REVISTA PAUSA NA REDE

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Organização

Amanda M. P. Leite André Demarchi Renata Ferreira Da Silva Ricardo Ribeiro Malveira Suiá Omim 1ª Edição 2020 – Palmas/TO


Parcerias

Apoio:

Organização

Realização


Editorial Organização e curadoria Amanda M. P. Leite André Demarchi Renata Ferreira Da Silva Ricardo Ribeiro Malveira Suiá Omim

Projeto Gráfico Amanda M. P. Leite Renata Ferreira da Silva

Capa Amanda Leite

Imagem da capa Juliana Goulart Cardoso - SC

Curadoras convidadas Alda Romaguera - SP Carolina Pedreira - TO Keyla Sobral - PA Mariene H. Perobelli - MG Raquel de Melo Versieux - CE Tatiana Devos Gentile - RJ Sara Figueiredo - RJ

Linha Mestra - Associação de Leitura do Brasil (ALB) e-ISSN: 1980-9026 Edição Especial Revista Pausa na Rede 2020.


CONVOCATÓRIA

Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020

2020 Mariene Perobelli (prefácio) Apresentação Juan A. A. Benavent – Espanha Felipe Bittencourt – SP Alisson Bruno M. Viana – CE Laura M. Mattos – SP Tatiana Boudakian – SP Sara de Melo – SP Sandra Lapage – SP Hana/Pi Mockdece – MG Junior Franco – RJ Artur Dória – BA Lia Testa – TO Déa Trancoso – MG Juliana Goulart Cardoso – SC Suiá Omim - TO Alexander Moschkowich – RJ Marlon de Paula – MG Ditto Leite – MG Daniel Bretas – MG Iulik Lomba de Farias – MG Alice Dote – CE Marada Tropa – USA Fabíola Fonseca – CE Leila Bokel – RJ Pedro Gotardi – SC Fernanda Oliveira - PR Laura de Aro Galera – SP José Cupertino de Freitas Junior – CE Thiago Azevedo – PA Wesley Lima Brito – SP Kallyel Ventura – SP Renata Ferreira – TO Luis Só – SP Gizele Cristiana Carneiro – PR

PAUSA NA REDE

Expressões artísticas em tempos de quarentena Amanda Leite – TO Duna Dias – MG Daniele Lucato – Alemanha Isabel Pérez del Pulgar – França Teles Cristiano Candido – TO Hugo De Leoni – RJ Menderson Bulcao – BA João Paulo – PR Mateus Sérvio – PI Beira Bando – MG Sara Maria S. Oliveira – CE Camila Jorge – PR Anna Moraes – SC Ramiro Barbosa Xavier – TO Wayner Tristão – PE Izabela Leal – PA Wagner Moreira – Alemanha Marcos Davi Barros – DF Ricardo Ribeiro Malveira - TO Vanessa F. dos Santos S, Valles Leal – PR Gabriel M. Medeiros – SP Maria Olívia Aporia – SP Vilmar Madruga – RJ Manu Neves – RJ André Demarchi - TO Bárbara Mol – MG Uivo Matilha – MG Oscar Malta – PE Paloma Arantes – MG Victor Anselmo Costa – SC Kayo Filipe Alves Silva – CE Keyme Gomes Lorenço & Thaís Pimenta – MG Raquel Versieux – CE Alda Romaguera (posfácio)

Realização

@casa_clic


(pausa)


