Corpo e Mancha

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Corpo e Mancha Processo de Desconstruções Miméticas Através de Provocações Sensitivas





Alvaro Nomura

Corpo e Mancha Processo de Desconstruções Miméticas Através de Provocações Sensitivas

Orientadora Rosana Paste



Sumário Resumo ........................................................................................................................................................................................... .........................

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Introdução ....................................................................................................................................................................................................... .......

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Capítulo I ..............................................................................................................................................................................................................

12

Capítulo II .............................................................................................................................................................................................................

21

Capítulo III ...................................................................................................................................................... .....................................................

26

Capítulo IV ...................................................................................................................................................... .....................................................

31

Capítulo V ....................................................................................................................................................... .....................................................

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Capítulo VI ..........................................................................................................................................................................................................

51

Capítulo VII ................................................................................................................................................. ........................................................

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Lista de Figuras ....................................................................................................................................................................................................

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Notas Bibliográficas ....................................................................................................................................................... ......................................

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“Corpo e Mancha” teve como tema de partida uma fala sobre a fuga do representativo no pictórico, relacionada ao processo artístico de artistas como Bacon (1909-1992); e Cézanne (1839-1906) e ao meu próprio, trazendo uma quebra da perspectiva sobre o figuratismo e o abstrato, além de motivações semelhantes à do pintor irlandês Francis Bacon para neutralizar a narração, a ilustração, a figuração, apresentando uma figura não figurativa. Contudo os anseios despertados durante meu processo de pesquisa foram além do campo artístico, abrangendo a psicologia e principalmente a filosofia. Assim, no desfecho, pôde-se perceber a importância da pesquisa e escrita como processos e descobertas sobre produção e pensamento artístico. O texto foi construído em formato de escrita poética, com um tom mais lírico na intenção de transmitir minhas sensações vividas durante esse percurso. Em razão disso optei por referenciar as citações preferencialmente como notas de fim, para que as mesmas não atrapalhassem o fluxo de leitura.


Introdução Criamos realidades para que possamos nos compreender, e como consequência dessas criações é possível cair em um aprisionamento de sua compreensão, num labirinto de ideias. Erramos ao tentar entender o universo antes de pensar em quem somos e em quem estamos nos tornando. Personagens que estão fadados à perda, a um destino de “final feliz”, que sempre acabará nos braços da morte. Ainda não sei dizer quem sou, mas através dos acontecimentos recorrentes de minha vida, tento compreender os caminhos que me fazem ser o “Eu” do presente momento. Como diz a cantora Billie Eilish; “Quer saber quem sou? Pergunte agora, para saber quem sou neste exato momento”.i Ressalto que a fala sobre meus processos e pensamentos, aqui, será elaborada em relação à materialização do que fui, não do que sou. Ser e serei, presente e futuro são inenarráveis, imaterializáveis. Como bem definido por Gustav Jung (1875-1961): Há pessoas que, em virtude de uma certa instabilidade interior, tendem constantemente a retroceder. É sem dúvida perigoso esse movimento hesitante, em que com frequência se deixam afastar do bem em virtude de desejos descontrolados, para que em seguida retrossigam, mudando suas opiniões. Mas, como isso também não conduz a uma consolidação do mal, a tendência geral a superar o defeito não está excluída por completo.ii


Movendo-se por desejos, baseando-os como vida, criando razões, signos, para tentar justificá-los na própria existência. Do desejo iniciam-se as histórias; a minha, por exemplo, tem seu início por lembranças criadas, afirmando serem minhas pela consideração de que sou eu quem as imagino. Mas, a partir do momento em que a fonte pensadora já não sou mais eu, esta história passa a ser sobre mim. E por final acaba sendo uma junção, por ter seu início através de relatos narrados a mim por meus pais. Isso me leva à percepção do quão irônico é pensar em minhas primeiras memórias e conseguir materializá-la em mente, unicamente através dos relatos daqueles que tiveram contato comigo desde o meu nascimento; poderiam ser facilmente invenções ou manipulação, já que não me há lembrança alguma, sendo memórias supositivas, surreais. Lendo sobre Bacon, é possível pensar que somos sensações, sentimentos, pois nossas sensibilidades são responsáveis por nossas ações, e estas trazem os impactos que constroem o mundo onde vivemos e produzimos. Da mesma maneira é prazeroso ver o corpo em arte como algo potencialmente vivo, como o Frankenstein de Mary Shelley (1797- 1851), criado pelos “motivos” de seu criador, trazido à vida de maneira artificial, sendo primordialmente parte interina de seu próprio criador.iii Minhas obras são definitivamente seres reais advindos de minha própria irrealidade. Segundo Gilles Deleuze (1925-1995) em A lógica da sensação, é objetivo do artista entender como escapar da representação na pintura. Em seu livro, Deleuze cita a seguinte frase de Francis Bacon: “Não paro de fazer figuras acopladas que não contam história alguma.”iv Trata-se de uma figura independente, autônoma, “animada”, subordinada a ela mesma.


O que crio em arte vem se materializando não apenas de forma pictórica, no sentido da pintura, mas por qualquer meio de produção que eu tiver em mãos; formam-se conjuntos de realidades que agora uso para tentar compreender meu próprio pensamento. Foi desse modo que surgiram “Eros”, “Argetlan” e até mesmo “Alvaro Nomura”, todos como a mesma pessoa (Eu), porém nenhum como o mesmo ser.



Capítulo I Da mesma forma que Vênus, das espumas de uma onda, Eros surgiu por entre manchas de tinta, do acúmulo de cor, o relevo de seus cachos brancos saltaram do papel e seu olhar vazio deu seu primeiro ‘olá’, ao fim do meu ciclo de ‘Extasia’, em 2019. A série Extasia partiu inicialmente de um tríptico. Ela foi minha primeira relação com a questão do corpo e da mancha, a tentativa e a vontade de dar a um corpo vazio Figura 1 "Penurity" (2019)

algo mais que suas curvas, seus volumes, tentando animar o inanimado. Busquei algo que fugisse aos cinco sentidos comuns, por isso a escolha do nome “extasia”, que, segundo o Priberam Dicionário, significa: 1. Pôr êxtase. Arrebatar, enlevar. 2. Causar grande admiração. 3. Consolar. 4. Ficar extático. Confrontar: extasiar. Penurity: A penúria nos toca com desejo de destruição, nós nos deixamos levar pelo carnal momento, insólito, volátil, hostil... escondendo a verdadeira essência por trás de nossa casca social. 12


Figura 3 "Levity" (2019)

Figura 2 "Insanity" (2019)

Insanity: Jogo-me nas cinzas que queimei, na esperança de serem restos humanos, remanescentes em terra.

Levity: Leviana sorte, sorteia a insanidade momentânea, dolosa, rude e infantil... A qual nos roga depressão.

