Revista Bee

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Editorial Quem nunca teve vontade de conhecer outras culturas, outros países, viajar por lugares diferentes, além de aprender sobre novos costumes e pessoas? É provável que a maioria das pessoas sinta uma certa curiosidade a respeito desse assunto. Você já se perguntou quem desenhou aquela poltrona bonita que viu em alguma loja? Ou quem é o responsável por aquela capa de CD que você tanto gosta? Pois bem, fizemos todas essas perguntas para tentar explicar um pouco do objetivo dessa revista. Queremos que as pessoas interessadas em design conheçam um pouco mais sobre o assunto, além de conhecer também novas identidades culturais e designers de várias regiões do mundo. O nosso objetivo é mostrar que existe muito mais além do design já conhecido e vinculado frequentemente nas mídias convencionais, como televisão, revistas populares, rádio, internet, etc. Boa leitura!

EDIÇÃO Nº01 | JUN/JUL/AGO - 2013

Lucyana Almeida lucyana@bee.com.br

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Ilustração: Aline M. Santos e Lucyana Machado Diagramação: Aline M. Santos e Lucyana Machado Produção: Aline M. Santos, Lucyana Machado, Marina Bueno e Ana Flávia Marcheti Colaboradores: Alex Mazzini, Zuleica Schincariol, Andréa Souza Almeida, Chrystiane Alvarenga, Paulo Sica e Rafael Miyashiro A BEE é uma publicação sobre Design e Identidade Cultural Mundial e aborda as novas tecnologias, processos e estudos referente ao Design no Mundo e todos os fatos relevantes deste assunto. Todo o conteúdo da BEE, revista e portal, é de livre reprodução, sendo necessária a citação da fonte, conforme legislação de direitos autorais.

Impressão: Compulaser Fontes utilizadas nesta edição Univers e Trade Gothic Papéis utilizados Capa: Couchê 300g/m² Miolo: Offset 150g/m² Revista Bee Rua Maria Antonia, 150 - Consolação 01222-010 - São Paulo - SP - Tel. 11 3896-9966 comercial@bee.com.br imprensa@bee.com.br bee.com.br Acompanhe também a versão digital para tablets, androids e iphone.

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SUMÁRIO JUNHO 2013

REVISTA BEE

PROPOSTA EDITORIAL

Explicação sobre o desenvolvimento e criação da revista, desde a ideia inicial à concepção do logotipo.

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VICTOR PAPANEK DESIGN SUSTENTÁVEL

Antes mesmo da preocupação com o meio ambiente começar, o designer austríaco fazia projetos relacionados ao assunto.

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HAVAIANAS

MODA E CULTURA BRASILEIRA

Totalmente brasileira, a sandália ganhou o mundo após o reposicionamento de sua marca .

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PROPOSTA EDITORIAL

Revista Bee

PROPOSTA EDITORIAL A revista não trata somente de um assunto relacionado ao design. É uma revista abrangente, que aborda diversos assuntos dentro do design, possuindo espaço para o design gráfico e design de produto. A ideia principal da revista é informar. Informar sobre criações, designers, projetos e coisas que ninguém imagina que existam. Todas essas informações estão relacionadas à cultura, não importa de onde ela seja. Haverá artigos sobre diversas regiões do mundo, sempre relacionadas ao design, seja de produto ou gráfico.. Seus leitores são estudantes de design, pessoas que estão começando a carreira na área e interessados em design e cultura.

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O assunto é abordado de uma maneira analítica, privilegiando os processos de projetos. Há artigos onde é mostrada a concepção de um projeto ou sua análise, portanto não é uma revista questionadora. Os artigos dão ênfase nos fatos e características da cultura abordada. Não faz questionamentos, apenas acrescenta bagagem cultural ao leitor, fazendo com que ele busque mais informações sobre determinada região ou cultura fora da revista, instigando, assim, um maior conhecimento sobre o assunto. No quesito diagramação, o grande diferencial é a presença de linhas que fluem na revista durante a passagem dos artigos. Tais linhas representam as culturas e regiões abordados naquela edição; as cores das linhas correspondem às cores das bandeiras dos países representados. A opacidade de uma linha ficará 100% quando o artigo falar sobre o seu país, enquanto as outras ficarão com uma opacidade menor, mostrando que ainda estão interligadas entre si.