Houve um tempo em que as pessoas andavam freneticamente de um lado para o outro. Houve um tempo que as pessoas corriam atrás dos vazios perdidos pelos caminhos. Houve um tempo que as pessoas se perderam nos caminhos. Houve um tempo. Era outono-inverno de 2020 no Houve um tempo que as pessoas perderam os caminhos. Hemisfério Sul do Planeta Terra. Um grupo de artistas Houve um tempo que as pessoas se perderam de si mesmas. trocava percepções e vividos de suas experiências em Houve um tempo de interrupção. reclusão social. Nasceu PAUSA NA REDE – Revista de Houve um tempo que as pessoas tiveram que regressar ao seu Artista. E foi preciosamente tecida por artistas que se interior. Não puderam mais transitar de um lado para o outro. permitiram pausar, colocar a vida em suspensão e Na interrupção, as pessoas sofreram. Talvez ainda mais que na percebê-la com seus sentidos em tempos de Pandemia. correria perdida de si. Foi um tempo que os conflitos e Transformaram medos, insônias, tristezas, desafios, descaminhos das vidas vieram à tona. As emoções escondidas desencontros, descobertas, faltas... em Arte. nos excessos do viver vieram à tona. As relações e a falta delas A morte traz em si a possibilidade do renascimento. O vieram à tona. Os medos, as raivas, as tristezas vieram à tona. luto é a pausa necessária entre a constatação da morte e o Foi um tempo de morte. Foi um tempo de luto. Mas em todos os tempos, há aqueles que desenvolveram olhos ato de renascer. É improvável que se possa renascer sem passar pelo luto da morte. Quando 359 artistas vivem a para ver; ouvidos para escutar; mãos para tecer; corações para realidade de uma Pandemia, se permitem pausar, criar e sentir; corpos para dançar; mentes para criar. Sentem muito. colocar na rede suas criações, dão origem a uma nova Criam deveras. Tecem quilômetros. Escutam silêncios. obra: uma Revista de Artista. Então compartilham com o Movimentam multiversos. Visionários. Em todos os tempos, mundo seu potencial transformador (transforma a dor): suspendem o tempo. Observam. Contemplam. Questionam. Arte. Transformam. Transcendem. PAUSA NA REDE é um convite. Não há fuga. Há mergulho. Intensidade. Regeneração. Viva a experiência da pausa e se permita renascer com cada obra desta rede de artistas.

Mariene Perobelli - MG

Cerrado mineiro, inverno de 2020

Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020

... Pausa ... Pause... ... Pouso... Repouso...

[prefácio]


Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020

Inocentes do Leblon Os inocentes do Leblon não viram o navio entrar. Trouxe bailarinas? trouxe imigrantes? trouxe um grama de rádio? Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, mas a areia é quente, e há um óleo suave que eles passam nas costas, e esquecem.

Carlos Drummond de Andrade In Sentimento do Mundo Irmãos Pongetti, 1940 © Graña Drummond


A linha narrativa da Revista Pausa na Rede, suplemento desta edição da Revista Linha mestra, busca dar a ver como uma Revista de Artista, o efeito dessas questões no processo criativo contemporâneo. Selecionamos composições artísticas (em diferentes linguagens) que mostram fluxos de criações e de pensamentos, na e sobre o processo pandêmico a que estamos imersos desde o início de 2020, no Brasil. Uma pausa para que artistas façam um balanço na rede, das redes e em rede. A Convocatória Pausa na Rede convidou pessoas instigadas em confinamento, de qualquer parte do mundo, a compor uma Revista de Artista com obras em todos os formatos que tematizam as especificidades subjetivas da pausa, do interstício, do cancelamento, da suspensão, do luto, através de diversos modos de criações. Em tempos de recolhimento social, observação de si e reinvenção do cotidiano, a proposta foi reunir e publicar textos, poemas, imagens, fotografias, vídeos, divagações filosóficas, pintura, videoarte, GIFs, desenho, arte digital, colagem, gravura, de artistas brasileiros e/ou estrangeiros, que evocam a multiplicidade dos estados artísticos que as novas ontologias produzem em estado de pausa. A convocatória foi promovida pelos grupos de pesquisa da Universidade Federal do Tocantins (UFT): Transver – estudos entre Educação, Comunicação e Arte (Licenciatura em teatro); Malt – Memória, Arte e Alteridade (Ciências socias); Gesto: poéticas da criação (Licenciatura em teatro); Coletivo 50 graus: pesquisa e prática Fotográfica (Pedagogia) e conta com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade (PPGCOM/UFT). Além disso, recebemos o apoio da Eixo Arte da cidade do Rio de Janeiro e, ainda, a fundamental parceria da Revista Linha Mestra, de Campinas – SP, que hospeda o resultado final desta convocatória além da Casa Clic, que realizou e divulgou a ação. Desejamos conectar diferentes pessoas à novas obras promovendo diálogos. Organizadores:

Boa Pausa!

Amanda M. P. Leite André Demarchi Renata Ferreira Da Silva Ricardo Malveira Suiá Omim

