TFG | O Imaginário da Cidade: Cinema e Espaço Urbano

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O IMAGINÁRIO DA CIDADE CINEMA E O ESPAÇO URBANO AMANDA STENGHEL RAIMONDI





O IMAGINÁRIO DA CIDADE Cinema e o espaço urbano

Amanda Stenghel Whitaker Raimondi FAU USP Trabalho Final de Graduação Orientador: Prof. Artur Rozestraten São Paulo, junho 2013


SUMÁRIO

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Agradecimentos Introdução Questões teóricas e metodológicas

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CAPÍTULO 1 Cinema e Cidades: o espaço urbano no cinema

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Espaço de encontro Limite entre o público e o privado A cidade como espaço de conflito Renovação e memória urbana Imaginários urbanos

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CAPÍTULO 2 Wim Wenders: filmografia e identidade cinematográfica

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O olhar de Wim Wenders Política, ideologia, movimento e rock and roll

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CAPÍTULO 3

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Análise Geral Personagens e seus espaços Espaços da cidade Cidade e memória Arquitetura de luz e sombra Limites: exterior e interior do espaço construído Movimento no espaço: A viagem pelo limite do espaço construído Wim Wenders e sua maneira de construir o espaço Apartamento Staatsbibliothek

Asas do Desejo: descrição e análise fílmica


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Cena: atropelado na ponte Cena: bunker de filmagem Sequência Vertiginosa Muro de Berlim

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CAPÍTULO 4

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Produção audiovisual Processo de fabricação do vídeo Montagem

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Bibliografia Filmografia Créditos de Asas do Desejo (Wim Wenders, 1987) Índice de Imagens

Imaginário de São Paulo: ensaios sobre a cidade



AGRADECIMENTOS

Este trabalho é resultado dos meus anos de FAU USP, das experiências de intercâmbio, dos vários filmes, leituras, viagens e curiosidades que acumulei durante a vida. Essa pesquisa reflete o fechamento de um ciclo de aprendizagem propiciada pelo ambiente da faculdade, alunos, professores e funcionário que foram essenciais na minha formação e no meu amadurecimento quanto ao espaço e a cidade. Neste ambiente mágico encontrei o estímulo e interesse para desenvolver essa pesquisa. A todos tenho muito a agradecer. O orientador, Professor Artur Simões Rozestraten, que teve papel fundamental para o desenvolvimento do trabalho, pela orientação atenta, a seriedade, o estímulo e a paciência nesta etapa acadêmica. Aos membros da Banca, Professor Jorge Bassani e Professor Luis Bargmann, pelas reflexões e sugestões importantes. Meus colegas da FAU com quem dividi as experiências da faculdade foram muito importantes para o trabalho. Em especial minhas grandes amigas: Jihana Nassif, Renata Mori, Gabriela Garcia e Julia Borges, sou profundamente grata, por compartilharem o entusiasmo pelo tema e pela disposição a dedicar parte do seu tempo a me ajudar nos mais diversos aspectos do projeto. Um agradecimento especial ao Igor Leone, que me ajudou nos assuntos de audiovisual. A presença carinhosa de meus pais e minha irmã, testemunhas de todo o meu desenvolvimento, cujos estímulos, recursos, valores e cuidados refletem diretamente neste trabalho. Erick Fernández, que mesmo pela distância conseguiu se fazer tão presente. Pelo apoio e incentivo incondicional, o interesse, as conversas, as contribuições e o carinho tão especial.

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INTRODUÇÃO

A dificuldade de refletir, representar e construir espaços arquitetônicos conduziu para a aproximação da arquitetura com outras correntes artísticas. As artes, a música, a fotografia, o cinema e a literatura serviram como ferramentas que dinamizaram a criatividade e aumentaram o repertório de soluções, fugindo de métodos convencionais e racionais. Sendo assim, o trabalho consiste nesta pluralidade de linguagens para a investigação e experimentação do espaço, tendo com principal foco a relação entre o cinema e a arquitetura e urbanismo. O cinema aparece como mecanismo capaz de explorar imaginários da cidade moderna e contemporânea. Manipula ângulos, percursos, iluminação e outros artifícios que modificam o ambiente real, enriquecem a trama e caracterizam seus personagens. O espaço urbano é recriado, adquirindo formas sensíveis, capaz de produzir uma experiência tridimensional, temporal e ativa. Para o trabalho foram feitas revisões de filmes considerados significativos no que se refere à visão da arquitetura e do urbanismo, uma cumplicidade que se manifesta desde o surgimento da linguagem cinematográfica e que, como foi dito, possibilita a compreensão desse espaço.

Figura 1. Fotografia de Amanda Raimondi, 2013

O estudo convergiu para um único filme, Asas do Desejo de Wim Wenders, que foi escolhido pela temática que explora questões como a melancolia e a solidão de seus personagens relacionadas ao espaço, a complementação da vida, a dissecação dos aspectos mais individuais do seres humanos e a busca por um sentido existencial. Além disso, Wim Wenders destaca-se pelo minucioso trabalho com o movimento de câmera, que conduz a experimentação 11


do espaço através de pontos de vista inusitados. Suas produções abrangem diversas áreas como: arquitetura, fotografia, música e dança. Foram examinados alguns filmes de Wim Wenders que ajudaram na compreensão de questões como o percurso, a transição e a movimentação como forma de libertação presentes em Asas do Desejo. Paralelamente ao estudo cinematográfico, foram realizados ensaios fotográficos e de audiovisual como exercício de criação um imaginário próprio para a cidade São Paulo. A partir da linguagem do vídeo, aprendemos a entender o processo do cinema e a experimentar técnicas e práticas aparentemente distantes. A produção é reflexo da experimentação aberta à realidade, tendo que lidar com imprevistos, sem suporte e sem cenários. O vídeo se mostra como uma inquietação de revelar a cidade.

QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Foram tomadas como premissa da investigação algumas considerações teóricas e metodológicas, no sentido da compreensão do cinema como dispositivo que colabora para a percepção de seus espectadores, além de também atuar como documento histórico. No caso de Walter Benjamin em “A arte na era da reprodutibilidade técnica”, concebe a linguagem cinematográfica como um elemento que atua na percepção humana. 12


“O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas — é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido”. [BENJAMIN, 1993 : 174] Neste parágrafo, Walter Benjamin enfatiza a importância do cinema no desenvolvimento da sensibilidade e da percepção, permitindo experiências culturais da modernidade. Além disto, defende o cinema como melhor arte para representar a metrópole. Walter Benjamin analisa a destituição da “aura” que envolve as obras de arte enquanto objetos individualizados e únicos. Com o progresso das técnicas de reprodução, que é identificado no cinema, a “aura” é desmembrada em várias reproduções do original. A obra perde seu status de raridade, podendo aproximar-se do público e adquirir proporções mais sociais. As transformações técnicas permitem a modificação da percepção estética. Esse processo possibilita o relacionamento das massas com a arte e se mostra como instrumento fundamental para a renovação das estruturas sociais. Sendo assim, o cinema permite a constituição do tempo-espaço descontínuo, que Benjamim considera tão importante, já que rompe com a história como uma temporalidade contínua, linear e passível de ser resgatada na íntegra. [BENJAMIN, 1993].

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A linguagem cinematográfica constitui-se como linguagem fragmentária, de ritmos irregulares que permite a transição por territórios de sensibilidade estética e visual. Já Bruno Zevi, em Architettura per il cinema e cinema per l’architettura (1950), afirma que: “A linguagem do cinema, seja por suas características, seja pelo modo como articula o espaço e tempo, a que mais se aproxima da vivência moderna do espaço arquitetônico urbano. [...]. No âmbito da crítica, a arquitetura se vale da literatura e da fotografia, porém, o cinema pode sintetizar ambas, sendo um modo diverso de expressão crítica histórica.”[ZEVI, 1950 : 62]. Também, Giulio Carlo Argan, em Lo spazio visivo della citta: urbanística e cinematografo (1960), afirma que a cultura cinematográfica está tão difundida que dificilmente se pensa em cidade moderna sem articular imagens de natureza cinematográfica. “O cinema visualiza, ao mesmo tempo, o espaço urbano em conexão a um acontecimento existencial simbólico ou sintomático da existência urbana[...] Somente o filme enfatiza a unidade espaço-tempo como dimensão existencial, ou mais precisamente, do visual. [...] Mais do que informar sobre a forma ou sobre o espaço visível da cidade, o cinema fornece a chave da leitura do fenômeno urbano”[ARGAN, 1969 : p.9-16]. Segundo estas posturas teóricas, percebemos que a linguagem cinematográfica pode ser pensada como documentação da época, sem se esquecer das múltiplas possibilidades de leitura desse documento. Pode-se interpretar o conteúdo das imagens como emissor de olhares plurais e subjetivos 14


sobre fragmentos da vida na modernidade. Cada obra emerge em uma dada época e meio, e possui uma linguagem e experiências comuns com os demais grupos sociais, podendo apropriar-se desses elementos pela produção. A inserção criativa do cinema na reflexão sobre sociedade demonstra a vontade de entender os espaços onde se dão as interações entre pessoas e grupos sociais na vida urbana, e até pensar como isso se reflete no caráter sensível. Cada obra de arte é testemunha de seu tempo e permite construir um imaginário dos homens, necessários à vida dos grupos sociais. Constituem-se em um meio de expressão e de comunicação dos pensamentos desses grupos.

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CINEMA E CIDADE O espaรงo urbano no cinema


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CINEMA E CIDADE

O espaço urbano fornece temas para o cinema, e este constrói e consolida imaginários urbanos. De fato, em muitos filmes a cidade deixa de ser um simples cenário para ser mais um personagem, muitas vezes o próprio protagonista. Como por exemplo em Roma de Federico Fellini, as histórias tem como ponto em comum a cidade de Roma e muito mais do que seus personagens individuais, o perímetro urbano e seus habitantes são os grandes protagonistas do filme. As histórias de épocas diferentes se cruzam no espaço da cidade, incorporados pelas ruas, cafés, bordel e metro. A arquitetura de Roma aparece como perene em contraponto com a transitoriedade de seus personagens que a habitam. Podemos dizer que o cinema é uma invenção moderna urbana, sendo este determinante na constituição de um imaginário. Estes registros de imagens da cidade que atraem e estimulam a uma discussão. O que torna a cidade tão atraente ao cinema?

ESPAÇO DE ENCONTRO A primeira hipótese é a aglomeração, a proximidade, a multiplicidade de encontros no espaço físico da cidade que possibilitam histórias. Mais da metade da população mundial se encontra nas cidades e é nela onde as coisas acontecem. Milhares de histórias no cinema se dão pelos encontros e desencontros. Before Sunrise (Antes do Amanhecer) de 1995 e Before Sunset (Antes do Entardecer) de 2004, ambos de Richard Linklater talvez sejam os exemplos mais simples para apontar esta questão. No primeiro filme ocorre o encontro entre um casal de jovens no trem. O espaço público, no caso o transporte público, é o ponto de encontro. Não há quase ações apenas percorridos pelas cidades, primeiro por Viena e depois em Paris, percorridos retomados através de imagens no final e começo do filme. É colocado em evidência o contraste entre o público, visão do turista, e privado, revelado através de diálogos em longas caminhadas dotados de estranheza e conforto ao mesmo tempo. 19


LIMITE ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO Nas cidades, a distância entre o público e privado também é menor. Os espaços são cada vez mais apertados e as construções em alturas sugerem que os indivíduos vivam literalmente uns em cima de outros. Conversas, celebrações, brigas e desentendimentos acabam sem querer ultrapassando as paredes e por mais cercados por muros que estejamos, não encobrem as pessoas ao redor. O tema da vizinhança já gerou grandes histórias no cinema. Pensando no observador de A Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock (1954) que a partir do “espaço de confinamento” [Jacobs, 2007] vasculha a vida do seus vizinhos e se envolve com aquilo que vê, e na impossibilidade de proteger a privacidade da protagonista de Dogville de Lars Von Trier (2003) com a criação de um espaço semi urbano assumidamente artificial, com fronteiras e divisões invisíveis que estabelecem o que é dentro e o que é fora, pela ação do personagem. Ou mesmo a relação entre os vizinhos de O Homem ao Lado de Gastón Duprat e Mariano Cohn (2009), a aparência de sucesso na casa modernista, incompatível com o seu redor. Os espaço públicos permitem igualar em alguma medida as diferentes camadas sociais e culturais. Todos compartem a condição de transeuntes, seja no metro, ônibus, nas ruas e praças. As cidades, apesar de aglomerar contingentes de pessoas, também transmitem a solidão e a insignificância do sujeito. Em Asas do Desejo de Wim Wenders (1987), os anjos observam a todos do alto, em planos zenitais (onde a câmera é colocada no topo do cenário apontando diretamente para baixo em uma linha de 90˚ do horizonte), evidenciando a 20


pequenez dos indivíduos habitantes de Berlim. Ou como no caso de O Terceiro Homem de Carol Reed (1949), o criminoso observa do alto da roda gigante a massa de gente e retrata sua insignificância.

Figura 2. Sequência de The Third Man, 1949

“Vítimas? Não seja dramático... Você realmente sente qualquer pena se um desses pontos parasse de mover para sempre? Ninguém pensa em termo de seres humanos! Holly, que tontos somos nós!” [Orson Welles em The Third Man de 1949].

A CIDADE COMO ESPAÇO DE CONFLITO Outra característica das cidades é o cenário sugestivo a conflitos, principalmente mostrados nos bairros marginais típicos da cidade informal, caótica e desordenadas. No filme Cidade de Deus de Fernando Mereilles (2002), a imagem do Rio de Janeiro é reforçada como espaço de desigualdade social típico das cidades latino americanas. Imagens rápidas e intensas que reforçam o caos e a desorientação se 21


aproximam das técnicas publicitárias. Quem Quer ser um Milionário? de Danny Boyle (2008) também faz uso destas técnicas para retratar ao espectador as condições de vida precária dos slums de Mumbai. Os conflitos também aparecem nos filmes de gangsters, nos cenários suburbanos de David Lynch, representados pela luta de classes colocadas por Fritz Lang em Metrópolis, além de outros exemplos. As arquiteturas desses espaços e o tratamento expressionista da luz acentuam o caráter conflituoso. O espaço urbano não se apresenta somente como uma oportunidade do encontro, mas também de luta entre indivíduos e grupos que compartilham deste espaço.

RENOVAÇÃO E MEMÓRIA URBANA A constante mudança também faz parte da realidade urbana. Construções substituem e alteram o espaço. As demolições de edificações levam consigo muito mais do que seus escombros e são seus habitantes que não deixam que as recordações se percam. A memória permite a crítica às cidades modernas e a arquitetura globalizada. Em Playtime de Jacques Tati (1967), é revelada a Paris Moderna sem nenhuma característica da Paris que conhecemos. Os edifícios modernistas expostos poderiam estar localizados em qualquer parte do mundo. O filme leva a pensar sobre o papel da arquitetura moderna na construção de uma nova realidade.