Havaianas

HAVAIANAS

REPRESENTAÇÃO DA CULTURA E DA MODA BRASILEIRA POR ALEXANDRA RIQUELME

Aqui também, não consegui pensar em nada :(

Desde a infância os calçados estimulam um fetiche de consumo. Todas as meninas conhecem e crescem com o mito da Gata Borralheira, um sonho e uma vida que de forma mágica, em um calçar de sapatos, transforma a simples moça em Cinderela. Uma história que inconscientemente estimula o desejo e a afeição pela posse dos calçados. É por isso que a propriedade de um calçado é mais importante que o seu uso, são símbolos de companhia, levam e trazem, protegem e acompanham os pés. Marcas, custos, saltos e design são características importantes para a representação de status que este produto oferece.

UMA BREVE APRESENTAÇÃO Quem nunca teve vontade de conhecer outras culturas, outros países, viajar por lugares diferentes, além de aprender sobre novos costumes e pessoas? É provável que a maioria das pessoas sinta uma certa curiosidade a respeito desse assunto. Você já se perguntou quem desenhou aquela poltrona bonita que viu em alguma loja? Ou quem é o responsável por aquela capa de CD que você tanto gosta? Pois bem, fizemos todas essas perguntas para tentar explicar um pouco do objetivo dessa revista. Queremos que as pessoas interessadas em design conheçam um pouco mais sobre o assunto, além de conhecer também novas identidades culturais e designers de várias regiões do mundo. O nosso objetivo é mostrar que existe muito mais além do design já conhecido e vinculado frequentemente nas mídias convencionais, como televisão, revistas populares, rádio, internet, etc.

SUMÁRIO

REVISTA BEE

Conceito e concepção

Artigo sobre o conceito da revista e sua concepção, desde a criação do logotipo até a definição do layout.

HAVAIANAS Brasil

Estratégias de marketing e reposicionamento de marca foram alguns dos fatores responsáveis pelo sucesso da Havaianas. Ilustração: Aline M. Santos e Lucyana Machado Diagramação: Aline M. Santos e Lucyana Machado Produção: Aline M. Santos, Lucyana Machado, Marina Bueno e Ana Flávia Marcheti Colaboradores: Alex Mazzini, Zuleica Schincariol, Andréa Souza Almeida, Chrystiane Alvarenga, Paulo Sica e Rafael Miyashiro A BEE é uma publicação sobre Design e Identidade Cultural Mundial e aborda as novas tecnologias, processos e estudos referente ao Design no Mundo e todos os fatos relevantes deste assunto. Todo o conteúdo da BEE, revista e portal, é de livre reprodução, sendo necessária a citação da fonte, conforme legislação de direitos autorais. Impressão: Compulaser Fontes utilizadas nesta edição Univers e Trade Gothic Papéis utilizados Capa: Couchê 300g Miolo: Offset 150g

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VICTOR PAPANEK Áustria

História e alguns fatos sobre o designer austríaco.

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Estudos realizados para o sumário e para abertura de artigo.

Linhas utilizadas na diagramação, com opacidades diferentes conforme o artigo.

A principal diferença da revista Bee é o seu tema. Ela aborda a cultura de diversos países e regiões do mundo, não se restringindo a somente um assunto. Tanto o design gráfico quanto o de produto podem ser abordados na revista, além de assuntos relacionados ao design, não sendo necessariamente trabalhos e obras de designers e artistas. Ela tem como objetivo informar e atualizar os leitores sobre diversos trabalhos espalhados pelo mundo que muitos não conhecem e que não são divulgados em revistas convencionais.

“A principal diferença da revista Bee é o seu tema. Ela aborda a cultura de diversos países e regiões do mundo (...)”