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Apresentação

A pandemia se instaurou. Algo irrompeu na máquina do mundo. Experimentamos, nos últimos meses, um modo de vida que nos desloca para a intimidade, uma redescoberta em tempos de distanciamento social. A casa tornou-se um local que concentra diversas atividades (do home office, ao lazer; da crise econômica à crise existencial; da solidão absoluta de uns, ao confinamento coletivo compulsório de outros). Sair ou não de casa tornou-se um ato que exige tensões, protocolos e apreensões. Estas rápidas e grandiosas mudanças que impactam os modos de vida, nos mais diferentes lugares do mundo, nos apontam para uma redescoberta dos espaços-tempos nos processos de distanciamento físico e da comunicação social virtual. As novas rotinas cotidianas instauram o desafio de reinventar os modos de estar com a gente mesmo, no espaço da casa, mas, conectados ao mundo e seus acontecimentos, digerindo tantos lutos. Junto aos processos e inquietações produzidos pelo lastro epidêmico, vivemos o complexo alastramento da infodemia. A propagação de fake news, perfis falsos, robôs postando em massa, o ódio sendo destilado e manejado nos gabinetes a serviço de uma necropolítica. Os fascismos e micro-fascismos estão postos no mundo, nos resta pausar na importante proposição de Jean Rouch "(...) a diferença não é uma restrição, mas uma adição". A pandemia do Covid-19 tem nos convocado a viver uma Pausa na forma de produção de nossas vidas. A difícil e desafiante atitude de pausar o que se tem feito e se quer fazer nos faz conjugar a espera, o descanso, a invenção, a criação, a procrastinação e, ao mesmo tempo, a preocupação, o medo, o luto ... mas, podemos neste momento de pausa também preparar na e em rede, outro mundo porvir. Estar em casa de uma forma nova, de um ângulo novo, com um tempo diferente. Um, dois, três, quarenta e oitenta e tantos dias de forma íntima e privativa percebendo o que (nos) muda e que (nos) força um jeito novo de reencontrar o mundo que pede pausa e reinvenção.


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“O covid é o sintoma, o capitalismo é a doença” (Frase escrita em uma pixação)


outra pausa


Juan A. A. Benavent Espanha juanalbe@hotmail.com @juaalbe3

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Felipe Bittencourt – SP

felpochatt@gmail.com @felipe_rocha_bittencourt

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Alisson Bruno M. Viana – CE

brunomoreiraviana98@gmail.com @brunokunk

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Laura M. Mattos – SP

laurammatt@gmail.com @laurammattos.arte08

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Tatiana Boudakian – SP

tmboudakian@gmail.com @tatiboudakian

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À Susana Dias Nos últimos anos tenho habitado nuvens em movimento. À distância: confortáveis, macias. Um meteorologista contou à Susana que nuvens são compostas por milhares de partículas enlouquecidas. Deve ser por isso. A nuvem é feita para desabar em chuva. Antes disso, tudo é espera. Milhares de partículas enlouquecidas, prestes a partirem rumo ao chão. Vê se pode: eu construindo casa dentro de uma nuvem. No macio branco povoado por toda sorte de instabilidade. Não está muito confortável. Sim, deve ser por isso.

Sara de Melo – SP saradmelo@gmail.com @saradmelo Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


Sandra Lapage – SP

sandra.lapage@gmail.com @sclapage

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Hana / Pi Mockdece - MG mockdece.hb@gmail.com / @hana.brenerm / @soupiedai


Junior Franco - RJ

jrfrancofotografia@gmail.com @j.r.f.r.a.n.c.o

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doria.artur@gmail.com / @arturdoria

Artur Doria – BA


Lia Testa – Colagem – TO poetisalia@gmail.com @liatesta_colagista Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


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Monja Lib, a mulher que vomitava desertos Não. Eu não sou a princesa de cândido olhar. A dama que cruza as pernas em longa elegância. A sinhazinha que concorda sem urgências. Sou uma velha mulher selvagem capaz de ver e de suportar o que vê. Quanto mais vejo minhas trevas e minhas horrendas carnificinas, mais a luz se aglutina em torno de mim me dizendo que o trabalho profundo é, com certeza, o mais sombrio. Não. Eu não sou a que bate cílios nos salões pomposos e sensuais. Sou a que enxerga no escuro. Não tenho medo de sangue. Não tenho medo de vísceras. Não tenho medo de podridão, fedor, dejetos. Não tenho medo da vida. Não tenho medo da morte. A verdade é um corte. A verdade é um corte na artéria. A recordação do que se viu e se sabe é dolorosa. Saber é uma dor porque a dor é uma porta de acesso ao mistério. Sim... Eu sou uma velha mulher selvagem... Venho de linhagens antigas que caminham sobre o planeta lembrando; procurando as chaves escondidas debaixo da língua, assim como Elêusis: fazendo as perguntas, buscando a pista, o indício; as palavras capazes de abrir a porta. Sim. De vez em quando, meus mestres, os corvos marinhos, almas devoradoras de pecados, vêm comer os meus, me preparando para ser redimida e purificada, como rezam os livros sagrados. E, com a imensa compaixão desses pássaros do mar, eu incubo e libero os lados mais abjetos do meu ser para que a luz da face da terra, um dia, me faça desaparecer como fumaça. E, de mim, só restem memórias da mulher selvagem que fui. Sim. A que amou, intuiu, resistiu, criou e cuidou. A que cantou sobre os vivos. A que cantou sobre os mortos. O núcleo do átomo de clara luz. Sim. Eu sou uma velha mulher selvagem que se tornou: sigo, assim, olhando para o sol. Sigo, assim, para dentro de mim. Vou para lá, vou para o fundo do mar. Vou para lá, vou rever Dandalunda. De vez em vez, tenho dúvidas ferozes. De mês em mês, tenho paúras atrozes. Mas, para o meu espanto, sigo olhando para o sol. Para o meu espanto, voo meu voo solo. E, quando eu canto, o Maravilhoso me põe no seu colo.

