Mídia e arte: aberturas contemporâneas

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Alexandre Dias Ramos

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É preciso encontrar uma dosagem entre o que controlamos e o que provocamos. Jean Nouvel

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Agradeço aos amigos Charles Richard Schultz, Celso Favaretto, Martin Grossmann, Rosa Iavelberg e Tadeu Chiarelli

Dedicado à Nat

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Copyright © 2006 Editora Zouk

Projeto gráfico: Alexandre Dias Ramos Capa: obra Ejercito en Transito, de Fredi Casco Revisão: Natalie Illanes Nogueira Editoração: William C. Amaral Colaboração: Charles Richard Schultz

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Departamento Nacional do Livro, Brasil) R144m

Ramos, Alexandre Dias. 1976Mídia e arte: aberturas contemporâneas / Alexandre Dias Ramos. Porto Alegre, RS: Zouk, 2006. il. Inclui bibliografia. ISBN 85-88840-49-9

1. Comunicação de massa e artes. 2. Comunicação - Aspectos sociais. 3. Artes e sociedade. I. Título. 05-3536.

CDD - 302.2 CDU - 316.77

1a edição direitos reservados à EDITORA ZOUK r. Garibaldi. 1329. Bom Fim. 90035.052. Porto Alegre. RS. você também pode adquirir os livros da zouk pelo

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Índice

Introdução 9 I - Arte e jogo social 25 II - Da distinção à abertura, e vice-versa 55 III - O fluxo da vida cotidiana 67 IV - Aberturas contemporâneas 89 Conclusão 115 Referências das imagens 119 Bibliografia 120

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Introdução Ao propor uma análise sobre a arte pós-moderna, abordando o espaço existente entre a produção e a recepção da obra de arte na experiência cotidiana, é preciso esclarecer a respeito das relações de poder e distinção de classe existentes na dinâmica das artes plásticas e seus dispositivos de extensão, circulação e preservação social, assim como é preciso mostrar a influência dos gostos e valores pessoais dos diversos públicos inseridos nesse contexto. Seja por interesses econômicos, pessoais ou coletivos, técnicos ou estéticos, o conhecimento sobre a produção cultural é indispensável para uma reflexão da sociedade contemporânea. A arte cumpre um papel fundamental nesse contexto, pois envolve a cultura local e mundial, trabalhando e estimulando um modo específico de educação, invariavelmente diluída no dia-a-dia das pessoas e dos grupos. É para esse dia-a-dia que devemos nos voltar. Torna-se cada vez mais importante olharmos para o fluxo da vida cotidiana, para a vida que passa por nossa janela, para os encontros e desencontros das ruas, das galerias, dos shopping centers; assim, poderemos entender melhor como a produção simbólica pósmoderna se dá, e como seus sinais se articulam, formando conjuntos de experiências culturais tão híbridas. Quando digo “olharmos” não me refiro simplesmente ao exercício óptico do corpo, mas a um outro modo de apreensão do entorno que inclui a visão de mundo de cada um e de cada estrutura social. Assim como é preciso olhar para as novas alternativas que a pósmodernidade ofereceu à divisão alta-cultura/cultura popular, à hiperrealidade e à cultura do espetáculo, pautadas na junção arte/vida que a sociedade do consumo constituiu – entendendo pós-modernidade como um conjunto de processos em curso no âmbito das relações intergrupais, em toda sua potência multidisciplinar, polissêmica,

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híbrida, caótica e desconstrutiva.1 São todos ingredientes importantes para se entender como a produção da arte e da mídia podem ser incorporadas pela educação, revitalizando-a e aproximando-a da dinâmica social contemporânea.2 Da mesma maneira que a arte, a educação atual deve ser pensada não mais sob um viés determinado e determinista, fixo, racional e progressivo, mas sob os diversos aspectos e formas que a pósmodernidade proporciona. Uma educação ativada pela percepção complexa do mundo – das cidades, das pessoas que andam pelas ruas, dos cartazes, livros, anúncios de jornais e revistas, programas de TV, shows, shopping centers, museus e da própria escola –, numa relação mais próxima e intensa com essa paisagem, incorporando-a ao repertório pedagógico que lhe é próprio, em sinergia com os meios de comunicação. A educação é, portanto, aqui entendida como um contínuo exercício cotidiano, um trajeto construído pela experiência da vida, e não apenas pela aquisição formal de conhecimentos. Paisagem pós-moderna. Assim, a educação acontece a todo o momento, e é parte e reflexo do corpo social. Como a cartilha e os cadernos escolares dividiram espaço com as revistas, os jogos eletrônicos e a televisão? Vale mais estudar física ou assistir ao jogo de futebol, vale mais Shakespeare ou Silvio Santos? O desfile de carnaval ou o desfile Chanel, o Rambo ou o Potemkin, o Botero ou o Zurbarán?

1. Mike Featherstone aponta um problema com a tentativa de definir o pósmodernismo: o fato de o termo significar coisas diferentes em cada campo específico. Porém, na minha opinião, essa pluralidade de definições tampouco representa um problema, uma vez que a pós-modernidade ganha muito mais tendo definições tão múltiplas quanto suas práticas. Mas a intenção aqui não é definir pós-modernismo e sim explicitar a relevância de sua discussão para a produção e fruição do conhecimento. 2. De longe, sabemos da dificuldade da educação em adequar seus conteúdos às práticas da vida corrente, da dificuldade em aplicar seus discursos genéricos à multiplicidade de culturas e grupos contemporâneos. E o campo pedagógico sofre muito por se apresentar tão inadequado ao seu projeto racional de padronização social e formação consensual para a realidade de hoje.

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A relação da educação com a arte é fundamental para a compreensão dessas questões, que, aliás, não devem ser exatamente respondidas, mas incorporadas ao repertório do conhecimento. Como ensina Regina Machado, devemos sempre ir atrás das perguntas e não das respostas; com o tempo, naturalmente, as perguntas mudam. Devemos aprender a perguntar. As respostas virão da experiência particular de cada um com cada coisa, considerando a rica multiplicidade dos significados. Porque não basta “defender a elaboração de linguagens contemporâneas sem simultaneamente viabilizar leituras contemporâneas” (Zílio et al, 2001: 196).3 A arte cumpre um papel decisivo para estimular os indivíduos e grupos, inseridos em seus diversos contextos sociais, na percepção de diversas leituras e na ativação do pensamento, num universo cada vez mais imagético, midiático e simbólico. Tal universo não se apresenta, algumas vezes, de forma explícita, pois a percepção da imagem transita entre o consciente e o inconsciente, o olho e a mente, fazendo parte de um conjunto complexo de sensibilidades, e de uma aprendizagem não-formal adquirida com a experiência pessoal e significativa da própria imagem. Em meio à realidade (ou hiper-realidade),4 o indivíduo tem dificuldade em juntar o que é cultural, no sentido mais tradicional do termo, ao que é comercial e publicitário – ou, o que é pior, tenta distinguir e separar um do outro. Esforço inútil. Não há mais um modelo que estabeleça qual a realidade correta a ser seguida; desapareceram as balizas orientadoras do percurso racional, que pretendia chegar no enquadramento “eficiente” das ações do

3. “A reflexão sobre o que pode ser denominado ‘contemporâneo’ em arte não apresenta uma figura clara, com âmbitos plenamente definidos; é simplesmente um campo de efetuações. Pois, não se trata de entender a contemporaneidade artística e cultural como uma época, ou mesmo como uma tendência determinada, mas sim como um modo (da sensibilidade, do pensamento, da enunciação).” (Favaretto, 1991a: 60) 4. Noção criada por Jean Baudrillard, que considera a multiplicidade e intensidade das imagens (da mídia, da tecnologia, dos diversos canais comunicacionais), e a contraditoriedade de seus vetores de força, que muitas vezes se anulam, criando uma dimensão que funde realidade e não-realidade.

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sujeito no corpo social. “À nova inscrição da produção artística corresponde um novo espaço estético, onde tudo pode surgir, tudo pode relacionar-se com tudo em jogo permanente.” (Favaretto, 1991a: 62) E na mistura quase indistinta entre arte e não-arte, produto e não-produto, o poder de ação de todos esses elementos fica aparentemente minimizado, passando desapercebido ou sendo desconsiderado pela educação formal: eis o problema. O cotidiano, a educação e a cultura estão completamente imbricados, mas essa relação é comumente ignorada pelos sistemas estagnados de ensino. A “didática” separação entre eles pode esconder seus efeitos sociais. As diferenças de classe, a discriminação, o preconceito e a intolerância são alguns dos efeitos causados pela cegueira em relação ao outro, em relação à produção cultural do diaa-dia, aos caminhos e desvios que cada pessoa experimenta no fluxo da vida cotidiana. A educação não só está ligada à vida, como deve ser seu espelho, na imagem de cada acontecimento, cada descoberta; na manifestação da arte, da música, da escrita, do outdoor e do vendedor ambulante. Não deve ser a cartilha, o manual, para uma “atuação competente e bem-sucedida” na vida, como um projeto técnico, mas deve incorporar organicamente a dinâmica da vida e da produção simbólica cotidiana. A paisagem pós-moderna dá abertura e condição para esse olhar. Paisagem não é a terra, mas a visão que se tem dela, o ambiente percebido e experienciado. A própria idéia de paisagem pressupõe um observador. E são muitos os intermediadores dessa paisagem. É através de pesquisadores, jornalistas, marqueteiros, designers e artistas que a educação se configura na estrutura do corpo social como catalisadora de relações, experiências e conteúdos. Eis os educadores. Por essa razão, é preciso dar atenção a esses agentes e intermediários culturais, que passaram – depois da disciplinar e unidimensional escola moderna – a fazer parte e atuar diretamente na educação.

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A expansão dos “novos intermediários culturais”, conforme os denominou Bourdieu (1982), promoveu a ampliação do leque de bens culturais e a ruptura de algumas das antigas hierarquias pedagógicas. Os novos formadores de gosto – considerando que o gosto está diretamente ligado ao habitus5 – contribuem para criar novas condições de produção artística e intelectual, pois, na procura constante por novos bens e experiências culturais, transformam e ampliam pedagogias, diferentes modos de aprendizagem, através dos complexos processos da produção de bens simbólicos, como por exemplo a difusão e recepção da arte pela mídia. A linguagem pedagógica deve considerar a realidade complexa e multiforme da vida, que joga com o inconsciente e com o conjunto dos esquemas de interação construídos desde a infância, tanto por professores como por alunos, para, assim, entrar em compasso com a realidade fora dos muros da escola. Desta maneira, devemos integrar os intermediários culturais ao “quadro docente”, porque hoje publicitários, jornalistas e curadores formam, informam, discutem, divulgam e debatem conteúdos antes restritos aos livros. A posição redentora do professor, como único agente detentor do saber, agora divide espaço com o marketing, com a televisão, com os museus e com a internet. Tal consciência não destitui o professor de sua função – ou seu valor –, mas, ao contrário, o integra a um campo muito maior, o faz pensar-junto e ensinar-junto com outras pessoas com outras experiências.6 No uso da mídia como “instrumento de educação” para públicos mais amplos, para novos públicos consumidores de arte, existem inúmeras questões envolvidas, na maioria das vezes ligadas à

5. Sistema de disposições e pré-disposições adquiridas, juízos de gosto, entre as posições e as práticas, as preferências manifestadas, as opiniões expressas do indivíduo ao longo de sua história, utilizado por Bourdieu para compreender o sentido social, que será melhor desenvolvido no capítulo I. 6. Considerando, sem dúvida, as diferenças que cada formação profissional produz.

