Remonta a 2004 a primeira aproximação das autoras à presença de cerâmica portuguesa no Atlântico Norte. Desde então diversos trabalhos têm sido feitos, na tentativa de compreender a importância destes materiais no já bem estabelecido comércio atlântico. Neste sentido, Portuguese Coarsewares in the North Atlantic Trade pareceu-nos o rumo certo a dar a uma investigação já em marcha sobre a importância destas cerâmicas, tanto em Inglaterra como no Novo Mundo. Para o propósito da presente pesquisa entendem-se como cerâmica comum (coarsewares) todas as produções portuguesas efectuadas com pastas vermelhas, castanhas e laranjas, claras ou escuras, cuja superfície não tenha sido revestida com qualquer tipo de vidrado. O objectivo do presente projecto é reconhecer quais os principais centros exportadores envolvidos no comércio Atlântico de cerâmica comum portuguesa, perceber que tipos de peças estavam a ser exportadas e para onde. As cronologias mais seguras dos sítios arqueológicos em Inglaterra e no Novo Mundo irão igualmente permitir tirar algumas conclusões acerca da datação de muitas dessas peças, ainda que o seu carácter funcional concorra para a manutenção da forma ao longo do tempo. O financiamento para a realização deste trabalho foi até ao momento assegurado por diversas instituições, entre as quais o American Institute of Archaeology, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Society for Post Medieval Archaeology e o Banco Santander. Apesar de produzida em diferentes localidades no país, este projecto incidirá, em Portugal, essencialmente nas cerâmicas produzidas em cidades costeiras, a maior parte destas portos abundantemente presentes na documentação alfandegária e portuária, com ligações ao comércio Atlântico e Europa do Norte. Neste sentido, serão tidas em consideração as produções de Viana do Castelo, Vila do Conde, Porto, Gaia, Aveiro, Coimbra, Lisboa, Almada, Barreiro, Setúbal, Lagos e Tavira. Duas excepções serão no entanto consideradas. A documentação dos séculos XVI e XVII aponta Estremoz como um dos centros produtivos que mais se destacaram no reino. As suas cerâmicas encontram-se descritas em diversos documentos de finais do século XVI, nomeadamente em Duarte Nunes de Leão e na visita de João Batista Venturini ao rei D. Sebastião, quando este bebe água num púcaro de Estremoz (VASCONCELLOS, 1921: 13). Existem ainda duas referências muito interessantes quando dois navios ingleses zarpam do Porto, em 1687, para Inglaterra, com cerâmica de Estremoz a bordo (CASIMIRO, 2011: 181). A outra excepção trata-se de Pombal, igualmente referido como importante centro de produção de cerâmica, sobretudo púcaros, mas cuja produção não se encontra ainda caracterizada. Geograficamente circunscrito ao Atlântico Norte, o objectivo do presente projecto passa por identificar que centros produtores portugueses estavam a produzir e exportar para as Ilhas Britânicas e Colónias
Inglesas no Novo Mundo, onde a quantidade deste material é extraordinária. A escolha desta área geográfica decorreu do estudo de cerâmica portuguesa pelas autoras tanto em Inglaterra como na América do Norte, notando que existia uma relação directa entre as cidades e colónias envolvidas no comércio Atlântico, cujo produto base seria o bacalhau, e a quantidade de cerâmica portuguesa que aquelas ofereciam nas suas escavações arqueológicas. Uma das principais tarefas na identificação dos centros produtores passa pela realização de estudos de proveniência através da técnica do ICP (Inductively Coupled Plasma), já anteriormente utilizada em outras produções portuguesas (HUGHES, 2013), nomeadamente em faiança, mas cujos resultados têm sido proveitosos para diversas produções europeias (POPE e BATT, 2008), com a identificação de uma “assinatura química” para cada centro produtor. Serão recolhidas amostras de cerâmica em cada um dos centros mencionados, que serão analisadas criando uma base de dados sobre os centros produtores. A partir desse momento, peças recuperadas fora de Portugal poderão ser, mediante análise, comparadas com os resultados dos locais de manufactura.
FIG. 1 − Púcaro encontrado nas escavações da Rua da Judiaria (Almada).
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DEFINIÇÃO
A denominação de cerâmica comum portuguesa (Portuguese Coarse wares) para este projecto não foi de alguma forma pacífica, ou sequer acreditamos que retrate a verdadeira dimensão da cerâmica que irá ser analisada. No entanto, procurámos um termo abrangente o suficiente para incluir todo o tipo de cerâmica não vidrada de diversas cores, espessuras e pastas. Por outro lado, o termo já havia sido empregue não apenas pelas autoras (NEWSTEAD, 2008 e 2014; CASIMIRO, 2014), mas igualmente em outros trabalhos anteriores (GUTIERREZ, 2007),
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