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LAYOUT, DIAGRAMAÇÃO E MARCA Em todos os exemplares será seguida a mesma identidade visual, desde o logotipo à diagramação da revista. Somente as ilustrações e imagens da capa mudarão de acordo com o assunto abordado naquela edição. O restante, como editorial, sumário e layout dos artigos continuará com a mesma identidade. A revista é padronizada em quase toda a sua estrutura. Há duas tipografias, uma para o título e subtítulo, e outra para o texto e as legendas. A identificação das seções também segue um padrão; elas são identificadas pelas linhas, onde a cor das mesmas muda de acordo com o país ou região abordado naquela edição. As capas mudam de acordo com as regiões e artigos daquela edição.

PROPOSTA EDITORIAL

Os textos e imagens estão interligados, dependendo um do outro para um maior entendimento e compreensão do artigo. As linhas trazem dinâmica às páginas, e também interligam textos e imagens, deixando-os com uma unidade e identidade melhor definidos. As imagens servem como um complemento para o artigo, além de ajudar na compreensão do texto. Elas estão dipostas de acordo com o grid de duas colunas, aparecendo de acordo com o andamento do texto. Na abertura do artigo a imagem funciona como elemento de apoio. Por não se tratar de uma revista específica de ilustração, as fotos e imagens utilizadas não sofreram nenhuma interferência de computação gráfica e não possuem elementos gráficos. O projeto possui unidade, pois todo o layout das edições será igual, havendo mudanças apenas nas cores do logo (se necessário), nas imagens de capa e nas linhas que representam os países e culturas. O grid continuará com duas colunas e totalmente flexível, adaptando-se às necessidades do artigo e das imagens.

Diferentes capas das edições; há variação de acordo com o assunto abordado

O grid é definido por duas colunas, variando e mudando de acordo com a posição das imagens

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e,O ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890 Resonance Bold, tipografia usada para a construção da abelha e nos títulos da revista Bee.

As capas mudarão de acordo com os artigos que estarão naquela edição. Não haverá lombada, pois a revista não possui número de páginas suficientes e, além disso, o custo fica menor e mais acessível. A capa dessa primeira edição é totalmente representativa: há o globo terrestre e a sua volta estão representados diversos lugares do mundo; há também a presença das linhas que representam as regiões inseridas nesta edição. Tais linhas farão parte da revista inteira e estarão dentro dos artigos.

Bee, na língua inglesa, significa abelha. Ela é um inseto que passa por diversas flores coletando o seu pólen (pólen este que seria o conhecimento adquirido pelo leitor ao absorver as informações da revista); durante esta coleta, uma quantidade pequena de pólen fica grudada nos pelos da abelha e, quando elas passam por outras flores, essa quantidade mínima é responsável pela polinização, fazendo com que as espécies vegetais se proliferem (a polinização seria a etapa na qual o leitor compartilharia com outras pessoas os artigos lidos na revista, tornando-as curiosas e instigando-as a procurarem mais informações sobre o assunto). Com o pólen recolhido, a abelha confeccionaria o mel em sua colmeia, num trabalho em grupo com outras abelhas (o mel é o resultado final da leitura, onde o leitor adquire o conhecimento através dos artigos). A tipografia usada foi a Resonance Bold; é uma fonte pesada, no entanto, por causa de suas curvas suaves, torna-se sutilmente leve e impactante, o que remete à proposta da revista. O desenho da abelha foi composto geometricamente pela própria tipografia através de outras letras, como o “O” e “E”.

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É possível notar as formas suaves e arredondadas da letra “E” na imagem acima. A abelha também possui as mesmas características, transmitindo leveza e impacto simultaneamente

ABCDEFGHIJKLMNO PQRSTUVWXYZ abcdefghijklmno pqrstuvwxyz 1234567890 Univers, tipografia utilizada para o texto corrido.

