Onde foi que voces enterraram nosso mortos 3

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próximas de mim. Os contatos com quem não estava diretamente ligado a mim eram feitos pelo boliviano Pepe. Depois das quedas em Recife, provocadas pelo traidor “cabo” Anselmo, decidimos fechar-nos até em relação à própria organização. Por uma questão de sobrevivência passamos a ser clandestinos dentro da clandestinidade. Por viver condicionado a essa realidade eu fiquei espantado com a tagarelice do Alberi. Encostado no balcão do café em Buenos Aires, ele soltou o verbo e falou que tinha um esquema para entrar e sair do Brasil em total segurança e que a fachada legal era uma serraria ou sítio em Santo Antônio do Sudoeste, fronteira seca entre Brasil e Argentina. Após ter me convidado para conhecer sua estrutura, colocou-a a minha disposição e pediu um novo encontro para acertar os detalhes. Marquei para mais tarde, às dez horas da noite, e como o seguro morreu de velho caí fora de Buenos Aires. Depois de percorrer 1.500 quilômetros, com três trocas de ônibus, desembarquei na tarde do dia seguinte na rodoviária de Posadas. A partir daquele momento restringi minhas andanças. Não circulava mais pelo centro de Posadas, principalmente nas imediações do Hotel Savoy, ponto de agentes da repressão política das ditaduras chilena, brasileira, argentina e paraguaia. Quando tinha de ir para a fronteira ou qualquer outro lugar tomava o ônibus na saída da cidade. Aquele encontro casual em Buenos Aires me deixou de sobreaviso, não confiava em Alberi e me preocupava ter sido descoberto. Minha situação era delicadíssima. Era banido do Brasil, caçado pela repressão do Cone Sul, podendo ser vítima de atentado ou sequestro. O continente estava cheio de exemplos do que as ditaduras eram capazes de fazer com os seus opositores. Confesso que tive medo quando vi o “Negão” Onofre e o Alberi em Buenos Aires. Pressenti perigo naquela ocasião, mas com o passar dos anos, durante minhas investigações, o que era desconfiança passou a ser certeza. O legendário sargento Alberi, aquele da “guerrilha” de 1965, comandada pelo coronel Jefferson Cardim, era um quadro preparado pelo Centro de Informações do Exército para atrair militantes de esquerda que estavam no exílio e levá-los para a morte. Ele possuía uma biografia convincente e que podia ser comprovada. Infiltrar e recrutar eram técnicas usadas pela ditadura para prender e/ou aniquilar seus


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