Al-Madan Online 19-1

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ESTUDOS jectos votivos, podendo configurar depósitos específicos em locais particulares (sendo assim consistente esta interpretação). Como salientou V. S. GONÇALVES (1983-1984: 198), estes artefactos de grande dimensão não apresentam marcas ou desgaste de uso aparente – o que uma concreta acção de lavrar provocaria. Outra característica tipológica destes artefactos (embora não esteja presente em todos os exemplares conhecidos) é a existência de áreas de fixação, representadas nas peças de Almodôvar e Castelo Branco por um sulco perimetral picotado. Esta característica permite assim considerá-los não como utensílios per se, mas parte de um qualquer utensílio compósito. Os artefactos MNA 12868 e MNA 14339, da área do Ervedal, correspondendo o primeiro a um cinzel alongado de anfibolito e o segundo a um machado espalmado de fibrolite com perfuração na extremidade proximal (talão perfurado), permitem leituras singulares no contexto das antigas comunidades camponesas do Sudoeste peninsular. Com efeito, revelam aparentes influências extrapeninsulares, possivelmente com origem na área bretã, dispersando-se as principais ocorrências de artefactos deste tipo (correspondentes principalmente a reproduções locais de modelos alóctones) ao longo do aro atlântico entre a Bretanha e a Galiza (FÁBREGAS VALCARCE e VÁZQUEZ VARELA, 1982; FÁBREGAS VALCARCE, LOMBERA HERMIDA e RODRÍGUEZ RELLÁN, 2011; LILLIOS, READ e ALVES, 2000; PÉTREQUIN, CASSEN e CROUTSCH, 2006; PÉTREQUIN et al., 2007, 2012 e 2013; CASSEM et al., 2011). Especificamente a respeito dos machados com talão perfurado de influência bretã, é dito por P. Pétrequin e colaboradores: “Le nombre de ces haches carnacéennes est donc très faible – ce qui est le cas partout en Europe hormis autour du golfe du Morbihan qui en constitue l’épicentre. Mais les conséquences de l’introduction de ces quelques object-signes à très forte valeur rituelle et probablement religieuse ont sans nul doute été considerábles; elles ont en effet entrâiné la production d’imitations en roches ibérique, parmi lesquelles la fibrolite, l’amphibolite et divers schistes sont bien représentés. Ces imitations depuis longtemps etudiées ont été regroupées sous la dénomination de type Cangas. La répartition des 20 exemplaires connus (dont un seul en France) montre un épicentre au nordouest de l’Espagne et un large diffusion dans la péninsule, au moins jusqu’en Catalogne et au sud du Portugal à 1000 km du Morbihan à vol d’oiseau” (PÉTREQUIN et al., 2012: 217-219). É precisamente aqui que se enquadra o artefacto MNA 14339. Trata-se possivelmente de um machado espalmado, não sendo claramente evidente o “golpe de enxó” (ver GONÇALVES, 2008 a respeito desta característica morfológica), de fibrolite com perfuração na extremidade proximal – correspondendo a um machado de tipo Cangas, resultante do impacto regional da circulação das “haches carnacéennes en jade” (de tipo Tumiac) a partir segunda metade do 5º milénio a.n.e., com uma óbvia concentração no Noroeste peninsular, sendo escassos os exemplares reconhecidos no Sudoeste.

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II SÉRIE (19)

Tomo 1

JULHO 2014

Embora a segunda metade do 5º milénio a.n.e. seja a cronologia genérica proposta para as peças deste tipo, é referido que a primeira introdução das “haches carnacéennes” de tipo Tumiac na Península Ibérica não pode ser datada precisamente, à falta de contextos fiáveis. No Morbihan, este tipo é particularmente frequente entre 4500 e 4300 a.n.e; no caso das imitações de tipo Zug (congénere do tipo Cangas nas áreas entre a Alemanha e a Suíça), estas estão datadas de 4300-4200 a.n.e. (STRAHM, 2010), o que indica uma difusão rápida destes modelos. Este é provavelmente também o caso da Península Ibérica, como o indica a introdução de artefactos de variscite ibérica na área de Morbihan em meados do 5º milénio a.n.e. (QUERRÉ, DOMÍNGUEZ-BELLA e CASSEN, 2012) – se bem que as imitações de “haches carnacéennes” (de tipo Cangas e Zug) podem perdurar até finais do 4º milénio a.n.e. (PÉTREQUIN et al., 2012: 219) – o que coincide com a fase de apogeu do Megalitismo alentejano e que de certa maneira se adequa aos artefactos aqui estudados. Como dito, a ocorrência destes artefactos de influência bretã, tanto de cinzéis alongados como de machados de talão perfurado, é escassa no Sudoeste peninsular (concentrando-se na Galiza e Norte de Portugal) – contando-se no primeiro caso com um exemplar de Montargil conservado no Museu da Sociedade Martins Sarmento (FÁBREGAS VALCARCE, LOMBERA HERMIDA e RODRÍGUEZ RELLÁN, 2011), e no segundo caso com os exemplares de Óbidos, Vale de Rodrigo 3 e Cerro del Garrote 2 (LILLIOS, READ e ALVES, 2000). O artefacto MNA 12850, pela morfologia do seu perfil, poderá tratar-se de uma enxó reaproveitada – cuja extremidade operante, possivelmente macerada pelo uso, foi repolida de modo a conferir-lhe uma superfície plana destinada à martelagem homogénea (potencialmente de cobre). Artefactos de pedra polida morfologicamente semelhantes (ao nível do polimento da extremidade operante de modo a configurar uma superfície plana) foram recolhidos nos povoados calcolíticos de Penedo do Lexim (SOUSA, 2010), Leceia (CARDOSO, 1994 e 1999-2000), Moita da Ladra (CARDOSO e CANINAS, 2010), Penha Verde (CARDOSO, 2010-2011) e Porto das Carretas (SOARES, 2013). Nestes casos, a parte funcional do artefacto apresenta uma estreita superfície polida, entendida como destinada formalmente à martelagem de precisão de manufacturas metálicas (ver a acessão desta funcionalidade em BRANDHERM, 2000) – não excluindo outras funcionalidades, como a maceração de couros e de fibras vegetais ou animais. A peça MNA 12949 corresponde a um curioso objecto de fibrolite que J. L. Vasconcellos considerou representar dois machados (ou, talvez mais propriamente, enxós) em vias de fabricação (VASCONCELLOS, 1912: 286 e 1913: 57). A peça encontra-se totalmente polida, inclusive o sulco periférico que se destinaria ao destacamento dos dois instrumentos, sendo dito o seguinte a este respeito: “Cet object [...] se présente à nous sous la forme de deux haches polies en voie de formatation [...]; ici [...] on a voulu frabiquer d’emblée deux haches avec une seule


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