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Já o filme Show de Truman de Peter Weir (1998) estabelece a crítica às cidades sem história e sem identidade como Seaside, cidade projetada a partir do plano do Novo Urbanismo nos EUA que foi cenário do filme pelo seu urbanismo de ruas iguais, casas idênticas e estereótipo da família do American Way of Life. A série Weeds de Jenji Kohan que se passa no subúrbio de Santa Clarita Valley na Califórnia, segue com a crítica ao urbanismos dessas cidades, colocando atores com mesmas roupas e fazendo mesmos atos no fundo da cena. A maneira como é retratado esses espaços e os personagens cheios de vícios que escondem seus problemas, conduzem para uma crítica da sociedade urbana e sua arquitetura. Sendo assim, são muitas as possibilidades de se transmitir as críticas ao espectador.

IMAGINÁRIOS URBANOS O cinema contribui de maneira massificada pra a consolidação de imaginários urbanos. Todos podemos imaginar New York sem nunca ter saído da própria cidade. Seja mergulhar na versão romântica e bem pessoal de Woody Allen ou na caótica New York de Taxi Driver de Martin Scorsese ou Light Sleeper de Paul Schrader . O cinema nos conduz ao imaginário das cidades distantes, seja com a visão exótica, crítica ou sonhadora. O interesse deste estudo está na compreensão e reflexão sobre as práticas realizadas para a criação dos imaginários da cidade. Como é estabelecido o diálogo entre as imagens? A importância do ritmo, das cores, texturas, sons e movimento.

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Outro instrumento de estudo se dará com a proposição de ensaios com o intuito de construir um imaginário próprio da cidade de São Paulo, por meio de fotos, desenhos e vídeos. De dezenas de filmes que criam diálogo entre a cidade e a arquitetura, cada um com seu enfoque, o filme Asas do Desejo chamou a atenção por sua percepção sensível de compreensão da cidade, sua maneira fantasiosa que mistura anjos e humanos no mesmo espaço e de maneira tão real. Pelos apelos infantis, pela leveza da câmera e suas brincadeiras flutuantes, mesmo que para uma cidade tão hostil e cheia de cicatrizes como Berlim. A presença do céu, da música, conduz para uma estado de transe contínuo. um respiro mais profundo, um pedido de tempo em uma época que cada vez as pessoas tem menos tempo de se ouvirem e escutarem suas vozes. A brincadeira entre a cidade imaginária e recriada a partir da cidade concreta.

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Figura 3. Fotografia de Amanda Raimondi, 2013


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WIM WENDERS Filmografia e identidade cinematogrรกfica




Figura 4. Wim Wenders

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O OLHAR DE WIM WENDERS FILMOGRAFIA E IDENTIDADE CINEMATOGRÁFICA

Wilhelm “Wim” Ernst Wenders nasceu em Düsseldorf em 1945. Mesmo ano que a Alemanha perdeu a guerra. Sua infância (vivida na área industrial do Vale do Rhur) e sua educação (católica) se desenvolveram nos imediatos anos do pós guerra, anos do chamado “milagre alemão”. A geração de Wim Wenders pertence ao período da reconstrução e de grande desenvolvimento econômico da Alemanha. Ao mesmo tempo, representou o vazio histórico de um povo condenado a viver sem seu passado imediato. As cicatrizes das guerras ainda eram muito presentes. Muitos artistas tiveram que abandonar a Alemanha e a tradição cultural do país foi interrompida com a ascensão de Hitler. No pós Segunda Guerra Mundial, uma forma de esquecer o sentimento de culpa e suprir a carência artística, era aceitar a cultura americana, com suas artes e seus filmes, tão fortes na Alemanha Ocidental devido ao Plano Marshall. O imperialismo americano resultou tão efetivo, pois se viu favorecido pela dificuldade dos alemães com seu passado. Wenders, assim como sua geração absorveu a cultura americana, esquecendo-se da própria Alemanha. Estava contaminado por outras imagens não pertencente ao ideário alemão, e os imaginários do cinema americano ou francês, acabavam sendo muito mais presentes. De família e formação católica, havia pensado em ser sacerdote, até os 16 anos quando foi introduzido ao rock and roll, muito ainda presente em seus filmes. Mesmo tendo grande influência do catolicismo na sua vida, não reflete em suas obras a tradição religiosa como nos filmes de Paul Schrader ou Martin Scorsese. Em 1963, iniciou estudos de medicina como seu pai, depois filosofia e sociologia Entretanto, desistiu dos estudos universitários e se mudou para Paris em 1966, para dedicar-se a pintura. Não foi admitido na escola de pintura, o que o levou a estudar técnicas de gravação no estúdio de Johnny Friedlander em Montmartre. Wim Wenders tornou-se fascinado pelo cinema e assim começou a aprender o ofício. Wenders retornou a Alemanha em 1967, trabalhou brevemente no escritório de Düsseldorf da United Artists e, no mesmo ano, começou a estudar na Hochschule für Fernsehen und Film München (Escola Superior de Cinema e Televisão de Munique).

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Entre 1967 e 1970, paralelamente com seus estudos na HFF, Wenders trabalhou como crítico de cinema e contribuiu para a FilmKritik, avaliação de filmes de um jornal de Munique. Durante o mesmo período, realizou uma série de curtas-metragens, além do trabalho no final de carreira Summer in the City (Verão na Cidade) de 1970, em seu primeiro longa metragem, que trata sobre um homem que sai da prisão e começa a viajar sem meta. Através de uma passeio por ambientes urbanos, faz um esboço do que será sua filmografia posterior. A constante busca da identidade mediante a viagem, as referências que denotam uma mescla de atração e repulsão pela América: os obstáculos da incomunicação e da solidão, além da esperança e êxito das relações humanas. Com o passar do anos se tornou uma das figuras mais importantes do Cinema Novo Alemão, período dos anos de 1970, esforçando-se pela independência de Hollywood. Ele foi membro fundador da distribuição alemã Filmverlag der Autoren em 1971 e fundou sua própria produtora Road Movies em Berlim em 1975. Além da produção de filmes, Wenders trabalhou com fotografia e suas imagens comoventes de paisagens desoladas envolvem temas como a memória, o tempo e o movimento. Wenders tornou-se membro da Academia de Artes de Berlim em 1984, e foi muito premiado pelo resultados de seus trabalhos. A evolução profissional de Wenders seguiu na mesma linha de muitos diretores europeus: do cinema independente ao cinema de autor1, na qual o diretor é visto como a principal força criativa na realização do filme. 32

1. As teorias e práticas do cinema autoral emergiram no cinema francês, no final dos anos 1940, a partir dos pensamentos de André Bazin e Alexandre Astruc, e que resultaram no movimento da Nouvelle Vague, entre outros.


Como seus companheiros no cinema alemão, ele reforça a causa nacional alemã nos festivais internacionais, antes mesmo de encontrar mercado e público para seus filmes no seu próprio país. Atuou de forma independente, apresentando o desejo comum da transgressão aos padrões do cinema comercial e na promoção de algumas inovações que vão da estética às técnicas de realização. Os recursos do som, da fotografia, da iluminação, do cenário, do roteiro, dos personagens e da câmera são os meios pelos quais Wenders constrói a sua visão de mundo, em um estilo próprio de filmar. Wim Wenders é um tipo sério, lacônico, reservado, que impõe a distância. Não expressa nem suscita sentimentos entusiasmados, mas devido a simplesmente uma questão de temperamento. Seus filmes e personagens seguem algo em comum a si próprio. Os diálogos são escassos, a relação dos personagens se dá de forma seca, a mulher aparece sempre meio que ausente e de certa forma romantizada, aparecem dificuldades na tomada de decisões por parte dos personagens, e fortes referências textuais e poéticas. Além disso, as obras buscam revisar sobre o passado a procura de indagações sobre o espaço e o tempo presente. Seus personagens percorrem caminhos em busca de identidade e compreensão do mundo. Os falsos movimentos e as relações frustradas também são frequentes nos filmes de Wim Wenders e constituem-se em características generalizadas que conectam seu público. As imagens e lugares captados são pensados como reflexo do mundo. A cidade é utilizada como discurso e para 33


a construção de uma linguagem, capaz de recuperar a memória e agregar significado a trama. Seu primeiro filme comercial foi Die Angst des Tormanns beim Elfmeter (A Angústia do Goleiro na Hora do Pênalti), de 1972, sobre a novela de Peter Handke, com quem seguiu trabalhando por toda a sua carreira. Em seus primeiros filmes, se interessou particularmente por distintas manifestações da cultura norte-americana. Deste modo, compôs a companhia Road Movies, para a realização que inclui filmes como: Alice nas Cidades (1974), Movimento em Falso (1975), No Decurso do Tempo (1976), O Amigo Americano (1977), Paris, Texas (1984) e Até o Fim do Mundo (1991). Esses filmes utilizam a estrada como fio condutor da trama, dotada de significados libertários e ousados que rompiam com as fronteiras culturais. Seus personagens eram retratados em uma condição de expatriamento, fruto do sentimento alemão no Pós Guerra, da consciência doída do fardo histórico regado à imagens do nazismo e do genocídio. O filme Movimento em Falso do ano de 1975, diferentemente de outros filmes rodados como road movies, não se estrutura na estrada, ainda que permanentemente a utilize no decorrer da narrativa. Portanto, não é a estrada que se constitui como espaço primordial dos personagens, mas, antes de tudo, o deslocamento que, a cada movimento, delineia a travessia (o movimento como ato em si, que encerra o vagar do personagem Wilhelm pelo interior da Alemanha). Como os outros filmes de Wim Wenders, o vagar define-se em função do próprio deslocamento. A cada sequência, a angustia se inscreve na mente do protagonista, e por consequência, encaminha seus passos. O caminho é a possibilidade do autoconhecimento.

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Figura 5. Paris, Texas, 1984

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Para Peter Buchka, diretor e crítico de cinema, os filmes de Wenders são a descrição de um estado, pois seus personagens ainda não alcançaram um estado em si; são complexos e verdadeiros e pelo empenho no deslocamento podem alcançar a satisfação e o crescimento. Wenders sustenta a narrativa a partir de vários elementos, como a descoberta amorosa, a partir da janela do trem que está em movimento, a proximidade e afastamento dos personagens que impulsionam ao movimento. Nos Estados Unidos, Wim Wenders realiza em 1984, Paris, Texas, ganhador do Palma de Ouro no Festival de Cannes. A trama mais uma vez tem a estrada como o lugar central da narrativa. É nela que ocorrem os deslocamentos, testemunhando os vazios e a solidão no meio da imensidão sem fim. O filme conta a história de um homem sem rumo, perdido nas paisagens desérticas do Texas que regressa à civilização. O local faz fronteira entre o México e os Estados Unidos, onde imigrantes ilegais tentam fugir da polícia a pé e acabam se perdendo, morrendo de desidratação. Wenders comenta sobre o filme em uma entrevista:

“Tenho lembranças gloriosas de Paris, Texas. […] A qualquer hora o Departamento de Imigração poderia ter interrompido nosso trabalho e expulsado toda a equipe. Metade da equipe trabalhou com visto de turista. Trabalhávamos escondidos. Se não tivéssemos conseguido terminar o filme, teria sido um desastre. […] E, vendo agora, mesmo o perigo foi um pouco heróico.” [WENDERS, 2006, p.301].

Nesse cenário de imensidão surge Travis, solitário e cansado. Sem memória, caminha mudo. As imagens são completadas pelo som da trilha hipnótica de Ry Cooder, seca e nostálgica. 36


Travis caminha sem rumo, sem a noção do tempo e do espaço, fragmentado como s lembranças do personagem. A partir do encontro com o irmão, revelam-se pouco a pouco, seus conflitos internos, principalmente relacionados ao passado da mulher e do filho, que não vê há quatro anos. O espectador vai estruturando a história, entendendo o passado e o presente dos personagens, assim como o próprio protagonista. Como característica de Wim Wenders, o filme é uma jornada de imagens, onde predomina o silêncio e a incomunicabilidade entre os indivíduos. Os espaços nos filmes são vazios, mesmo que em lugares urbanos. Vemos carros, letreiros, aviões, viadutos, túneis, e pouquíssimas pessoas. Tudo aparece em movimento, e as pessoas que vemos aparecem em uma atmosfera derrotada, decadente e generalizada. Não há muita interação entre os indivíduos, fator recorrente nos filmes de Wim Wenders. A paisagem é análoga às pinturas de Edward Hopper (1882-1967), onde se constrõem atmosferas dramáticas a partir de elementos banais como: postos de gasolinas, placas de motéis, lanchonetes na beira da estrada, terrenos acres, todos com tratamento dados às cores e à luz. Figura 6 e 7. Paris, Texa, 1984; Figura 8 e 9. Pinturas de Edward Hopper

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Como em Hopper, “a importância da ambientação de suas telas é tão grande que, em muitas, o cenário é o próprio assunto, a figura humana se torna dispensável. Uma rua ou um quarto de hotel vazios são simultaneamente cenário e personagem, constantemente evocando uma humanidade ausente” [Kurtinaitis, 2010]. Sendo assim, o movimento é o grande apropriador do espaço. É o fator de motivação existencial concretizada pelo protagonista. Outro elemento recorrente nos filmes de Wenders é o uso de metalinguagens próprias do diretor, no permanente diálogo com o fazer cinematográfico. A célebre cena do peep-show, que mostra Travis e Jane, sua ex-mulher, separados por um vidro que é transparente de um lado e espelhado do outro, remete a exibição e ao espectador no cinema. De um lado, no escuro está Travis (como espectador), de outro, onde há luz, encontra-se Jane (o ator) que no momento de seu trabalho, exibicionista, não pode ver o espectador, mas é visto por ele. A conversa entre os personagens atesta a solidão absoluta dos dois, da ausência total de comunicação. Jane, durante a conversa, olha diretamente para a câmera (câmera subjetiva). Assim, Wenders nos coloca íntimos daquele emblemático momento da história, triste e confessional. O diálogo se faz como um processo analítico, onde o personagem é visto, sem ver o interlocutor. Isso se repete em no filme Asas do Desejo, realizado em 1987, onde os anjos podem ver e participar de momentos íntimos, sem serem vistos. Presenciam momentos tristes e pessoais de cada indivíduo de Berlim. Em o Amigo Americano, o 38

Figura 10. Cena peep show, Paris, Texas, 1984.


protagonista também é vigiado. Vemos como se atrapalha e fica atordoado diante de sua tarefa, através das câmera de vigilância. Wim Wenders está sempre atravessando fronteiras, enfrentando os limites e barreiras entre pessoas e espectadores. Há uma confusão entre o que está dentro e fora da narrativa. A percepção dos espaços, seus caminhos escolhidos são a partir do protagonista que conduz o olhar do espectador.