Déa Trancoso – MG deatrancoso@gmail.com @deatrancoso_oficial


Juliana Goulart Cardoso – SC

juliana.arisu@gmail.com @marjorye.16 Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


Terrano Substituível Solúvel

em pó que vento nenhum leva que água nenhuma abraça forquilha é gozo ao imaterial não há textura sentimento palavra ou processo adequado ao que se prontifica

o não lugar aquele que arquitetado minuciosamente produzido com muita elaboração pulsante protege o corpo frágil o pingo que transborda o irritante medo imobilizador de outrora

fruto não colhido cai nem copérnico nem o caralho corrompem esta lei viagem ao abstrato lugar fantasia de cosmos com a ferida na testa sem sangue com sal e soluço nasce quem deu à luz

Suiá Omim – TO suiaomim@uft.edu.br @suiaomim

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um ser no mundo não existe não é alimentado nem amado nada de ficção



Alexander Moschkowich – RJ moskowfotografia@gmail.com @moskow

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Marlon De Paula – MG

mardepaulaa@gmail.com @marlondepaulaa

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Ditto Leite – MG

dittoleite@gmail.com / @dittoleite

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Daniel Bretas – MG

dantprniel@gmail.com @visualboyadvance.exe

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Iulik Lomba de Farias – MS

iulikdefarias@gmail.com

Acesso: poema

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Alice Dote – CE

alicedote@gmail.com @alicedote

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Pausa


Madara Tropa – USA madaragalaxies@gmail.com #thefuturegalaxies

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Havia nascido na madrugada, com um parto difícil e sem conseguir chorar logo que chegou. Assustou sua mãe, fez seu pai arregalar os olhos. Chegou causando tremores de dores de um parto normal, feito em casa, e de susto, por estar de forma atravessada no ventre da mãe. Parecia que não querer nascer, alguém disse. Mas veio ao mundo pelas mãos de sua avó e de sua tia que lhe fez também os primeiros cuidados até conseguir chorar. Com suas lágrimas, acordou a vizinhança. Não porque chorava alto, mas porque as casas eram muito próximas umas das outras. Quase parede com parede. O pai, que esperava o ritual fora do quarto, estava aflito e nem mesmo o choro causou alívio. Foi preciso a avó vir dar a notícia que, apesar de tudo, mãe e bebê passavam bem. Após parir, a mãe, cansada, adormeceu. O pai, agora acalmado, conseguiu chorar um choro de muitos lamentos. A avó olhava a criança dormir e lamentava que seu nascimento não pôde ser acompanhado pelas bênçãos dos encantados. Preocupada, ela vigiava aquele sono questionando seu presente. Uma criança nascida em tempos de isolamento e distanciamento social. Precisaria de tempo para conhecer seus irmãos mais velhos, já que a casa muito pequena obrigou os seis a irem para a casa das madrinhas, com exceção do mais novo, que por ser muito pequeno e precisar de cuidados, acabou ficando. Nasceu sem bênçãos, sem abraços, sem visitas. Teve que despertar por si só o mundo ao seu redor. Revelar seus pais para si, chacoalhar as partículas da maternidade, sacodir poeiras de morte que pairavam naqueles tempos insólitos. Pedia proteção ao mesmo tempo que invadia a casa com sua presença. Entregou-se aos olhos da mãe quando se ajeitou em seus braços para sugar seus seios. Talvez se ocupando em abrir espaços com novas possibilidade de existências.

