Plano Piloto como: “conjuntos de torres, muito afastados, além

permanência do corpo no espaço. Esse ponto de vista

de favorecer os moradores com o desafogo e a vista, teriam o

abre possibilidades para pensar situações outras na

dom de balizar e dar ritmo espacial à paisagem.”(COSTA, 1969)

arquitetura e desvincular padrões entre forma e função. Atravessar, refletir, deslocar, incorporar a cidade.


Barra da Tijuca, dĂŠcada de 70



Barra da Tijuca, dĂŠcada de 70


DIDI-HUBERMAN, Georges.“Images Malgré Tout”. Les Editions de Minuit, Paris, 2003. P. 11


“Para saber, há que se imaginar”



O PERCURSO

+ +

+

+

+

+

+

+

Barra da Tijuca




Av. Evando Lins e Silva

LAGOA

Av. das Américas

Transversais

Av. Lúcio Costa

Av. Afondo Arinos de Melo Franco

Av. Prefeito Dulcídio Cardoso

PRAIA




O recorte escolhido para estudo desse ensaio é

A expressão Terrain Vague de Solà Morales surge para

A experiência me remete a reações instantâneas,

transversal ao eixo principal de circulação da Barra da

designar os espaços não somente livres da cidade, mas

imaginárias,

Tijuca. O percurso acontece através de um dos marcos

que de algum modo não correspondam ao sistema. O autor

estabelecida. São proposições traduzidas em croquis,

do bairro, a Ponte Lúcio Costa, que conecta a avenida

associa a idéia de vago com liberdade e espaços de plenas

escritos, modelos 3d, as quais não tem o objetivo de se

de mesmo nome com a Av. das Américas em um eixo

possibilidades. No seu ensaio homônimo, a arquitetura é

desdobrarem em projetos , mas de tornar visível outro

marcante Praia-Lagoa.

questionada como intervenção que insere esse espaço à

modo de experimentar a cidade.

De certa forma pouco adensada e não ortogonal,

lógica da produtividade que rege a metrópole, ordenando

a malha da Barra é bem permeável se comparada a

tais espaços através da setorização e funções pré-

Levando em consideração a pesquisa elaborada e as

das outras regiões da cidade. Porém, na escala do

estabelecidas, não permitindo uma reflexão sobre outros

críticas situacionistas ao funcionalismo, as imagens que

pedestre, é caracterizada por limitadores do livre

modos de se apropriar destes.

surgem sugerem outras formas de atravessar a cidade.

e edifícios privados. A Ponte Lúcio Costa traz consigo

O conceito de deriva, como já mencionado, afirma um

“A hipótese que apresento é de que as imagens poéticas

uma condição de sobra: um recorte que ao atravessar

deslocamento não somente físico, mas de sentidos. Os

são capazes de sustentar certas travessias.”

a lateral dos edifícios, deixa como rastro um espaço

indivíduos ao longo da errância procuram desfazer-se

(BUCCI, 2015)

paralelo à margem da setorização do restante do

de lógicas e nomenclaturas pré-estabelecidas, afim de

bairro. O trajeto se insere na lógica da Barra, mas sem

criar novas situações, novos modos de comportamentos

particularidades. Passagem é a palavra síntese de um

e experiências urbanas. Tendo como ponto de partida,

rasgo de quase 2km de extensão em homenagem à

a própria cidade existente. É uma crítica à concepção

memória do arquiteto Lúcio Costa.

de projeto e a ideia de construções rígidas e fixas na

sem

nenhuma

programação

pré-

trânsito e apropriação, como os condomínios fechados

arquitetura. “Como pode atuar a arquitetura no terrain vague para não se converter num agressivo instrumento dos

O gancho com a cidade dessa investigação acontece

poderes e das razões abstratas? Sem dúvidas, através

portanto, a partir de práticas erráticas a cada 10

da atenção à continuidade. Mas não da continuidade

dias ao longo do recorte indicado. “Como a vivência da

da cidade planejada, eficaz e legitimada, mas, todo o

cidade participa no processo de imaginação do espaço

contrário, através da escuta atenta dos fluxos, das

arquitetônico?” (BUCCI, 2005) Quais reações a experiência

energias, dos ritmos que o passar do tempo e a perda

do percurso me suscita?

dos limites têm estabelecido.” (SOLA-MORALES, 1995)


1a CAMADA


LEGENDA

barreiras visuais caminho percorrido caminho descoberto caminho não acessível caminho expontâneo serviços

construído não construído acesso restrito caminho percorrido

DAS AV.