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Seus filmes também lidam como os contrastes, no caso de Paris, Texas, as imagens iniciais são amplas no deserto. A medida que adentramos na narrativa, vamos encontrando ambientes civilizados, espaços esmagadores e claustrofóbicos. Há a necessidade de adaptação neste espaço, assim como o protagonista Travis tenta se adequar e se encontrar. Depois de Paris, Texas, Wenders deixou a América e gravou Tokyo-Ga, em 1985 em sua viagem a Tóquio. Voltou para a Alemanha e gravou o premiado filme Asas do Desejo em 1987, Até o Fim do Mundo em 1991 e a sequência de Asas do Desejo, Tão Longe e Tão Perto, em 1993. Entre suas últimas produções destacam-se, Al di là delle nuvole (1995), com Michelangelo Antonioni; Buena Vista Social Club (1999), documentário do célebre grupo musical cubano; O Hotel de um milhão de Dólares (2000), filme sobre a banda irlandesa U2 e o documentário mais recente de Wim Wenders, Pina (2011), sobre a bailarina e coreógrafa alemã Pina Bausch. Wenders desenvolveu uma expressão própria e sutil, que indagam sobre o espaço e o tempo. Assim como seus personagens percorrem caminhos em busca de identidade e compreensão do mundo, a sua experiência cinematográfica também segue este discurso. Muitos de seus filmes revelam a preocupação em diagnosticar a situação do mundo e do cinema. Dessa forma, dialogam com a história do cinema, com seu amadurecimento estilístico próprio e reconhecido em todo o mundo.

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É também considerado um diretor aberto. Não se propõe a rodar o trabalho cumprindo o roteiro prévio, o filme é escrito a medida que vai progredindo, adaptando-se com o que é encontrado no caminho, exatamente como seus personagens que se adaptam e encontram um rumo para suas viagens. A riqueza dos melhores filmes de Wenders provém do deixar-se contaminar pela realidade mutante e em movimento.

POLÍTICA, IDEOLOGIA, MOVIMENTO E ROCK AND ROLL

Take me to the station And put me on a train I’ve got no expectations To pass through here again. [No expectations, Jagger e Richard].

Wim Wenders adota posturas muito peculiares em seus filmes. A mudança é sempre presente junto com as consequências de ruptura que isso implica. Além disso, um dos poucos impulsos dramáticos que pode ser apreciado da narrativa é a possiblidade do deslocamento, abandonar uma situação estática e asfixiante para começar uma nova. Para Wenders a mobilidade é uma forma de mudança, e é uma postura política. Há uma referência à relação de estabilidade e renovação da sociedade.

“Meus filmes tratam de coisas muito pessoais, não de coisas muito gerais. Creio que isso é uma declaração altamente política.” [Wim Wenders, 1978].

Sua obra possui certo parentesco com alguns filmes americanos que apresentam personagens dotados de insatisfação que se afastam da estabilidade de suas casas e de suas famílias. Há uma forte ênfase ao medo do erro, à indecisão nas escolhas e suas consequências. Isso de certa forma já aponta para uma mudança.

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Os contatos físicos também são raros. Wenders aparece como um poeta do movimento, de um cinema minimalista a um roteiro aberto às incidências da filmagem. Mantém a capacidade de observação, rigorosa e distanciada, uma não submissão ao espetáculo e a ação dramática. O espectador que se compromete a ver seus filmes se deixa levar pelo tempo e espaço. A existência do rock nos filmes de Wenders é um reflexo da importância que a música teve na sua adolescência. Na sua biografia, conta que o primeiro sentido de identidade ocorreu pela presença do rock e seus artistas, relacionando-os a uma fantasia, a criatividade e a iniciativa de colocar para fora os sentimentos. No próprio Asas do Desejo, os personagens jovens aparecem ouvindo rock como uma forma de mergulhar nas sensações e expor suas angústias. Marion, a trapezista, se solta e dança ao ritmo de Nick Cave, no show embaçado no galpão mal iluminado. Ali, o australiano soturno e seu guitarrista Blixa Bargeld fizeram música e definiram melhor o tempo e o espaço característico da Berlim no pós Guerra. Wenders reconhece que o rock and roll salvou sua vida, em especial a música de Lou Reed: Jenny said, when she was just five years old There was nothin’ happening at all Every time she puts on the radio There was nothin’ goin’ down at all, not at all Then, one fine mornin’, she puts on a new york station You know, she couldn’t believe what she heard at all She started shakin’ to that fine, fine music You know, her life was saved by rock’n’roll. [Rock and Roll, Lou Reed] 44

Figura 11. Nick Cave e Blixa Bargeld, 1987.


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ASAS DO DESEJO Descrição e análise fílmica



ASAS DO DESEJO (Wim Wenders, 1987) DESCRIÇÃO E ANÁLISE FÍLMICA

O CÉU? O céu sobre ela é portanto a única coisa clara, transparente e compreensível. As nuvens passam, chove, e neva e relampeja e troveja lá em cima, a lua nasce e passal lá em cima e eclipsase. O sol brilha hoje sobre a dupla cidade como sobre a cidade-ruína de 1945 e a “cidade-fachada” dos anos 50, como já tinha brilhado quando ainda não havia cidade, e como ainda brilhará quando, finalmente já não houver cidade. [WENDERS, 1990, p.104]

O trabalho pretende tratar sobre os imaginários urbanos criados pelo cinema, e em especial, a experiência do cinema alemão tendo como foco a produção de Wim Wenders. Neste sentido, tenta aproxima-se da intenção poética e plástica na captação e edição das imagens, relacionando a importância da cidade e da arquitetura na construção do imaginário. Através de Asas do Desejo, destacamos como parâmetros de análise os dispositivos referentes ao movimento, limite, plano-sequência, composição e narrativa, representados no filme pelos cenários, postura de personagens e da própria câmera comandada por Wenders. Por fim, o desenvolvimento desta pesquisa estrutura-se em dois tipos de análises. A primeira parte, o plano geral, no qual se destacará as partes que compõe a narrativa fílmica, o encadeamento entre elas, a indicação dos personagens, e a descrição de seus componentes formais essenciais. Já a segunda parte, será realizada uma microanálise, com o exame detalhado do movimento de câmera de alguns casos, quadro a quadro. 49


ANÁLISE GERAL

De dezenas de filmes que criam diálogo entre a cidade e a arquitetura, cada um com seu enfoque, o filme Asas do Desejo chamou a atenção por sua percepção sensível de compreensão da cidade. Sua maneira fantasiosa que mistura anjos e humanos no mesmo espaço, seus apelos infantis e a leveza da câmera que com brincadeiras flutuantes descobrem o espaço. Até mesmo a hostil Berlim pode ser vivenciada com certa dose de inocência. A presença do céu, a música e os movimentos leves conduzem para uma estado de transe contínuo, um respiro mais profundo, um pedido de tempo em uma época que cada vez as pessoas tem menos tempo de se ouvirem e escutarem suas vozes. O filme narra a história de anjos e mortais na fria e devastada Berlim do pós Guerra. Dentre o grupo de anjos que perambulam pela cidade cuidando dos indivíduos que sofrem em silêncio, estão Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander). Os dois observam o dia-a-dia dos seres humanos confrontando-se com a solidão e a depressão. A curiosidade e admiração pelos humanos é fruto do desejo de viver suas experiências e sentir suas emoções, condição não permitida aos anjos. Entretanto, Damiel encantado ao ver a bela trapezista de circo, Marion (Solveig Dommartin), busca uma maneira de se tornar humano para aproximar-se da jovem, além de poder viver e sentir como um mortal. O título original do filme, Der Himmer Über Berlim, em sua tradução literal “O Céu Sobre Berlim”, possibilita uma melhor compressão da noção espaço-temporal embutida ao 50


longo da história, tendo-se perdido com a tradução Asas do Desejo baseada no título em inglês. O sentido do lugar é fortemente evocado no título original. Berlim é colocada como símbolo de cidade, tratada diretamente como representante de qualquer espaço do mundo. As questões suscitadas pelo filme aplicamse quase por todas as grandes cidades contemporâneas, principalmente porque incorpora diversos idiomas como alemão, francês, ou inglês, fazendo jus a cidade cosmopolita. Quanto à narrativa, há um convite à contemplação, sem ações rápidas ou vertiginosas. É composta de vários espaços em que o espectador tem a oportunidade de perceber a história como um participante. A narrativa é lenta, composta de longas “tomadas”. Aparecem longos percorridos no espaço vazio, em preto e branco, como poucos elementos visuais e sonoros. Tudo isso contribui para a desaceleração, a brecha para a reflexão. Talvez seja uma abertura para os sonhos, a imaginação e a fantasia, em um mundo cada vez mais imersos em uma cultura de imagens rápidas, intenso fluxo de informações, absorção de várias coisas ao menos tempo. A concentração é cada vez mais rara. Porque não escrever, enquanto vê televisão, escuta o rádio e checa as mensagens do celular? Muitas das atividades que vivenciamos, em maior ou menor grau, operam sobre os discursos e imagens e dissociam da linguagem experiência cotidiana. Nesse universo de trânsito de informações e imagens, muitas das vezes , temos a sensação de que a linguagem não nos pertence mais, alheio da nossa experiência concreta. Como se, em sua extrema abstração, perdesse o peso da vivência. Nossos gestos se automatizam e nossa linguagem se abstrai de nós mesmos. 51


Numa geração que vai ao cinema e precisa comer pipoca ao menos tempo, o filme de Wim Wenders pode parecer um tanto parado. Imagens desaceleradas, movimentadas por gestos sutis que se confundem com o sopro do vento, ou o voo de um anjo. No documentário Janela da Alma de Walter Carvalho e João Jardim, 2001, O filme é composto de 19 depoimentos de pessoas com problemas visuais, dentre elas Wim Wenders fala comenta que as produções fílmicas atuais não deixam espaço para a reflexão. “A maioria das imagens que vemos são fora de contexto. A maioria das imagens que vemos não tentam dizer algo, mas vender algo. Na verdade, a maioria das coisas que vemos, revistas, televisão, tentam nos vender alguma coisa. Mas a necessidade fundamental do ser humano é que as coisas comuniquem um significado, como a criança ao se deitar; ela quer ouvir uma história. Não é tanto a história que se conta; mas o próprio ato de contar história cria segurança e conforto. Acho que mesmo quando crescemos nós amamos o conforto e a segurança das histórias, qualquer que seja o tema. A estrutura da história cria um sentido. E nossa vida, de maneira geral, carece de sentido (...) temos uma intensa sede de sentido.” [Wim Wenders, Janela da Alma, 2001]. “A realidade real não existe, é sempre condicionada por um olhar. Cada experiência do olhar é um limite! A gente não conhece as coisas como elas são! só mediados pela nossa experiência.” [Sociólogo em Janela da Alma, 2001]. Portanto, esta análise consiste na investigação de como o imaginário da cidade é construído no filme. As questões 52


serão levantadas a partir da observação da criação de Wim Wenders, mediada pela lente cinematográfica. Como são exploradas as paisagens e seus objetos arquitetônicos para adquirirem determinado sentido, requalificarem a narrativa e fantasiarem o real. O tempo, espaço, memória, visibilidade e invisibilidade, território, são os temas presentes no filme que são percebidos mediante a cidade reconstruída, pois o filme não revela a cidade de Berlim, e sim UMA Berlim. As cidades são percebidas a partir da observação e da experiência in loco, e são expressas em filmes a partir de um ponto de vista específico que carrega a marca do enunciador (no caso, Wim Wenders).

2. Compreende-se real o espaço em que a relação se estabelece sem a mediação da lente fotográfica ou cinematográfica.

O resultado é a representação de uma cidade passível de ser imaginada, cheia de informações e significados. No filme, o diretor se apropria das imagens de algumas partes de Berlim, e mediadas pela lente cinematográfica, permite a realização de enquadramentos, mudança de cor, recortes e mudança de contexto. Isso não só reforçam o real2 como, somado as vozes e músicas, criam situações que permite um leque de possibilidades de leitura interpretativas por parte do espectador. A paisagem urbana é impactante por si só, ainda mais se explorada com a devida consciência como em Asas do Desejo. O diretor utiliza a grande cidade sabendo seu valor imagético e simbólico, capaz de revelar as marcas do tempo, a história e valores presentes principalmente pela arquitetura.

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PERSONAGENS E SEUS ESPAÇOS

Desde o início a ideia de infância é colocada e permeia toda a narrativa. A idade da inocência, dos sonhos e fantasias que contrasta com o olhar adulto que, entre quadro paredes, não enxerga nada à sua frente, não vê perspectiva. Do decorrer da narrativa são as crianças que olham para cima, que veem os anjos e o céu. O anjo Damiel, ao se transformar em humano também terá a mesma atitude inocente. Após a experiência com a eternidade, opta pela presença, pela matéria, ao invés da sabedoria e da certeza, mesmo que isso signifique sua finitude. Damiel é movido pelo desejo de fazer sua história e de se encontrar com Marion para juntos fazerem uma história. O espaço atemporal do céu, comentado na epígrafe de Wim Wenders, o tempo eterno e o sol brilhava quando ainda não havia cidade, brilha agora, enquanto a cidade existe e brilhará quando não houver mais cidade. E os anjos participam e sempre participaram da construção e das transformações da humanidade. É sobre esse testemunho que falam os dois anjos ao caminharem lado a lado numa paisagem vazia da cidade. O céu de Berlim se faz presente, sobre seus símbolos e monumentos. É colocado o tempo eterno em contraponto com o tempo efêmero, do homem, que nasce, cresce e morre, mas que neste pequeno período constrói a sua história. História que é fundamental repassá-la. Imagens privilegiam fragmentos dos espaços e, como nas sequências iniciais, nos vemos transitando de ambiente em ambiente. A câmera percorre o interior dos edifícios, passa por personagens anônimos, pelos objetos, sempre em movimento, atravessa paredes, aproxima-se e distancia-se, podendo captar pensamento, sussurros e lamentos. 54