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Extasia surgiu sutil, como quem não queria nada, através

que escorre do cubo; Esse primeiro tríptico para mim

de minha incessável ânsia inventiva, principalmente com

dialoga muito com o vazio, a vontade de preenchê-lo.

relação a técnicas de produção em arte. Foi depositando

São figuras em certo desespero, agonia ou decepção.

guache aguada sobre um recorte de acetato e imprimindo-o sobre papel, que minhas primeiras manchas surgiram, vindo antes da figura, durante ou depois. De certa forma, o corpo e a mancha estavam na minha cabeça antes que eu soubesse deles. Foi assim com a

A necessidade da presença da mancha foi se tornando cada vez maior, tendo chegado momentos em que mancha e figura eram um só. Pouco importa a matéria, suporte ou técnica empregada para sua criação, ela existe por si só, ela se materializa como nós, sob cascas, corpos, despejadas sobre superfícies deterioráveis, locais hostis.

Figura 1, na qual uma parte de corpo deixada de lado, já esquecida e mesmo sob esquecimento, ainda carregava vida sobre as pontas dos dedos, o braço retorcido até as costas e pairando sobre ele uma essência que se reveza entre roxo, azul e magenta. Na Figura 2, a face da angústia sobressai na pele, lágrimas magentas escorrem de seu olho contaminando todo o espaço com as cores,

Algo que me encanta na arte é justamente a possibilidade de expressar com toda veracidade minhas constantes mudanças. Como na expressão de Valéry, “A sensação é o que se transmite diretamente, evitando o desvio ou o tédio de uma história a ser contada”v, Bacon expressa claramente que a sensação é mestre da deformação.

uma mão se ergue ao rosto na tentativa de entender o que aconteceu. Já na Figura 3, uma tristeza leve esvai-se, em tons azuis e roxos, de um corpo que não mais tem vida,

Nos traços independentes de meus cartazes, tendo a evocar minhas sensações em conjunto, erguendo as 14


manchas de cor, cores que rompem a funcionalidade de massa, tornando uma materialidade imaterial. São para mim espíritos vagando o suporte, movimentando o corpo sem órgãos, são almas em possessão de um corpo vazio, como no procedimento de limpeza e escovação do traço para Bacon, descrito por Deleuze: “E as marcas ou traços de animalidade não são mais formas animais, mas espíritos que habitam as partes limpas [...]”vi, como na

Figura 4 “LSD” (2019)

produção da subsérie de Extasia, a “LSD”;

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Foi o expurgo de tudo o que senti no momento da

Poderia dizer, com isso, que a figura então seria a

produção e impregnado no papel. Esse tríptico inicia-se

realidade que ela representa? É parte da sensação do

com a Figura 4 evaporando do papel em cores, assim

artista?

como o álcool do vinho escorrido no tórax do homem em êxtase; esse tríptico foi uma produção inteiramente

No meu ponto de vista a figura configura-se como ambas

dominada pela catarse, em extremo na Figura 5, no qual

(realidade e sensação), partindo do ideal do artista e se

não eram mais os pelos do pincel que depositavam a

ressignificando ao olhar do observador. Uma figura deve

tinta, e sim a própria haste metálica que os seguravam,

nascer sem narrativa, pois ela se configurará para cada

formando entre as machas de guache seres atormentados

um que a vir.

– é parte do processo de entendimento do que sinto em seu sentido mais profundo.

Mesmo criando uma imagem livre não deixo de ter

Fechando o ciclo, na Figura 6, uma imprimação de minha

minhas interpretações, e em maior parte quando dou por

mão já cansada, e mesmo assim móvel a todo instante.

concluído o objeto.

Para entender o que sinto tive que expressar essas sensações, senti-las ao máximo e cravá-las com toda força em algo.

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Ao finalizar “Infinity”, Figura 7, por exemplo, olhando para o papel era como se o corpo se arqueasse no centro sendo bombardeado pelas cores, e espalhando-o assim para o todo, sendo parte de algo infinito. Apesar do título de uma figura acabar construindo uma ideia do que ela pode ser, não está necessariamente atrelado ao que se vê na obra. Há ocasiões em que o título está ligado a motivos profundos na memória do artista e

Figura 7 "Infinity" (2019)

remete diretamente a questões pessoais.

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É o caso da sensação de uma amizade par, na qual duas pessoas pensam quase como iguais, que foi meu motivo para pintar a Figura 8, duas cabeças divididas pela distância, diferentes, mas que de alguma forma conectam seus pensamentos. Ainda assim “o porquê” principal da observação de uma imagem será sempre ela mesma; as falas sobre as motivações entram em segunda instância apenas para

Figura 8 "Complicity" (2019)

dizer o que não pode ser visto.

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“Veracity”, Figura 9, é a face da verdade! Foi o fim de um ciclo em que eu queria muito retratar as pessoas ao meu redor. Representado, através do busto, um ser com chifres e auréola à frente de outro ser definido pela mancha, numa mistura orgânica, social, algo não nítido e indefinido – é para mim o que as pessoas são, parte anjos e parte demônios, humanos. A realidade é muito complexa para se fazer a distinção entre bem e mal. “A figura é a forma sensível referida à sensação; ela age imediatamente sobre o sistema nervoso, que é carne [...]. Em última análise é o mesmo corpo que dá e recebe a sensação, que é tanto objeto, quanto sujeito. Eu como espectador só experimento a sensação entrando no quadro,

Figura 9 "Veracity" (2019)

tendo acesso à unidade daquele que sente e do que é sentido.”vii

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Capítulo II

O real está para a vida, é função da vida interpretá-lo. A arte almeja campos mais sensíveis, atemporais, indo da

Usando como referência a fotografia, Deleuze levanta

carne ao espírito, tratando-se de um real simbólico.

um ponto muito importante: “analógica ou por código”.

“Em outras palavras, a criação artística se

“E seja qual for sua maneira de proceder, são

diferencia por estabelecer e fazer valer a ficção

alguma coisa, existem em si mesmas: não são

em sua articulação com o verídico. Como

apenas modos de ver, são que são vistas, e

decorrência, no plano da coletividade, a arte

finalmente vemos apenas elas. A foto ‘faz’ a

seria o único modo de salvar a realidade, uma

pessoa ou a paisagem, no sentido em que o jornal

vez que afirma o objeto que a apresenta como

faz o acontecimento (e não se contenta em narra-

artifício. Partindo desta ideia Lacan (1901-1981)

lo)”.viii

traça um eixo muito interessante para se pensar boa parte da produção dos artistas, nos

Valendo-se para qualquer meio artístico, é impossível a qualquer representação de imagem narrar a realidade, por mais fidedigna que seja; uma imagem está fadada à

permitindo localizar uma linha que pode ser traçada das cavernas de Lascaux até a arte moderna.”ix

subjetividade de seu autor, a qual por consequência é reinterpretada pelo observador. Mas representar o real

Essa forte vontade presente desde o primitivo, que pode

dito pela humanidade como real não é mais função nem

ter se esvaído por entre os milênios, sempre ressurge na

interesse da arte.