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PROPOSTA EDITORIAL Foram usadas as tipografias Trade Gothic e Univers. A primeira será utilizada em títulos e subtítulos justamente por ser uma fonte versátil e flexível, podendo se adaptar a qualquer título. Já a Univers foi escolhida por possuir diversas variações, ser bem legível, possuir clareza e proporcionar uma boa legibilidade quando usada em textos longos. A imagem serve como um elemento de apoio, dando dinamismo a abertura. A linha que a corta e que está com a opacidade maior representa a região abordada no artigo; as outras que estão em segundo plano, com uma opacidade menor, representam o restante das regiões. Embaixo do título há um pequeno texto posicionado a esquerda, ressaltando uma parte relevante do artigo. A direita há o início da matéria, fazendo com que o leitor tenha de virar a página para começar a leitura. O sumário também utiliza as cores para identificar as seções e artigos presentes na revista. Ele dá origem às linhas que seguirão os artigos durante a revista. As imagens estão dentro de círculos que remetem às curvas do logo.

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Identidade Cultural Mundial

Havaianas

Representação da cultura e da moda brasileira

Estudo de marca e capa. Estudo de abertura do artigo Havaianas.

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VICTOR PAPANEK

O design responsável de

VICTOR PAPANEK Por Fernando Alvarus de Oliveira e Jorge Lucio de Campos

Nascido em Viena, Victor Papanek (1927-1998), morou na Inglaterra (Londres) antes de migrar para os Estados Unidos (Nova Iorque) onde, no final dos anos quarenta, estudou design e arquitetura. Após trabalhar com Frank Lloyd Wright (18671959), frequentou, como estudante e professor, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), tendo, posteriormente, lecionado em universidades do Canadá, Dinamarca, Suécia e Reino Unido e atuado, na condição de consultor e pesquisador, na Austrália, Indonésia e Papua-Nova Guiné.

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Como designer, fez parcerias com a UNESCO e a Organização Mundial de Saúde nas quais desenvolveu projetos para deficientes. Curiosamente, um dos seus primeiros trabalhos foi o de um rádio e, como ele diria num trecho de sua obra (1) mais conhecida, “foi o meu primeiro e, espero, último encontro com o design de aparência, o styling ou o design cosmético”. Ironicamente, em 1952, desenvolveu (2), junto com George Seeger (3), um outro projeto de rádio, bem distinto (4) do primeiro e, em 1968, com James Harold e Jolan Truan − dois de seus alunos na Universidade de Purdue (Indiana) − um sistema de plantio para a recuperação de áreas degradadas pela erosão que consistia no lançamento aéreo (a partir de aviões) de sementes artificiais. Papanek produziu uma obra escrita (6) importante sobre o design sustentável e responsável. Além de ter colaborado, ao longo de toda a sua carreira, com várias coletâneas e revistas, escreveu livros como Design for the real world: Human ecology and social change (Design para o mundo real: Ecologia humana e transformação social) lançado em 1971, e que viria a ser o mais destacado de todos. Já Nomadic furniture: How to build and where to buy lightweight furniture that folds, collapses, stacks, knocks-down, inflates or can be thrown away and re-cycled (“Mobiliário nômade: Como construir e onde comprar móveis leves, dobráveis, desmontáveis, empilháveis, infláveis, ou que

Capa do livro de Papanek: Design for the real world

possam ser descartados e reciclados?”), lançado dois anos depois de Design for the real world, em parceira com James Hennessey, apresenta o Papanek da economia de recursos e dá pistas de sua futura atuação no que chamamos hoje de sustentabilidade. Numa resenha sobre o livro, David Sokol afirmou que: “Quando a Depressão atingiu a Europa, o renomado arquiteto e designer de móveis alemão Gerrit Rietveld projetou a série Crates, peças de mobiliário feitas com placas baratas de madeira, refletindo as

Papanek e companheiros analisando projeto desenvolvido por eles.