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configuração da sociedade. Neste sentido, a internet, por exemplo, constitui para a “sociedade da informação” um dos fenômenos mais promissores do final do século XX; a digitalização da informação operou uma revolução profunda no mundo da comunicação, por uma ampliação extraordinária de suas redes. Para a educação, a internet permite que uma quantidade cada vez maior de informação chegue, num tempo cada vez mais curto, a uma quantidade enorme de pessoas (numa espécie de enciclopédia dinâmica e orgânica, à disposição todo o tempo e em qualquer lugar);7 para a arte, torna o conteúdo cultural cada vez mais difundido e relacional. Por essa razão, é importante detectarmos quais os mecanismos e estratégias utilizados pelos artistas e agentes culturais para conquistar espaços nessa sociedade da informação e influenciar na construção, percepção e avaliação da cultura. Pois, as “lutas de poder entre os especialistas culturais e os outros grupos de especialistas (econômicos, políticos, administrativos e intermediários culturais) influenciam nossa capacidade de monopolizar e desmonopolizar conhecimento, meios de orientação e bens culturais” (Featherstone, 1995: 12). Percebemos, então, que é o conhecimento e suas diversas formas de aprendizagem que estão em jogo: conhecimento dos novos bens, seu valor social e cultural, e a forma de utilizá-los. “O que é a arte não é apenas uma questão estética: é necessário levar em conta como essa questão vai sendo respondida na intersecção do que fazem os jornalistas e os críticos, os historiadores e os museólogos, os marchands, os colecionadores e especuladores. Da mesma forma, o popular não se define por uma essência a priori, mas pelas estratégias instáveis, diversas, com que os próprios setores subalternos constroem suas posições, e também pelo modo como o folclorista e o antropólogo levam à cena a cultura popular para o museu ou para a academia, os sociólogos e os políticos para os partidos, os comunicólogos para a mídia.” (Canclini, 1998: 23)

7. Evidentemente deve-se levar em conta que a disponibilidade à internet depende de aspectos econômico-sociais, como o acesso a um microcomputador, modem, à linguagem eletrônica, à alfabetização, etc.

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A arte e sua veiculação na mídia representa, para alguns, a oportunidade de difundir a produção de um pensamento – e o resultado que o reconhecimento dessa visibilidade proporciona se traduz na possibilidade de manter e dar continuidade à elaboração de tal pensamento –; para outros ( principalmente para a classe média e os “novos-ricos”), as revistas, jornais e programas de televisão representam o aperfeiçoamento de um modelo de transformação pessoal, como administrar propriedades e relacionamentos, como construir um estilo de vida realizador.8 A cultura é constituída pelas práticas coletivas e individuais, que são, por sua vez, constituídas por ela. Ao considerar a dinâmica das experiências e práticas culturais cotidianas, é possível entender melhor o funcionamento dos meios de transmissão e circulação junto aos diversos públicos e grupos sociais, e a ação dos agentes e educadores na contemporaneidade. É preciso olhar para os “artistas, intelectuais e acadêmicos como especialistas em produção simbólica e examinar seu relacionamento com outros especialistas simbólicos na mídia e os envolvidos em outras ocupações relacionadas com a cultura de consumo, cultura popular e moda” (Featherstone, 1995: 28); verificar a competição entre esses especialistas e os especialistas econômicos – lembrando que a cultura quase sempre está ligada à economia9 –, e a tendência de ambos em falar pela humanidade. Tais esclarecimentos dão condições para uma melhor análise cultural, comercial e educacional da produção simbólica, que será 8. É possível observar essa prática, mais explicitamente, em grupos como o Rotary Club e o Lyons Club, com seus dispositivos “comunitários” de distinção social. 9. O mercado de arte, em especial, encontra-se vinculado tanto ao mercado financeiro, quanto ao mercado tradicional de obras raras, que lida com uma economia subjetiva e especulativa. O público, como consumidor de arte – seja comprando ou visitando acervos –, deve também ter consciência de seu papel, na medida em que participa da etapa final do processo, elegendo ou renegando determinados trabalhos, e assim construindo o movimento necessário para o mercado. Sem dúvida, o mercado de arte é delicado e muitas vezes perigoso, porque cria e destrói símbolos, produz dispositivos artificiais consagratórios (salões, concursos, Bienais, artigos de jornais e revistas) próprios do jogo econômico e social.

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realizada ao longo deste livro, primeiramente, através das questões ligadas às estratégias de distinção social e à dinâmica multicultural da vida cotidiana; em seguida, pela verificação de como a mídia refletiu essa multiculturalidade, proporcionando uma abertura importante para a produção de conhecimento. No entanto, é no aspecto mercadológico que encontramos, com maior facilidade, alguns elementos importantes para a transformação da produção simbólica. Cada vez mais, a produção artística tem características de e atua como mercadoria, produto produzido, divulgado e consumido nos meios de comunicação de massa, em anúncios, em promoções, em shoppings. Tal mercadoria, quase destituída de sua sacralidade histórica, está sujeita a todos os modos de operação mercadológica que qualquer outro produto possui, inclusive o consumo rápido, superficial e descartável.10 Mas hoje, muito mais próximo da mídia – o que significa dizer, conseqüentemente, das pessoas –, a arte faz parte do universo imagético do conjunto social de uma maneira diferente daquela dos velhos moldes clássicos, porque agora ela circula de uma maneira extremamente ampla, não mais restrita aos pequenos grupos. Quando um quadro de Picasso vai para o sabonete, quando Monet vira estampa de toalha de banho, toda a proteção que a aura da arte possuía, e que a tornava tão distante do grande público, desaparece. Ainda sim é através da aura – de seu alto valor simbólico – que se associa o objeto à sua imagem (à imagem de Picasso e Monet, e não de Fulano de Tal). A antiga proteção intocável da aura dá lugar ao câmbio irrestrito de significados. É preciso também levar em consideração que o fato de a arte

10. O artista, como produtor do mercado de bens simbólicos, deve ficar atento à essa nova forma de participar da cultura, acrescentando ao seu material de trabalho o consumo, e saber transformar sua produção “original” – pessoal e intransferível – em mercadoria; ter consciência, quando produz, da circulação social e econômica de seu trabalho, e entender que tudo isso é parte natural da dinâmica contemporânea.

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entrar para o universo mercadológico, de uma forma tão mais intensa do que nos tempos dos mecenas renascentistas, não retira dela sua qualidade e seus valores intrínsecos, adquiridos ao longo de séculos de pesquisa, técnica e história da arte. As ações de marchands, colecionadores, instituições culturais, escolas e universidades, assim como jornais e revistas especializadas, são formuladas numa complexa rede de interesses – que poderia ser chamada de mercado – responsável pela manutenção de toda a estrutura “necessária” para a arte. Essa estrutura, por se constituir de inúmeras pessoas, não contém uma linha mestra, um segmento puro e comum, mas produz formas sobrepostas de conceitos, com formas sobrepostas de atuação. A pós-modernidade, a discussão e pesquisa dos autores que tratam desse assunto, assim como a pesquisa técnica e conceitual sobre os modos de produção e exibição da arte para os diferentes públicos, permitiu a compreensão dessa pluralidade e a libertação das amarras que o pensamento racional sempre determinou. “Sendo liberdade de qualquer obrigação, a arte é jogo; o jogo contradiz a seriedade do agir utilitário; contudo, visto que a liberdade é o valor supremo, apenas jogando é que se é realmente sério.” (Argan, 1998: 358)

Na pós-modernidade é possível o diálogo orgânico entre elementos clássicos e contemporâneos, sagrados e profanos, mercadológicos e eruditos. Tal concepção, sem dúvida, não corresponde àquilo que a alta sociedade deseja, com suas estratégias e instrumentos de distinção social, e com o uso da arte como conteúdo restrito aos iniciados (Bourdieu, 2003); porém, nada escapa à multiplicidade da vida cotidiana, dos complexos e intensos modos de produção e difusão de informações. A arte perdeu a força de sua aura, mas não desapareceu; seu valor possui, hoje, uma outra significação, aberta ao conjunto complexo que a circunscreve.11 Não foi a arte que mudou, mas sim a maneira de olhar para ela. 11. “Assim como a morte de Deus não acaba com as igrejas, a provável morte da arte não gera ‘a morte do mundo da arte’.” (Canclini, 1998: 135)

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Numa breve análise sócio-cultural das últimas décadas, é possível notar uma preocupação aprofundada sobre as questões teóricas referentes ao relacionamento da cultura com a sociedade. 12 Aqui no Brasil, podemos salientar três mudanças culturais importantes: a primeira, em decorrência das transformações ocorridas no pós-64, nos campos artístico, intelectual e acadêmico, nos modos de teorização, apresentação e divulgação dos trabalhos;13 a segunda, numa esfera cultural mais ampla, envolvendo os modos de produção, circulação e consumo de bens simbólicos, por conta das novas interdependências de poder entre grupos e frações de classes; e a terceira, nas práticas e experiências cotidianas desses diferentes grupos, que desenvolveram novos meios de orientação e novas estruturas identitárias. Já nos anos 30, era possível perceber uma produção artística paralela à oficial, em pequenos ambientes, em exposições e eventos em livrarias, fora dos jornais, revistas, galerias e salões tradicionalmente estabelecidos. Mas foi principalmente no final dos anos 40, com a constituição do MAM e do MASP, em São

12. o que também impulsionou a sociologia da cultura de uma posição marginal para o centro do campo sociológico ao longo dos anos 70 e, principalmente, a partir dos 80. 13. Na política brasileira, os governos de Vargas e Juscelino Kubitschek passaram a tratar a cultura como “negócio oficial”, incentivando a cultura com vistas de promoção política. Os intelectuais de carreira pública, detentores do poder, viamse como porta-vozes da sociedade, destruidores ou legitimadores da produção cultural. As elites, nesse momento, confundem-se com os interesses públicos. Entre 45 e 64, o país passa por uma certa política democrática, mas muito bem dirigida (direcionada) pelo Estado, preocupado em construir uma concepção de “cultura brasileira”. A cultura sai de sua forma regional para tomar uma dimensão nacional, e são vários os órgãos criados para o fomento ao teatro, à música, às artes plásticas e ao cinema. As informações e formulações que circulavam no restrito público cultural dos anos 20 aos 50 em muito diferem das relações estabelecidas a partir dessa consciente política pública cultural dos anos 60 e 70. Tradicionalmente, a cultura no Brasil sempre se estabeleceu a partir de relações

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Paulo, e seus parâmetros estéticos, que se pôde notar uma produção de arte “de resistência”, a princípio marginal ao mercado. Como o Grupo Santa Helena e o Grupo dos 19, essa resistência, na maioria das vezes, não chegou a ser exatamente ideológica, mas pura conseqüência da exclusão e do anonimato, da falta de contatos e redes de relações importantes para a entrada no mercado oficial. Alfredo Volpi, Aldo Bonadei, Arcângelo Ianelli, por exemplo, foram artistas inicialmente fora do sistema, pobres, considerados tecnicamente ingênuos, que pouco a pouco conquistaram seu espaço, através da divulgação lenta de suas mostras e do progressivo reconhecimento de sua qualidade. Outros foram explicitamente combativos, principalmente no que se refere à produção dos anos 60 e 70: Cildo Meireles, Artur Barrio, Antônio Dias, por exemplo, contrários ao Regime Militar; num período em que a cultura foi uma das mais eficientes armas contra a repressão. Os meios de comunicação de massa tiveram um papel decisivo, uma vez que serviram de material ou veículo a uma produção cultural alternativa ao sistema oficial, com formas mais

políticas, primeiramente das oligarquias, mais adiante, dos burocratas da intelectualidade pública, sendo impossível dissociar a cultura do processo políticoideológico. E a escolha da cultura como um dos instrumentos de nacionalização não foi algo exatamente novo – exemplo é a própria criação do Museu Paulista, no início do século XX –; mas é realmente a partir da década de 60, e principalmente 70, que a cultura vai servir para o Estado simultaneamente controlar e difundir, ou seja, forjar, uma identidade nacional. Diante do ambiente que a comunicação de massa criou, junto a toda uma trajetória de instrumentalização de difusão informacional – que, de maneira sistemática, posicionou a sociedade, a política e a própria educação dentro de seus liames –, tornou-se fundamental falar de mercado cultural sob o viés da mídia. A criação de órgãos e programas de cultura, como a Embrafilme (1969), o Programa de Ação Cultural (73), o Centro Nacional de Referência Cultural (75), a Funarte (75) e o Pró-Memória (79), e a criação de centros culturais e concessões de canais de televisão, configuraram todo um ambiente propício à formação dessa grande indústria cultural no país.