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história em algum ponto, como um propósito quase

Muitas espécies animais e humanas poderiam,

mágico.

antes disso, dizer: “Cuidado! Um leão! ”. Graças

“Na opinião de Reinach os artistas primitivos, que deixaram as esculturas e pinturas de animais nas cavernas francesas, não desejavam ‘agradar’, mas ‘evocar’ ou conjurar [...].”x A vontade de evocar e de aproximar campos que ultrapassam a realidade é essência natural da humanidade. “[...] a característica verdadeiramente única da nossa linguagem não é sua capacidade de transmitir informações sobre homens e leões. Pelo contrário, é a capacidade de transmitir informações sobre coisas que nem se quer existem. Até onde sabemos, só os Sapiens podem falar sobre tipos e mais tipos de entidades que nunca viram, tocaram ou cheiraram.

à Revolução Cognitiva, o Homo sapiens adquiriu a capacidade de dizer: “O leão é o espírito guardião da nossa tribo”. Essa capacidade de falar sobre ficções é a característica mais singular da linguagem dos Sapiens.”xi Penso não ser guiado pelo mesmo raciocínio racional ou lógico de agir no mundo como proposto pela sociedade, seguindo assim por meios mais instintivos, mais sensitivos. Em outras palavras, penso que sigo com o “coração”, e não com minha mente. Poderiam dizer então que tenho uma mente fraca, mas um “coração forte”. A metáfora de pensar com o coração relaciona-se com o pensamento sensitivo, e a busca por entender esse tipo de pensamento se tornou fundamental para o meu processo artístico.

Lendas, mitos, deuses e religiões apareceram pela primeira vez com a Revolução Cognitiva. 22


Mantenho como meu motivo criativo principal a materialização da figura humana, seguindo a princípio com o estudo em sentido mimético, mas, ao ingressar na Universidade, passei a pesquisar e experimentar a desconstrução dessas mimeses. Esse processo de modelagem da figura passando pelo descontrole das aguadas, o controle com a acrílica e sua diluição, o mesclar de materiais como acrílica e óleo, a experimentação em diversos suportes explorando as superfícies, entendendo suas porosidades. Todo esse estudo prático/teórico se tornou fundamental para meu pensamento

artístico

e

para

meu

processo

de

compreensão da arte.

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Figura 10, 11 e 12 (direita para esquerda, em sequência) "Dançando em Cores" (2020)

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Pintar sobre o preto, por exemplo, foi um desafio totalmente diferente. O ar pesado, de um fundo que absorve bastante luz, conjugado a uma tinta espessa como a acrílica, carrega muito a figura, mas isso é quebrado no momento em que o corpo se move. E no tríptico das Figuras 10 a 12 os corpos dançam entre si e se movem no ritmo da plasticidade da tinta. Se o mundo atual é dinâmico e imediatista, a arte também deve sê-lo: “É vital somente aquela arte que encontra os próprios elementos no ambiente que a circunda”.xii Essa é uma dança que não se atém a um único suporte, ela caminha sobre os papéis, variando as cores, assim como a luz e a ação de velocidade.

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Capítulo III

superficialidade, crueldade… O medo é uma sensação forte, primitiva e facilmente materializável. Essa

O uso das mídias sobre a imagem influencia muito meu

materialização da sensação é uma forma de superação

raciocínio criativo, o bombardeio imagético incessável

para mim.

na internet me facilita a elaboração de novas ideias,

A complexidade sensitiva humana não é linear, muito

contudo o vício dessa agilidade visual, dada pelo

menos exata, e ainda é pouco compreendida. Não é um

consumo extremo de imagens, cria um bloqueio no meu

caminho que se compõe de uma trajetória de ponto a

pensamento que por vezes me impede de pô-las em

ponto; é um caminho que parte do centro e o atravessa

prática. Tudo é mais nítido em meus pensamentos, mas

centenas de milhares de vezes: uma sístole e diástole da

as informações se perdem a partir da tentativa de contato

vida, uma questão rizomática.

com as linguagens. Acabo mudando constantemente minha linha de raciocínio, por vezes drasticamente, nem

Deleuze, dialogando sobre Cézanne, propõe que:

sempre conseguindo acompanhar esse processo, o que

“Caberia então ao pintor fazer ver um tipo de

torna muito mais complicado entendê-lo por completo,

unidade original da sensação, e fazer aparecer

se é que isso é possível.

visualmente uma figura multissensível. Mas esta

O medo é uma sensação recorrente em minhas produções; medo da solidão, do julgamento, da insuficiência, incapacidade, covardia, excentricidade,

operação só é possível se a sensação de tal ou tal domínio (aqui a sensação visual) estiver diretamente tomada de uma potência vital que transborde todos os domínios e os atravesse. Esta 26


potência, este ritmo, é mais profundo que a visão, a audição, etc. E o ritmo aparece como música quando ele investe sobre o nível auditivo, como pintura ao investir o nível visual. Uma ‘lógica do sentido’ diria Cézanne, não racional, não cerebral. A última é, portanto, a relação do ritmo com a sensação que põe em cada sensação os níveis e os domínios pelos quais passam. E este ritmo percorre o quadro como ele percorre uma música. É a sístole-diástole: o mundo que prende a mim mesmo se fechando sobre mim, o eu que se abre ao mundo, e o abre a si mesmo.”xiii

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A pintura apesar de estática provoca movimentos. O

da música, os detalhes distintos e o foco principal são

caminhar dos olhos sobre a imagem faz com que ela se

como as pausas e os ápices que criam um fluxo, o ritmo.

mova em nossas mentes. A tendência do olhar por vezes é como o uma parábola em formato de “U”, que vaga da esquerda para direita no Ocidente – isso de acordo com

Como um código a figura na cena entra na posição das sensações que vão se decodificar a partir de cada reinterpretação.

o que aprendi em composição. Todavia, para mim, a reverberação na pintura ocorre no desvio dessa trajetória:

“Aquilo que é pintado é a sensação. Beleza

na Figura 13 a atenção é chamada ao primeiro instante,

dessas figuras. Elas não se confundem entre si,

para o homem, direto no centro, reclinado em uma

mas se tornam indiscerníveis pela extrema

espécie de assento vermelho, caminhando para esquerda

precisão das linhas que adquirem uma espécie de

e direita, pelos corpos em êxtase e agonia, focando nos

autonomia em relação aos corpos: como num

“detalhes distintos”.

diagrama

cujas

linhas

uniriam

apenas

sensações”.xiv Almejo sempre pintar o que sinto, ser mais que visualFaces gritando e tensões musculares, sempre voltando ao homem. Provocar picos de atenção contracenando com os detalhes que são distintos do foco principal faz o olhar criar um ciclo observativo. Trazendo para a linguagem

tátil, ser sensorial. Um processo talvez inatingível pela pintura sozinha, podendo-se julgar por nossos banhos diários de informação visual, essa insaciedade da imagem acaba mascarando ou cegando nossas sensações.