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VICTOR PAPANEK

A cadeira relaxante, de madeira compensada, “na nossa sociedade (nós) precisamos ter uma hora para relaxar” HANNESSEY,J.;PAPANEK,V. Nomatic furniture. p.33

Papanek só voltaria ao tema alguns anos depois, quando lançou, novamente com Hennessey, How things don’t work (Como as coisas não funcionam). Como bem disse a seu respeito Uli Diemer: “(...) agora, uma dupla de designers profissionais fornece um olhar totalmente novo sobre a ‘qualidade de vida’ [nos Estados Unidos] (...). [No livro] eles examinam alguns dos bens que, supostamente, aumentariam nossa alta qualidade de vida. Sua mensagem é que existem inúmeros aparelhos, ferramentas e dispositivos pelos quais somos tão orgulhosos que, muito frequentemente, são mal projetados, tendendo a se quebrar e não fazendo, satisfatoriamente, aquilo para o que foram planejados. Em resumo, não funcionam de verdade. (...) [Os autores] não estão dispostos a aceitar as coisas que a maioria de nós vem sendo treinada para aceitar. (...) Por que, eles perguntam, toda casa deve ter um cortador de grama, se ele só é usado por meia hora a cada duas semanas? Não faria mais sentido se sete ou oito vizinhos comprassem um juntos e o usassem todas as vezes que precisassem? Fazendo isso, também seria possível comprar um modelo melhor, que quebrasse menos que o modelo comum.”(8) Seu livro seguinte, Design for human scale (Design para a escala humana), de 1983, tinha antes a forma de um manual e, apesar de manter o discurso idealista de sempre, um enfoque prático mais acentuado. Nele, Papanek estabelecia uma espécie de programa de sete pontos para “recolocar a base humana no processo do design” (9), ao mesmo tempo em que dava um passo ousado rumo à descentralização.

dificuldades da época. (...) Com Nomadic furniture, os autores (...) respondem a uma nova crise: o fenômeno do nomadismo urbano, onde o mobilário pesado requer muito espaço e combustível e enche os depósitos de lixo, já que os americanos se mudam, cada vez mais frequentemente. (...) Surpresa – os dois volumes do livro foram, originalmente, publicados na década de 1970. (...) Na verdade, [o livro] se parece com uma revista do tipo ‘faça você mesmo’. (...) Os autores mostram maneiras inteligentes de transformar materiais modestos em bens baratos e de boa aparência, algumas vezes ‘melhorando’ um móvel de design contemporâneo existente no mercado.” (7)

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ADEQUAÇÃO, UTILIDADE, MODISMO Ao longo das quase quatrocentas páginas de Design for the real world, estão resumidas as principais convicções e aspirações de Papanek, que não economiza ironia e acidez, ao apontar problemas ainda na pauta do dia em pleno século XXI. Em 1975, em um artigo da revista Design, chegou a afirmar que seus contemporâneos não gostavam dele, tendo sido o livro “ridicularizado, criticado ou atacado de forma selvagem” e seu autor ameaçado, quando de uma exposição no Centro Pompidou de Paris, a sofrer um boicote, caso seus trabalhos nela fossem acolhidos.

Entretanto, no prefácio da edição de 1985, surgia, enfim, um motivo para comemoração: após ter sido traduzido para vinte idiomas (hoje, vinte e três), Design for the real world se tornava, na ocasião, o livro sobre design mais lido no mundo. Foi quando Papanek fez uma afirmação que, ao longo dos anos, se transformaria numa espécie de síntese de seu pensamento: “existem profissões mais danosas que o design, porém são poucas” (12). E continuou:“Possivelmente, apenas uma é mais barulhenta. A publicidade (...). O desenho industrial, por inventar as idiotices anunciadas pelos publicitários, vem num segundo lugar bem próximo. (...) Antes [nos bons tempos], se uma pessoa queria matar alguém, virava um general, comprava uma mina de carvão ou estudava física nuclear. (...) Projetando automóveis inseguros que matam perto de um milhão de pessoas em todo o mundo a cada ano (...) e escolhendo materiais e processos que poluem o ar que respiramos, os designers se transformaram numa classe perigosa.” “O design deve se tornar uma ferramenta inovadora, altamente criativa e multidisciplinar, que responda às reais necessidades do homem. Deve ser mais orientada por pesquisas (sendo que) temos a obrigação de parar de encher a Terra com objetos e estruturas mal projetados. (...) Tenho tentado dar um claro panorama do que significa design dentro de um contexto social.”