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figuradas e mais híbridas, com um uso bastante complexo de metáforas – na música (Tropicália), no teatro (Oficina, TBC e Arena), no cinema (Cinema Novo e udigrúdi), na literatura e na arte (Construtivismo, Neo-Construtivismo e as JACs do MACSP), entre outros. De uma forma ou de outra, foram produções que incorporaram muito bem elementos das mídias da época: xerox, correio, super-8, panfletos, programas de televisão, rádio, etc. É verdade que a força dos meios de comunicação, ao mesmo tempo em que difundiu, abalou a produção de resistência que, gradativamente, foi incorporada como produto cultural e, portanto, público (não-marginal), comercializável e descartável. Na realidade, não foi um abalo, uma vez que a televisão, o rádio, os jornais e revistas foram fundamentais para a divulgação dessa alternativa cultural que o Regime Militar não teve tempo, nem condições intelectuais, de impedir. O Tropicalismo é um dos melhores exemplos: foi declaradamente um movimento gerado no caldo da cultura de massa, dialetizando todo o tempo com o sistema. “Em caras de presidentes / Em grandes beijos de amor / Em dentes, pernas, bandeiras / bomba e Brigitte Bardot / O sol nas bancas de revista / me enche de alegria e preguiça / quem lê tanta notícia / eu vou.”14 Tudo ao mesmo tempo agora. Finalmente, tudo foi incorporado. “No início dos anos 60 constata-se um fenômeno que se agrava até o final da década: desbordando as fronteiras institucionalizadas, as diversas tendências exercitam a multiplicidade de estilos, a mescla de técnicas, o caráter heterogêneo e multidisciplinar da arte. Pintura, escultura, música, teatro, cinema e poesia confluem num espaço estético aberto.” (Favaretto, 1991b: 62)

A década de 70 colocou em questão muitas das fronteiras existentes entre o popular e o erudito, o marginal e o institucional,

14. Alegria, Alegria, música de Caetano Veloso (1967).

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entre o artista e o espectador, o valor da arte e seu mercado; foram algumas das discussões que apareceram de forma muito rica no meio artístico daquele momento. Os desenvolvimentos tecnológicos e midiáticos da década de 80 transformaram essas fronteiras num híbrido de formação com informação, e produção com circulação. As velhas classes se mantiveram, mas houve sim um incremento de público “leigo”, não iniciado, que encontrou na televisão, nas revistas, nas viagens e no computador, uma forma de participar da “cultura mais refinada”. Diz Ernst Gombrich que o santuário foi dessacralizado, que a peregrinação foi substituída pela excursão turística, o objeto pelo souvenir e a exposição pelo show. Outro fator importante é a ação de políticas não-públicas, iniciativas privadas independentes, que se dissociaram do poder estatal e criaram diferentes dimensões culturais. Museus, programas de TV, periódicos nacionais e importados, novas galerias, novos críticos de arte e intermediários culturais que passaram a movimentar o mercado de forma não tão estanque. As mudanças estéticas e comportamentais dos anos 70 trouxeram uma discussão importantíssima à sociedade, que aparecerá de forma muito evidente na realidade dos anos 80 em diante: o fato de não mais ser possível dividir as coisas entre oficiais e não-oficiais (cultura e contra-cultura), não ser mais possível a polarização – tão característica das classificações da modernidade – racional e separada; ao contrário, a vida pós-moderna se perfaz pela coincidentia oppositorum, ou seja, pela integração dos contrários, “o que é da ordem da globalidade, da organicidade de todas as coisas” (Maffesoli, 2000: 47). Sempre haverá a crítica aos sistemas estabelecidos – aliás, fundamental – mas sua atuação passa agora, invariavelmente, pelo olhar e pelas complexas redes culturais da atualidade.

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Essa pós-modernidade, que assinala o aumento da importância da cultura, mediante a saturação de signos, mensagens, e o envolvimento híbrido da mídia com a vida cotidiana, nos permite dizer que tudo na vida social tornou-se cultural (Jameson, 1985 & Baudrillard, 1997). Lembremos aqui de Edgar Morin, que fala da energia potencial que a informação dispõe, “imensa tanto para a ação como para o pensamento” (1986: 42). Por essa razão, é importante que sejam investigados os modos de transmissão e consumo, as estratégias da indústria cultural de tornar a vida um grande espetáculo, e as práticas dos especialistas simbólicos que tornam mais receptivas as sensibilidades dos indivíduos para educar e criar públicos mais amplos. “Talvez essas platéias e públicos venham a adotar práticas pós-modernas e se tornem sintonizados com as experiências pós-modernas sob a orientação de educadores produzidos por intermediários culturais e paraintelectuais. Talvez essa ‘retroalimentação’ possa transformar o pós-modernismo em realidade.” (Featherstone, 1995: 29), numa paisagem visível às práticas coletivas. É preciso mostrar que, a partir do momento em que a cultura ganhou maior relevância econômica e social do mundo, a arte contemporânea pôde ser entendida como sinal e instrumento ativo de aprendizagem; por estimular a troca simbólica entre grupos e culturas diferentes, por estimular a percepção para novos conteúdos e novas leituras da vida social. Na verdade, tudo que está fora do sistema da arte pode ser incorporado por ela, passando a fazer parte de seu jogo. Dessa maneira, as galerias de arte, os museus e centros culturais são importantes formadores de capitais simbólicos, aliados – pelos interesses mais nobres e mais vis – a agentes e meios de comunicação capazes de transformar significativamente as sensibilidades e conteúdos do público ao seu alcance. O objeto deste livro, portanto, está na discussão a respeito dos mecanismos e da lógica de produção, circulação e recepção da arte contemporânea, dentro e fora do mercado de arte, dentro e fora da

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escola. Por essa razão, interessa em muito a pesquisa relacionada com educação e arte contemporânea, educação e campo midiático, pois ela contribui para uma melhor compreensão dos modos de produção e circulação de saberes, através da ampliação ao acesso à informação, de uma maior reflexão sobre a arte e seus modos de organização simbólica, e conseqüentemente, à formação de novos públicos ligados à cultura. Para tanto, é importante mostrar como as transformações da tecnologia permitiram o aparecimento de um sistema de arte atento às novas estruturas informacionais, capaz de absorver e produzir uma cultura contemporânea ao seu tempo. Também é necessário salientar a atuação das instituições de arte na formação do público, assim como a movimentação da alta sociedade pela preservação de sua posição social, conjuntamente à abertura que a multiplicidade de recursos, formas e leituras possibilitaram. No “saber ou na arte, na cultura ou na educação, multiplicidade não significa imediatamente elogio da fragmentação; simples recusa da unidade para fins instrumentalizadores – narcisistas, hedonistas, comerciais, modistas, que elegem diferença e diversidade individual, social e cultural. A multiplicidade valoriza o que se passa na ‘transversal’, na associação de signos heteróclitos, implicando a heterogeneidade como relação” (Favaretto, 1994: 100).

A contradição é o eixo que deve ser ressaltado – e o veremos a todo momento nas questões que perpassam os capítulos. É preciso assumir a tensão das oposições, o fim do racionalismo, a erosão da busca por um objetivo puro e pré-determinado, porque não há mais respostas prontas, não há mais autores capazes de “pintar” a realidade. Nossa realidade depende de nosso próprio olhar, dos nossos diversos níveis de percepção, de nossa rede de relações no mundo, de nosso modo de produzir e absorver conhecimento. Este livro pretende também mostrar que é preciso repensar a educação como sistema tradicional de transmissão cultural, que essa educação deve aprender a atuar diretamente no jogo contraditório

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da vida contemporânea, deve “encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas nas ondas de informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados e as levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele” (Delors, 1999: 89).

A quantidade de informações que a mídia dispõe educa e aliena na mesma proporção. Aquilo que chamamos de qualidade é diariamente posta em xeque, pois é cada vez mais relativizada, como a cor, nunca pode ser considerada isoladamente, depende sempre do seu entorno. A pedagogia e seus conteúdos são como, por exemplo, um laranja, muito claro ao lado do vermelho, muito escuro ao lado do amarelo; não são melhores nem piores, mas ambos ao mesmo tempo. É “preciso preparar os professores para viverem num longo período de transição no decurso do qual a sua profissão oscilará entre imagens e definições contraditórias” (Perrenoud, 1993: 201). A pedagogia voltada para o futuro, tão cara ao projeto moderno, que acreditou que o bem-estar seria alcançado numa realidade linear e objetiva, sem dúvida, enfraqueceu. O presenteísmo pós-moderno, as ações cotidianas, o tempo imediato da mídia, a absorção incessante de inúmeras informações, a harmonia dos contrários, são os pontos para onde devemos olhar, são o material para pintar, esculpir e arquitetar a paisagem aberta a nossa frente. Entre a inquietação e a indiferença, a paisagem pós-moderna nos mostra que não existe mais um conjunto de classificações fixas daquilo que chamamos de cultura, de arte ou de saber. No caminho entre a produção e a recepção, e sua ligação com a arte, com a vida e com a educação, a presença da mídia, além de inevitável, pode contribuir positivamente para que o acesso às múltiplas informações da contemporaneidade amplie os modos de ver e fazer cultura.