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Aos olhos da mãe

Fabíola Fonseca – CE fsrfonseca@gmail.com @fabiolasfonseca @protocolofungo


Leila Bokel - RJ

leilabokel23@gmail.com @leila_bokel Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


Pedro Gotardi – SC

profpedro.art@gmail.com @pedrogottardi.art Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


Fernanda Oliveira - PR

fernandarop@gmail.com Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


Laura De Aro Galera – SP

lauradgalera@gmail.com @ldagalera

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Recomeço Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020

Do mundo que se foi guardo memórias retidas em gavetas preciosas. No mundo de agora, vivendo em suspensão, cada pequena coisa parece um lindo presente. Vejo uma senhorinha dançando na varanda. Em movimentos leves, sem som, sem melodia, ela se entrega à dança, parece uma criança, sorrindo para mim. Hoje não será o fim, eu estarei por aqui, mas não mais como antes. Muito em mim mudou. Agora o sol vai nascendo e eu vou apreciando o recomeço de tudo.

José Cupertino de Freitas Junior – CE josecdefreitasjr@yahoo.com @cupertinofreitas


Thiago Azevedo – PA Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020

azevedothiago81@gmail.com / @oflaneur13


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Wesley Lima Brito – SP

wesleylimabrito@hotmail.com @wlbkuase


Kalyell Ventura – SP

kalyellventura@gmail.com @kalyellventura

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Renata Ferreira – TO ferreirare@hotmail.com @renataferreiraatriz


Luís Só – SP

luisnicolas341@gmail.com @bancodossonhos Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


gizele.cristiana1980@gmail.com @gizelecristiana

Gizele Cristiana Carneiro – PR

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Amanda Leite – TO amandampleite@hotmail.com @amandampleite


Duna Dias – MG

dunayumi@hotmail.com @dunadias

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Daniele Lucato – Alemanha danielalucato.f@gmail.com @Charlottenstrasse15


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Isabel Pérez del Pulgar – França isaperezdelpulgar@gmail.com @isabelperezdelpulgar


teleslhp@gmail.com @telescristiano

Teles Cristiano Candido – TO

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Hugo De Leoni – RJ hugodeleoni@hotmail.com @hugodeleoni_art Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


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Epitáfio: à moda ponta de sol ou fresta de sol ou sombra corte maquina 1 e 0 corte de tesoura farda do bahia fone de ouvido touch screen

smartphone inst zap face app short de roupa preta ténis puma aperto de ferro tanque de guerra epitáfio ao riso o sorriso de um riso ria debutante

Sob a cadeira escolar no meio de um lixão de prazeres perdidos epitáfio ao desejo o brilho do rei

se espelho nos seus olhos e cabelos adocicados pelo açúcar mascavo adocicado no tempo e encastelado em sua vil veia anil viril

Menderson Bulcao – BA menderson1@gmail.com @mendersom1


#pausanarede


João Paulo – PR jp77ls@gmail.com @artista.joao.paulo Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


mateuservio@gmail.com @desferrolhado Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020

Mateus Sérvio – PI


Beira Bando – MG beirabando@gmail.com @beirabando

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CARTA À CAROLINA MARIA DE JESUS

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Ceará, 20 de Abril de 2020

Há muito tempo venho afirmando o compromisso íntimo e ancestral de encontrar você em mim, desde nossos traços, tons e performances do não-medo que costuram nossas trajetórias, as mais amargas e doloridas narrativas que tecem nossos caminhos. Desde cedo, quando levanto, quando cada parte do meu corpo se movimenta, quando a natureza permite que eu respire é uma maneira de perceber que não só sobrevivi, mas que estou viva, e você vive em mim, e vive em um mesmo tempo-espaço que outras milhões de negras-meninas que permaneceram em um mundo que esperava justamente o contrário. Somos e existimos como água, nossas energias líquidas transitam em cada corpo negro que habita o nãosilêncio. Graças a Oxum, nosso tempo não é linear nem ocidental, ele é cíclico, por isso volto a reafirmar que negras-mulheres ultrapassam as experiências de morte e renascem umas nas outras, nenhum corpo negro feminino morre de verdade, e é por isso que acredito que você vive em mim, quando as mãos pretas de minha mãe costuram memórias afetivas de suas avós, quando minhas tias modelam narrativas com os dedos ao trançar meus cabelos, ou quando “O quarto de despejo” me envolve assim como nossas mães pretas envolvem suas negras-meninas em seus tecidos de proteção. E antes que esta carta atravesse seu destino, Carolina, é possível que você própria já tenha lido, porque a Carolina que existe em mim me ajudou a gestá-la no ventre da minha própria ancestralidade.