“O design deve se tornar uma ferramenta inovadora, altamente criativa e multidiscplinar, que responda às reais necessidades do homem”. Mesa desmontável, livre de folha de madeira compensada. HANNESSEY,J.;PAPANEK,V. Nomatic furniture. p.60

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VICTOR PAPANEK Posicionando-se sobre o projeto de uma mesa − cujo tampo seria de mármore polido e as pernas de aço inoxidável bem proporcionadas − Papanek se disse movido pela vontade de se deitar sobre ela e ter o apêndice extraído. Nada nela falaria sobre a sua verdadeira função, tendo o International Style, com efeito, nos deixado órfãos, em termos de valores humanos. A eterna oposição entrebeleza e função, acirrada nas escolas de design europeias do pós-guerra, foi tratada no livro como uma preocupação autêntica e uma pergunta recorrente dos estudantes − “Deve ser bonito ou funcionar bem?” – mereceria, a seu ver, uma resposta simples: a estética é inerente à função. Papanek afirmou que as potencialidades regionais, climáticas e de capacitação, devem sempre estar presentes nos bons projetos de design. Ferramentas devem ter o seu uso otimizado e um material mais barato e eficiente jamais deve ser substituído por outro mais caro. Os tratores nos cafezais são um dos exemplos citados por ele. Em outro, as cabanas de toras de Delaware − construção típica deste estado litorâneo do Nordeste dos Estados Unidos − surgiram quando os primeiros colonos suecos chegaram à região, tendo à sua disposição

Mulher na cadeira relaxante projeta por Victor Papanek. HANNESSEY,J.;PAPANEK,V. Nomatic furniture. p.32

Capa do livro Normadic Furniture, de James Hannessey e Victor Papanek

machados e árvores de troncos roliços. Os prédios da comunidade de artesãos de Arcosanti, no Arizona, de autoria do arquiteto italiano Paolo Soleri é outro modelo citado. Usando a terra e a areia do deserto, este construiu uma série de prédios de concreto, abrindo as formas no próprio solo arenoso e injetando, depois, o cimento. ”Grande parte do design recente atende apenas as vontades e os desejos voláteis, enquanto as necessidades genuínas do homem têm sido frequentemente negligenciadas (...). As necessidades econômicas, psicológicas, espirituais, tecnológicas e intelectuais são quase sempre mais difíceis e menos lucrativas do que as ‘vontades’ cuidadosamente construídas e manipuladas e impostas pela moda.”

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ÉTICA RESPONSABILIDADE, SUSTENTABILIDADE “Nenhuma escola de design teve tanta influência no gosto e no projeto quanto a Bauhaus”, escreveu Papanek. Segundo ele, a Bauhaus foi pioneira ao considerar o design como uma parte vital do processo de produção, deixando de ser visto como arte aplicada ou industrial. Ao mesmo tempo, a instituição reuniu estudantes do mundo todo, constituindo, assim, o primeiro grande fórum internacional de design. Suas propostas se espalharam por todo o planeta, com a abertura de escritórios e o exercício da profissão levado a cabo, desde então, por seus ex-alunos. Papanek ressalvou, no entanto, que os métodos utilizados pela escola alemã de 1919 seriam um anacronismo no ensino superior norte-americano de design dos anos 1960. Submeter um estudante ao trabalho com serras circulares, usando cola e couro, seria isolá-lo do mundo, negando a existência do computador, dos plásticos e do desenvolvimento científico e tecnológico em geral.