Essa condição é manifestada pela dissecação dos aspectos individuais do ser humano, a busca pela complementação afetiva, pela satisfação com o espaço e por um perspectiva futura. Os habitantes são vistos como imersos na solidão e melancolia, sempre colocados em espaços enclausurados, isolados e frequentemente parados (sentados ou deitados), sendo que a câmera é que se movimente em torno deles. Em uma das cenas aparece uma família de três pessoas que moram na mesma casa. Cada uma aparece em um cômodo distinto, fechado, mergulhada nos seus pensamentos diversos. A falta de interação entre os personagens só reforça o isolamento. A cidade e as ruas também manifestam essa condição, de maneira que a solidão e o isolamento nascem da disposição das pessoas no cenário urbano. O próprio muro de Berlim representa o fechamento do espaço da cidade. O plano de expressão reitera o conteúdo do filme. O percurso da câmera por muros e paredes cegas e sem brilho, por quartos de portas e janelas fechadas e o contraponto com o céu, amplo, imenso e fluído. Outro ponto importante da trama é a condução do espectador a se sentir livre diante de uma cidade vigiada. O espectador, assim como os anjos, se vem livres para transitar, para ler pensamentos dos humanos, e para descortinar tudo, nada é secreto. Não há barreira linguísticas, nem de cunho político, etc. Podemos fluir para os dois lados do muro, passar por policiais sem qualquer preocupação. Assim como os anjos, o espectador é colocado numa situação etérea. A busca de sentido também é muito presente, pois muitos dos personagens falam sobre esse sentido (existencial) de diversas formas. A própria cidade proporciona esse diálogo. 55


ESPAÇOS DA CIDADE

Berlim tem sua paisagem explorada por uma série de imagens emblemáticas, que privilegiam os fragmentos, os vazios, e elementos abandonados em função das guerras e do domínio nazista. Lugares de predominância do concreto, ruínas, pessoas, que acabam constituindo imagens sedutoras da cidade. Neste caso, o filme mostra o avesso da cidade bela e planejada. Berlim é retratada como fragmentada, uma costura de cenários desconectados, cheia de paredes cegas, espaços residuais como becos, vazios sem uso, a baixo de viadutos e pontes, corredores isolados e sem função. Sem falar do grande muro de Berlim, cheio de entremeios e lacunas. A cidade hostil, povoada por anjos e humanos, convoca a uma leitura poética, pois Berlim não se resume às ruas, paredes e pessoas solitárias. Os dois mundos, o divino e o humano, existem em diferentes planos e se misturam. O Muro, os prédios, ruas, pontes, monumentos possuem a dureza da concretude, do palpável, do visível da matéria. O contraponto é a dimensão dos anjos que, apesar de distantes, se fazem presentes nos ambientes da cidade. O que se vê na tela não é a cidade concreta , mas uma cidade imaginada e recriada a partir da cidade concreta. O filme explora visualmente territórios e elementos espaciais de naturezas diversas, como por exemplo o céu, a cidade, o muro, o circo, a biblioteca. Espaços que agregam significado a narrativa. O céu é uma das primeiras imagens que se vê. Desde o início é o espaço vinculado aos anjos. Sempre aparece nublado, e denso. Ao pensar que o céu é testemunha da história da 56


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Mapa de Berlim. Foram mapeados alguns dos pontos onde foram filmadas as cenas do filme Asas do Desejo, mostrando os diversos cenários fragmentados que compõe os deslocamentos dos anjos na cidade. A partir destes lugares, notamos que alguns pertencem ao lado Oriental de Berlim, como a paisagem de Prenzlauer Berg, realizada e cedida secretamente por um fotógrafo da Berlim Oriental a equipe de Wim Wenders. Outras foram simuladas a partir de cenários e montagens, já que não se podia circular de um lado a outro. Essas imagens que formam o percurso dos anjos, só reforçam sua condição de liberdade em relação ao muro imposto. LEGENDA 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Torre de Rádio Bloco de Edifício Quadra da 1ª Cena Kurfürstendamm | Cena da Loja de carros Güntzelstraße U-Bahn | Cena do encontro Gedächtniskirche (Igreja) | 2ª Cena Edifício Mercedes | Cena suicídio Siegessäule (Coluna da Vitória) Akazienstraße | Cena do anjo já como mortal

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Kleistpark Langenscheidtstraße | Cena da Ponte Biblioteca de Hans Scharoun Potsdamer Platz Anhalter Bahnhof (Estação Antiga de Trem) Wilhelmstrasse (Set de Filmagem) Waldemarstraße | Cena do Muro de Berlim Prenzlauer Berg Muro de Berlim 57


cidade, já presenciou a guerra, a fome e o caos, foi palco dos aviões de guerra. O céu sempre esteve lá, assim como o sol, “quando ainda não havia cidade” e “quando já não houver cidade” [WENDERS, 1990, p. 104]. Espaço aéreo, etéreo, e também eterno e atemporal, é do céu que a cidade é vista pela primeira vez. Os anjos, por sua vez, habitantes desse espaço, têm as mesmas qualidades de leveza do ar, do céu, presentes desde sempre. Sobre os anjos, diz Wenders:

Não veem apenas o mundo atual como ele se apresenta às pessoas. Veem também simultaneamente a cidade tal qual ela se apresentava quando Deus virou as costas à Terra e os nossos anjos foram repudiados, no início de 1945. Por detrás da atual cidade, “no meio” e “por cima”, elevam-se ainda, como que congelados pelo tempo, os escombros, as ruínas, as fachadas queimadas das casas e as chaminés da cidade de ontem, vagos e, por vezes, apenas fracamente visíveis, mas sempre, apesar de tudo, ainda fantasmagoricamente presentes. [Wenders, 1990, p.108]

No filme os habitantes da cidade tem aparência fantasmagórica, já que aparecem apáticos, de rostos pálidos e sem vida. Os anjos aparecem em condições mais saudáveis, tendo mais vida que os próprios humanos. 58


Figura 12. Cena do Filme Asas do Desejo, 1987.

Outro espaço importante na narrativa é a biblioteca de Hans Scharoun representada como o mais próxima da morada dos anjos na terra. Espaço concreto do conhecimento registrado, abriga a memória não apenas da cidade, mas da humanidade. O prédio imponente é visto apenas por dentro e nele os anjos perambulam ou aproximam-se das pessoas que leem e escrevem, inspirando-as. Já o circo é o espaço da efemeridade e do transitório. A primeira visão que se tem dele é através da sequencia iniciada de uma passagem, um viaduto, pela qual se pode ver a grande tenda do circo. A cena, emoldurada, caracteriza-se como uma visão estática, uma fotografia. 59


O movimento cessa e a câmera apenas vai se aproximando, atravessa a passagem e se fixa no movimento das pessoas do circo. Então surge a cena de Marion, a trapezista que flutua no ar com sua acrobacias. Assim como o circo, Marion não tem raízes, passa de cidade a cidade até cumprir a temporada. O circo esta sempre em trânsito e quando termina, deixa o vazio, a ausência de algo vivido e que não está mais lá. O lugar deixa de ser referencial e passa a ser mera ausência. Se desarma a tenda e com ela todo seu significado. Depois que o circo se desmancha, Marion, no vazio deixado por ele, diz: “Eu não saberia dizer quem sou, não tenho a menor ideia. Sou alguém sem raízes, sem história, sem país e persisto nisso. Estou aqui, sou livre. Posso imaginar qualquer coisa para mim. Tudo é possível. Basta levantar os olhos e me confundir com o mundo.” Na sequência, levanta o rosto e olha o céu, a mesma atitude das crianças, em uma visão inocente e sonhadora. Os traillers são imagens recorrentes no filme e estão em vários lugares e momentos diferentes. Marion e os outros artistas vivem em traillers ao redor do circo, o set de filmagem de Peter Falk (o diretor de cinema na trama) também os usam como depósito, nas ruas também aparecem como quiosques de café. De qualquer forma, constituem-se em espaços transitórios e adquirem a função que lhes é dada. 60


Figura 13. Cena do Filme Asas do Desejo, 1987.

Aparece muita a imagem de carros, trem, metro, ônibus, avião, pontes, todos meios de locomoção e de transição remarcando a importância do movimento na narrativa. Outro espaço característico é o Muro de Berlim, que traz a ideia de fronteira, de limite de que há um dentro e um fora. É o elementos delimitador de um território, parede cega que serve para dividir, bloquear a passagem de pessoas, de informações, de trânsito, o oposto do que se encontra na liberdade do céu. O Muro está sempre presente ao longo 61


do filme, mas a sua passagem mais marcante é justamente na passagem do anjo de sua existência atemporal para a condição humana. Na cidade vazia, o Muro é o cenário. Por fim, a referência da Potsdamer Platz. Espaço ausente de qualquer construção. Totalmente destruído pela 2ª Guerra Mundial. Uma fenda no tecido urbano, um grande vazio. Sua existência se faz pela memória e a sua destruição torna evidente a finitude das coisas. Não só a Potsdamer Platz como a estação desativada, Anhalter Bahnhof, revelam a passagem efêmera no mundo. Anhalter Bahnhof tinha sido a mais importante estação ferroviária de Berlim, interligando a capital alemã a cidades da Itália, Áustria, Hungria e França. Contudo, passou do auge até a seu fechamento em 1952. Durante a 2ª Guerra Mundial, a estação foi utilizada para transportar cerca de 55.000 judeus de Berlim aos campos de concentração. Sofreu diversos bombardeios tanto das tropas americanas e inglesas, quanto do próprio governo de Hitler que queria impedir a entrada dos soviéticos pelos túneis de metro. Isso causou grandes danos a sua rede, além de enfrentar problemas durante a Guerra Fria com a ineficiência do transporte ferroviário mediante a divisão do território em Oriental e Ocidental. A Anhalter Bahnhof era a ultima parada da Berlim Ocidental. Hoje em dia só que resta a carcaça da fachada. O nome permaneceu para identificar o ponto de parada do novo metro. “Esta deve ser a estação da qual me falaram, a com nome engraçado. Não a estação onde o trem para, mas a estação onde a estação termina.” [Peter Falk no filme Asas do Desejo].

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Figura 14. Cena de Anhalter Bahnhof, Asas do Desejo, 1987.

A simples aparição da estação Anhalter Bahnhof revela o qual frágil é a arquitetura, os homens e as cidades perante ao tempo. A história passou e o que fica são os registros e memórias.

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CIDADE E MEMÓRIA

A memória e a história é recorrente no filme. Dificilmente falar de Berlim e seus habitantes sem pensar na sua história. O registro dos acontecimentos é mostrado em todas as suas modalidades: na palavra escrita (a primeira cena), na comunicação oral (Homero, o contador de histórias e os próprios anjos), no registro cinematográfico (o estúdio de Peter Falk), no grafite dos muros (após o anjo se tornar homem), no desenho (retrato feito por Peter Falk), nos livros da biblioteca, nas construções da cidade. Há uma preocupação em recriar a realidade, e em se registrar uma história. Assim como nas colocações de Italo Calvino em As Cidades Invisíveis, o filme expões uma cidade que a história se encontra incrustada, marcada em cada escombro aparente, cada árvore caída, ou vazio exposto. E essas marca são eloquentes, não porque estão milimetricamente contadas, mas porque se relacionam com os homens que as construíram: Poderia dizer-te de quantos degraus são as ruas em escadinhas, como são as aberturas dos arcos dos pórticos, de quantas lâminas de zinco são cobertos os telhados; mas já sei que seria o mesmo que não dizer nada. Não é disto que é feita a cidade, mas sim das relações entre medidas do seu espaço e os acontecimentos do seu passado: a distância a que está do solo um lampião e os pés a balançar de um usurpador enforcado. (...) É desta onda, que reflui das recordações, que a cidade se embebe como uma esponja e se dilata. (...) Mas a cidade não conta seu passado, contém-no como as linhas da mão, escrito nas esquinas das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos postes das bandeiras, cada segmento marcado por sua vez de arranhões riscos, cortes e entalhes. [CALVINO, 1993, p.14]. 64

Figura 15. Cena do Filme Asas do Desejo, 1987.


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Calvino fala da cidade como palco de acontecimentos, de registros feitos no espaço e no tempo. A memória permeia todo o filme, mas fica em evidencia com o personagem o contador de histórias. Ele faz referencia ao passado e à história como registro da humanidade. Una das cenas marcantes do filme é a saída do velho, que se auto intitula contador de histórias, em busca da Potsdamer Platz. A praça que era epicentro cosmopolita nas primeiras décadas do século XX, e foi destruída pelos bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial. Referindo-se a Potsdamer Platz a todo o momento, lembra de sua riqueza como cenário urbano. Amparado pela bengala (e pelo anjo Cassiel), Homero chega ao grande vazio, pleno centro de Berlim, onde antes, segundo ele, havia um complexo de lojas, cafés e restaurantes, onde as pessoas se encontravam. A imagem é curiosa já que ele vai a procura da história que ele vivem, registrada em forma de arquitetura, e não acha nada além da ausência concreta e do que vem às suas lembranças. A paisagem do entorno não podia ser a mais frustrante, um vasto campo de terra árida, um imenso vazio desconexo, separado pelo muro cego e uma imensa passarela de pedestres. O velho assustado volta a dizer: “Aqui? Não pode ser. O café Josti ficava na Potsdamer Platz. À tarde eu ia lá para conversar, tomar café e observar as pessoas. Fumar um charuto na Löhse & Wolff, a tabacaria de renome... Bem Aqui. Não pode ser esta a Potsdamer Platz! Ninguém por perto a quem eu possa perguntar. Era um lugar cheio de vida. Bondes, ônibus puxados por cavalos e dois carros: o meu e o do fabricante de chocolates. A loja Wertheim também ficava aqui. E aí, de repente, surgiram as bandeiras. Aqui. O lugar ficou 66


cheio delas. As pessoas deixaram de ser simpáticas... A polícia também. Não vou desistir até encontrar a Potzdamer Platz.” O personagem tenta reconstruir a cidade imaginando onde estariam os espaços que ele frequentara em épocas passadas. Mas diante do vazio, só lhe resta a imaginação, o que lhe resta da memória. Sem referência não há lugar, apenas espaço. Aquela falha mostra o apagamento da história, assim como o vazio do circo que não estava mais lá. Não há vestígio da Potsdamer Platz, apenas uma poltrona velha no meio do mato. Homero senta-se, na solidão do local devastado, como quem senta na própria sala de estar e aquele espaço lhe soa familiar. Sem encontrar a praça do passado, Homero segue refletindo. As imagens sequenciais do filme retratam cenas da Segunda Guerra Mundial. O passado é evidente no vazio, mostrando que a história também pode ser contada por ausências. “Se quiserem, podem apagá-lo [o passado] com um movimento da mão e ficam, então, apenas no presente, mas sabemos que este ontem está ainda por toda a parte, presente atemporal e imaterial num “mundo paralelo”. [WENDERS, 1990, p.109]. Homero, o contador e histórias ainda diz: “Não desistirei até encontrar o Potsdamer Platz.”