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Esse é o ponto em que deixamos o visual e partimos para

Essa é a minha relação introspectiva, imersiva, ao pintar,

o sonoro, nas palavras de Deleuze:

pois em grande parte do meu tempo estou imerso nas

“Quando a música estabelece seu sistema sonoro e seu órgão polivalente, a orelha, ela se restringe a algo bem diferente da realidade material do corpo

desencarnado,

desmaterializado:

‘as

músicas que saem em meus fones de ouvido enquanto paralelamente pinto. Mas volta e meia me perguntava: há como sentir o que se sente em música e imagem em uma mesma produção?

batidas de timbales de Réquiem são aladas, majestosas, divinas e só podem anunciar aos nossos ouvidos surpresos a vinda de um ser que, para retornar as palavras de Stendhal, tem certamente relações com outro mundo...’. É por isso que a música não tem por essência clínica a histeria e se confronta mais com uma esquizofrenia galopante. Para “histericizar” a música seria necessário reintroduzir nela as cores, passar por um sistema rudimentar ou refinado de correspondência entre os sons e as cores.”xv

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Capítulo IV

uma recomposição do ideal sobre a beleza na pureza da forma, de Malevich (1879-1935).

Trabalhar com o vídeo me despertou a ideia de unir as duas coisas de que Deleuze falava, essa “histeria

cores e sons. O vídeo então teria essa capacidade de permear três mundos, material, visual e sonoro. Foi nesse momento que me lembrei de minha amiga, Gabriela Moriondo, dançarina e artista. A dança sempre foi um meio que me interessava bastante, em maior parte como observador, mas como precursor em momentos mais pessoais e reclusos. O que mais me chama a atenção é a relação que tem o corpo na dança contemporânea, uma subjetividade subordinada a cada corpo, a mescla com a atuação, o uso da transparência muscular – essa exposição de sensações

Figura 14 “Suprematism" (1917), Kazimir Malevich, ,48.2 x 65.6 cm.

esquizofrênica rudimentar ou refinada” de um sistema de

me fez pensar no “Opus Elysium”. A obra consiste em

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Com uma composição sonora construída após a

manchas de cor que eram a própria pele de Gabriela, era

performance de Gabriela Moriondo, rompe-se o padrão

uma observação móvel do preto sobre o branco.

de uma dança para a música, colocando o movimento do corpo como objeto central e mais importante da

Ao final dessa produção senti um pouco do que seria uma saciedade, mesmo que mínima e momentânea da visão.

composição. O mix tem como base gravações de músicas de compositores da Rússia (Tchaikovsky, 1840-1893), onde se inicia o suprematismo e da Polônia (Chopin, 1810-1849), povo de mesma etnia que Malevich e seus pais, com intuito de criar uma aproximação sonora ao movimento suprematista e ao pintor. É uma pintura em reprodução criada através do improviso da dança sobre um plano branco, infinito.1

Eu olhava o visor da câmera e via um desenho se mexendo, via os traços criados pelo maiô preto e as

1 Sobre essa tela branca, nada poderia dizer mais do que uma gota de tinta negra, até as mais infinidades de cores, que nem mesmo um humano vê,

impossíveis de imaginar. Mesmo que as folhas queimem continuarei a pintar com luz. Vidas são efêmeras, almas vêm e vão. – Nota sobre Opus Elysium

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Demos sequência a um outro vídeo, “Tayo no Washi”, Washi no chikara wa tayo ga deru tokini2. O título da obra tem origem em uma das analogias que meu avô, Hiroshi Nomura, fazia sobre o budismo: “A águia que se ergue sobre o sol, revelando o poder inerente em meio as mais tenebrosas adversidades. O poder do bater de suas asas abrilhanta-se pelo doce toque da luz do sol nascente." Essa experimentação em vídeo, relaciona o motivo de produção artística japonesa, os atos cotidianos, com a leveza e a liberdade da dança contemporânea. Através de movimentos na dança é possível harmonizar o corpo da performer com o ambiente do qual ela está impregnada.

2

“O poder da águia no sol que amanhece” 34


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Usando agora o calor das cores quentes em um ambiente de natureza, que lembram muito gravuras japonesas como as de Hokusai, trazendo o corpo através do trabalho no campo, apresentando a geografia do local de maneira sutil. Como personagem presente na produção tanto de vídeos quanto de pinturas, pude perceber que, por mais que o vídeo traga uma certa saciedade harmônica pela junção visual e sonora, ele não causa uma relação substitutiva. O vídeo em si acaba entrando em outra categoria diferente da pintura ou da música, mesmo que possa se utilizar de motivações pictóricas para existir.

Figura 17 “Poema de Ariwara no Narihira, da série: 100 Poemas narrados por Hyakunin Isshu Uba Ga Etoki”, (1839), Gravura Colorida, Katsushika Hokusai. 25.7 x 38.1 cm.

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interrompida pela correria do dia a dia e com os caminhos que a vida tomava, foi o suficiente para que,

Capítulo V

daquele ponto em diante, surgisse todo um mundo, com

Extasia acabou sendo um marco na minha vida e se tornou como um movimento artístico para mim. Foi extremamente importante para entender como eu sou – mesmo tendo levado um ano para começar a analisar a série. Não foi em si pela grande parcela de satisfação estética atingida sobre cada produção; foi um encontro, o conhecer de um outro eu. Essa paixão por eus líricos me acompanha desde a infância. Encontrava-me em personagens que criava e por vezes gostava de incorporá-los em algumas situações. No ensino fundamental, surgiu um primeiro

Franciene Silva. Era uma história de fantasia que surgia página a página. Mesmo sendo uma história breve 37

Figura 18 "Argetlan" (2019),

“eu externo”, idealizado por uma amiga a princípio


mapas, biomas, línguas, espécies e aventuras. Meu nome nesse mundo era Argetlan. Argetlan ou “Arge” acabou se tornando um personagem externo depois disso, como se cada um tivesse seguido seu rumo. Desde então achei que essa “brincadeira”, essa fuga da realidade havia acabado, mas após Extasia e até mesmo durante, senti que havia encontrado um novo mecanismo de fuga para sair do real, dessa vez não narrativo, apenas visual, sem início, meio e fim, como uma visão das sensações. E novamente pelo acaso surge um novo eu, “Eros”, que passa a materializar sensações de memórias marcantes e

Os autorretratos para mim não são representações nossas congeladas no bidimensional ou em qualquer outro formato, especialmente os meus são uma parcela visível de como o artista se vê, como é sua imagem no mundo onde ele se encontra no momento da produção. Meu

Figura 19 “Eros - Andando sobre a Lua” (2019).

ciclos viciosos em minha vida.

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mundo de ontem era onde fui Eros, hoje posso não me

outro, mas cada um de seu lado, os ossos como

ver mais como ele e amanhã talvez o volte a ser.

estrutura material do corpo, a carne como

Eros permanece em minha mente, em minha memória,

material corporal da figura.”xvi

assim como Argetlan, mas neste momento não consigo

Quando falo de figuras independentes, referindo até

mais pintá-los e dizer ser eu talvez volte a me ver nessas

sobre meus próprios autorretratos, refiro-me à sensação

imagens ou se talvez surja um novo eu; isso já é trabalho

de Bacon com a “vianda”: o corpo materializado como

do amanhã.

figura agora é o próprio ser, não é uma representação do

Falar de autorretrato me remete a Bacon, não só sobre seus autorretratos, mas à forma de implementação da figura sob a obra. A famosa “vianda” que Deleuze descreve no livro sobre Bacon não difere dos autorretratos para outras pinturas que ele produzia, eram seus corpos sem órgãos. Ele tornou-se um corpo sem

real, de um sonho, de uma sensação, eles têm própria estrutura, têm sua própria organicidade. Isso não impede que uma figura remeta a algo no real para quem a vê, pelo contrário, justamente essa independência é que abre a interpretação de cada um pelo devir de suas subjetividades, de suas sensações.