O descartável assento de carro feito em papelão. HANNESSEY,J.;PAPANEK,V. Nomatic furniture. p.131

Como profissionais, temos criado objetos que não consideram o homem como centro, no qual o uso e a constante atualização tecnológica tem prevalecido sobre a sua usabilidade. Hoje, o exemplo da mesa de jantar cirúrgica, apresentado por Papanek, encontra eco nos liquidificadores aerodinâmicos e nos fornos de microondas com seus complicados painéis. Alan Cooper − consultor em design de usabilidade e criador do método de personas para análise de ferramentas em tecnologia – falou, contundentemente, sobre isso em uma entrevista publicada em dezembro de 2006 no site Information & design: “Estou indignado com tudo. Não existe razão para que os produtos que utilizam alta tecnologia sejam tão difíceis de usar como são, e nós lutamos com eles, o tempo todo. Em São Francisco, por exemplo, existem centenas de edifícios comerciais com milhares de escritórios e, em cada um deles, em cada cubículo destes escritórios, há um tele-

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VICTOR PAPANEK

fone sobre a mesa com a última palavra em tecnologia que é, virtualmente, impossível de usar (...). Por isso eu estou tão indignado, porque uma tecnologia ruim e difícil de usar prevalece tanto e é tão fácil de consertar.” Todas estas questões remetem ao conceito de responsabilidade, de design social. Aponta Papanek que: “apenas o homem (entre todos os animais) transforma a Terra para adequar-se a seus desejos e necessidades. (...) À medida em que avançamos na era da produção em massa, o design torna-se ubíquo. (...) Com a produção de objetos aos milhões, os erros se multiplicam milhões de vezes, e a menor decisão no design tem enormes consequências.” Basta pensar no projeto de garrafas de água PET, perfeitas na ergonomia, na transparência (que permite aferir a qualidade da água) e na sensualidade da forma. Todavia, fabricadas aos milhões, elas entopem os aterros sanitários e os lixões, se tornando, virtualmente, impossíveis de eliminar. Segundo Papanek, um projeto como este jamais deveria ter saído da prancheta para a fábrica.

Criança no descartável assento de carro feito em papelão. HANNESSEY,J.;PAPANEK,V. Nomatic furniture. p.130

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HAVAIANAS

HAVAIANAS

Representação Da Cultura E Da Moda Brasileira Por Alexandra Riquelme

Desde a infância os calçados estimulam um fetiche de consumo. Todas as meninas conhecem e crescem com o mito da Gata Borralheira, um sonho e uma vida que de forma mágica, em um calçar de sapatos, transforma a simples moça em Cinderela. Uma história que inconscientemente estimula o desejo e a afeição pela posse dos calçados. É por isso que a propriedade de um calçado é mais importante que o seu uso, são símbolos de companhia, levam e trazem, protegem e acompanham os pés. Marcas, custos, saltos e design são características importantes para a representação de status que este produto oferece.

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Conforme os conceitos históricos dos calçados a utilização deste produto como diferenciação de classes sempre esteve presente, as muheres da aristocracia do princípio do século XIX usavam chinelos de brocado finos como papel e com as solas frágeis que não conseguiam resistir a dois ou três passos fora de casa, enquanto as suas criadas trabalhavam com robustas botas de cabedal negro. É só um exemplo dos tantos citados na pesquisa em relato. Tudo para descrever a utilização do sapato como representação social. Através deste contexto do calçado enquanto objeto de desejo que se iniciou essa pesquisa como projeto de mestrado a ser relatada. E ao assimilar essa valorização do calçado com uma marca da moda, escolhi as sandálias Havaianas, primeiramente pela sua mudança de conceito enquanto marca e, após efetivar a pesquisa, a confirmação deste produto como representação na história da moda e participante no contexto sociológico brasileiro.

