Revista Rolimã

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19) O PROFISSIONAL OBSTETRA PRECISA SER UM MÉDICO? Não. Pode ser enfermeira obstétrica. Na Inglaterra e na Holanda, por exemplo, quem faz o parto domiciliar é um profissional com graduação em obstetrícia – o que chamamos aqui de obstetriz. E tem a enfermeira que se especializou em obstetrícia. A política pública na Inglaterra é tirar a gestação de baixo risco do hospital, porque num ambiente hospitalar há uma série de riscos de infecção e contaminação, além dos erros processuais, que são inerentes ao trabalho em saúde, como o erro de medicação. 20) NO BRASIL, HÁ CURSOS DE FORMAÇÃO DE OBSTETRIZ? Já tivemos, mas houve uma quase extinção das escolas de obstetrizes. Na Escola de Enfermagem da UFMG já houve, mas foi extinto. A USP reativou a escola de obstetrizes há pouco tempo e foi um confl ito, porque há uma disputa evidente de mercado e entre categorias. O profissional médico muitas vezes toma essa participação de outras categorias como se fosse uma ameaça ao seu trabalho – e não é! Não estamos propondo substituição de trabalho médico, estamos propondo agregação de mais um profissional. Ter alguém ali que tenha paciência, que seja inerente ao seu trabalho estar ao lado, cuidar, até o desenrolar, sem intervenções desnecessárias. E que identifique caso haja algum problema, chamando o médico quando necessário.

22) QUAL É A IMPORT NCIA DA FUNÇÃO EXERCIDA PELAS DOULAS? É o monitoramento, o cuidado um pra um. O acompanhante também é importante. O papel deles é confortar, informar, orientar posicionamento, os métodos de alívio da dor... A doula acompanha a mulher no parto, mas não é um profissional de saúde, inclusive é importante que não seja. Como é treinada para acompanhar a mulher no parto, sabe técnicas de conforto, passa informação, identifica as necessidades da mulher e advoga por ela. O acompanhante também. Então a chance de alguma coisa passar batido pelo profissional de saúde é muito menor. A doula é sempre proteção para a mulher e para o bebê. 23) POR QUE SE INSISTE TANTO EM FOCAR TUDO NA FIGURA DO MÉDICO? Tem esse confl ito de categoria e de mercado, o parto se transformou num business, um negócio rentável. Houve um deslocamento de valores humanos e de direitos para um valor do consumo, em que a pessoa é valorizada pelo que adquire. A cesárea ganha esse apelo de status social e muitas vezes, para fugir do parto violento, a gestante compra uma cesárea. Quem faz cesariana no Brasil são mulheres ricas, de classe média, com nível educacional alto. As mulheres compram a cesariana como um bem de consumo. Ela é um símbolo de ascensão social.

“Essa visão de que o parto tem que ser uma cirurgia asséptica é totalmente ultrapassada, entrar num bloco cirúrgico para ganhar um neném está totalmente ultrapassado.

21) COMO DEVERIA SER ESTRUTURADO O MODELO IDEAL? Um modelo colaborativo, multiprofissional. Uma enfermeira obstetra é formada no cuidado, que é próprio desse momento da vida. É cuidado em saúde, não é cuidado pra quem está doente. O médico é treinado para a doença. Eu sou pediatra, sei que fui treinada para o risco, para o problema. E nós, médicos, temos essa tendência. É muito difícil segurar a mão de um profissional para ele não fazer uma episiotomia ou não prescrever uma droga. Então ele não tem nem tempo, nem paciência eu diria, para acompanhar os processos fisiológicos. Não é que o médico não serve para esse lugar, o médico tem um lugar junto com o profissional que é treinado para o cuidado em saúde, porque faz parte do trabalho dele. O médico tem que estar em vários outros lugares, avaliando, tratando, fazendo as cirurgias necessárias ou cuidando dos bebês na UTI neonatal.

24) FALTA UMA ATUAÇÃO DOS CONSELHOS DE MEDICINA? Falta regulação do trabalho médico. Os conselhos continuam dizendo que isso é prerrogativa do profissional, mas se um profissional faz 90% dos partos como cesarianas, será que isso é ético? Essa é uma questão para os conselhos de medicina, de ética médica. Quem penalizaria um médico que faz uma conduta equivocada? É atribuição do conselho, não tem outro jeito. E quem poderia legislar ou penalizaria uma instituição que tem altos índices de cesariana? A vigilância sanitária. Se a gente conseguir transformar essa questão em um problema de saúde pública, podemos estruturar uma legislação e ter a vigilância sanitária como instituição capaz de avaliar os indicadores do serviço hospitalar. Hoje ela ainda não tem esse escopo para atuar, temos que construir.

Revista Rolimã • Fevereiro 2014 | 13


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