órgão no momento em que imprimia sua imagem e a

“A carne mostra-se assim ser o polo de

deformava sobre o suporte.

referência de todos os corpos dependentes dessa

“O corpo só se revela quando ele deixa de ser sustentado pelos ossos, quando a carne deixa de recobrir os ossos, quando eles existem um para o

natureza própria” (RICOEUR, 1991, p. 378). Desse modo, a carne representa, segundo Ricoeur, “eu como este homem: eis a alteridade

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primeira da carne com relação a toda a

produtivo não tenha uma similaridade, mas a maneira

iniciativa” (1991, p. 378). A respeito do corpo,

como ele fala e vê pintura parece ser a mesma que a

Ricoeur afirma que é preciso: “mundanizar a

minha até o momento. Foi o ponto chegado, de me

carne, para que ela apareça como corpo entre os

espelhar quase como cem por cento na figura do papa

corpos. É aqui que a alteridade do outro como

que Bacon criou para produzir a minha, pois assim como

estranho, diverso de mim, parece não somente

ele também quis pintar o grito.

dever estar entrelaçada com a alteridade da carne que eu sou, mas também ser considerada a seu modo como prévia à redução ao próprio. Pois minha carne só aparece como um corpo entre os

“E, entretanto, esta não é a última palavra na série da boca segundo Bacon. Ele sugere que exista, para além do grito, um sorriso ao qual ele não teve acesso.”xviii

corpos quando sou eu mesmo um outro entre todos os outros, numa apreensão da natureza comum, urdida, como diz Husserl, na rede da intersubjetividade” (1991, p. 380).”xvii Talvez este seja o momento que a pintura faz mais sentido na minha vida, Bacon narrado por Deleuze falam como se estivessem conversando comigo. Eu me encontrei em Bacon muito mais por sua fala do que por sua produção imagética em si, não que o raciocínio 40


“De qualquer modo Bacon não deixou de querer eliminar o ‘sensacional’, ou seja, a figuração primária naquilo que provoca uma sensação violenta. Tal é o sentido da fórmula: ‘quis pintar o grito mais do que o horror’. Quando pinta o papa que grita, nada se faz horror e a cortina diante do papa não é apenas uma maneira de isolar, de subtraí-lo dos olhares, é mais uma maneira na qual ele não vê nada de si mesmo e grita diante do invisível: neutralizado, o horror é Figura 20 "Eros - Seu último suspiro" (2020).

múltiplo, pois ele se conclui do grito e não o inverso. É claro que não é fácil renunciar ao horror ou à figuração primária.

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É preciso voltar-se contra os próprios instintos, renunciar à sua experiência.”xix

“Pintar a sensação, que é essencialmente ritmo..., mas em uma sensação simples, o ritmo depende ainda da figura, ele se apresenta como a vibração que percorre o corpo sem órgãos, ele é o vetor da sensação, o que a faz passar de um nível a outro. No acoplamento da sensação, o ritmo já se solta visto que confronta e reúne níveis diversos de sensações diferentes: ele é agora ressonância, mas ainda se confunde com as linhas melódicas, pontos e contrapontos de uma figura acoplada;

Figura 21 "Eros - Ressurreição" (2020).

ele é o diagrama da figura acoplada.”xx

42


Como em Extasia, a série Eros tomou um rumo para além do que imaginei. Mesmo enraizando meu início em pensamento de incógnitas sobre qual é o sentido da vida, morte e amor (erótico), em sua relação rizomática a série atravessou até os conceitos do grego antigo sobre o deus Eros, que na mitologia dos deuses primordiais é a parte de manutenção da ordem e do caos, é o amor humano dito como transformador, e que depois em Platão é interpretado como um deus carente, frágil e volátil. Esse personagem, que estava para mim como um alter ego,

como se eu tivesse aprendido o que era para aprender.

Figura 22 “Eros - Nadando em Chamas” (2019).

chegou à mesma independência que Argetlan alcançou,

43


Em setembro de 2020 pude ter uma perspectiva mais

A caminhada de Eros segue ao seu “Julgamento”, Figura

ampla da série ao finalizá-la e como de costume comecei

23, que é dado por suas cinco faces punitivas: Pena,

a enxergar algum rumo a respeito do que produzi. Saindo

Culpa, Dúvida, Medo e Arrependimento, sendo então os

de uma idealização que se inicia em “Andando sobre a

juízes que decretam seu inferno de incessante

lua”, Figura 19, com continuação em “Nadando em

sofrimento.

chamas”, Figura 22, e rompendo desse ideal Belle Époque direto para a expressividade e temor da morte, em “Seu Último Suspiro”, Figura 20, ligado sem nenhuma dúvida unicamente ao medo. Mas, ao mudar para a Figura 13, “Eros – Punições do Inferno”, passa-se a ver “la petite mort”, “a pequena morte”, o momento pós-orgasmo.

44


45


46


Sua absorção o leva até a “Capital Fantasma”, Figura 24, onde basicamente começa a entender suas causas passadas e o que é a presença do caos. A luz de Eros quase se apaga após tanta dor e sofrimento, ainda marcado pelas questões da morte, simbolizado com o ideograma, “Shi” (significando a morte em japonês), entre

suas

sobrancelhas,

continuando

a

vagar,

“Atravessando a Cidade Dourada”, Figura 25, e só então

Figura 25 "Eros - Atravessando a Cidade Dourada" (2020).

começa a entender a complexidade da vida.

47


Eros finalmente se despede de seu próprio inferno na

Fazendo-se um contraponto com uma certa tradição do

Figura 26, sem medo de ser e mostrar quem é por

nu na História da Arte que cobre o sexo e mostra o rosto,

completo, porém, ainda tomado pela vergonha de seus

a exposição do órgão sexual nessa imagem não está

pensamentos do passado, cobre o rosto.

direcionada em nenhuma hipótese ao erotismo, nem inocência ou pureza, mas a um gesto de aceitação de ser, do corpo, que se envergonha pelos padrões do passado, na busca de romper com as imposições estéticas, a necessidade da virilidade ditada por uma sociedade tóxica masculina na qual há uma sexualização exacerbada do estar nu, e na busca por se afirmar como um ser que não precisa ser velado aos olhos da sociedade, e dizer que o órgão sexual não precisa ser visto apenas

Figura 26 "Eros - Levantando-se do Inferno"(2020).

como um motivo sexual. “Somos seres descontínuos, indivíduos que morrem

isoladamente

ininteligível,

mas

temos

numa a

aventura

nostalgia

da

continuidade perdida. Não aceitamos muito bem a ideia que nos relaciona a uma dualidade de acaso à individualidade perecível que somos.”xxi 48