1960 a 1980: Lançamento e participação social Para isso se fez um estudo desde o lançamento das Havaianas na década de 1960 até o século XXI. Onde se caracterizou o reposicionamento da marca no Brasil e a houve um investimento na exportação, causador do reconhecimento internacional da marca, verificado pela venda e pela assimilação do produto enquanto símbolo da cultura Brasileira. Essa análise parte do contexto do produto sandália, do uso deste calçado no Brasil, um país de clima tropical e dos elementos popular e popularidade. Análise desenvolvida a partir do posicionamento das Havaianas no mercado entre a década de 1960 e 1980. Trazendo as associações do produto enquanto exemplos de distinção de classes e expressão social. As Havaianas também foram analisadas na participação no estilo do movimento hippie enquanto símbolo de transgressão e desapego material. Exemplificando a característica de produtos democrático, disponível para qualquer gênero, uma referência relevante para a distribuição no mercado e classificação de público-alvo. Estampas criadas para a coleção de verão

Campanha publicitária de 1994, com o slogan “Todo mundo usa”.

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HAVAIANAS

Coleção especial de 2010, onde a revista IdeaFixa promoveu, em parceria com a Alpargatas, uma campanha para descobrir novos designers. O lançamento das estampas selecionadas aconteceu na loja conceito da Havainas, na rua Oscar Freire.

“As Havaianas também foram analisadas na partificapação no estilo do movimento hippie enquanto símbolo de transgressão e desapego material”.

Reposicionamento da marca Posteriormente se teve por objetivo apresentar as estratégias administrativas responsáveis pela mudança conceitual do produto no mercado brasileiro durante a década de 1990. Ao pesquisar o reposicionamento das sandálias Havaianas, foram analisados os elementos fundamentais utilizados na comunicação para a adequação do produto na moda contemporânea. Levando em consideração a moda como uma força complexa dentro da sociedade capitalista, sendo uma das grandes incitações ao consumo juntamente com a publicidade.

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Assim foi feito neste trabalho um estudo associado entre ciências (comunicação e economia) para um melhor entendimento deste processo de transição ocorrido no histórico da marca. Ao observar na história das Havaianas, o seu lançamento, o reposicionamento da marca a pesquisa partiu para a análise das estratégias ocorridas para expansão do mercado. Com isso se chegou aos conceitos de modernidade e pós-modernidade para melhor fundamentar a processo da marca enquanto produto presente nos conteúdos da internacionalização e globalização. Relação relevante na compreensão do posicionamento das enquanto símbolo da cultura brasileira. A análise das ações de comunicação utilizadas pelo fabricante, em paralelo foram relacionados conceitos sobre cultura de consumo e estilo de vida, fundamentais para o debate proposto na pesquisa, onde a moda atua como legitimadora do desgaste acelerado dos produtos. Retroalimentando o sistema econômico, utilizando-se dos meios de

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comunicação de massa para espalhar as novidades entre os diferentes grupos sociais. Logo se iniciou uma análise sobre a coexistência no contexto brasileiro de elementos da modernidade (produção e consumo de massa, estimulados pela publicidade) e da pósmodernidade (escolhas pessoais, fragmentação do consumo, modelos transnacionais, revisitação do passado, pastiche, etc...) relacionados à moda para visualizar outras mudanças na marca Havaianas.

Campanha publicitária comemorativa criada pela agência AlmapBBDO referente aos 50 anos das Havainas

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HAVAIANAS

Havaianas e a globalização Se por um lado, foram apresentadas as quebras de barreiras culturais entre as classes proporcionadas pela pós-modernidade. Por outro lado, o mundo globalizado redefine a delimitação das áreas economicamente “evoluídas” e “marginais”. As diferenças são reais e tornam-se cada vez mais excludentes em países periféricos como Brasil. A informação da moda é instantânea e a absorção é mais presente da cultura dominante.

Por isso pode-se contemplar as Havaianas, como um elemento da cultura globalizada, pois é um produto com características regionais, desde a matéria-prima exclusiva (borracha), em relação ao design e utilidade que o fazem universal.

Modelos das Havaianas Special Collection inspirados na herança portuguesa herdada pelo Brasil (imagens acima). Ao lado direito, modelo especial dos 50 anos da Havaianas. Totalmente baseado nos modelos antigos vendidos nos anos 60, 50 mil pares foram colocados à venda, onde a renda obtida foi doada a Unicef.

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