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I Arte e jogo social As mudanças que o próprio desenvolvimento da modernidade desencadeou, principalmente a partir de meados do século XX, através das novas concepções de mercado, de industrialização e comunicação, criaram um universo diferente do transcorrido desde o Iluminismo, que decorria da crença no progresso da razão e na construção racional da sociedade, da ética e da moral. Novos instrumentos de conhecimento geraram novos conteúdos, que geraram novos posicionamentos sociais frente às mudanças culturais da pós-modernidade. A comunicação instantânea, a fragmentação do sujeito e a predominância da mídia na constituição do universo simbólico das grandes massas produziram sensíveis mudanças no dinamismo institucional, na política e na economia, ou seja, nas bases de reprodução de um sistema antes estável, agora em permanente mutabilidade. A internet, por exemplo, criou a “diluição” dos limites geográficos e a descentralização das empresas, que puderam adotar procedimentos de produção independentes de sua localização. No âmbito pessoal, nunca se leu e escreveu tanto, nunca se pôde ter disponível, num mesmo sistema, tanta informação de tantos lugares diferentes. Em “territórios” freqüentemente renovados, a informação passou a ser da mesma maneira renovada, transformada pela abertura dos códigos culturais e do imaginário dos diferentes povos. A comunicação de massa passou a ser o principal instrumento de circulação de conhecimento, atingindo a antiga comunicação da cultura literária. O verbal foi sendo substituído – ou teria sido acrescido? – pelo não-verbal, através da elaboração cada vez mais complexa da imagem sobre as pessoas, que se tornaram espectadores de um jogo de transformações de uma realidade agora virtual. A

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produção de narrativas midiáticas criou uma realidade diferente, à parte, em que os simulacros dispensam a experiência vivida, a presença física do espectador (Baudrillard, 1997). Tal fenômeno, advindo justamente da indeterminação entre espaço/tempo e realidade/ficção, gera uma imensa subjetividade contemporânea, e, evidentemente, uma insegurança para aqueles que acreditam na estabilidade, no progresso e na felicidade futura da modernidade. Realidade e virtualidade: nessa mistura indistinta da imagem a sociedade do espetáculo poucas vezes tem consciência de uma coisa e outra. É preciso dizer que, de fato, os consumidores de imagens têm uma tendência a se tornarem mais passivos que ativos; são captadores de informações, como antenas parabólicas, receptoras indistintas, mas capazes de selecionar canais determinados. Mesmo havendo sempre uma tradução, uma inevitável interpretação daquilo que é recebido, o espectador é levado por objetos, sentimentos e experiências da estetização da vida e da economia que caracterizam esse capitalismo da mídia. “Nada se verifica pessoalmente, temos de confiar em imagens que outros escolheram.” (Fridman, 2000: 28) Nunca sabemos o quanto nossas escolhas são pessoais ou coletivas, vontade própria ou força do contexto; os dois estados se misturam, se confundem ou se alternam. Quem, como e onde essas imagens são escolhidas? De que maneira a vida das pessoas são “editadas” no ir e vir das informações? O sociólogo Pierre Bourdieu, através de conceitos como capital cultural, capital simbólico, capital social e habitus, trata das lutas de distinção de classe, das estratégias de linguagem e poder que os agentes de determinados campos adotam para conquistar seus espaços sociais. O habitus, o modo de gesticular, vestir, falar, organizar e pronunciar as palavras, os modos de receber e criar informações, são, para ele, instrumentos poderosos de distinção social. Dessa forma, a educação mostra-se um dos principais instrumentos para a organização de

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“ataque e defesa” – melhor dizendo, sobrevivência – na produção de bens culturais e simbólicos, em meio a uma sociedade cada vez mais informatizada e informada. Na simples tarefa de nomear – ou no uso de termos novos e gírias por parte de grupos marginalizados (num modo de desestabilizar hierarquias), tentando reclassificar e adaptar o campo para sua realidade, ou no uso de estrangeirismos na linguagem das classes mais altas – estão fortes mecanismos de divisão social, cuja legitimidade fica com quem dominar a retórica. As “competências” lingüísticas e as distinções sociais produzidas vão depender do capital cultural adquirido. O capital cultural circulará no meio social principalmente através do capital lingüístico. Num país com altos índices de analfabetismo, alta evasão escolar e degeneração do sistema público de ensino, a predominância da escrita na cultura brasileira, sem dúvida, implicou em um modo mais intelectualizado de circulação e apropriação dos bens culturais, alheio às “classes subalternas”. Habituadas à recepção extensiva de imagens e comunicação visual, as camadas mais baixas da população ficaram de fora do processo cultural dominante. Nessa passagem da sociedade industrial para a sociedade de informação, fica clara a importância da atividade de extração de conhecimento nessa sociedade que produz mais informação do que pode absorver. Esta extração do conhecimento atualiza as discussões sobre a natureza dos processos de aprendizagem, assim como seus sistemas formais de representação. Na cultura contemporânea há simultaneamente subinformação e superinformação, num ambiente híbrido, dialógico, que exige, portanto, uma nova epistemologia social e, conseqüentemente, uma nova forma de resposta social. Isto significa, em outras palavras, que a tecnologia da comunicação é parte de uma nova geração de conhecimentos contemporâneos que, na hiperrealidade, sob uma avalanche de informações, vê constantemente seus valores serem abertos e re-presentados. Evidentemente, é preciso atentar para alguns efeitos da sociedade da informação em detrimento da

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formação; os conteúdos, agora “pré-mastigados” pela mídia, podem, dependendo do contexto, criar cada vez menos oportunidades para a reflexão autônoma.1 Pierre Boudieu vai dizer que a cultura é um instrumento de poder e distinção, por conta do enfrentamento que os variados grupos promovem, em nome da manutenção e/ou transformação de seus interesses e de sua posição social. E o que ele chama de capital social nada mais é do que a rede de ações diferenciadas em relação aos demais grupos. Para vencer essa luta, deve-se saber utilizar os recursos certos para circular nos ambientes certos – saber jogar o jogo, cujas regras as classes dominantes na maioria das vezes ditam. O jogo social é um jogo interdependente de trocas; é, portanto, relacional. São inúmeros os modos de distinção entre classes: a linguagem, o comportamento, o acúmulo de bens materiais, o acúmulo de conhecimento (a escola, principalmente) e uma série de vivências, experiências adquiridas ao longo do convívio social – trajetória de vida incorporada –, que vão determinar as ações de cada agente no campo. É esse produto da história individual, esse sistema de disposições adquiridas, que Bourdieu vai chamar de habitus. As classes, os grupos sociais, têm seus esquemas próprios de percepção e classificação, que podem evidentemente sofrer alterações conforme o habitus pessoal, mas que determinam estatisticamente tomadas de posições características. Dessa maneira, podemos afirmar que o habitus é uma matriz cultural que determina escolhas e ações individuais. O habitus faz a mediação entre o exterior e a subjetividade pessoal interior. Ele vai localizar o indivíduo em seu espaço social – este ambiente cheio de regras de funcionamento que Bourdieu chama de campo.

1. O público dos museus, por exemplo, cresceu, mas é importante saber que público, quais equações educacionais e quais processos cognitivos da experiência com a arte estão sendo realmente utilizados e incorporados pelas pessoas expostas às obras desses museus.

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As lutas internas nos campos determinam as características desses campos e definem as relações de poder dos agentes perante o restante do grupo. Relação de poder que não é necessariamente má, uma vez que a construção social se dá justamente nesse contexto relacional. 2 A cultura é uma das mais importantes formas de construção, mas também distinção social – senão a principal. Uma obra de arte, um artefato, uma vestimenta ou um gesto considerados belos por um determinado grupo podem soar piegas ou grosseiros para outro. Os diferentes campos, as diferentes culturas, os diferentes paradigmas e as composições de habitus e capitais, são sempre geradores de conflitos, inerentes à manutenção dessas diferenças; mas são também, ao contrário, geradores das riquezas que essa diversidade promove – são, portanto, conflitos necessários e desejáveis. No Brasil, por exemplo, a formação cultural da identidade nacional se fez através das diferenças, do hibridismo, do sincretismo e das lutas sociais – de baixo, advindo dos negros escravos e indígenas, lutando por seus direitos e por sua liberdade, e de cima, das famílias advindas do Império, das linhagens nobres portuguesas e francesas, que dispunham “naturalmente” de prestígio social, e que não queriam dividir seu espaço com a população menos favorecida, preocupando-se apenas em desfrutar e gastar o dinheiro que o “sangue azul” lhes proporcionava. Foram diversas as estratégias que a alta sociedade brasileira adotou para a construção e manutenção social. Aos ricos barões do café, aos industriais e aos poderosos políticos das oligarquias paulistanas era necessário, sobretudo, construir um capital simbólico condizente com seu capital social: e as viagens à Europa e o consumo

2. O autor define sociedade (no sentido restrito do termo) como “um conjunto de personalidades unidas (e divididas) por relações de interconhecimento bastante estreitas e intensas” (Bourdieu, 2003: 145).

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de bens culturais “elevados” foram fundamentais para criar essa associação direta entre dinheiro, posses e legitimidade social. Não importa a época, os capitais são sempre distribuídos desigualmente no interior do campo, dependendo dos recursos que são valorizados e segundo a lógica específica de cada lugar. Tem nome de capital qualquer recurso que se apresente como trunfo valorizado em determinado campo e que confere ao seu possuidor um determinado tipo de privilégio em relação aos demais. Quando os títulos de nobreza desapareceram, no início do século XX, a elite modificou suas estratégias para validar sua posição na sociedade; e o fez em boa parte pela aparência, na arte de viver, no cotidiano supérfluo de uma vida confortável, nas festas, recepções e eventos culturais. Este é um momento em que se evidencia o uso da informação, dos variados meios de circulação, como instrumento de valoração de capital simbólico, cultural e social. No caso específico da arte, que se constitui fundamentalmente pela produção de capital simbólico – e em sua reconversão em capital econômico –, as estratégias tornaram-se muito claras, apesar do caráter velado com que sempre foram postas em prática.3 A arquitetura dos anos 10 e 20, em São Paulo, também foi muito apropriada a um projeto estético-ideológico de distinção social, evidente na edificação luxuosa dos novos casarões e palacetes que a aristocracia cafeeira construía, desde os idos de 1860, para um modo de vida “adequado” às suas posses. São Paulo, historicamente uma vila pobre e subdesenvolvida, movimentou-se rapidamente na direção de uma reestruturação urbana, desvinculada da estética humilde e colonial de suas origens, para abrigar ostensivamente uma classe rica 3. A título de exemplo, o caráter simbólico dos temas das pinturas encomendadas pelas famílias brasileiras da alta sociedade – “a saber, retratos da dona da casa, painéis decorativos para residências, retratos da prole e cromos religiosos – explica-se em termos de um projeto integrado de afirmação e projeção social que buscava reciclar o teor distintivo de artigos de luxo e readaptar os conteúdos e linguagens importados do repertório expressivo da aristocracia européia” (Miceli, 1996: 131).

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de fazendeiros e, mais adiante, políticos e intelectuais, animados com a industrialização e “modernização” que a realidade paulistana então proporcionava. Para essa adaptação rica e europeizante, o arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928) foi personagem principal. Junto a outros arquitetos, desenhistas e engenheiros da equipe de seu escritório, como Ricardo Severo, Villares, Jorge Krug, Domiziano Rossi, Adolfo Borioni e Felisberto Ranzini, e das estreitas relações políticas de que dispunha, Azevedo transformou a cidade provinciana em canteiro de obras do desenvolvimento e “atualidade”. Entre 1896 e 1914, adotou deliberadamente o neoclássico, relacionando estilo e função pública em imponentes prédios espalhados pela cidade, e, entre 1914 e 1928, substituiu o neoclassicismo por um nacionalismo neocolonial eclético.4 Morar em uma casa projetada por Ramos de Azevedo era o máximo da distinção e do luxo da época; era uma grife, um verdadeiro símbolo de status e poder social. Vale a pena destacar aqui outros dois arquitetos que contribuíram enormemente para a construção de luxuosos palacetes e vilas desse período: o sueco Carlos Ekman e o franco-argentino Victor Dubugras. Jornais, revistas nacionais e importadas, jantares, concertos e exposições: toda a estrutura necessária para movimentar e manter essa burguesia ativa, sua vida confortável e suas redes de relações, foi importante para a manutenção de uma classe social e intelectual refinada, consumidores de arte igualmente refinada.

4. O relativo rigor neoclássico, tanto na arquitetura quanto na pintura, vai sendo substituído por um academicismo eclético que já vinha há muito caracterizando a produção oficial européia. O Brasil incorporou o Romantismo, o Realismo, o Impressionismo e o Art-nouveau muito mais como expressão estética do que como ideologia revolucionária de cada movimento, tendo assim um Neoclassicismo muito mais livre do que o original europeu.