Sara Maria S. Oliveira – CE saramaria338@gmail.com @a.loba.da.alcione @ilustra_pretamaria


Camila Jorge – PR

camilakj@gmail.com

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Anna Moraes – SC

annamoraess@gmail.com @anmoraess


Conto antes que acabe. Para fugir. Salvar-me. Despedir-me. Preparo meu corpo para depois. Corro para pendurar-me no pescoço do tempo. Estou preso no ar, que me asfixia. Engulo sem água mesmo. O tempo é o do efeito. Conto antes que acabe. O mercado está aberto. Tem aquilo? Tá tudo ali, ó! É só pegar e atravessar a rua. Aqui o dinheiro. Tem troco! Precisa mais não.

Rezo um terço de trás pra frente para fingir. Toco em borboletas pequenininhas, rajadinhas. Tiro a roupa e como as borboletas. Choro porque as escolhas escorreram pelo ralo durante o banho. Preciso de ar, antes. Encontro uma ruazinha e começo a enfiar-me nela. É cheia de janelinhas. De um lado dá pra ver o vento, os dentes, o escarro, a tosse seca, crianças e velhos chorando. Do outro, vejo buraquinhos iluminados, cheios de bolinhas coloridas. Lá estava Deus sentado no colo de Maria, bebendo num copo de plástico uma bebida vermelha. Espiava Tiago, que brigou com João porque descobriu ter sido Pedro o argueiro. Deus estava mesmo a escolher quem ia despir naquela noite. Vi em seu olho. Aluguei um dos quartos pra Deus. Eu ajudei Deus. Daqui a minutos vou ter com o tempo. Mas cadê o tempo. Cadê o tempo. Cadê o tempo. Jogo a corda grossa que atravessou a rua. Agarro com força. Vi gente gritando, correndo, pulando. Pensei: É o tempo! Sorri e subi. Larguei de uma vez só. Sangrei as mãos do mundo. Quem é você, então? O tempo? Conta, antes que acabe! Resto foi corte quente em meu pescoço. E eu só queria mesmo as bolinhas coloridas e um gole vermelho naquele copo de plástico. Não dava mais tempo.

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-

Ramiro Barbosa Xavier – TO bavier@gmail.com @ramiro_bavier


Wayner Tristão – PE

wtristao@gmail.com @w_tristao

acesso: 123

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pause


izabelaleal@gmail.com @izabelaggleal

alguém abre os olhos vê o mundo nada fica das árvores que ardem contra o céu ametista da lama que se espraia

futuros fósseis fantasmagorias

num mudo lamento

animais carbonizados

sobre um fundo falso de opulência

minério inquieto debaixo da terra jazida de ouro profundo mistério a céu aberto

rocha ígnea brilho sombrio da negra turmalina num luto perpétuo

alguém fecha os olhos vê ainda

pelo mar

imagens como em negativo

de óleo encoberto

impressões tardias de corpos

alguém abre os olhos e nada vê

soterrados em fina argila

– facho de trevas que ilumina – nada vê apenas respira

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Izabela G. G. Leal – PA


Wagner Moreira – Alemanha

wagnermoreira@posteo.de @coredanceprojects Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


Marcos Davi Barros – DF

davicenicas@gmail.com @gillacenico

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Para ler ao som de Uakti - A lenda (extract)

Para Tocar Pausa… China, Covid-19, Organização Mundial da Saúde. Pandemia de Coronavírus. Brasil, 2020, Carnaval. Respiro... Pausa… casa em Palmas, Tocantins, Brasil, março de 2020. Suspensão. Isolamento social. Desconhecido está no outro. Perigo é eminente. Janelas virtuais. Trabalho remoto. Cuidado e coletividade. Menosprezo e automatismo de consumo. Falta ar... Pausa… Refúgio. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, abril, 2020. Fuga. Afetos do primeiro ciclo. Casa dos pais idosos. Grupo de risco inicial. Quarentena de 8 dias. Instinto ancestral de conexão. Necessidade de sentir o sol e o ar. Trocar a rotina. Clausura de meses. #Fiqueemcasa. #Sepuder. Respiro... Pausa… Quintal da infância. Espaço do lúdico. Necessidade de tocar, pisar no chão, conectar com a primeira materialidade. Contato com a terra vermelha. Escarvo. Unhas de fera. Mãos vermelhas, Raízes a mostra. Tocar de mãos e chão. Crio um abrigo. Sanguíneo e quente. Uma toca, um buraco, uma cova. Falta ar... Pausa… imagem ... Atravessamento no tempo expandido…incertezas. Tocar… pausa… Respiro, respiro, respiramos ainda…