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O espaço urbano evoca, pelas suas marcas, histórias que podem ser contadas das mais diferentes formas. Em toda a narrativa, o cenário é determinante para o desenvolvimento e a ambientação da trama. O espaço construído, em oposição ao céu, remete a um sentido de humanidade, porque contam histórias de pessoas e do anjo que estão em busca de algo que não sabem ainda o que é, mas que dê sentido às suas vidas. No filme, toda a história é reiterada pela relação dos personagens com o espaço. O anjo entre o céu e a terra. A trapezista e o circo que se desintegra, o velho Homero na biblioteca e em busca da Potsdamer Platz perdida, Peter Falk e seu set de filmagem. Em uma das últimas cenas do filme, Damiel, após tornar-se homem, percorre a cidade para chegar ao circo de Marion. A visão da cidade já é completamente outra. No princípio as cenas são fragmentadas, sem cor, os percursos eram flutuantes e permitiam a passagem pelas paredes, janelas, etc. Já no final, como humano, vemos o percurso inteiro, fruto de um cansativo caminhar, tudo em cores.

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ARQUITETURA DE LUZ E SOMBRA

O fotógrafo Henri Alekan conseguiu apreender a paisagem urbana tão abandonada, de referências históricas tão marcantes, como a Potsdamer Platz, por exemplo. Houve uma captura da textura da cidade, do jogo de luz e sombra no espaço, construindo um equilíbrio poético entre os tons claros e escuros.

Figura 16. Cena do Filme Asas do Desejo, 1987.

As imagens do filme, quase todas em preto e branco são um registro sensível e raro de muitas faces de Berlim, maquiadas pela reunificação do país: o Muro como cicatriz da Guerra, a solidão da Potsdamer Platz, a Anhalter Bahnhof perdida, a deserta paisagem de Prenzlauer Berg, preenchida pelos trabis, os carros típicos do Leste alemão, registradas secretamente por um fotógrafo da Berlim Oriental.

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LIMITES: EXTERIOR E INTERIOR DO ESPAÇO CONSTRUÍDO

Wim Wenders utiliza diversos recursos para contar a história. A análise se estrutura em torno do ponto de vista do narrador3 , muitas vezes confundido com o ponto de vista dos anjos e das criança. Nesta análise vamos intender o porque que os elementos estão dispostos desse modo, o que implica a escolha de certo plano ou movimento de câmera, e o porque do enquadramento ou da música. O filme se estrutura no movimento, expressos pelos percurso da câmera e dos próprios personagens. A narrativa a todo o momento faz uso desse elemento conferindo-lhe a força de metáforas, sempre com a intenção de garantir planos mais profundos de significação. Como se verá a seguir, a câmera se mostra fluída e ao mesmo tempo inquieta, que voa em um movimento contínuo através de travellings4 e panorâmicas5 , no ir e vir de lugares e pessoas. A experiência se mostra tranquila e relaxante através do lirismo embriagador, com alguns saltos e quebras de ritmo no desenrolar da trama. Wim Wenders sempre foi questionado sobre o trabalho de movimentação da câmera em Asas do Desejo. Ele invariavelmente descreve o movimento como uma incorporação do ponto de vista dos anjos. Neste contexto, comenta sobre os esforços da equipe de produção para traduzir a forma com que os anjos podem ver, tornando o foco narrativo a contemplação destes seres etéreos.

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3. Não se pode confundir narrador (que pertence à obra, que é elemento a ela interno) com a figura do autor, sujeito responsável pela produção da obra. Autor e narrador pertencem a mundos distintos. Este é figura imaginária, assim como as personagens e os outros elementos ligados à ficção. É invenção que ocupa lugar fundamental na organização do filme, conto ou romance. [XAVIER, 2007] 4. Terminologia do cinema e áudio visual, é todo o movimento de câmera em que esta realmente se desloca no espaço, em oposição ao movimento da panorâmica, no qual a câmera gira sobre seu próprio eixo, sem deslocamento. 5. Terminologia do cinema e áudio visual, é todo o movimento de câmera no qual a câmera gira sobre seu próprio eixo, sem deslocamento. São utilizados para descrever um ambiente e acompanhar os personagens estabelecendo um ponto fixo.


MOVIMENTO NO ESPAÇO A VIAGEM PELO LIMITE DO ESPAÇO CONSTRUÍDO

O cinema investiga a relação da obra arquitetônica e a experiência da cidade. Sendo assim, Wim Wenders explora Berlim como cenário sabendo de seu valor imagético e simbólico, como um meio material capaz de revelar marcas de uma época e de um tempo, presentes no espaço por meio da arquitetura. A esse respeito, Harvey [2004, p.30] cita o arquiteto Mies van der Rohe, para quem a arquitetura “é a vontade da época concebida em termos espaciais”; enquanto que para outros é “a espacialização do tempo através da imagem”. Ainda segundo Harvey [2004, p.189], “as concepções do tempo e do espaço são criadas necessariamente através de práticas e processos materiais que servem à reprodução da vida social”. Neste sentido, a que se refere o Muro de Berlim? Que vida social se desenvolve nesta cidade entre muros? Não é a toa que Wim Wenders escolheu Berlim para fazer um filme. Certamente outra cidade não teria oferecido uma paisagem urbana tão abandonada, exatamente onde as referências históricas eram tão marcantes, como por exemplo a Potsdamer Platz, a estação perdida, Anhalter Bahnhof, oi o próprio Muro de Berlim como seus espaços residuais. Seguindo a temática tão empregada por Wenders, em que o deslocamento é uma possibilidade de autoconhecimento, como retratar essa movimentação e fluidez em uma cidade com barreiras físicas?

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Em entrevistas, ele conta sobre suas primeiras aproximações como a arquitetura. Tinha uma adoração por Mies van der Rohe: “Me lembro bem de Mies van der Rohe pelas incríveis casas, muito baixas, com grandes tetos planos e grandes janelas, tudo em cinemascope6 . As casas que eu desenhava eram assim também, nunca de dois andares, coisa que detestava, com grandes janelas e espaços e um pátio interno. Era meu sonho.” 7 A existência de um limite, de uma borda implica uma construção. Esse limite separa dois espaços que podem ser o interior e o exterior de uma construção. Mies van der Rohe, com suas grandes aberturas de vidro, tentava eliminar o limite entre os espaços. Wenders em seus filmes tenta ultrapassar os limites ou transitar por eles, introduzindo assim uma nova forma de olhar a realidade.

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6. Tecnologia de filmagem e projeção de 1953 que utilizava lentes anamórficas para a gravação de filmes widescreen, marcando o início do formato moderno tanto para filmagem quanto para a exibição de filmes.

7. Entrevista com Olivier Boissière e Dominique Lyon em Architecture: récits, figures, fictions Paris: Cahiers du CCI, 1986 p.108.


WIM WENDERS E SUA MANEIRA DE CONSTRUIR O ESPAÇO

Muitos diretores tentam submergir o público na história que estão contando para que se esqueçam da sua posição real diante da tela. O equipamento muda de ângulo com frequência e as filmagens são fragmentadas para desatrelar o espectador da câmera. Wenders, pelo contrário, chama o espectador e o relembra que está olhando a situação de fora da trama, como narrador observador com postura e poderes de um anjo. A câmera estabelece uma relação entre espectador e a cidade através de suas imagens, uma quase realidade filtrada pela lente. Seu posicionamento respeita a altura dos olhos de uma pessoa comum. Ao mesmo tempo, possui a liberdade nos seus movimentos. Não enfrenta barreiras nem limites, tudo é possível. Pode ultrapassar paredes, entrar pelas janelas de um prédio, saltar de um avião ao solo e ainda acompanhar e ouvir pensamentos dos humanos sem ser notado. Assim como os anjos apresentados na história, o espectador é convidado a vivenciar este ponto de vista através de planos subjetivos. O princípio da narrativa é determinante para a imersão do espectador na história que será contada. A primeira cena mostra, em close, a mão de um homem escrevendo sobre uma folha em branco. Concomitantemente, uma voz masculina repete o que está sendo escrito. A voz recita o poema A criança quando criança de Peter Handke, parte falado, parte cantado, que introduz o espectador à narrativa e o convoca a um estado de concentração ao ritmo do filme:

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Quando a criança era criança Não sabia que era criança Tudo lhe parecia ter alma E todas as almas eram uma (...) Quando a criança era criança Era época dessas perguntas: (...) Um lugar na vida sob o sol não é apenas um sonho? Aquilo que eu vejo e ouço e cheiro Não é só a aparência de um mundo diante de um mundo? 8

O poema pronunciado pausadamente e em ritmo determinado, evoca lembranças da época da inocência, das aventuras inconsequentes, das inúmeras perguntas quase nunca satisfeitas e do interesse inesgotável. Porque nos afastamos do lado infantil e fantasioso? Talvez este lado prevaleça dentro de cada um, mesmo que tímido e oprimido. Esta é a questão trazida pelo poema logo de início do filme, a percepção infantil e a eterna busca do homem por aquilo que lhe é desconhecido.

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8. Poema A criança quando criança de Peter Handke.


A CRIANÇA QUANDO CRIANÇA (Peter Handke)

Als das Kind Kind war, ging es mit hängenden Armen, wollte der Bach sei ein Fluß, der Fluß sei ein Strom, und diese Pfütze das Meer.

Quando a criança era criança, andava balançando os braços, queria que o riacho fosse um rio, que o rio fosse uma torrente e que essa poça fosse o mar.

Als das Kind Kind war, wußte es nicht, daß es Kind war, alles war ihm beseelt, und alle Seelen waren eins.

Quando a criança era criança, não sabia que era criança, tudo lhe parecia ter alma, e todas as almas eram uma.

Als das Kind Kind war, hatte es von nichts eine Meinung, hatte keine Gewohnheit, saß oft im Schneidersitz, lief aus dem Stand, hatte einen Wirbel im Haar und machte kein Gesicht beim fotografieren.

Quando a criança era criança, não tinha opinião a respeito de nada, não tinha nenhum costume, sentava-se sempre de pernas cruzadas, saía correndo, tinha um redemoinho no cabelo e não fazia poses na hora da fotografia.

Als das Kind Kind war, war es die Zeit der folgenden Fragen: Warum bin ich ich und warum nicht du? Warum bin ich hier und warum nicht dort? Wann begann die Zeit und wo endet der Raum? Ist das Leben unter der Sonne nicht bloß ein Traum?

Quando a criança era uma criança era a época para estas perguntas: Por que eu sou eu e não você? Por que estou aqui, e por que não lá? Quando foi que o tempo começou, e onde é que o espaço termina? Um lugar na vida sob o sol não é apenas um sonho?

Ist was ich sehe und höre und rieche nicht bloß der Schein einer Welt vor der Welt? Gibt es tatsächlich das Böse und Leute, die wirklich die Bösen sind? Wie kann es sein, daß ich, der ich bin, bevor ich wurde, nicht war, und daß einmal ich, der ich bin, nicht mehr der ich bin, sein werde?

Aquilo que eu vejo e ouço e cheiro não é só a aparência de um mundo diante de um mundo? São realmente os bandidos? Como pode ser que eu, que sou antes eu era, não era, e que mesmo eu, que sou Não é que eu estou, vai ser? 75


Als das Kind Kind war, ging es mit hängenden Armen, wollte der Bach sei ein Fluß, der Fluß sei ein Strom, und diese Pfütze das Meer.

Quando a criança era criança, andava balançando os braços, queria que o riacho fosse um rio, que o rio fosse uma torrente e que essa poça fosse o mar.

Als das Kind Kind war, wußte es nicht, daß es Kind war, alles war ihm beseelt, und alle Seelen waren eins.

Quando a criança era criança, não sabia que era criança, tudo lhe parecia ter alma, e todas as almas eram uma.

Als das Kind Kind war, hatte es von nichts eine Meinung, hatte keine Gewohnheit, saß oft im Schneidersitz, lief aus dem Stand, hatte einen Wirbel im Haar und machte kein Gesicht beim fotografieren.

Quando a criança era criança, não tinha opinião a respeito de nada, não tinha nenhum costume, sentava-se sempre de pernas cruzadas, saía correndo, tinha um redemoinho no cabelo e não fazia poses na hora da fotografia.

Als das Kind Kind war, war es die Zeit der folgenden Fragen: Warum bin ich ich und warum nicht du? Warum bin ich hier und warum nicht dort? Wann begann die Zeit und wo endet der Raum? Ist das Leben unter der Sonne nicht bloß ein Traum? Ist was ich sehe und höre und rieche nicht bloß der Schein einer Welt vor der Welt? Gibt es tatsächlich das Böse und Leute, die wirklich die Bösen sind? Wie kann es sein, daß ich, der ich bin, bevor ich wurde, nicht war, und daß einmal ich, der ich bin, nicht mehr der ich bin, sein werde?

Quando a criança era uma criança era a época destas perguntas: Por que eu sou eu e não você? Por que estou aqui, e por que não lá? Quando foi que o tempo começou, e onde é que o espaço termina? Um lugar na vida sob o sol não é apenas um sonho? Aquilo que eu vejo e ouço e cheiro não é só a aparência de um mundo diante de um mundo? Existe de fato o Mal e as pessoas que são realmente más? Como pode ser que eu, que sou eu, antes de ser eu mesmo não era eu, e que algum dia, eu, que sou eu, não serei mais quem eu sou?

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Als das Kind Kind war, würgte es am Spinat, an den Erbsen, am Milchreis, und am gedünsteten Blumenkohl. und ißt jetzt das alles und nicht nur zur Not.

Quando uma criança era uma criança, Mastigava espinafre, ervilhas, bolinhos de arroz, e couve-flor cozida, e comia tudo isto não somente porque precisava comer.

Als das Kind Kind war, erwachte es einmal in einem fremden Bett und jetzt immer wieder, erschienen ihm viele Menschen schön und jetzt nur noch im Glücksfall, stellte es sich klar ein Paradies vor und kann es jetzt höchstens ahnen, konnte es sich Nichts nicht denken und schaudert heute davor.

Quando uma criança era uma criança, Uma vez acordou numa cama estranha, e agora faz isso de novo e de novo. Muitas pessoas, então, pareciam lindas e agora só algumas parecem, com alguma sorte. Visualizava uma clara imagem do Paraíso, e agora no máximo consegue só imaginá-lo, não podia conceber o vazio absoluto, que hoje estremece no seu pensamento.

Als das Kind Kind war, spielte es mit Begeisterung und jetzt, so ganz bei der Sache wie damals, nur noch, wenn diese Sache seine Arbeit ist.

Quando uma criança era uma criança, brincava com entusiasmo, e agora tem tanta excitação como tinha, porém só quando pensa em trabalho.

Als das Kind Kind war, genügten ihm als Nahrung Apfel, Brot, und so ist es immer noch.

Quando uma criança era uma criança, Era suficiente comer uma maçã, pão, E agora é a mesma coisa.