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Toda a base, a construção da cultura paulistana do início do século XX teve essa característica oligárquica, protecionista, numa hierarquização simbólica firmemente baseada nas noções modernas estabelecidas pelo progresso, pelas estruturas políticas do Estado, e pelos ideais estéticos da aristocracia.5 Mas foi exatamente o Modernismo que, aos poucos – bem aos poucos – iniciou a valorização e difusão da cultura popular (como ritmos, comidas e objetos) passando a chamar a atenção do público “culto”. Essa movimentação ampliou o debate acerca do folclore e da chamada cultura popular, que não só foi finalmente vista e valorizada, como também incorporada ao mercado pelos meios de comunicação de massa.6 Aquilo que representava a oposição ao culto, ao erudito, passou a circular com naturalidade nos variados meios de comunicação, e então, nas várias camadas da sociedade. Uma medida estratégica, adaptada às novas exigências da tecnologia da comunicação mundial, às necessidades ideológicas do Estado e às necessidades mercadológicas dos industriais, preocupados em ampliar o público consumidor de bens culturais. 5. Num Brasil que começou a sentir a necessidade de vestir a estética moderna para sua realidade então industrial, com vistas para o futuro – principalmente na cidade de São Paulo, onde o modernismo aflorou –, é preciso lembrar que essa transformação foi dura e lenta, pois as características oligárquicas da República Velha ainda se mantinham em certos setores da economia e da política, e na mentalidade da própria população. Nas artes, o academicismo, o Art-nouveau e o ecletismo ainda prevaleciam no gosto geral, de tal modo que falar de momento, ou movimento, da arte moderna, era igualmente falar de rejeição acadêmica – como falar de industrialização, era também falar de transformação nos sistemas arcaicos de produção e poder. A Semana de Arte Moderna, de fevereiro de 1922, por exemplo, não foi um radical e estrondoso “divisor de águas” da modernidade, mas mais um dos vários eventos modernistas que aconteciam pela cidade no decorrer dos últimos dez anos, muitas vezes incógnitos, com público restrito, outras vezes mais organizados e difundidos. A Semana sem dúvida foi um marco, mas seu valor só foi reconhecido um pouco mais tarde, quando os acontecimentos daqueles tempos se tornaram marcos históricos, e as personagens envolvidas artistas fundamentais para a arte brasileira – mas não naquele momento, com uma cidade recém crescida e um público acadêmico incapaz de absorver as deformações da estética moderna. 6. Aqui, evidentemente, estamos falando do ponto de vista da elite, que tem muito clara a divisão entre culturas, e vê, como nas Exposições Universais européias do século XIX, a cultura popular como exótica, pitoresca e decorativa.

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Quando a cultura popular é incorporada ao espetáculo das comunicações, modifica seu conteúdo e seus objetivos: é absorvida e tratada como produto; ou seja, quando entra no sistema político e comercial estabelecido, não é mais aquela Cultura da vida comum – que vai do capiau ao executivo, de acordo com a geografia, a convivência e a história de cada um e cada lugar. Para a indústria, “popular” é aquilo que é mais aceito; a popularidade está no consenso.7 Os meios de comunicação apresentam, de fato, a contradição de difundir, ensinar, e ao mesmo tempo destruir e alienar. Transportam informações, modelos lingüísticos e culturais que determinam modos de ver, somados aos modos de percepção, apreciação, pensamento e ação da família, da escola e do cotidiano. Há quem acredite que a educação, através de uma comunicação pedagógica encarregada de transmitir o código das obras da cultura erudita, liberta e desfaz as fronteiras entre públicos, abre as portas de passagem para universos distintos. 8 Desconsidera, muitas vezes, que na transmissão de conhecimento vai toda a carga simbólica e cultural adquirida por um habitus historicamente constituído e socialmente condicionado – freqüentemente um ponto de vista, que pode não ser o do outro. É verdadeira a afirmação de que o conhecimento dos nomes e dos estilos dos pintores cresce conforme se eleva o nível social. Isso se deve à facilidade no acesso a uma formação histórica e artística da arte que as pessoas de maior poder aquisitivo possuem, e que lhes permite a familiarização com escolas artísticas, referências e associações perceptivas mais complexas do que aqueles que têm contato com

7. Questão engraçada: a elite demorou para perceber que muitos de seus valores também foram transformados em produtos... e popularizados. 8. No caso do mercado de arte brasileiro, houve um aumento do público entre os anos 70 e 80, conseqüência da ampliação do ensino de arte nas escolas – acrescentando às atividades manuais o contato com imagens de pintores da história da arte –, da produção de revistas especializadas, do estreitamento com a produção internacional, através de exposições e leilões; mas sempre dentro de um restrito universo sócioeconômico, ou seja, de elite.

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Por artistas publicitarizados podemos entender Van Gogh e Salvador Dalí, por exemplo, devido à exaustiva citação e divulgação de reproduções dos trabalhos desses pintores nos meios de comunicação de massa, como televisão, revistas ou jornais, e dentro das salas de aula, sem, muitas vezes, a contextualização necessária para a apreciação dessas obras; fazendo com que tais artistas participem mais do universo publicitário da comunicação do que muitas marcas comerciais existentes no mercado. Picasso, Leonardo da Vinci, Rodin e Monet são mais alguns desses artistas, que caíram no conhecimento popular pelo uso estético de seus trabalhos, e não pela qualidade de seus conteúdos. Cloude Monet, pela composição clássica aliada à diversão óptica que apresenta. Auguste Rodin, pela divulgadíssima obra O Pensador, de 1880, tão utilizada em folders de cursinhos, capas de revistas e encartes de educação – mas, evidentemente, sem qualquer menção a Dante e sua obra. Da Vinci, pelo exaustivo uso de sua Sagrada Família – pendurada em postais e gessos de inúmeras casas – e pela fama “enigmática” da Mona Lisa, provavelmente a obra de arte mais conhecida do mundo. Pablo Picasso, pelos altos preços em leilões e pelas histórias de suas amantes. Se é melhor conhecê-los assim do que não conhecê-los, quem vai dizer? A difusão massiva desses artistas contribuiu na mesma medida que deturpou seus valores históricos e artísticos. Deu-se a abertura para o conhecimento, deu-se a descontextualização para a ignorância.

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apenas alguns poucos nomes da arte publicitarizada. A distinção social surge “naturalmente”, através de uma linguagem muito específica, de uma circulação restrita e de um preconceito muito grande. Mas é preciso aqui esclarecer que falar de mercado de arte brasileiro é utilizar uma expressão figurada aos parcos negócios realizados entre artistas, galeristas, famílias, colecionadores e leiloeiros, pois, comparativamente à dinâmica do mercado mundial, não existe e nunca existiu um estabelecido mercado de arte no Brasil.9 O que ocorreu foi, a partir dos anos 70, um alinhamento do país ao capitalismo internacional, que promoveu uma enorme valorização no consumo de bens duráveis, a diversificação de investimentos e o intercâmbio cultural que os novos meios de comunicação de massa proporcionaram, criando novas necessidades de aquisição de capital simbólico, como, por exemplo, as obras de arte. À medida que certas esferas da alta cultura foram se popularizando, outras foram se fechando, criando fronteiras “invisíveis” de distinção. Dentro das galerias sempre houve uma “seleção natural” definidora das fronteiras de classe: a posição geográfica na cidade, a forma com que a galeria está instalada, o tipo de atendimento oferecido são algumas das estratégias para excluir os que não pertencem ao universo refinado e preservar as “devidas” posições sociais. Entende-se aqui por preservação a necessidade e os mecanismos que determinados grupos da sociedade têm para se defenderem de outros que possam,

9. A saber, o “mercado artístico” no Brasil constituiu-se tardiamente, em conseqüência da falta de estrutura para a fixação e implementação necessárias à circulação e consumo de arte num país recém formado. Uma característica constante na estrutura da produção cultural do país foi a dependência política aos interesses dominantes, seja de Portugal, primeiramente, que impediu a produção e circulação de material impresso, seja, mais adiante, dos I e II Impérios, que definiram e controlaram a política de informação e formulação imagética para a população – bem entendido população como nobres, fazendeiros, comerciantes e suas famílias –, ou no domínio que as oligarquias exerceram na Primeira República, tornando difícil a comercialização de uma arte nacional, sempre preterida pela valorização da importação de artigos estrangeiros, principalmente franceses. Assim, até meados dos anos 30, as poucas galerias de arte que existiam compunham-se de uma mistura de loja de decoração com bric-à-braque.

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de alguma maneira, ameaçar seu lugar. Diferenças arbitrariamente transformadas em desigualdades onde outros vêem hierarquias “naturais”.10 Nunca é demais repetir que a maioria das lutas simbólicas são invisíveis e, por essa razão, perigosas.11 Nos locais de arte, a “entrada franca é também entrada facultativa, reservada àqueles que, dotados da faculdade de se apropriarem das obras, têm o privilégio de usar dessa liberdade e que, por conseguinte, se encontram legitimados em seu privilégio, ou seja, na propriedade dos meios de se apropriarem dos bens culturais” (Bourdieu, 2003: 169).

De alguma forma, os museus e galerias fortalecem o sentimento, em uns, da filiação, e em outros, da exclusão. Para falar de cultura, a linguagem muda conforme o caminho que se toma. Para a apreensão adequada de uma obra de arte é preciso adquirir o domínio da cifra que serviu para codificá-la. Portanto, as regras e os códigos da linguagem erudita permanecem válidos, mas apenas para aqueles que desejam penetrar em seu universo, ler sua produção do ponto de vista em que foi formulada. É possível, então, dizer que a fruição do público depende da diferença entre o nível da informação oferecida e o nível de conhecimento do receptor. Produto do artifício, da aprendizagem pela familiaridade, o prazer da arte é prazer culto. Prazer culto que remete a um modo particular de aquisição, uma vez que a obra de arte só existe na medida em que é percebida (decifrada) e só tem valor àqueles que estão dispostos a validá-la. Seu valor não é imanente, mas reflexão de algo histórica e socialmente dado.12

10. Os marchands não podem explicitamente impedir a entrada da população pobre em suas galerias, mas podem impedir, em uma reunião de bairro, por exemplo, que uma linha de ônibus passe na rua de seu estabelecimento; podem também colocar seguranças e porteiros nos vernissages que inibam a entrada de desavisados. 11. Em contraposição às estratégias de monopolização dos grupos dominantes para manter as diferenças visíveis no estilo de vida, há os grupos marginalizados que se esforçam para promover uma desmonopolização, adotando táticas de resistência e aculturação, a fim de derrubar a exclusividade e o privilégio de alguns. É interessante citar aqui um comentário de Perrenoud: “Para acreditar na não-violência, na possibilidade de diálogo, no direito à diferença, é melhor escolher seu bairro e seus vizinhos, não ter de enfrentar todos os dias relações de competição ou de dominação” (2001: 123). 12. O que nos permite questionar se o Monet popular e o erudito não possuem, no fim das contas, o mesmo valor. Brincando um pouco: “cada qual com seu cada qual”.