ÉRI

AM

CAS

LAGOA DA TIJUCA

IO ÚC .L AV

A ST CO

OCEANO ATLÂNTICO


2a CAMADA


LEGENDA

construído não construído acesso restrito caminho percorrido zonas desconhecidas serviços acessos aos edifícios caminhos espontâneos barreiras caminhos descobertos decks

AS

RIC

SA

DA AV.

LAGOA DA TIJUCA

Ú .L AV

O CI

A ST CO

OCEANO ATLÂNTICO


3a CAMADA


LEGENDA

construído não construído acesso restrito caminho percorrido zonas desconhecidas serviços acessos aos edifícios caminhos espontâneos barreiras caminhos descobertos decks

DAS AV.

CAS

ÉRI

AM

LAGOA DA TIJUCA

.L AV

O I ÚC

A ST CO

OCEANO ATLÂNTICO


Indicaçþes das imagens que surgiram ao longo do percurso


LEGENDA

construído não construído acesso restrito caminho percorrido zonas desconhecidas serviços acessos aos edifícios caminhos espontâneos barreiras caminhos descobertos decks

É AM DAS AV.

AS RIC

LAGOA DA TIJUCA

.L AV

IO ÚC

TA S CO

OCEANO ATLÂNTICO



Havia chovido de manhã e o cheiro de terra molhada o atraiu para a pequena trilha ao seu lado. Havia chovido de manhã e o cheiro de terra Entretanto naquela floresta no seu caminho para o molhada o atraiu para a pequena trilha ao seu lado. trabalho,naquela a cidadefloresta parecianodistante. Mal sabia, Entrando seu caminho paraque o um trabalho, cidade parecia distante. sabiaeque dia tudoafora assim lá fora. Tira oMal sapato sente a um dia dia tudo fora assim lá fora. Tira o sapato e terra. É possível enxergar a luz do sol. Continua sente a terra. É possível enxergar a luz do sol. andandoandando sobre asobre marcacão e quando começa a subir, Continua a marcação e acredita quando começa a subir, aacredita que já passou metadeque já passou a metade.




“Mas somente isso que em si mesmo é um lugar, pode dar espaço a uma estância e circunstância. O lugar não está simplesmente dado antes da ponte. Sem dúvida, antes da ponte existir, existem ao longo do rio muitas posições que podem ser ocupadas por alguma coisa. Dentre essas muitas posições, uma pode se tornar um lugar e, isso, através da ponte. A ponte não se situa num lugar. É da própria ponte que surge um lugar.” (HEIDDEGER,1951) Em alguma escala, todo esse recorte seria margem da ponte, criado a partir de sua existência. Nesse momento do trajeto o exercício foi criar uma terceira estrutura, que se desdobra em outra lógica de ponte.


Haverá umauma intervenção na Ponte LúcioLúcio Costa,Costa na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade. O elemento será umelemento gesto de atravessamento. Haverá intervenção na Ponte na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade. Um terceiro será inserindo conforme um gesto de

atravessamento. Sem criar margens, sem unir beiras, a ponte sobre a ponte se estende no canal. Sua estrutura será metálica. O acesso acontecerá, ou não, pela própria calçada que estrutura serábifurcações metálica e esua fundação implantada no solo do canal Marapendí. acesso não, pela própria calçada que se se Sua expande em outras possibilidades. Com o tempo, é possível que de se torne visível O uma outra acontecerá, relação entreoua ponte e o pedestre.

expande em outras bifurcações e possibilidades. Com o tempo, é possível que se torne visível uma outra relação entra a ponte e o pedestre: Esse,

Esse, poderá se revelarààpaisagem paisagem ee ao ao espaço espaço que poderá sefinalmente revelar finalmente queestiveram estiveramsempre semprepresentes. presentes, porém imperceptíveis em meio aos deslocamentos e suas

finalidades. A

B



AApassarela permitindo o tráfego de de cargas. São dois os pilares que passareladesloca deslocao opedestre pedestreà à4,50m 4,50mdedealtura alturaem emrelação relaçãoaoaonível nívelmais maisalto altodadaponte ponteexistente, existente, permitindo o tráfego cargas. São dois os pilres de 80cm de diâmetro queáguas. sustentam o atravessamento linear sobre as águas. sustentam o atravessamento linear sobre as A ponte, rua inteiramente construída onde não se era para existir¡r, (BUCCI, 2005) cria a passagem habitual Os demais pilares que serão instalados para sustentar a interferência na calçada existente terão 60cm de diâmetro. do cotidiano acelerado.