Als das Kind Kind war, fielen ihm die Beeren wie nur Beeren in die Hand und jetzt immer noch, machten ihm die frischen Walnüsse eine rauhe Zunge und jetzt immer noch, hatte es auf jedem Berg die Sehnsucht nach dem immer höheren Berg,

Quando uma criança era criança, amoras enchiam sua mão como somente as amoras conseguem, e também fazem agora, Avelãs frescas machucavam sua língua, parecido com o que fazem agora, tinha, em cada cume de montanha, a busca por uma montanha ainda mais alta,

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und in jeden Stadt die Sehnsucht nach der noch größeren Stadt, und das ist immer noch so, griff im Wipfel eines Baums nach dem Kirschen in einem Hochgefühl wie auch heute noch, eine Scheu vor jedem Fremden und hat sie immer noch, wartete es auf den ersten Schnee, und wartet so immer noch. Als das Kind Kind war, warf es einen Stock als Lanze gegen den Baum, und sie zittert da heute noch.

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e em cada cidade, a busca por uma cidade ainda maior, e ainda é assim, alcançava cerejas nos galhos mais altos das árvores como, com algum orgulho, ainda consegue fazer hoje, tinha uma timidez na frente de estranhos, como ainda tem. Esperava a primeira neve, Como ainda espera. Quando a criança era criança, Arremessou um bastão como se fosse uma lança contra uma árvore, E ela ainda está lá, chacoalhando, até hoje.


Figura 17. Cena no circo do Filme Asas do Desejo, 1987.

O poema de Peter Handke se repete com variações ao longo da história, com um refrão constantemente recitado, dando ao filme uma consciência abstrata e ritmada. As cenas ao longo da narrativa proporcionam uma abertura do entendimento do que se vê e do que é desvendado. Possibilita diversas leitura metafóricas. Na continuação da abertura, em preto e branco, são mostradas nuvens de um céu nublado que se deslocam livremente pelo vento, deixando uma brecha de luz ao centro da tela. A imagem é marcada por uma melodia intensa composta por violinos, violas e violoncelos. Mistura acordes modernos e desconstrói o discurso melódico, como se já prenunciase uma ruptura, uma disfunção, aumentando o caráter de mistério.

9. Câmera que assume o ponto de vista de um personagem da trama. A câmera é tratada como “participante da ação”.

Na sequência, o close repentino da abertura de um olho, seguido de um movimento de sobrevoo pela quadra de Berlim. A cena sugere o uso da câmera subjetiva9 , colocando a imagem como ponto de vista do olho anteriormente filmado.

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A panorâmica revela o primeiro contato com a cidade que necessita ser desvendada. Mostra suas ruas e quadras peculiares, características de Berlim e de outras cidade europeias. Com a visão de arquiteto, é interessante notar essa conformação urbanística dotada de edifícios pegados uns aos outros e grandes pátios internos. Cria uma diferente relação entre a rua e as pessoas. Berlim é vista dos céus em meio a nuvens que ainda se dissipam. E então surge um anjo que, sobre o monumento, observa a cidade acompanhado pelo som suave da harpa e de um coro que sustentam a narrativa. Em situação de vertigem, o olhar chega a um plano inferior. Começa a aproximação do anjo à cidade. O olhar do espectador é convidado a acompanhar a perspectiva dos anjos, que aproximam-se cada vez mais do chão. Os sons de harpa e coro já e misturam com o burburinho da população da cidade, com os pensamentos de cada habitante. A cidade começa a ser explorada em um plano mais humano, mais terreno que contrapõe-se ao divino, visão a partir do céu. Na continuação da cena, percebe-se que o anjo do alto da igreja observa a menina parada no cruzamento, e esta observa o topo da igreja como se pudesse ver o anjo. A câmera se coloca no lugar do anjo e da criança, desvendando seus ângulos de visão, em um efeito de câmera subjetiva. Assim como o anjo e a criança, o espectador é convidado a percorrer os espaços e a visualizar coisas a partir de seus pontos de vista, dotados de capacidades 80


Figura 18. Esquema Deslocamento de câmera, 1ª Cena

Figura 19. Sequência da cena inicial do filme Asas de Desejo, 1987.

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sobrenaturais, sensitivas, e fantasiosas em relação ao espaço. A intenção é reforçada pela cena de um ângulo alto de duas crianças em um ônibus que olham para cima como se percebessem a presença do anjo no alto da igreja. O ônibus começa a andar e logo em seguida, o plano mostra o topo da Igreja a partir do ponto de vista do movimento das duas meninas no meio de transporte. A câmera subjetiva vincula o espectador à visão de anjos e crianças. Junto aos anjos, o espectador percorre espaços da cidade e os interiores dos edifícios. São explorado os espaços de circulação das pessoas, como corredores e escadas, trilhos de trem, ruas, calçadas, intercalando com breves voos. Pela condição etérea, tem a possibilidade de estar em qualquer lugar, sem efetuar percursos. A movimentação não precisa ser verossímil, fazendo com que a cidade seja explorada de maneira diferente da habitual. Nada no filme é secreto. Assim como os anjos, é possível captar fragmentos de pensamentos, sussurros e lamentos. E o melhor de tudo, sem ser visto. Asas do Desejo leva o espectador a sentir a liberdade na cidade vigiada. A câmera possibilita ser invisível e faz movimentos e passagens que liberta personagens da cidade murada. Mesmo assim, a liberdade se dissocia da condição física e espacial. Como para o anjo Damiel em que a liberdade é a opção de escolher a possibilidade de sua história.

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APARTAMENTO

A câmera possibilita a ligação de cenas construindo espaços que não existem. Como exemplo disso, a continuação do plano liga as cenas de dentro do avião com o bloco de apartamentos, mediante ao procedimento de Orson Welles no principio de Cidadão Kane, a câmera se aproxima até uma das janelas e, o seguinte plano, é realizando de dentro da habitação, mudando o ponto de vista e o enquadramento da janela por onde havia entrado a câmera no plano anterior. O espectador percorre os apartamentos do bloco filmado, entrando sem pudor nos vários cômodos, passando através de pátios, onde curiosamente olha para baixo mostrando as crianças que brincam no pátio, antes de ingressar na próxima casa e no íntimo de seus personagens. Nesta sequência do apartamento, percebemos que os ambiente são revelados ao poucos, a partir do caminhar da câmera, criando a sensação de estar realmente na casa, observando secretamente os personagens descontes e segregados em seus cômodos. Não é revelado um plano geral do ambiente. Pouco a pouco, vamos reparando nos livros, nos móveis, e cada peculiaridade daquela família. Quanto mais nos aproximamos dos indivíduos na cena, mas claro se torna seus pensamentos, sempre angustiados e na constante busca pela mudança. A cena retrata uma situação rotineira de um casal preocupado com seu filho adolescente que só quer saber de rock and roll, e de gastar dinheiro com instrumentos musicais.

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Todos os personagens aparecem preocupados, introspectivos, com exceção das crianças, que aparecem sempre observando a sua volta, brincando com seus amigos e podendo enxergar aos anjos. Na cena do cômodo com as crianças jogando vídeo game, a voz do narrador volta a pronunciar o poema A criança quando criança de Peter Handke. De um apartamento, a câmera desliza para outro, passando por paredes, corredores e janelas. A câmera se comporta como uma criatura espiritual, um anjo que não sofre com as barreiras, nem com limites espaciais. Finalmente a câmera volta a sair do bloco de apartamentos pelo ar. O poema continua a ser recitado até sumir entre os ruídos da cidade. O som de uma sirene já prenuncia a imagem da ambulância a seguir, que irá retratar a história de um casal a espera do bebê.

Figura 20. Esquema Deslocamento de câmera, cena do Edifício.

Figura 21. Cena do Filme Asas do Desejo, 1987.

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Uma série de imagens de carros dão a continuidade da cena, mostrando as diversas situações e culturas próprias de uma grande cidade. Os anjos também se encontram em um carro parado na loja. Eles trocam suas percepções do mundo e compartem seus desejos de poder sentir e viver como meros mortais.

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STAATSBIBLIOTHEK

A primeira cena da Biblioteca começa com a câmera virada para o teto e, lentamente, se inclina para baixo até a linha do horizonte. A câmera desliza horizontalmente (travelling lateral) pelas pessoas e estantes de livros. Passa por uma mulher em um sobretudo com a mão pousada no ombro de uma outra pessoa que lê atentamente. A mulher, vira e acena em uma saudação em direção à câmera. Neste ponto, Damiel e Cassiel entram em cena como se tivessem retornado o aceno e continuado a caminhar pelo corredor da biblioteca. O posicionamento e a velocidade da imagem, além do aceno da mulher em direção à câmera induz a pensar que o espectador vê a situação através dos olhos do anjo e que ela provavelmente deve ser um. Na continuação, Damiel e Cassiel caminham pelo seu próprio ponto de vista, a medida que compreendemos que foi através de seus olhos que estávamos vendo. Tudo isso é feito em apenas um “take”, na qual se apoia em sugestões visuais que nos orientam e nos surpreende. Damiel e Cassiel andando pelo seu próprio ponto de vista. Pelos travellings que induzem ao ponto de vista dos anjos, vemos o teto, as estantes, as mesas, e assim, vamos descobrindo o espaço como se estivéssemos na cena.

Figura 22. Planta do 2º Pavimento da Biblioteca de Hans Scharoun.

A Biblioteca aparece várias vezes no filme como lugar importante e acolhedor para os anjos. É nela que se encontram uma grande quantidade de anjos protegendo e observando-a.

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Figura 23. Esquema da Planta do 2ยบ Pavimento da Biblioteca de Hans Scharoun.

Figura 24. Esquema da Planta do 3ยบ Pavimento da Biblioteca de Hans Scharoun.

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1ª A primeira está localizada em três lugares diferentes: A. Segunda planta. Travelling em que se pode ver o teto, prateleiras e, em seguida, acompanha a jornada de Damiel e Cassiel pela sala de leitura, até um close no rosto de Cassiel de um ponto alto. B. Terceira planta. Panorâmica enquadrando o teto e o pilar. Travelling lateral até enquadrar a Damiel, sentado de costas para a abertura do edifício. Plano-contraplano com menino deficiente que escreve sobre a mesa. O Travelling enquadra a abertura dirigindo-se à escada que leva ao andar superior. C. Quarta planta. Primeiro plano de um livro, uma mão que agarra a caneta. Plano médio de Damiel com um lápis na mão e todo o teto com suas luminárias atrás. Panorâmica

Figura 25. Planta do 3º Pavimento da Biblioteca de Hans Scharoun.

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enfocando o plano médio, caminhando até as prateleiras. Plano geral, Damiel se senta ao lado da escada de acesso. Travelling a direita enquadrando Cassiel no patamar do mezanino. Travelling para a esquerda sobre o piso inferior e a escadaria que Damiel desce e Homero sobe. Os dois personagens se encontram no corredor. Plano-contraplano médio dos dois, plano do alto que os enquadra (mesmo ponto anterior). Plano médio de Damiel e plano geral com que a câmera volta ao mesmo ponto do enquadramento de Homero, que sobe as escadas e senta-se na cadeira onde estava o anjo. 2ª Localizado na sala de mapas no terceiro andar, é composta por dois planos: A. Cassiel e Homero sentados separados. A câmera se aproxima em um travelling, contorna a mesa, e enquadra a Homero. Em seguida, panorâmica à esquerda. Por atrás se pode visualizar a escada de acesso. B. A câmera atrás de Homero faz um travelling lateral para passar pelos livros. 3ª Localizado na quarta planta, é composta de três etapas: A. Panorâmica de uma parte da segunda planta até o anjo Cassiel sentado. Ao levantar-se é iniciado o travelling acompanhando-o pelo edifício. B. Travelling lateral, câmera subjetiva enquadrando a mulher que esfrega o solo, além de outro anjos. C. Cassiel avança até a câmera fixa, que enquadra a segunda planta, enquanto entra um facho de luz pelas aberturas. 90


Figura 26. Biblioteca de Hans Scharoun.

A Biblioteca Estatal de Berlim (Staastsbibliothek) é obra do arquiteto Hans Scharoun e Edgar Wisniewski. É um edifício formado por vários planos, mezaninos, aberturas e diferentes tamanhos de pés direitos. Possuem uma diversidade de vazios e ângulos que conformam as suas plantas e geram visuais interessantes. As cenas de Asas do Desejo vão mostrando a biblioteca, ascendendo planta a planta. Os planos tendem a começar e terminar com enquadramentos do mesmo espaço, fazendo referência ao cinema de Fritz Lang.

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CENA : ATROPELADO NA PONTE

Há uma sequência longa na ponte Langenscheidt. Inicia-se com o movimento da câmera que desliza rapidamente pelo centro da ponte Langenscheidt. Ao mesmo tempo escutamse sussurros de pensamentos de um homem gravemente ferido na sarjeta, com as costas apoiadas contra o meio-fio. No seguinte plano a câmera se situa a frente do ferido e junto aos demais da cena, o motorista do carro que causou o acidente e outros transeuntes que apenas observam à distância. No plano em que se abre a cena a câmera móvel parte do ponto de vista de Damiel. A partir da câmera subjetiva, vemos a imagem através dos olhos do anjo que desliza rapidamente através da ponte de Langenscheidtstraße, ouvindo em sussurros os pensamentos de um homem gravemente ferido na sarjeta, com as costas apoiadas contra o meio-fio. Shot (20 sec.) DYING MAN (inner voice): Don’t look at me so stupidly! Haven’t you seen anyone croak before? Shit, is it this easy? I’m lying in a puddle, stinking like an oil tanker. I can’t really end up here like a cow shit! Everything so clear! How they stand there gawking at me. The oil puddle... A cena começa com o movimento de Damiel em direção ao homem ao chão. Ao aparecer na mesma posição e direção que a câmera anterior, insinua a ideia de que o espectador enxergava a cena pelo ponto de vista do anjo. Damiel aproxima-se do homem ao chão, se ajoelha e coloca as mãos em cada lado de sua cabeça. Inclina-se para baixo a fim de sintonizar os pensamentos entre eles.

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Nesta parte, Damiel começa a recitar o poema “Invocação do mundo” (De Anrufung der Weit), ajudando o homem a focar os pensamentos nas coisas mais significativas de sua vida. Enquanto Damiel recita o poema, a câmera segue lentamente para a direita, e para a esquerda, mantendo os dois atores dentro do quadro. O ferido começa a recitar a invocação, de modo que tanto a sua, quanto a voz de Damiel são ouvidas simultaneamente pelo espectador. Neste momento, um outro rapaz aproxima-se preocupado pela situação e reprendendo os espectadores que não tomaram as devidas providencias. Damiel olha para o jovem, cede seu lugar, e volteia, fazendo o caminho pela calçada lateral da ponte. Figura 27. Esquema de deslocamento de câmera, cena da Ponte.