Ricardo Ribeiro Malveira – TO ricardomalveira@uft.edu.br @ricardomalveira


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Silêncio Si. Só aqui já há Silêncio em si adentra se atenha se finda, solta o tempo que for leve formigamento nas pernas ou fisgada na coluna: não importa, mergulha abandona contempla o eco dos buracos o recuo dos ruídos. Vanessa F. dos S. Valles Leal – PR vanessafl.letras@gmail.com @vanessafl.letras

No entreouvir sutil, voz fugaz de vez

vês? Há tumulto e túmulo no silêncio. Há silêncio no escuro e na noite e no horizonte, onde pousa e repousa difusa palavra tão impalpável quanto a pálpebra, espera a promessa que cintila travessia. Silêncio é prenúncio. Se abrace e descanse.


Gabriel M. Medeiros – SP gabriel_m_medeiros@hotmail.com @gabrielmoraismedeiros @oficiosterrestresedicoes

Na cidade fantasma, restaram os uivos do rappi e do ifood. Os barulhos dos escapamentos eclodem nas ruas vazias como caroços de supernovas. Sondas lunares perdidas na imensidão do espaço-capital. Na quarentena (talvez cinquentena, setentena, noventena, cento e quarentena) os objetos domésticos começam a se vivificar. E vêm conversando com a gente, reativando seus estranhos sistemas e narrativas. Hoje percebo meu cachecol do Partizan, comprado num camelô de Belgrado. A lã barata, talvez chinesa, protege meus tornozelos nesta noite amena, com um calor todo especial. Um calorzinho com um quê de sábado: terno, afetivo, acessível, sensual, mentiroso. O cachecol poderia ser uma máscara esburacada, também. Fosse uma máscara, as contrações respiratórias, coladas à boca, indo e vindo, não conteriam uma secreta sensualidade? E o cachecol protegerá meus ouvidos, quando as estrelas explodirem, engatadas na segunda marcha? E este cachecol, a pergunta é uma só, é capaz de produzir prazer? Se falha na produção de prazer, por que existe? Por que ocupa uma métrica no espaço que chamo de casa? O cachecol será capaz de me fazer avançar pelos terrenos da alegria, como um capacete que voasse pela ciclovia, acelerando em direção não aos clientes, mas ao país desconhecido? No país desconhecido, todas as estrelas são vermelhas. Por isso mesmo, não importa se o jantar se sirva a frio.

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A quarentena dos objetos


Maria Olivia Aporia – SP

mariaoliviaporia@gmail.com @mariaoliviaporia

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Vilmar Madruga – RJ

vilmarmadruga@uol.com.br

@vilmarmadruga2398

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Manu Neves – RJ

manuneves0@gmail.com @manu8neves

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O que você foi diante do espelho?

André Demarchi & Tetê Omim – TO andredemarchi@uft.edu.br @tuiomim

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O espelho se volta para si O que você é é o que vai aparecer. O que você será quando passar? O vírus somos eu e você A peste humana é feita de demasiados Humanos o comércio que abre, Quantos corpos para fechá-lo? O movimento do capital, Quantos mortos para pará-lo? Viver sem movimento É o ensinamento dos nossos Últimos dias.


Bárbara Mol – MG

abarbaramol@gmail.com @bcaramol

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Uivo Matilha – MG

uivomatilha@gmail.com

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Oscar Malta – PE

omsmalta@hotmail.com @oscarmalta Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020


vizinha

Paloma Arantes – MG palomaarantes22@gmail.com @paloma.arantess

refletindo nas bordas do nosso enquadramento vemos o piscar das luzes vermelhas ouvimos a sirene olhamos os uniformes pedro, laura e eu. tocaram o interfone laura disse: nĂŁo sabemos quem era. eles disseram: seu nome era Tereza 36 anos.


O GATO Victor Anselmo Costa – SC vanse.costa@gmail.com

O gato me arranhou com suas unhas de gato? Não. O gato arranhou o mundo com seu gesto estranho de gato que olha, sem nem tirar as unhas pra fora. O gato até bocejou. Eu vi um gato bocejar para o mundo, com tanta audácia, com tanta certeza! O que pode, afinal, saber um gato e esconder de mim? O gato parado ali é um monstro que nasce agora no seio do mundo. O gato zomba de mim. O gato me arranha? Não. O gato zomba.