CORTE A



Porém a Ponte 3 deixa um hiato nas suas repletoessa, de possibilidades; O caminho será paralelo a calçada, queextremidades, não se nivela como mas segue em direção a nova passarela. O pedestre acessa a 3,50 metros sob a ponte, mas na outra ramificação a passagem é sobre e o caminho é somente extensão dasegue calçada O acesso será paralelo à calçada que não se nivela com a existente, mas emexistente. direção a nova passarela. O pedestre atravessa 3,50 metros sob a ponte, mas a passagem do fluxo hidroviário continua desempedida.

CORTE B



ACREDITAVA EM INFINITAS SÉRIES DE TEMPOS NUMA REDE CRESCENTE VERTIGINOSA DE TEMPOS DIVERGENTES, CONVERGENTES E PARALELOS. ESSA TRAMA DE TEMPOS QUE SE APROXIMAM SE BIFURCAM SE CORTAM, OU QUE SECULARMENTE

SE

IGNORAM,

ABRANGE

POSSIBILIDADES. Jorge Luís Borges

TODAS

AS


Uma vez fiquei a observar, do ponto mais alto da ponte, os transeuntes transitarem como os dias transitam: sem hesitar. Em uma faixa tão estreita, as pessoas vão e vem, mecanicamente, friamente. Sem a devida atenção da importância de estar presente.





Entretanto uma vez, descobri uma entrada, ou uma falha na grade, que me levava a um caminho entre os prĂŠdios. Ou seria um descaminho na minha rotina?


Um muro nĂŁo previsto me impede a passagem, me vejo novamente procurando as sobras, andando nas beiras.Da cartografia, os muros nĂŁo impedem a visĂŁo, mas de dentro, na escala do pedestre, fico a imaginar o que as grades escondem. Atravessamentos que invadem as quadras fechadas, que ressaltam o livre acesso, o desfrute em desvendar a cidade.


Em meio ao trânsito intenso da Av. das Américas, uma estrutura que auxiliasse o pedestre nesse cruzamento é algo que surge logo em uma primeira instância. A travessia das Américas não acontece de forma calculada no intervalo dos sinais, e demanda uma atenção maior por parte dos pedestres, que tendem a correr ou esperar no meio fio. Da Praça Pimentinha, até os centros comerciais, a passarela teria uma outra saída extremamente útil no futuro ponto do BRT que está sendo instalado no local. A passarela ultrapassa no mesmo eixo sua utilidade imediata, e atravessa os centros comerciais adjacentes. Não mais passagem de um ponto ao outro, ela se desdobra em um caminho além. A Lagoa toma consciência e a vista é desimpedida para a Pedra da Gávea. Sem um objetivo, é um caminho que se desdobrará na imaginação de cada um. Descobre-se a paisagem.


O projeto para a passarela na Av. das Américas, é um projeto convencional, como a das demais estruturas do bairro. Seguindo a legislação existente e se configurando na cidade.

PLANTA SITUAÇÃO BRT CITTÀ - AMÉRICA

LAGOA DA TIJUCA

A B

PRAÇA PIMENTINHA

CONVIVA AMÉRICAS

AV. DAS AMÉRICAS

5,00 0,25

18,00

0,25

8,00

8,00

A IMPLANTAÇÃO DA PASSARELA SEGUE AS NORMAS DA ABNT NBR 9050:2004 QUANTO AO DIMENSIONAMENTO E A INCLINAÇÃO (8%) DAS RAMPAS. FOI NECESSÁRIO INSTALAR UM CORRIMÃO INTERMEDIÁRIO (ABNT NBR 9077) E TRÊS SAÍDAS DE EMERGÊNCIA COM 100M DE DISTÂNCIA CADA UMA.




CORTE A

1,05

1,05 4,50

1,05

1,05

4,50

2,25

DETALHE CORTE

SAÍDA DE EMERGÊNCIA

PASSARELA SOBRE A LAGOA



CORTE AB

1,05

1,05 4,50

1,05

1,05

4,50

2,25

DETALHE CORTE

SAÍDA DE EMERGÊNCIA

PASSARELA SOBRE A LAGOA






“E, então, se ao longo daquele mesmo trajeto, com aquela mesmíssima geografia, exatamente as mesmas edificações, se durante esse nosso segundo percurso por aquele mesmo lugar imaginarmos configurações que não fizemos na primeira vez, então, eu digo convictamente: Nós as atravessamos.” (BUCCI, 2005)



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