Neste último take, a câmera inverte o sentido de seu movimento caminhando para trás. Ela acompanha pela frente o anjo Damiel que segue em silêncio, enquanto o

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homem ferido continua a recitar o poema. Na metade da ponte, a câmera volteia-se para os trilhos. Damiel avança e passa por ela, e em seguida passa o trem por baixo da ponte. A imagem sequencial é de dentro do trem antes retratado, através da janela do condutor, provavelmente a partir do ponto de vista de Damiel que pode transitar de maneira inusitada pelos espaços. O poema continua a ser recitado pela voz do homem ferido, enquanto que, no restante da sequência, todas executadas sem movimento de câmera, Damiel se encontra no ombro da Siegessäule (Obelisco de Vitória). Foi utilizada a câmera subjetiva que foca o anjo e, logo depois, o seu ponto de vista, no caso a Avenida Hofjägerallee. A repetição dura 2 vezes, terminando com a imagem do céu cheio de nuvens. MOVIMENTO DE CÂMERA NA PONTE: O primeiro plano mostra a visão de Damiel. Já os outros planos possuem um ponto de vista externo, servindo para mostrar perfeitamente o espaço urbano. O anjo atravessa a ponte que se converte em um símbolo de união entre as duas margens, cruzando o limite dos sentidos entre os personagens mortais e imortais. Wenders rompe com a identificação através do uso de planos subjetivos. Apesar do contínuo uso do filtro preto e branco para identificar a visão dos anjos, o diretor brinca com os ponto de vista. A partir do momento que invocação começa até o momento que o jovem atende ao ferido no lugar do anjo, a câmera 96


Figura 28. Cena da Ponte Langenscheidtstraße, filme Asas do Desejo, 1987

segue para a direita e depois para a esquerda, voltando-se para a direita e mais uma vez para a esquerda, até parar bem em frente aos dois personagens. Este movimento de câmera também serve para que o espectador descubra o espaço ao mesmo tempo que os personagens. A paisagem não é revelada como um todo. O movimento é que vai dando uma condição dos espaços através da lente. Cada alteração na direção corresponde a uma variação da componente verbal da cena. Como por exemplo, antes de iniciar o acompanhamento da câmera, os pensamentos e as preocupações do ferido ficam em evidencia no áudio. Quando a câmera começa o movimento para a direita, 97


Damiel inicia a invocação. No retorno do movimento para a esquerda, Damiel e o ferido recitam juntos a invocação. Quando mais uma vez a câmera volta para a direita o ferido segue sozinho a recitar as palavras. E quando a câmera o deixa e acompanha o anjo, a voz do jovem é ouvida juntamente com a voz do ferido. A cena começa, se escuta os pensamentos do homem ferido no acidente de moto.

Guck doch nicht so blöd! Hast du noch niemanden krepieren sehen? Scheiße, so einfach ist das? Da lieg’ ich in der Pfütze, stink’ wie ein Tanker. Ich kann doch hier jetzt nicht eingehen wie ‘ne Primel! Alles so klar! Wie die alle dastehen! Wie die mich anglotzen! Der Ölfleck... Karin, das hätte ich ihr gestern sagen sollen... Das Ding ist mir einfach weggerutscht. ...daß es mir leid tut. Karin! Jetzt lieg ich hier. Ich kann doch nicht so einfach... Ich muß doch noch... Karin, ich muß doch noch soviel tun! Karin, Baby, mir geht’s nicht gut.

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Não olhe para mim tão estupidamente! Você não viu ninguém coaxar antes? Merda! Não é tão fácil? Eu sou aqui deitado em uma poça, fedendo como um petroleiro. Eu realmente não posso acabar aqui como uma bosta de vaca! Tudo tão claro! Como eles estão lá boquiabertos para mim. O óleo poça .. Karin, eu deveria ter te contado ontem ... Essa coisa saiu de controle. Eu sou ... desculpe. Karin! Agora eu estou estirado aqui. Eu não posso simplesmente ... Eu tenho que ... Karin, eu tenho tantas coisas para fazer! Karin, as coisas parecem ruins para mim.


Os pensamentos são relacionados a situação do momento, a vergonha por todos estarem a sua volta, e pela falta de controle do veículo. A “invocação do mundo” (texto escrito pelo próprio Wim Wenders), evoca questões mais profundo do ferido. Não aparenta ser apenas a voz interior, mas a própria fonte de seu ser. Tira a condição de um moribundo na sarjeta, permitindo rever os elementos significativos de sua vida, que fizeram parte da sua história.

DIE ANRUFUNG DER WELT | INVOCAÇÃO DO MUNDO Wie ich bergauf ging und aus dem Talnebel in die Sonne kam... Das Feuer am Rande der Viehweide... Die Kartoffeln in der Asche... Das Bootshaus weit draußen am See... Das Kreuz des Südens... Der Ferne Osten, Der Hohe Norden, Der Wilde Westen Der Große Bärensee! Die Insel Tristan de Cunha. Das Deltades Mississippi. Stromboli. Die alten Häuser Charlottenburgs. Albert Camus. Das Morgenlicht. Das Augenpaar des Kindes. Das Schwimmen am Wasserfall...

Enquanto eu andava para cima e para baixo do Vale nevoeiro veio ao sol ... O fogo na beira do pasto ... As batatas nas cinzas ... A casa do barco longe no lago ... O Cruzeiro do Sul ... O Extremo Oriente, O Alto do Norte, O Selvagem Oeste O Grande Urso A ilha de Tristão da Cunha. O Delta do Mississippi. Stromboli. As antigas casas de Charlottenburg. Albert Camus. A luz da manhã. O par de olhos de uma criança. O mergulho na cachoeira ... 99


Die Flecken der ersten Tropfen des Regens. Die Sonne. Das Brot und der Wein. Der Hüpfschritt. Das Osterfest. Die Adern der Blätter. Das wehende Gras. Die Farben der Steine. DieKiesel auf dem Grunde des Bachbetts. Das weiße Tischtuch im Freien. Der Traum vom Haus im Haus. Der schlafende Nächste im Nebenraum. Die Ruhe des Sonntags. Der Horizont. Der Lichtschein vom Zimmer... Im Garten. Das Nachtflugzeug. Das freihändig Radfahren. Die schöne Unbekannte. Mein Vater. Meine Mutter. Meine Frau. Mein Kind.

As manchas das primeiras gotas de chuva. O sol. O pão e o vinho. O Hüpfschritt. A Páscoa. As veias das folhas. A grama acenando. As cores das pedras. A sílica na parte inferior do leito. A toalha de mesa branca ao ar livre. O sonho da casa em casa. O dormindo na sala ao lado. O resto do domingo. O horizonte. O brilho da sala ... No jardim. O ar da noite. O ciclismo de mãos livres. O belo estranho. Meu pai. Minha mãe. Minha esposa. Meu filho.

Damiel sintoniza os pensamentos do ferido para esse poema, escondidos nas profundezas do subconsciente do homem ferido. A câmera reforça essa fantasia da realidade de anjos e humanos.

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CENA: BUNKER DE FILMAGEM

O set de filmagem de Peter Falk possui várias planos e uma abertura central que uni os andares. Os vazios remetem a estrutura da biblioteca de Hans Scharoun.

Figura 29. Cena do Set de filmagem de Peter Falk, filme Asas do Desejo, 1987

Em uma das cenas, Peter Falk prova chapéus enquanto a câmera enquadra desde cima através do buraco atravessado por ferros. É realizado um travelling para a direita e, com uma leve panorâmica para cima, enquadra a uma pessoa que também observa a Falk. O seguinte plano mostra o que ocorre no plano abaixo, de forma que é possível ver o buraco anteriormente filmado, enquanto as pessoas (produção e figurinistas do filme) passam dando a dimensão real do espaço. Outro plano enquadra Damiel situado acima observando o que sucede no mesmo ponto da câmera anterior. Essa sequência sugere o plano subjetivo da visão do anjo. Por último Peter Falk que olha diretamente para a câmera que se encontra em uma posição acima como no princípio. A cena está planejada com uma simetria na localização das formas que acabam no mesmo ponto que iniciaram. Em outra cena do bunker, a câmera enquadra a grua onde está outra câmera. Ambas se aproximam a outro vazio, dois andares a cima. Realiza uma panorâmica para baixo, mostra os atores atuando, de modo que, percebemos a dimensão do espaço.

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SEQUÊNCIA VERTIGINOSA

Praticamente todos os exemplos fluidos ou de trabalho de câmera dramática podem ser explicados pelo ponto de vista de um anjo. Contudo, há uma exceção intrigante envolvendo o movimento de câmera de natureza totalmente diferente, de um modo original e surpreendente na sua forma em que pode ser visto como uma nova figura cinematográfica, inventada por Wim Wenders e sua equipe para satisfazer a necessidade específica de contraste e ruptura. É uma sequência montada, em que se introduz pelo “take” em que Cassiel mergulha a partir da asa da Coluna da Vitória. Após a queda, a câmera faz mergulhos similares, como se experimentasse através dos olhos de Cassiel, em uma sucessão de imagens vertiginosas. As imagens urbanas aparecem fragmentadas, em ritmo acelerado, causando intenso perturbação. São imagens do cotidiano urbano fruto do trabalho do cineasta Henri Alekan, que atuou como diretor de fotografia de Asas do Desejo.

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MURO BERLIM

Voltando ao limite, o Muro de Berlim é ponto fundamental do percurso dos anjos no espaço urbano. Também conhecido como o muro da vergonha, é a prova do descompasso da vida moderna que estabeleceu uma divisão territorial para impedir a circulação e migração de pessoas da Alemanha Oriental para a Ocidental em plena Guerra Fria. Possuía 156 quilômetros com mais de 300 torres de observação munidas de militares, cercas elétricas, explosivos e cães.

Figura 30. Esquema de deslocamento de câmera, cena do Muro de Berlim.

O muro significou como marco de uma sequência dos anjos Cassiel e Damiel. Eles partem da água do rio e ascendem até uma ponte onde as câmeras os seguem em movimentos laterais, enquanto conversam e revisam a história da humanidade até desaparecerem no muro.

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Em suas falas, comentam a trajetória daquele espaço. “Você se lembra de quando esta estrada foi obstruída? A mesma que depois testemunhou a retirada de Napoleão e que foi, em seguida, pavimentada. Hoje está cheia de mato e afundada como uma via romana, devido à passagem dos tanques.” O falso Muro-Limite construído por Wenders para gravar a cena é atravessado pelos anjos. Além disso, é escolhido para a conversão de Damiel em humano. Na respectiva sequencia, os anjos são enquadrados em um plano geral, situados entre o Muro e a torre de vigilância. Repentinamente a câmera executa um movimento rápido (travelling lateral) para enquadrar os soldados posicionados do outro lado da torre que se assustam, talvez pelo barulho de Damiel ao cair. Outro travelling lateral em sentido contrário é realizado, servindo para enquadrar a Cassiel com seu companheiro nos braços. Os soldados não puderam ver nada e Damiel flutua sustentado por Cassiel. A câmera subjetiva em que o espectador se identifica com a visão do anjo Damiel, e em algumas vezes com a visão de Cassiel e das crianças é usada diversas vezes. Parecia uma solução interessante para mostrar o espaço. Contudo, ao renunciar a algumas convenções cinematográficas, Wenders revela a cidade e os recintos interiores com o uso de travellings suaves e planos subjetivos. Talvez não seja evidente em uma primeira aproximação do filme. há uma indicação a esse tipo de plano quando o diretor do filme de Peter Falk, pede um close para a realização da cena subjetiva. Com esse procedimento, o espectador é sutilmente induzido a tomar o papel do anjo protagonista, livre para movimentar-se, ultrapassando limites, realizando voos e, o mais importante de tudo, podendo olhar para céu, abrindo seu leque de possibilidades. 104


Figura 31. Esquema de deslocamento de câmera, cena do Muro de Berlim, transição do anjo.

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A relação mais importante de Wenders com o espaço arquitetônico não só se refere ao trânsito pelo limite no espaço, mas a forma como nos ensina a olhá-lo. O arquiteto Jean Nouvel comentou sobre o diretor: “O olhar de Wenders é a distância distendida. Seu mundo estético é o meu, e isso me parece normal e simples. Muitas vezes, quando quero qualificar um lugar por uma sensação a compartir, sei que somos alguns milhares de pessoas que já sentimos na escuridão e na passividade”.

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Figura 32. Wim Wenders, 1987


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IMAGINÁRIO DE SÃO PAULO Ensaios sobre a cidade



IMAGINÁRIO DE SÃO PAULO UM OLHAR SOBRE A MINHA CIDADE

A partir do estudo dos espaços imaginários urbanos pela visão do cinema, principalmente através da obra cinematográfica de Wim Wenders, foi realizada a leitura de São Paulo, na tentativa de capturar e criar imagens particulares de várias partes da cidade. O experimento se deu pela concepção de paisagens diversas do dia a dia, acompanhadas de ruídos e sons. Há a tentativa de registro do espaço público como a rua, a praça, o parque, os edifícios públicos e galerias. Repertório banal que contém espaços facilmente identificáveis e outros nem tanto. Todos na busca por texturas e cores diferentes, que possam ser vistos com cuidado e acolhidos pelo espectador, gerando sensações inconstantes. Com uma câmera não muito sofisticada, é filmado e fotografado basicamente o que se enxerga, estruturando a narrativa por meio de cortes inusitados, que conectam espaços criando uma cartografia própria capaz de investigar a arquitetura, reinventar as vistas e insinuar os sonhos. Por meio das escolhas, torna-se visível a estrutura da vida cotidiana, os fluxos de pessoas, sempre em trânsito que olham para a câmera com desconfiança. Por meio do vídeo sugere uma narrativa não acabada, dotadas de um deslocamento contínuo e irregular.

Figura 33. Colagem digital.

Viver o espaço é poder imaginá-lo, fantasiar histórias referentes a cada olhar particular sobre o mundo. Assim como o filme Asas do Desejo, coloca a ideia de inocência e fantasia do olhar infantil que permite a liberdade nas perspectivas, o olhar para o céu “única coisa clara, transparente e compreensível” [Asas do Desejo, 1987] e sugere igualmente a busca de sentido, movidos pelo desejo de algo novo. 111


ENSAIOS SOBRE A CIDADE

Os primeiros experimentos constituíram na produção de ensaios fotográficos que selecionassem espaços e criassem ambientes diferentes dos que vivenciamos no dia a dia. Assim como Wim Wenders, o interesse começou pela pintura e pela fotografia. Elas contribuem para o entendimento das imagens em movimento, que produzem uma narrativa para serem sustentadas. Como seu livro, Lugares, Estranhos e Quietos, selecionei algumas fotos de cenários incomuns, capazes de retratar uma possibilidade de São Paulo. “Não há nada mais belo sob os céus que a incrível, alucinante, infinita variedade de lugares que realmente existem.” [Lugares, Estranhos e Quietos, 2010].

Figura 34. Fotografia Metro Sumaré, 2013

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Figura 35. Fotografia Largo da Boa Vista, 2013

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Figura 36. Fotografia Praรงa das Bandeiras, 2013

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Figura 37. Fotografia Martinelli, 2013

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Figura 38. Fotografia EdifĂ­cio Banespa, 2013

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Figura 38.