Georges Bataille (1897-1962), no livro “O

da complexidade dos anseios e desejos travados por

Erotismo”, tenta através dessa exposição sobre a

barreiras físicas, mentais, sociais e/ou condicionais no

descontinuidade e a continuidade dos seres

meio que vivemos. Falar da caminhada de Eros é relatar

ínfimos,

da

uma busca desesperada pela felicidade plena e

reprodução, sair da escuridão em que o imenso

duradoura, descrita pelo budismo como estado de Buda

campo do erotismo sempre esteve mergulhado.

ou iluminação, que se difere do conceito de ausência de

E assim como Bataille, tenho esse desejo.

sofrimentos e na verdade significa um fortalecimento do

engajados

nos

movimentos

ser contra abalos emocionais consequentes de quaisquer Eros apenas se ilumina por completo ao se perdoar dando fim a esse ciclo e a uma série que se desloca das outras por ter uma narrativa obtusa, contextualizando toda uma história em relação à caminhada de Eros, que pode enfim renascer na Figura 21, “Ressurreição”. Para além da mitologia grega ou dos embates pessoais a série Eros se conecta bastante com a filosofia budista, seus conceitos de estados de vida, a busca sobre a compreensão do ser e da sociedade em que se vive. Eros é uma síntese aprofundada das relações humanas sociais,

obstáculos que o deslocam do cotidiano ou de planos futuros. E tal como na série esse estado de vida não é necessariamente permanente e sim rizomático, assim como todos os outros, incluído o dito como inferno. “Nietzsche (1844-1900) sustenta que o ser humano partilha o destino de todas as coisas. Amar o destino não implica adotar uma atitude resignada ou submissa, mas tampouco permite que dele se tente excluir o que quer que seja. Amar o destino é aceitar tudo o que há de mais terrível e mais doloroso, mas também tudo o que 49


há de mais alegre e exuberante na vida; em suma, é afirmar de modo absoluto e incondicional tudo o que ocorre e não há afirmação maior da existência de que tudo retorna um número infinito de vezes.”xxii

50


Capítulo VI Tanto em Extasia quanto em Eros a busca pela variação de técnica e da forma de experimentação é grande. Essa “brincadeira” de “saltear” a figura despertou-me a curiosidade de uma visão tridimensional para os suportes bidimensionais da pintura, algo não tão complexo a princípio, mas que ainda está em processo de análise. Iniciei por duas experimentações em tecido, ainda sobre

Figura 27 "Duas Faces do Meu Eu" (2019).

a relação de autorretratos.

51


“As duas faces do meu eu” propõem o diálogo direto com o que se vê e o que se sente, o físico externo aparente e o sensorial

interno,

pensativo.

Nessa

primeira

experimentação a intenção é passar sequência ao uso do mesmo, são dois lados, são duas pinturas em que uma

Figura 28 "Duas Faces do Meu Eu" (2019),

completa a fala da outra.

52


Já em “Eros – Último encontro com Afrodite”, Figuras 29 e 30, tem-se a sensação de perda que foi explorada. Nessa pintura quis apenas pintar um adeus que não tem fim e se despedaça aos poucos, o poder ver e não tocar, a sensação de estar só. Figura 29 “Eros - Último encontro com Afrodite” (2019).

53


“Bacon não para de denunciar no claro e escuro um ‘intimismo’ deplorável, uma ‘atmosfera aconchegante’, enquanto a pintura que ele deseja deve subtrair a imagem ‘ao interior e no salão’; e se ele renuncia ao tratamento Malerisch, é em razão da ambiguidade desta associação. Pois, mesmo escuro ou tendendo ao preto, o diagrama

ainda óptica, mas uma zona absoluta de indiscernibilidade

ou

de

indeterminação

objetiva, que opõe e impõe à visão uma potência manual como potência estranha. O diagrama não é jamais um efeito óptico, mas potência manual desencadeada. É uma zona frenética em que a mão não é mais guiada pelo olho e se impõe à visão como uma outra vontade, que se apresenta também como acaso, acidente, automatismo, involuntária. É uma catástrofe, e uma catástrofe

Figura 30 “Eros - Último encontro com Afrodite” (2019).

não constitui uma zona relativa de indistinção

bem mais profunda que a precedente.”xxiii

54


Pintar sobre pano tingido de preto é como pintar

memória, que olhar para uma pintura é lembrar de algo.

vendado, e o pincelar de cada cor traz visão aos olhos: o

Lidar com o tempo é um dos processos da pintura. E o

preto do pano insistia em absorver o máximo de luz

tempo ajuda no processo de entendimento do artista

possível, e a pintura surgiu como as estrelas à noite,

sobre a sua produção. Pode não ser possível ou

vagando pelo espaço até meus olhos.

necessário compreender o que se pinta em seu ato, mas a

É importante entender que luz é tempo, mas o espaço é o pigmento. Observar um quadro é observar tempo e espaço, os olhos podem levar tempo para codificar e armazenar as cores impregnadas no mundo, e isso, ao realizar-se, cria o que se chama de memória visual. Mesmo assim, a informação do que se viu pode se

retomada de produções passadas ajuda o artista na compreensão do processo atual. Às vezes, ainda é necessário ir para além do que se produz, tentando assim resgatar as memórias de sua vida. Ir em busca de por que se faz ou se fez é, portanto, parte processual cartográfica do artista.

anestesiar, no entanto, olhar novamente para algo igual

Esse processo da “cartografia do próprio eu” se tornou

ou semelhante ao já visto faz com que o cérebro

muito presente nas minhas pesquisas como artista. O ato

rapidamente crie analogia com o que está à sua frente,

de voltar para entender o que fui, por que sou, ou

graças à memória de longo prazo. Surge, então, a empatia

simplesmente por um caráter nostálgico, me auxilia

do observador.

desbloqueando barreiras de pensamentos que não me

O ponto em questão é entender que arte significa trabalhar com memória, que pintar a sensação é pintar a

vinham à mente na época em que realizei determinada obra. Suely Rolnik (1948) apresenta muito bem esse conceito ao falar que: 55


“O que define, portanto, o perfil do cartógrafo é

canalizando

exclusivamente um tipo de sensibilidade, que ele

sentido.”xxiv

as

intensidades,

dando-lhes

se propõe fazer prevalecer, na medida do

Esse hábito, que é bastante recente nas minhas práticas

possível, em seu trabalho. O que ele quer é se

se tornou muito importante por me possibilitar a

colocar, sempre que possível, na adjacência das

realização de um mapeamento dos meus pensamentos,

mutações das cartografias, posição que lhe

da análise e compreensão das minhas ideias e objetivos

permite acolher o caráter finito e ilimitado do

do passado e do presente, ressignificando padrões e

processo de produção da realidade que é o

enriquecendo meu repertório artístico.