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“A história que eu gostaria de contar é uma breve anedota. Pretende ser, de algum modo, uma síntese desse questionamento do objeto que percorreu a experiência histórica das vanguardas modernas. As personagens que intervêm nela são três: um artista, um objeto e um espectador. A obra, se assim quisermos chamar a sucessão de atos insignificantes que lhe conferem seu significado e seu valor, se divide em três partes. Na primeira, aparecem um artista e um objeto. Nada acontece. É um ato sem atos. Um puro encontro. O artista é ninguém. Distingue-se por sua ausência de nome, de qualidades pessoais ou técnicas. Não tem história. É nada e nada faz. O objeto é qualquer objeto. Tem de carecer de significação. Nem sequer pode ser significativamente insignificante, como uma roda de bicicleta, por exemplo. É anódino, irreconhecível e inqualificável. Sua forma, sua cor, suas texturas, os vestígios da sua história e da sua individualidade hão de se reduzir a um limite virtualmente absoluto. Não tem vestígios de qualquer intervenção humana ou inumana. É a insignificância absoluta e a absoluta ausência de valor. Ambos se encontram num tempo e num lugar quaisquer. Não fora do tempo e do espaço, mas num tempo e espaços carentes de significação. Pode ser a rua, ou um descampado, ao amanhecer ou ao meio-dia, contanto que essas circunstâncias careçam de valor. Entre ambos os seres não se estabelece nenhuma relação. Tampouco estão aí em virtude de um acaso ou da necessidade. São dois nadas mutuamente indiferentes num tempo e num espaço indefinidos, que mantêm uma relação de indiferença recíproca. No segundo ato, se desenvolve uma ação mínima num espaço minimamente definido: o artista traslada o objeto para uma sala de exposições. Transportar, sala de arte. Esta a atuação minimalista. Terceiro e último ato. O lugar continua sendo a sala de exposições. No entanto, seu significado tem agora de ser realçado. Deve ser, na medida do possível, uma sala renomada. Nela, o objeto ocupa um lugar protagonista. É o objeto, a obra de arte. Por último, aparece a terceira personagem, o público, o espectador. Sua presença

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não é casual, nem indiscriminada. É um público artístico, culto, seleto. Sua aparição na sala de arte garante o significado supremo da situação: a experiência contemplativa da obra de arte. Mas esse significado estético só se cumpre na sua forma mínima. Um espectador dirige seu olhar para o objeto. Há um instante de perplexidade. É o momento esperado e culminante. Apenas um piscar de olhos, a eternidade de breves segundos. Dir-se-ia que o espectador está atônito. Repentinamente, o mundo, as próprias expectativas e crenças pessoais, os valores do gosto ou seus desejos mais íntimos, se paralisam e permanecem suspensos em algum lugar, como fantasmas imponderáveis. Um vazio interior e exterior anuvia sua consciência. Não vê nada, não sente nada. Em sua desorientação absoluta, titubeia como um cego na infinita noite. Por momentos, o sentimento de ridículo assoma em sua consciência como um raio efêmero. Mas o espectador o afasta. A coisa é séria. Logo o assalta o sentimento da sua própria ignorância. Nada entende. Não reage. Nesse milagroso instante da epifania da obra de arte, sua rigidez espiritual e muscular recorda o estado de catatonia. Não é surpresa. A surpresa é a experiência do desconhecido naquilo que se dava por conhecido. Pressupõe e se desenvolve numa experiência do conhecimento. Platão a considerou o começo de toda sabedoria. Entretanto, o objeto em questão carece de atributos que se possam conhecer ou desconhecer. É o nada como existente. O inexperimentável, incognoscível e inexprimível. Mas é uma obra de arte. Por fim, o instante supremo da revelação artística se desvanece. O espectador volta, por assim dizer, a si próprio: a sala de exposições, o eco das conversas e, talvez, também, os cumprimentos de conhecidos, acabam rodeando-o com o ar cordial de uma mundana indiferença. Sorri para os demais. Talvez, até, aplauda. A experiência estética terminou. E a obra de arte foi consumada.” (Trecho do livro A Cultura como Espetáculo, de Eduardo Subirats, São Paulo, Nobel, 1989: 107-108)

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O objeto depende do cenário artístico em que é apresentado. E o que define uma obra como artística é sua localização na sala de exposições ou no museu, no templo onde é sacralizada. “Essa dimensão ontológica é compartilhada pelo objeto minimalista com a concepção teológica da arte. Um ícone também reúne a dupla qualidade de simples pedaço de madeira e de encarnação suprema do Eterno.” (Subirats, 1989: 109) Rauschenberg dizia que é arte o que o artista chama de arte e que as galerias expõem. O simples fato de o objeto ser consagrado em uma exposição, em um lugar também consagrado, é suficiente para torná-lo diferente dos demais – por exemplo, dos objetos de uma loja de departamentos. Como toda concepção teológica, a consagração cultural só se realiza quando se dirige a convertidos. “Tal uma igreja em que alguns eleitos vêm alimentar a fé de virtuoses – enquanto conformistas ou falsos devotos limitam-se a cumprir, apressadamente, um ritual de classe –, o museu pode tornar-se, durante um instante, o lugar de peregrinação diante do qual se empurram as multidões maciças de fiéis que, em Nova York, Washington, Tóquio ou Paris, esperam em longas filas para lançar uma rápida piscadela – à semelhança do que ocorria outrora quando se beijava um crucifixo ou um relicário – a uma obra-prima exposta ao fervor coletivo; no entanto, esses encantamentos não podem suscitar o maravilhamento a não ser entre aqueles que, nos arroubos fugazes da exaltação popular, pretendem ver uma forma – sem dúvida, dessacralizada – de reconhecimento do sagrado.” (Bourdieu, 2003: 132)

A necessidade por determinados rituais de distinção faz com que, na alta sociedade, a visita a alguns museus e galerias adquira uma significação social quase obrigatória, assim como “é obrigatório” ver o quadro Guernica, de Pablo Picasso, quando se visita Madri, e a Mona Lisa, quando se visita o Museu do Louvre, em Paris. A sacralização da arte é conseqüência de uma necessidade social, pela aura do status, da vaidade, das relações cultas ou do gozo estético. Subirats conclui sua anedota, dizendo:

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“No fim das contas, todos sabíamos que era um objeto como qualquer outro objeto, que seu significado e sua vida eram o mundo, nosso olhar e nossos sentimentos, as esperanças e desilusões dos homens, a história e os avatares do pensamento. Também sabíamos, quaisquer que fossem seus significados misteriosos, que de modo algum era o último objeto” (Subirats, 1989: 113).

Da mesma maneira, o artista ainda mantém a idéia de que é detentor de uma capacidade única de estabelecer a definição do gosto legítimo no domínio da cultura, distinguindo e julgando o bom e o mau gosto, a contemplação pura e a vulgar. Crê, e faz crer, que detém uma visão singular e, portanto, especial em relação aos outros. Edita sua vida em função da aparência que ela deve ter, seu estilo de vida, na maioria das vezes adotando uma conduta social condizente com seu público-alvo, seu meio:13 “Além de um provável diploma superior, o artista ‘executivo’ não raro domina idiomas estrangeiros e tem uma esposa ou amigos com percurso e trunfos mais ou menos similares. Tem também um ateliê mais colunável, projeto de algum amigo ou parente arquiteto, digno de aparecer em revistas de decoração. É também capaz de, diante de câmeras de televisão e sem estropiar o vernáculo, dissertar acerca de ‘arte na atualidade’. Finalmente, sabe opinar sobre a qualidade de vinhos e temperos e se sai bem em mesas redondas onde se discutam democracia, feminismo ou política cultural” (Durand, 1989: 238).

A aura de que o artista historicamente está cercado o conduz com muita facilidade às altas festas, onde pode estabelecer contatos para a montagem de exposições, visitas a mansões de colecionadores e decoradores, troca de favores sociais, etc., tudo o que é necessário para a circulação de sua imagem e, conseqüentemente, a venda de suas obras nos meios onde pode ser adquirida. Os vernissages e as colunas

13. Bourdieu considera que cada campo cultural é regido por leis próprias e, portanto, tudo o que o artista faz está condicionado ao sistema de relações estabelecido pelo mercado de arte. Dessa maneira, sua criação artística não é totalmente autônoma, mas resultado de um conjunto de participantes que configuram exatamente a produção e circulação das obras.

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sociais são para o artista, possivelmente, os dois instrumentos mais eficientes de manutenção social, os melhores palcos para impulsionar a carreira e se auto-valorizar perante o círculo de compradores. O mercado organiza o campo cultural conforme a dramatização dos signos de status. Porém, o caráter mercantil de qualquer ação ligada à arte é sempre “desprezado” – talvez melhor dizendo, ocultado – numa conduta pretensamente desinteressada de ganho econômico pessoal; “o valor cultural e simbólico é muito mais importante do que o dinheiro, que ninguém aqui precisa porque já o tem”, é o que todos querem fazer acreditar. “O vernissage é a festa do artista. É a hora que ele recebe os amigos e os admiradores de sua arte. É também o momento em que os colecionadores correm para escolher antes dos outros. É mais importante para o artista e o marchand do que para a imprensa e a crítica, que não precisa ir exatamente neste dia. As coluna aproveitam o movimento para fotografar. A função da imprensa é divulgar o trabalho do artista e fazer com que o público vá vê-lo. Para as colunas interessa mais o público, o movimento de gente da arte. Assim mesmo, devo confessar que vernissages dão péssimas fotos.” Cesar Giobbi colunista do jornal O Estado de São Paulo

“Às vezes há convidados mais importantes que o artista. Como vivemos de prospectar os eventos em busca de notícias, muitas vezes o conteúdo dos convidados cobre a ausência dele nas obras. Mas minha produção está escolada em farejar onde haverá ação para nossa pauta. O artista é bom, estamos lá. Caso a lista de convidados tenha entrevistados interessantes, melhor ainda. É uma vernissage duas vezes colunável.” Amauri Jr. colunista social e apresentador de televisão

“Não posso falar se, para um jornal, é mais importante o trabalho exposto do artista do que o público que vai vê-lo. Mas acredito que as duas coisas possam interessar, ainda que o ‘capital simbólico’ de um nome seja certamente capaz de mobilizar mais a mídia do que o disperso poder do espectador anônimo. Em todo caso, creio que a obra teria de ser a pedra fundamental disso tudo.” Juremir Machado da Silva jornalista do jornal Correio do Povo

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Por possuir um leque muito variado de decifrações, a obra de arte permite, em determinados momentos e em determinadas circunstâncias, o trânsito entre pessoas diferentes, de capitais sociais diferentes. Evidentemente, é possível perceber as estratégias e os modos das classes mais altas de utilizar os sistemas simbólicos, como carros, roupas, bebidas e o acesso a espetáculos de custos elevados, que, de fato, determinam fronteiras entre essas classes e os grupos “não-iniciados”. A postura, a forma de andar, o tom de voz, o senso de desembaraço ou desconforto em circular pelos lugares são usados como pontes e portas para aproximar e excluir. Assim, não é apenas a questão de quais roupas são usadas, mas também de como são usadas. Novos-ricos, por exemplo, são facilmente identificáveis no espaço social, e suas práticas culturais sempre correm o risco de serem depreciadas como de mau gosto pela classe alta dominante. A verdade é que é muito difícil a subida efetiva de classe social. É muito penoso à classe alta ter de abdicar ou dividir sua educação refinada, de difícil e longa constituição, com a nova classe média e com os novos-ricos, que lidam com a vida de acordo com a cultura de consumo e com a superficialidade que ela propõe. As diversas classes não têm o mesmo lazer, as mesmas práticas, os mesmos consumos; e isso não está relacionado apenas à renda, mas aos gostos, aos valores... ao capital incorporado. Da perspectiva da alta-cultura, acostumada com a manutenção da discriminação das distinções refinadas, o gosto das pessoas “comuns” muitas vezes parece simples, fácil e inferior, excessivamente ligado aos prazeres vulgares. “Em geral, os sociólogos definem a cultura de elite como a das classes instruídas; trata-se da Cultura com um grande K, enraizada nas Humanidades, aquela das pessoas que escutam música clássica, visitam museus e galerias de arte, assistem ao último Woody Allen, compram os romances das edições Gallimard (e algumas vezes os lêem), vão ao teatro, à ópera, ao balé, viajam com o Guia Michelin na mão, assistem a Oceáriques, desprezam as emissões populares e a literatura barata. Para os membros mais conservadores da elite, sua cultura é A cultura.