O gato apenas olha o mundo com seu olhar de poça de água. Para que tanta fúria? É um gato vil na sua calma de olhar. Sua unha que é curva e transparente está guardada no bolso das unhas. Quando o gato hesita, eu nunca vi meu gato vadio hesitar, mas o gato parado hesita antes de lamber o espaço entre os dedos. E ele lambe. Então eu tenho medo. Quando o gato se distrai outra vez com sua vida de gato, que lambe como lamberia as mãos um gato vadio, eu tenho medo. Eu quero um mundo repleto de monstros. Não quero perdê-los. Quero guardar o gato parado que olha no fundo do olho. Quero guardá-lo pra mim. Eu vi uma coisa boba e não quero esquecer.

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Eu vi uma coisa boba. Vi um gato parado na janela. Não se mexia, apenas olhava para o mundo do lado de fora. O gato parado ali era um desespero. Olhava o mundo não como um gato, olhava o mundo como quem olha. Nunca vi um gato assim. Eu pensei no gato vadio que tive, ele me olhava às vezes, e olhava a chuva também, mas não olhava o mundo como quem olha, olhava apenas com o jeito de um gato olhar. Eu me assustei.


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Kayo Filipe Alves Silva – CE filipinhofcgalves69@gmail.com @filipealves_artistavisual


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Keyme Gomes Lorenço & Thaís Pimenta - MG keymelourenco@gmail.com @keeyme


Raquel Versieux – CE @raquelverseaux

Estado secreto de vigília das plantas

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todos os vasos de planta dessa casa são provisórios como são provisórias as sementes e a germinação como é provisória a poeira que gruda nos fios de cabelo atraída pela eletrostática todos os textos são ensaios do texto maior as nano partículas de ferro em suspensão que cortam como lâminas as mucosas do rosto a boca arde o olho seca facilidade do minério diante do algodão oculto engano da leveza a terra sempre dura já não preciso abrir a torneira de água fria só pra enxaguar os cabelos e escorrer o óleo de coco a poeira os dedos do pé gelados a pessoa que me aquece na cama vejo seus corações de perto são bonitos de quem é o tempo? todas as letras que cabem no azul infinito sem foco do céu do fim de abril na minha cidade natal da permanência (as plantas me observam em intensidade recíproca) raízes aquáticas da casa fundação palafita do pensamento por onde retorno a fibra


[posfácio] Linha Mestra –e-ISSN: 1980-9026 - Edição Especial Pausa na Rede - 2020

p.a.u.s.a. PAra Uma SAúde

Alda Romaguera – SP aldaromaguera@gmail.com @aldaromaguera

ativar sil^ncios por 4’33’’, com john cage e além. e reter o ar por instantes dentro do corpo antes de soltar e suspender os olhos (ab)sorvendo pensamentos e parar o tempo e alongar o banho e o gozo e a lascívia. e escorrer as horas na lentidão dos dias e abandonar as roupas, as pressas e urg^ncias. e m.u.d.a.r. o endereço-corpo. e o corpo, se antes c(or)ria aos trancos e barrancos e solavancos, agora cria espaços espichados em sofás redes almofadas. e lagarteia-se enroscado em si e escorre em outros corpos e escorrega nas suas aus^ncias. e os olhos sorvem os horrores e medo e morte e mentiras transbordam nos noticiários. e emudece o fora e suspende o agora e suspende. e agora? e? e as mãos e os dedos vorazes dedilham tocam cozinham lavam limpam e envergam o corpo e convidam aos gestos e os corpos revoltos revolvem a casa escavam a terra e mudos se dobram e plantam mudas semeiam mundos e o antes se apaga nos palcos e o depois suspende as cortinas nas redes do agora se fia um entre entre nós alda romaguera, inverno, in(f)erno ou ^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^do hades, em 2020.


Dr. André Demarchi – Artista. Antropólogo. Professor e pesquisador na Universidade Federal do Tocantins. andredemarchi@uft.edu.br

Drª Renata Ferreira Da Silva – Atriz Mímica. Professora e pesquisadora na Universidade Federal do Tocantins. Produtora Cultural. Ativadora da Casa Clic. renataferreira@uft.edu.br Dr. Ricardo Ribeiro Malveira – Ator. Artista Visual. Professor e pesquisador na Universidade Federal do Tocantins. ricardomalveira@uft.edu.br

Drª Suiá Omim – Poeta. Antropóloga. Professora e pesquisadora na Universidade Federal do Tocantins. suiaomim@uft.edu.br

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Organizadores

Drª Amanda M. P. Leite – Fotógrafa. Artista Visual. Professora e pesquisadora na Universidade Federal do Tocantins. Produtora Cultural. Ativadora da Casa Clic. amandaleite@uft.edu.br


@casa_clic Produzindo experiĂŞncias artĂ­sticas do nosso quintal para o mundo!


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