desejo. Para que isso seja possível, ele se utiliza

“A prática de um cartógrafo diz respeito,

de um ‘composto híbrido’, feito do seu olho, é

fundamentalmente, às estratégias das formações

claro, mas também, e simultaneamente, de seu

do desejo no campo social. E pouco importa que

corpo vibrátil, pois o que quer é aprender o

setores da vida social ele toma como objeto. O

movimento que surge da tensão fecunda entre

que importa é que ele esteja atento às estratégias

fluxo e representação: fluxo de intensidades

do desejo em qualquer fenômeno da existência

escapando

de

humana que se propõe perscrutar: desde os

territórios, desorientando suas cartografias,

movimentos sociais, formalizados ou não, as

desestabilizando suas representações e, por sua

mutações da sensibilidade coletiva, a violência,

vez,

a delinquência...até os fantasmas, inconscientes

do

plano

representações

de

organização

estancando

o

fluxo,

56


e os quadros clínicos de indivíduos, grupos e

mas não necessariamente, e mesmo os esboços

massas, institucionalizados ou não.”xxv

não o substituem (Bacon, como muitos pintores

Cartografar é um processo além do encontro superficial

contemporâneos, não faz esboços). São muitas

da memória; é também um confronto com o inconsciente

vezes esboços mentais criados antes e durante o

e um atravessamento de sensações, resultando em

processo da pintura.

descobertas sobre o eu originais do devir e do retorno, mas obtusas ao fim, aos resultados. Deleuze parte de um processo semelhante quando dialoga não só sobre Bacon, mas também a respeito dos pintores em geral:

Este

trabalho

preparatório

é

invisível

e

silencioso, mas muito intenso. Se bem que o ato de pintar surja como um pós-lance (hysteresis) com relação a este trabalho. Em que consiste

“Eles falam que o pintor já está na tela. Lá ele

então este ato de pintar? Bacon o define assim:

encontra

e

fazer marcas ao acaso (traços-linhas); limpar,

probabilísticos que ocupam, que preocupam a

escovar ou espanar os lugares ou zonas

tela. O artista tem um valor estético, filosófico

(manchas-cor); jogar tinta, de modo anguloso e

ou sensitivo pré-estabelecido por ele e para

com velocidades variadas.”xxvi

todos

os

dados

figurativos

ele. Existe toda uma luta dentro da tela entre o pintor e tais dados. Existe assim um trabalho preparatório que pertence totalmente à pintura, e que, no entanto, precede o ato de pintar. Este

Tudo que se produz, mesmo utilizando-se totalmente do acaso, requer uma visão básica de suas pretensões. E ainda que não sejam importantes ou racionais, são dados pertencentes ao inconsciente: desejos, valores, traumas e

trabalho preparatório pode passar por esboços, 57


medos. Tais manifestações inconscientes podem ser

retiram, de um lado, o quadro da organização

materializadas através das histerias, extasias ou catarses.

óptica que já reinava nele e que o tornava

Deleuze exemplifica os resultados desses processos na

figurativo de antemão. A mão do pintor é

pintura:

interposta, “Eles são não representativos, não ilustrativos, não narrativos. Mas não são significativos nem significantes

de

antemão:

são

traços

para

socorrer

sua

própria

dependência e para quebrar a organização ótica soberana: não vemos mais nada, como em uma catástrofe, um caos. ”xxvii

assignificantes. São traços de sensação, mas de

Aonde chegaremos com essa reflexão? Deleuze discorre

sensações confusas (as sensações confusas que

sobre o diagrama, explicando que nada mais é que o

trazemos ao nascer, dizia Cézanne). E são

espaço recorrente dos olhos em uma composição, e que

sobretudo traços manuais. É lá que o pintor opera

esse espaço já está sob a visão infra orbicular do artista,

com o papel toalha, a vassourinha, a escova, ou

um estado mental, como “por detrás dos olhos”. Assim,

a esponja; é lá que ele joga tinta com a mão. É

a realização dessa visão idealizada estará no embate entre

como se a mão tomasse independência e

o mundo físico e o mundo sensitivo de quem a cria. Ou,

passasse a servir outras forças, traçando marcas

como Deleuze afirma: “É como se surgisse um outro

que não dependem mais de nossa vontade nem

mundo. Pois essas marcas, esses traços são irracionais,

de nossa visão. Essas marcas manuais quase

involuntários, livres, ao acaso.”xxviii Pintar no diagrama é,

cegas testemunham assim a intrusão de um outro

desse modo, um ato de confrontar-se.

mundo no mundo visual da figuração. Elas 58


Capítulo VII

imaturidade ou apenas padrão estético. Esse foi o caso de outros três “LSDs”, que estavam além do olhar estético

Meu trabalho tem seu início a partir das sensações, são

e do meu processo de raciocínio.

criações de expressões momentâneas. Minhas linhas imaginativas tendem a criar dimensões muito grandes e detalhadas, e por vezes me perco no processo de criação – é uma espécie de linha de raciocínio autodestrutiva. O uso do material do suporte aparece de certa forma como uma âncora que me prende entre essas realidades. Poder ver o papel, poder ver o tecido, mesmo que uma mínima porção ou sob uma leve camada de matéria, faz com que seja meu ponto de resgate do pictórico, meu local de descanso. Mas há momentos em que não consigo enxergar a individualidade da figura, ou sua essência, por assim dizer, e por vezes ela acaba sendo arquivada para reuso do suporte ou simplesmente destruída. Por sorte, o hábito de rever o que fiz e estudar estes “eus” do passado

havia considerado descartável, seja por inconsciência, 59

Figura 31 “ LSD” (2019).

abre uma oportunidade de entender algo que na época


Figura 32 "LSD” (2019).

O uso da produção artística como válvula de escape me permite entender quem sou pelos meios práticos da arte. Apesar disso, ainda pode haver um véu entre a prática artística e o entender arte, estudar arte. E essa compreensão, ainda que tardia, ao ser processada em mente, pode ampliar a capacidade de uma análise da arte sob menos estereótipos e ou padrões engessados. Após janeiro de 2020, pude dizer pela primeira vez o que seria arte para mim, pude sentir pela primeira vez a compreensão da produção de um objeto artístico meu, não sobre o ato em si, mas por sua simples existência em todos os meios, movimentos, e assim finalmente pude tecer um mínimo fundamento teórico sobre o que produzo. Nietzsche deixa bem exposta essa relação em “Assim

Levo também em consideração a importância do estudo

falava Zaratustra” ao falar sobre o pensamento de eterno

de arte para o desenvolvimento como artista, um meio

retorno como parte de busca no passado para a

para compreensão do eu produtivo, criativo e uma forma

compreensão do presente e um processo comparativo da identidade “eu”. 60


de linguagem visual que dialoga com você e o local de

“Somente, onde há vida, há também vontade:

vivência.

mas não vontade de vida, e sim – assim te ensino – vontade de potência! Muito, para o vivente, é estimado mais alto do que o próprio viver; mas na própria estimativa fala – a vontade de potência! ”.xxix Nietzsche fala, assim, sobre a vontade de potência, vontade essa refletida diretamente no meio artístico: arte é forma de externar o pensamento subjetivo, uma linguagem universal, atemporal e onisciente, superando o próprio viver, seguindo rente à vontade de potência. Ainda que brevemente, gostaria de ter como diálogo conclusivo, um ressalto para a procura da escrita e da pesquisa, criando um tripé de estudo, prática e escrita para desenvolvimento como artista, tendo como

Figura 33 "LSD” (2019).

consideração o devir do percurso e não do fim, um processo produtivo e fenomenológico, para produzir arte, pensar arte com o princípio de percepção sobres as

61


coisas no mundo ou um caminho para apreensão de ideias concebidas por modos de introspecção e não apenas como referências. A práxis artística é a metamorfose do artista.