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Parece-lhes que não existe outra cultura digna desse nome: ‘ou se tem ou não se tem!’, é simples. Os outros se caracterizam por uma ausência de cultura. Para os sociólogos, a cultura é inseparável da condição humana. Portanto, a cultura de elite não passa de uma cultura entre outras, o que não impede que se reconheça que ela desempenha um papel dominante.” (Perrenoud, 2001: 54)

A constatação de que a linguagem, e sua especificidade, acaba criando barreiras de distinção é complicada, por se tratar, na verdade, de uma característica de toda área do conhecimento humano. Não esperamos compreender, e nem que seja de conhecimento comum da maioria, as fórmulas e funções de uma atividade da física quântica ou dos números complexos; e quando precisamos de um resultado de DNA, por exemplo, não nos servimos do conhecimento de qualquer pessoa, mas de uma clínica ou alguém especializado, que domina plenamente o código – o que não nos impede de termos opiniões sobre testes de paternidade, clonagem, etc. É importante saber que podemos falar de um filme ou uma peça de teatro sem ter conhecimento das estratégias e técnicas de produção, direção e tantos outros elementos necessários para a realização de uma obra, que ainda sim nossa apreensão particular permanecerá relevante – e quando digo nossa falo do pipoqueiro, do empresário, da senhora de verde na segunda fileira, do lanterninha –, porém, um filme de Mazzaropi, uma pilha de pneus no Guggenheim ou um livro de Joyce refletem diferentes investimentos na aquisição de informação e capital cultural. É preciso levar em consideração os diferentes extratos de consensos que apreendem a informação de maneiras diversas, conforme o conhecimento e familiaridade daquilo que está sendo visto – e que não necessariamente estão de acordo com os códigos e valores que o conhecimento erudito determinou como verdadeiros. Não apreciamos uma montanha-russa pelas equações e fórmulas da física que estão envolvidas, mas pelo movimento e aflição que causa; sabemos que a física está sendo diretamente aplicada ali –

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aliás, que a concepção da montanha-russa é resultado da própria física –, mas não conseguimos “ver” no brinquedo aquilo que, por exemplo, um físico ou um maquinista podem ver. Para o caso do entretenimento puro e simples da montanharussa, talvez não seja preciso ter um conhecimento mais profundo de suas especificidades técnicas, basta apenas curtir o brinquedo; porém, a decifração da arte erudita depende necessariamente do conhecimento de um código específico, também erudito. A dificuldade está no fato de que, para se tornar mais pública , a arte não deve baixar seu nível de representação. O que pode ser feito para aqueles que se sentem ignorantes diante de uma obra é um trabalho educativo, que consista em fornecer o código segundo o qual a obra foi produzida; por meio de um discurso (verbal ou iconográfico) acessível, cujo código já seja parcial ou totalmente conhecido pelo receptor, ou que revele continuamente sua própria decifração. Há, sem dúvida, problemas com relação à escolha das informações e estratégias utilizadas para o conhecimento desse código, mas podemos pensar que, embora cada sujeito tenha um modo particular de interpretação, a freqüência contínua implica o domínio do código proposto, e o prazer proporcionado por tal decifração. Sabendo que as pessoas das classes menos favorecidas que se arriscam a visitar os museus sentem-se, na maioria das vezes, deslocadas e desambientadas por não dominarem o código da arte erudita, estas instituições têm se dedicado intensamente ao serviço de ação educativa, através de monitorias, seminários, catálogos e folhetos explicativos, atividades de atelier, assim como a instalação de placas, etiquetas e textos que dão informações importantes sobre as obras e exposições correntes. Tais procedimentos certamente ajudam na apreciação das obras expostas, mas é preciso não perder de vista que são indutores do modo erudito de ver e pensar arte. De qualquer forma, o interesse do museu está em fazer de uma simples visita – muitas vezes ocasionada por uma escola, um curso ou uma situação

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casual – um hábito freqüênte. Esse hábito nascerá da experiência significativa do público com a arte, e que depende fundamentalmente da estreita relação entre a percepção e a cultura, ou seja, da articulação cultural das pessoas em relação àquilo que elas estão experienciando. Os contínuos estudos da arte-educação, no sentido de ampliar os modos de ver e interpretar arte, têm contribuído muito para uma “libertação” da concepção estritamente elitista, histórica e conteudista, privilegiando o contexto, as diferenças de apreensão e fruição que cada espectador tem da obra à sua frente. Há um interesse cada vez maior em conhecer as diversas ramificações de público existentes no meio artístico: os aficionados por arte (experts), os habitués (ligados diretamente à distinção que o contato com a arte proporciona em grupos restritos) e os leigos, que compartilham de conhecimentos muito diferentes, mas não menos importantes. Como resultado, é possível constatar um aumento significativo de público nas exposições de arte, principalmente das classes menos favorecidas, que antes ficavam do lado de fora, sem a vontade, a coragem e a ajuda necessárias para fazer uma visita ao museu.14 O que percebemos hoje é a abertura de novas portas a novos visitantes, que podem assim acrescentar outras informações e outras formas de recepção à sua vida em diferentes modos de aprendizagem. Diminuiu, sem dúvida, o desconforto de alguns em tomar contato com as obras históricas, porque estas se tornaram mais disponíveis às diferentes formas de apreciação. Museus e centros culturais em igual mutação, aprendendo a repensar os modos de ver e apresentar arte, criando novas pedagogias, revendo sua história da arte também através da história de seu público. Atualmente, os

14. Esse aumento significativo se deve, principalmente, às políticas de ação educativa desenvolvidas por museus e centros culturais, apoiados pelos governos e empresas patrocinadoras, no sentido de trazer grandes quantidades de alunos do Ensino Fundamental e Médio da rede pública para a visitação às grandes exposições; e também das estratégias de marketing dessas grandes exposições, para atrair um número cada vez maior de pessoas, em resposta aos seus patrocinadores.

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museus procuram agradar a platéias mais amplas, transformando-se em locais cenográficos, espetaculares, que proporcionam múltiplas experiências sensoriais. Não são mais os espaços sóbrios e calados do saber canônico, determinados exclusivamente à elite, mas parques – no bom e no mal sentido da palavra – de entretenimento cultural. Está aí a complexidade da cultura: fluxos de criadores e receptores misturados num caldo onde o popular e o erudito, o técnico e o emotivo, o histórico e o fugaz se complementam, se sobrepõem, sem as divisões antes tão caras. Mas é evidente que a especificidade das áreas não desapareceu, que a busca e o estudo técnico, histórico e científico permanecem na elaboração e na construção do conhecimento; agora ampliado, “explodido”, como diz Maffesoli, sem as amarras e os muros que o racionalismo impunham. O desafio está na trans-codificação, na ligação, que os museus, galerias, teatros, jornais e centros culturais devem fazer entre a cultura erudita – antiga, específica, com técnica e crítica historicamente estabelecidas – e os variados públicos, com seus variados conteúdos e gostos. O desafio está na operação de novas pedagogias, incorporadas pelas práticas cotidianas. A arte deixa de ser um ícone venerado em uma “capela” para se tornar bem de consumo, o consumo múltiplo de cada um e de cada grupo. Os fundamentos da própria estética são questionados, por se descobrirem parte da paisagem contemporânea. Diversidade. E deve estar justamente na valorização da diferença – de público, de artistas, de épocas, de obras e leituras – a atividade dos museus e centros culturais. Pois é através dos intercâmbios, das trocas de conhecimento e da disponibilização de experiências significativas que se pode conseguir a ampliação do público e o gosto pela arte. A opinião pessoal sobre a apreciação de uma determinada obra de arte contém, além das condições de decifração do código apresentado naquele exato momento, toda a constelação de experiências adquiridas anteriormente: a opinião acerca de filmes, peças de teatro, músicas e cores que a pessoa tem na sua vida cotidiana.

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Mais do que isso, seu círculo de amizades, sua disponibilidade de tempo, sua preferência literária, seu entendimento sobre a escola, a guerra, a pobreza, a publicidade, o amor, a cidade (e suas texturas físicas e sociais), fazem com que seu olhar sobre os variados temas da arte revele informações tão ou mais diversas quanto a própria obra. Uma distinta senhora da alta sociedade tem uma percepção estética muito diferente da do cobrador de ônibus. Não é melhor nem pior, é diferente. A percepção está na composição de um conhecimento maior do que a simples condição social ou o domínio de um determinado código, está na pedagogia da vida, aprendida e ensinada no fluxo da vida cotidiana. Repetindo, o jogo social é um jogo interdependente de trocas, é relacional. A cultura é reflexo dessa relação entre coisas, pessoas e mundo, tão complexa quanto diferente.

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“Una porción del famoso ejército de soldados de terracota desenterrado en China es importada clandestinamente desde ese país, vía México, donde (al pasar por el filtro de la televisión mexicana) son comprimidos y “teleexportados” a Paraguay, ya re-convertidos en “chapulines” para evitar de esa manera ser descubiertos por las autoridades chinas. Estos a su vez (como en el Paraguay no hay tumba de emperador que custodiar) serán transformados en alcancías de barro y re-exportados (ingresados de contrabando) al Brasil (que sí tuvo emperador).” Fredi Casco

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II Da distinção à abertura, e vice-versa Não foi a realidade que mudou, mas sim a nossa percepção dela. Mike Featherstone

A cultura contemporânea é resultado de relações constantes com culturas diversas, entre campos, habitus e capitais muito parecidos ou muito diferentes, numa dinâmica tecida por inúmeras redes simbólicas. Falar em artes visuais, mercado cultural ou, de modo mais abrangente, da produção de bens simbólicos é se referir a uma quantidade grande de processos interligados, impossíveis de serem separados como simples dados. Tais processos se compõem numa multifacetada colcha de retalhos, em que cada parte orienta conteúdos relacionados às outras, como se estes retalhos nunca pudessem ter existido separados da colcha – como numa tela de Kandinsky, cuja composição se torna tão coesa que não se consegue separar detalhes para uma análise isolada porque ela só funciona no conjunto da dinâmica da própria composição. As redes de produção simbólica da arte perpassam por interesses e modos de utilização de determinados agentes do campo – fechamento e abertura no que diz respeito aos códigos antes restritos à classe dominante ou à classe dominada. Mesmo as contradições entre classe dominante e dominada são matizadas, em certa medida, pela própria dinâmica da realidade pós-moderna, em que universos de informações se misturam e se complementam, embaçando fronteiras antes muito claras. As lutas continuam. É inocente demais pensarmos que a pós-modernidade desmanchou as estruturas tradicionais de poder e estilo de vida burgueses, baseados no isolamento, no egoísmo e na hegemonia econômica. Dentro da

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diversidade pós-moderna há espaço para a modernidade tardia, que insiste numa estabilidade utópica, com os interesses comuns às minorias. “Moderno, assim, sempre foi a forma de eleger, como blefe, falsas verdades, e de guardar, para poucos, as que poderiam ser boas. Não pense que a alta burguesia acreditava em ordem, em boas maneiras e na igualdade para quem estava distante da Europa. Mas sabiam que era preciso investir nesse discurso para comer, sem muito esforço, seus vizinhos.” (Kodo, 2001: 23)

Mais ricos, mais pobres, mais poderosos, menos poderosos, políticos, empregados, analfabetos... a sociedade não se livrou das lutas sociais e das hierarquias do projeto moderno – falido ou não – que também transita na diversidade pós-moderna. A divisão de classes permanece na prática comum daqueles que não percebem o trânsito intenso de informações de inúmeros grupos e as trocas envolvidas nesse trânsito; permanece também na rigidez institucional, incapaz de considerar cada indivíduo em seu contexto e condição particular. Porém, aquela divisão estática de camadas e classes desapareceu, e o câmbio entre lugares e posições sociais tornou-se mais aberto, menos identificável. A abertura possibilitada pela diversidade, ampla o bastante para afetar a todos e ser construída por todos, tornou impossível a cristalização de posições e disposições sociais. Por essa razão, “a ciência social não deve constituir classes mas sim espaços sociais no interior dos quais as classes possam ser recortadas. Ela deve, em cada caso, construir e descobrir o princípio de diferenciação que permite reengendrar teoricamente o espaço social empiricamente observado” (Bourdieu, 1996). As novas tecnologias trouxeram novos mecanismos de trânsito social que não agradaram a elite, mas ampliaram e popularizaram informações. A pós-modernidade levou alguns intelectuais a repensarem o valor de seus objetivos e a finalidade de seus esforços, em decorrência do efeito democratizante num mercado de consumo cultural maior.