Figura 39.

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Figura 40.

Figura 41. Figura 38, 39, 40, 41. Respectivamente: Bairro do Bexiga, PompĂŠia , Beco do Batman e Parque da Luz, 2013

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Figura 42.

Figura 43.

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Figura 44.

Figura 45. Figura 42, 43, 44, 45. Respectivamente: Centro, Luz, Parque Ibirapuera e Centro, 2013

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PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

Enquanto nas narrativas cinematográficas mais tradicionais é apresentado ao apreciador um filme fechado, uma história com começo, meio e fim, de conteúdo e forma específicos, e com objetivos e efeitos pré-determinados, nas obras de caráter ensaístico o apreciador é cúmplice do realizador em um processo em que ele mesmo (o realizador) não parece tão preocupado com os efeitos. São oferecidas muito mais questões do que respostas, um jogo aberto de possibilidade de acertos e erros. O vídeo permite uma experiência de vertigem, sem tantos controles e domínios cênicos. Trata-se de uma lógica mais visual do que narrativa, mais um modo de pensar do que uma possibilidade de narrar [Machado, 2004]. O vídeo seria uma inquietação, produção aberta que se apresenta como fluxo de ideias. Por isso o seu caráter de pensamento ao vivo. É operado como mecanismo relacional, como ambiente de desconstrução, contaminação e compartilhamento. O pensamento visual é instantâneo. Nos permite manipular, inscrever, combinar, recomeçar, apagar, acrescentar, precisar, deslocar, fazer gambiarras. As imagens em movimento são uma pensamento em ação, diretos, sem rodeios e de fácil acesso. Nessa condição foi realizado um vídeo para retratar o imaginário de São Paulo, partindo da ideia de captar espaços isolados da cidade conectados através de cortes inusitados.

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PROCESSO DE FABRICAÇÃO DO VÍDEO

Para a produção do vídeo foram mapeados e escolhidos alguns lugares da cidade que evocassem a história, marcas, registros e descompassos. Desde espaços residuais até as grandes avenidas foram registrados, pensando sempre em mesclar lugares conhecidos e característicos de São Paulo, com outros desconhecidos e esquecidos. Os ensaios fotográficos anteriores contribuíram para o estudo da locação das filmagens do vídeo. A partir delas, foi possível estudar ângulos, planos, texturas e cores. Foi pretendido utilizar o movimento para a execução das imagens, em uma tentativa de trazer o deslocamento como tema, além de trazer a câmera próxima ao olhar do espectador, revelando o espaço gradativamente. A intenção inicial era unir lugares que não tivessem relação um com o outro, capaz de fantasiar um espaço que não existe, como no caso de Wim Wenders, em Asas do Desejo em que o anjo se desloca pela cidade de maneira etérea, entrando por janelas, passando por paredes, criando seu próprio percurso livre. Pelo vídeo, pretendia-se trazer a liberdade, a facilidade e fluidez para a cidade de São Paulo, que quase sempre se apresenta com aspecto truncado e amarrado, cheia de nós, paisagens fragmentadas como se fossem várias cidades diferentes, incompatíveis. A partir desse desejo de mudança, foi construído um espaço em que qualquer elemento se torna uma possiblidade de transporte para outro lugar completamente diferente. Seja uma parede, janela, a brecha do sol ou do tapume, tudo permite o escape, o transporte para outra realidade. 123


Partindo desse conceito, foi realizado um roteiro para organizar a filmagem e a produção. O roteiro foi interrompido e mudado. Durante as filmagens, apareceram imagens mais interessantes, surpresas e desilusões com as locações anteriormente escolhidas. Essa é a riqueza da produção audiovisual, poder estar aberto às novas situações, às condições de luz e do tempo, e a riqueza dos personagens reais da cidade.

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ROTEIRO INICIAL Áudio: áudio do lugar Imagem: Cena 00| Fundo Preto - Título: Imaginário da Cidade Cena 01| Feira de Rua (R. Barão de Capanema) - corte seco Cena 02| Feira Barão de Capanema (continuação do percurso) - corte seco Cena 03| Entrada e percurso pela Galeria da R. Augusta - corte seco Cena 04| Saída da Galeria perpendicular a R. Augusta até encontrar ônibus que preenche a tela. Cena 05| Vista da janela do ônibus em direção à rua. Baixo Augusta. Cena 06| Close porta do ônibus no ponto de ônibus da R. Cardeal Arco Verde com R. Cristiano Viana. (corte) Cena 07| Percurso R. Cardeal Arco Verde, início da escadaria. (corte) Cena 08| Final da escadaria do Vd. do Anhangabaú. (corte) Cena 09| percurso no Vd do Anhangabaú até poste de luz central. Cena 10| foco no poste da ponte da praça das Bandeiras. Foco na rua abaixo. Movimento descendente da câmera. Cena 11 | Túnel da Paulista. Caminhar pelo túnel da Paulista mostrando grafites e escombros. (corte) Cena 12| Saída do túnel da Av. Paulista. (corte) Cena 13| Percurso pelo Minhocão no final de semana. Corte em uma pessoa. Cena 14| Pessoas no Sesc Pompéia em uma das plataformas. Corte - foco concreto Cena 15| Interior do Sesc Pompéia (corte) Cena 16| Catracas do metro Sumaré Cena 17| Percurso até a entrada do vagão do metro da Sumaré. Close na porta do metro. Cena 18| Close porta do trem da Marginal Pinheiros no final do dia. Percurso da saída do trem até vista da marginal no entardecer. 125


MONTAGEM

Pela montagem foram estabelecidas analogias e contraste de espaços, ligando, através do corte, situações impossíveis. Foram agregados efeitos no ritmo, efeito sonoro, ajuste de cor, enquadramento, tudo para construir o lugar imaginado. A sucessão de quadros das passarelas, pessoas, ruas e edifícios são mostrados de maneira dinâmica e contínua, como um passeio sem interrupções. Mais do que uma simples ordenação de imagens, a montagem cria espaços e tempos próprios. Desta experiência, apresento o vídeo do imaginário de São Paulo como investigação pessoal, sem tantas sofisticações, nem práticas anteriores.

Figura 46. Imagem do vídeo Imaginário da cidade

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BIBLIOGRAFIA

ABRUZZESE, ALBERTO. La imágen fílmica. Editorial Gustavo Gilli, Barcelona, 1978. ARGAN, G.C. Arte moderna (1970). São Paulo: Cia. das Letras, 1992. ARGAN, Giulio Carlo. Lo spazio visivo della città: Urbanistica e Cinematografo. Londres, Oxford University Press, 1960. BARBER, Stephen. Projected Cities. Cinema and Urban Space. Londres: Reaktion Books: 2002. BAUDELAIRE, C. O pintor da vida moderna. In: BAUDELAIRE, C. Sobre a modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. BENJAMIN, Walter – A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo, Brasiliense, 1996. BUCHKA, Peter. Olhos não se compram. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Companhia das Letras, 1990. CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (org). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify: 2001. COHAN, Steven and HARK, Ina Rae. The Road Movie Book. London: Routledge, 1997. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004 FRANCASTEL, P. Pintura e sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1990. HARVEY, David. A condição Pós-Moderna. 13ª ed. São Paulo: Ed. Loyola, 2004. NAZÁRIO, Luiz (org.). A cidade imaginária. São Paulo: Perspectiva, 2005. 129


SUPPIA, Alfredo Luiz Paes de Oliveira. A metrópole Replicante: Construindo um diálogo entre Metrópolis e Blade Runner. Campinas: UFJF: 2011. TRUFFAUT, François. Os filmes de minha vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. ZEVI, B. Storia dell’architettura moderna, vol 1”, Einaudi, Torino 1950. ZEVI, B. Saber ver a Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes: 1985. WEINRICHTER, Antonio. WimWenders, Madrid: Ediciones JC, 1981. WENDERS, Wim. A lógica das Imagens, Rio de Janeiro: Edições 70, 1990. WENDERS, Wim. A Paisagem Urbana. Revista do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. nº 23. Ministério da Cultura, 1994.

SITES http://www.archdaily.com.br/59900/cinema-e-arquitetura-o-ceu-sobre-berlim/ http://berlin-wall-map.com http://www.dw.de http://revistaseletronicas.pucrs.br http://julietterevistadecinema.com.br http://avanthard.wordpress.com/ http://www.imdb.com/

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FILMOGRAFIA

Produção de Wim Wenders: Alice in den Städten (Alice nas Cidades), 1974 Falsche Bewegung (Movimento em Falso), 1975 Im Lauf der Zeit (No decurso do Tempo), 1976 Der amerikanische Freund (O Amigo Americano), 1977 Paris, Texas, 1984 Tokyo-Ga, 1985 Der Himmel über Berlin (As Asas do Desejo), 1987 Bis ans Ende der Welt (Until the End of the World), 1991 In weiter Ferne, so nah! (Tão Longe, Tão Perto), 1993 Outro filmes consultados: Metropolis Fritz Lang 1927 Cidadão Kane Orson Welles 1941 O Expresso para Berlim Jacques Tourneur 1948 O Terceiro Homem Orson Welles 1949 A Janela Indiscreta Alfred Hitchcock 1954 Meu Tio Jacques Tati 1958 La Dolce Vita Federico Fellini 1960 A Noite Michelangelo Antonioni 1961 O Desprezo Jean-Luc Godard 1963 Play Time Jacques Tati 1967 O Conformista Bernardo Bertolucci 1970 Roma Federico Fellini 1972 O Porteiro da Noite Liliana Cavani 1974 Taxi Driver Martin Scorsese 1976 Blade Runner Ridley Scott 1982 Os Amantes de Pont Neuf Leos Carax 1991 131


Light Sleeper Paul Schrader 1992 Antes do Amanhecer Richard Linklater 1995 The Truman Show Peter Weir 1998 Titus Julie Taymor 1999 Janela da Alma Jo茫o Jardim e Walter Carvalho 2001 Cidade de Deus Fernando Mereilles 2002 Dogville Lars Von Trier 2003 Dopo Mezzanotte Davide Ferrario 2004 Antes do P么r-do-Sol Richard Linklater 2004 Quem Quer ser um Milion谩rio? Danny Boyle 2008 Homem ao Lado Gast贸n Duprat e Mariano Cohn 2009 Medianeras Gustavo Taretto 2011 Jovens Adultos Jason Reitman 2012

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CRÉDITOS DE ASAS DO DESEJO (WIM WENDERS, 1987)

Produção | Road Movies Filmproduktion, Argos Films, Westdeutscher Rundfunk (WDR) Roteiro | Wim Wenders Música | Jürgen Knieper Fotografia | Henri Alekan Edição | Peter Przygodda Produção de Design | Heidi Lüdi Decoração | Esther Walz Elenco Principal Bruno Ganz (Damiel) Solveig Dommartin (Marion) Otto Sander (Cassiel) Curt Bois (Homero) Peter Falk (Cineasta) Hans Martin Stier (O homem atropelado) Elmar Wilms ( Homem triste) Sigurd Rachman (Suicida) Beatrice Manowski (Mulher do bar) Locação | Berlin, Alemanha Kaiser Wilhelm Gedächtniskirche, Potsdamer Platz, Mitte, Siegessäule, Tiergarten, Staatsbibliothek, Tiergarten.

Trilha Sonora Zirkusmusik by Laurent Petitgand Les Filles du Calvaire by Laurent Petitgand Six Bells Chime by Crime and The City Solution The Carny by Nick Cave & The Bad Seeds (as Nick Cave and The Bad Seeds) From Her to Eternity by Nick Cave & The Bad Seeds (as Nick Cave and The Bad Seeds) Pas Attendre by Sprung Aus Den Wolken Some Guys by Tuxedomoon When I Go by Minimal Compact Angel Fragments by Laurie Anderson Der Karibische Western by Die Haut Prêmios Festival de Cannes 1987 (França) - Melhor diretor. Independent Spirit Awards 1989 (EUA) Melhor filme estrangeiro. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 1988 (Brasil) - Prêmio da Audiência de melhor filme. Um filme de | Wim Wenders

Tempo | 128 min Sound Mix | Dolby Cor | Color (Eastmancolor)| Black and White (partly) 133


ÍNDICE DE IMAGENS

Asas do Desejo (Wim Wenders, 1987), pg. 46, 57, 59, 61, 63, 67, 76, 78, 83, 95, 99 Bairro do Bexiga, São Paulo, pg. 116 Bairro do Paraíso, São Paulo, pg.10 Bairro da Luz, São Paulo, pg. 22, 118 Beco do Batman, São Paulo, pg. 117 Bette Davis (1908 – 1989), pg. 26 Biblioteca de Hans Scharoun, pg. 84, 86, 87, 89, 90, 91 Brigitte Helm (1906 – 1996), pg 26 Centro de São Paulo, pg. 118, 119 Charles Chaplin (1889 – 1977), pg. 26 Colagem digital, pg. 108 Edifício Banespa, São Paulo, pg. 115 Edifício Martinelli, São Paulo, pg. 114 Esquema do deslocamento de câmera | 1ª Cena, pg. 79 Esquema do deslocamento de câmera | Cena do Edifício, pg. 82 Esquema do deslocamento de câmera | Cena do Muro de Berlim, pg. 101, 103 Esquema do deslocamento de câmera | Cena da Ponte, pg. 93 Jack Nicholson (1937), pg. 26 Largo da Boa Vista, São Paulo, pg. 111 Macaulay Culkin (1980), pg. 26 Mapa de Berlim, pg. 55 Marlene Dietrich (1901 – 1992), pg. 26 Marty Feldman (1933 – 1982), pg. 26 Metro Sumaré, São Paulo, pg. 110 Mies van der Rohe (1886 – 1969), pg. 26 Montagem da Praça das Bandeiras, São Paulo, pg. 112, 113

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Nastassja Kinski (1961), pg. 26 Nick Cave e Blixa Bargeld, pg. 42 Orson Welles (1915 – 1985), pg. 26 Parque Ibirapuera, São Paulo, pg. 119 Parque da Luz, São Paulo, pg. 117 Paris, Texas (Wim Wenders, 1984), pg. 33, 35, 36, 38, 39 Pintura de Edward Hopper, Gas , 1940 (Museum of Modern Art), pg. 35 Pinturas de Edward Hopper, Nighthawks, 1942 (Art Institute de Chicago), pg. 35 Pompéia, São Paulo, pg. 116 Rodolfo Valentino (1895 – 1926), pg. 26 The Third Man (Orson Welles, 1949), pg. 19 Vídeo Imaginário da cidade, pg. 125 Wim Wenders, pg. 27, 28, 105 Willem Dafoe (1955), pg. 26

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Fontes Minion Pro e Univers Papel Alta Alvura 120 g/ m² e 150 g/ m²





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