62


63


Lista de Figuras

Figura 1: "Penurity" (2019), guache e pastel seco sobre papel A3, p. 12.

Figura 2: "Insanity" (2019), guache e pastel seco sobre papel A3, p. 13.

Figura 3: "Levity" (2019), guache e pastel seco sobre papel A3, p. 13.

Figura 4: “LSD” (2019), pastel seco, nanquim e vinho, sobre papel A3, p. 15.

Figura 5: “LSD” (2019), guache e nanquim, sobre papel A3, p. 16.

Figura 6: “LSD” (2019), pastel seco e nanquim, sobre papel A3, p. 16.

64


Figura 7: "Infinity" (2019), pastel seco, nanquim e guache, sobre papel A3, p. 18.

Figura 8: "Complicity" (2019), pastel seco, nanquim e guache, sobre papel A3, p. 19.

Figura 9: "Veracity" (2019), pastel seco, nanquim e guache, sobre papel A3, p. 20.

Figura 10: "Dançando em Cores" (2020), acrílica, sobre papel preto A4, p. 24.

Figura 11: "Dançando em Cores" (2020), acrílica, sobre papel preto A4, p. 24.

Figura 12: "Dançando em Cores" (2020), acrílica, sobre papel preto A4, p. 25.

65


Figura 13: "Eros - Punições do inferno" (2020), nanquim e grafite, sobre papel A3, p. 28.

Figura 14: "Suprematism" (1917), Kazimir Malevich, ,48,2 x 65,6 cm, p. 31.

Figura 17: “Poema de Ariwara no Narihira, da série: 100 Poemas narrados por Hyakunin Isshu Uba Ga Etoki”, (1839), Gravura Colorida, Katsushika Hokusai. 25,7 x 38,1 cm, p. 36.

Figura 18: "Argetlan" (2019), pastel seco e gel, sobre papel A3, p. 37.

Figura 15: Ensaio Fotográfico "Ophus Elysium" (2019), p. 33. Figura 19: “Eros – Andando sobre a Lua” (2019), acrílica, sobre papel A3, p. 38.

Figura 16: Ensaio Fotográfico, de "Tayo no Washi" (2020), p. 35. Figura 20: "Eros – Seu último suspiro" (2020), acrílica e Posca, sobre papel A3, p. 41.

66


Figura 21: "Eros – Ressurreição" (2020), acrílica, glitter e gel, sobre papel A3, p. 42.

Figura 22: “Eros – Nadando em Chamas” (2019), acrílica e grafite, sobre papel A3, p. 43.

Figura 25: "Eros – Atravessando a Cidade Dourada" (2020), acrílica, sobre papel A3, p 47.

Figura 26: "Eros – Levantando-se do Inferno"(2020), grafite, acrílica e Posca, sobre papel A3, p.48.

Figura 23: “Eros – O Julgamento" (2020), acrílica e óleo, sobre papel A3, p 45.

Figuras 27 e 28: "Duas Faces do Meu Eu" (2019), acrílica, nanquim e Posca, sobre canvas 102 x 69 cm, p. 51 e 52. Figura 24: "Eros – Capital Fantasma" (2020), acrílica e óleo, sobre papel A3, p.46.

67


Figura 32: "LSD” (2019), guache e nanquim, sobre papel A3, p. 60.

Figuras 29 e 30: “Eros – Último encontro com Afrodite” (2019), acrílica e spray, sobre canvas preto 77 x 28 cm, p. 53 e 54. Figura 33: “LSD” (2019), pastel seco e nanquim, sobre papel A3, p. 61.

Figura 31: “ LSD” (2019), guache, acrílica, pastel seco e nanquim, sobre papel A3, p. 59.

68


Notas Bibliográficas i

EILISH, Billie. The Official Story – Told By Her, 2018. (Informação verbal).

HARARI, Yuval Noah. Sapiens – A Brief History of Humankind. London: Penguin, 2014. p. 24, tradução nossa. xi

xii

BORTULUCCE, Vanessa Beatriz. O tempo do Futurismo. Porto Arte, Porto Alegre, v. 20, n. 34, maio 2015. p. 57.

ii

WILHELM, Richard. I Ching: O Livro das Mutações. São Paulo: Pensamento, 1956. p. 93.

xiii

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007., p. 50.

iii

MARY Shelley. Direção: Haifaa Al-Mansour. Produção: Amy Baer. [S.l.]: Gidden Media, Parallel Films, 2017.

xiv

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 70.

iv

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 13.

xv

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 61.

v

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 43.

xvi

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 30.

vi

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 28 e p. 29.

xvii

GUBERT, Paulo Gilberto. Alter Ego e Outrem: Ricoeur e o Problema do Outro. Thaumazein, Santa Maria, ano 5, n. 10, p. 75-88, dez. 2012. p. 79.

vii

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 42.

xviii

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 35.

viii

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 95.

xix

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 45.

ix

Kosovski, Gisele Falbo. Psicanálise e Arte: Uma Articulação a Partir da Não Relação em Louise Bourgeois: O Retorno do Desejo Proibido. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, Niterói, v. XIX, n 3, p. 441-453, set./dez. 2016. p. 444.

xx

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 77. xxi

BATAILLE, George. O Erotismo. São Paulo: L&PM, 1987. p.12.

LOPES, Anchyses Jobim. Arte da Era Glacial – Arte das Cavernas e o Primeiro Totem da Humanidade (Ou, não é Que Totem e Tabu Pode Estar Certo?). Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte, n. 45, p. 15-36, jul. 2016. p. 15. x

69


xxvi

MARTON, Scarlett. O Eterno Retorno do Mesmo, “A Concepção Básica de Zaratustra”. Cadernos Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v. 37, n. 2, p. 11-46, jul./set. 2016. p. 44. xxii

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 102. xxvii

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 103.

xxiii

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 136 e p. 137.

xxviii

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 103.

xxiv

ROLNIK, Suely, Cartografia Sentimental, Transformações Contemporâneas do Desejo, São Paulo, Editora Estação Liberdade, 1989. p. 2 e p. 3.

MARTON, Scarlett. O Eterno Retorno do Mesmo, “A Concepção Básica de Zaratustra”. Cadernos Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v. 37, n. 2, p. 11-46, jul./set. 2016. p. 21. xxix

xxv

ROLNIK, Suely, Cartografia Sentimental, Transformações Contemporâneas do Desejo, São Paulo, Editora Estação Liberdade, 1989. p. 1.

70


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