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As classes desfavorecidas, com menor ou nenhum capital econômico, puderam participar de determinados eventos e determinados assuntos, como festas fechadas de premiações e entrevistas nas casas mais “badaladas”, ainda que apenas pelos informes da televisão e revistas de fofocas. Já as classes médias, através do aumento significativo de informação disponível nos meios de comunicação, puderam realmente galgar novas posições na dinâmica da produção cultural e usufruir daquilo que no passado somente a alta sociedade tinha acesso. “Nenhuma obra, estrutura ou cultura pode sobreviver fechada. Agora, a condição básica é aparecer para não ser forçado a desaparecer pela fractalização de suas referências.” (Oliveira, 1999: 49)1 Prestando atenção, podemos perceber mudanças importantes na cultura, nas quais as hierarquias simbólicas vigentes são redefinidas, manifestando um impulso mais lúdico e democrático no cerne de sua produção. A abertura que os meios de comunicação, produção e difusão têm proporcionado aos diversos extratos da sociedade – através do acesso que a condição econômica dá a equipamentos, lugares e informações, ou no modo como tudo se transforma em mercadoria –, torna tudo e qualquer coisa passível de compra e trânsito. A “cultura popular pós-moderna pode ser identificada pela consciência de seu status como produto cultural” (Strinati, 1999: 235). Produto como qualquer outro, aparentemente disponível a todos, mas acessível para determinados públicos, de acordo com determinadas condições sociais. Na realidade, quando se fala de novos públicos para a arte, há uma referência à expansão da classe média, a que Bourdieu chama de “nova pequena burguesia”, em relação aos domínios antes restritos à classe alta, na produção simbólica da cultura, massiva ou específica, que – “na condição de uma fração de classe em expansão, dotada de

1. Louis J. Pacheco de Oliveira também assina Louis L. Kodo.

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uma preocupação central com a produção e a disseminação da informação e do imaginário da cultura de consumo – está preocupada em expandir e legitimar suas próprias disposições e estilos de vida específicos” (Featherstone, 1995: 120). O crescimento do público de arte atinge muito timidamente as camadas menos favorecidas da população, que permanecem, em sua maioria, longe dos museus públicos, das galerias privadas e de uma educação estética que a altacultura tem como apropriada; mas a nova pequena burguesia tem conseguido seu lugar no campo cultural erudito. E não há, por parte dessa classe média, formação nem muita preocupação com o conhecimento culto da classe alta, pois o refinamento será ditado pelo gosto pop daqueles que “não tiveram berço” – e que representam, para desespero das famílias tradicionais, o público que mais cresce. Por pop podemos entender a multiplicidade de hábitos que transitam no universo da cultura de consumo, na sociedade da informação: o vestuário da novela, a receita da rádio, a música do clip, a decoração do shopping, os rodeios country, os pórticos e colunas gregas nos prédios, a natureza-morta, as reproduções escultóricas em resina e as reproduções de gravuras de pintores europeus famosos (pintores que tem seus catálogos sobre as mesas das salas e saem em encartes de revistas femininas). Uma cultura “explodida”, onde o gosto canônico dá lugar ao gosto comum e excêntrico da vida cotidiana. A nova luta travada aqui, a partir do acesso mais amplo à altacultura pelos meios de comunicação de massa, não envolve de maneira uniforme toda a população da cidade, mas aqueles que têm acesso a esses meios e detêm minimamente a linguagem do campo para a recepção dessas informações. Porém, como cada grupo e cada pessoa recebe a informação de uma determinada maneira, conforme sua própria visão de mundo, todas as “classes” têm condições de acessar os mais diversos bens culturais, cabendo à classe média a contradição, vamos dizer assim, de reconhecer em seu cotidiano a cultura comercial e, ao mesmo tempo, almejar os altos níveis da cultura erudita.

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Poder-se-ia pensar que o crescimento substancial da classe média (“nova pequena burguesia”) chega a desafiar a velha classe burguesa, mas não é exatamente assim. A classe média está longe de se tornar a nova classe hegemônica, ainda que fortaleça cada vez mais seu número de agentes intermediadores e especialistas simbólicos. Mesmo o termo hegemônico já não cabe à realidade atual, pois não é mais possível uma posição social superior que domina tudo, nem, portanto, sua ocupação. Não é dizer que há espaço para todos – o que não deixa de ser verdade – mas que, ainda que ocupem muitas vezes os mesmos museus e espaços culturais, o distanciamento e a distinção entre os grupos permanece evidente. Por outro lado, é interessante notar que a expansão do consumo da classe média cria não apenas especialistas na produção e disseminação simbólica, mas também um público sintonizado com a variedade de bens culturais contemporâneos. A mídia tem conduzido à desclassificação e à desmonopolização do poder dos detentores do capital institucionalizado2 tão comum aos centros de cultura erudita. O poder simbólico dos intelectuais sobre os bens culturais tornou-se mais vulnerável a partir do momento em que a população passou a não depender de tal poder para suas definições de gosto e satisfação. “De um lado, valoriza-se a proliferação de teses, conceitos, redes, deslocações, sobre posições e invenções; de outro, a procura de idéias salvadoras, que fundamentem e regulem as ações, a investigação, o ensino, etc. Trata-se, hoje, de configurar e decifrar uma paisagem desconhecida, de navegar entre surpresas e incertezas, pois não há nenhuma idéia que salve.” (Favaretto, 1994: 100)3

Há o movimento em direção a uma sociedade sem grupos de status fixos, mais plural e consciente da diversidade que a vida

2. Instância instituída, capital formalizado pelo sistema estabelecido. 3. “Ou, como se diz num poema de Sophia, navegamos sem o mapa que fazemos.” (Coelho, 1991: 4)

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cotidiana apresenta. Desenha-se uma tendência que “define o processo de personalização: reduzir a rigidez das organizações, substituir os modelos uniformes e pesados por dispositivos flexíveis, privilegiar a comunicação em relação à coerção” (Lipovetsky, 1983: 20). Eis o desafio da velha burguesia: adaptar-se às novas exigências de seus espaços “sagrados” e utilizar os bens culturais tradicionais agora de uma outra maneira. Utilizá-los abertamente, mas sob novos meios de demarcação, como comunicadores que estabelecem barreiras entre algumas pessoas e constroem pontes com outras. As mesmas estruturas e os mesmos caminhos que levam a uma abertura social incitam novas estratégias de luta e proteção de poder. É a dinâmica do jogo. A resistência é forte por parte dos grupos dominantes, que se utilizam da diferença de capital incorporado4 para manter estáveis determinados lugares sociais, determinados encontros e rituais da alta sociedade. Estes setores dominantes da sociedade não apenas definem quais bens são superiores e merecem ser conservados, como também dispõem dos meios econômicos e intelectuais, do tempo de trabalho e do ócio, para imprimir a esses bens maior qualidade e refinamento. Foram criados, por exemplo, novos mecanismos de defesa à invasão popular: novos programas de TV, novas publicações (os caríssimos livros de arte, por exemplo) e novos espaços de arte iniciada, como cinemas de filmes europeus, cafés e bares para amantes do vinho, do charuto ou de carnes raras.5 A verdade é que, em se tratando desse mercado, o universo sagrado da arte não se desmantelou, pois as estruturas que continuam a alimentá-lo envolvem poder aquisitivo (e essa é uma característica irrevogável), 4. Fruto da experiência histórica de vida, capital acumulado ao longodo investimento de tempo e dinheiro – portanto, intransferível e diretamente relacionado com o habitus. 5. Mesmo com o segmento dos ricos que não compreendem absolutamente nada de arte, mas a utilizam como vitrine e espaço para se afirmarem em seu próprio meio. O uso da arte como verniz legitimador de posição social.

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capital econômico, gosto erudito (capital cultural e simbólico) e relações dentro do meio (capital social). No final das contas, fica o reservado, secreto e documentado para as elites, e o informativo (na forma de espetáculo) para as massas – muitas vezes até no mesmo evento, como no caso da Bienal 500 Anos, em São Paulo, em 2000.6 Museus gastam fortunas em exposições blockbusters,7 voltadas para um público simbolicamente ligado à cultura de consumo – rápida, publicitária e superficial –, ao mesmo tempo que estes mesmos museus produzem festas fechadas e catálogos luxuosos, acessíveis apenas à elite privilegiada. Aqueles que estão nas posições intermediárias e superiores da sociedade continuam usando seu capital cultural, através dos bens de consumo, para construir pontes com pessoas que interessam, e fechar portas para as que não interessam. Alguns agentes trabalham para o fechamento e preservação do público tradicional da classe alta, enquanto outros para a ampla divulgação da cultura popular. Os novos intermediários culturais – profissionais de marketing, publicitários, relações públicas, produtores e apresentadores de programas de rádio e televisão, jornalistas, colunistas sociais, comentaristas de moda, especialistas em estética, etc – promovem e transmitem o estilo de vida dos intelectuais a um público mais amplo e se aliam a intelectuais para converterem temas como esporte, moda, música e cultura popular em campos legítimos de análise intelectual. Esses intermediários culturais, geralmente oriundos da nova classe

6. Sobre a questão espetacular da Bienal, há um libreto do crítico Jacob Klintowitz chamado 30 Segundos de Televisão Valem Mais do que 2 Meses de Bienal de São Paulo: Isto é bom ou é Ruim? São Paulo, Summus, 1981. 7. Muito em conseqüência das exigências mercadológicas dos patrocinadores vinculados às leis governamentais de incentivo à cultura, que fazem com que os museus só consigam o patrocínio se tiverem um número elevado de visitantes, conseguido muitas vezes através do apelo do espetáculo. Mas vale lembrar que a cultura do espetáculo não é novidade: o cinema, desde seus primórdios, atraiu multidões aos eventos espetaculares da imagem em movimento, assim como o circo, a arena, o teatro grego, etc.

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média, atuam entre a mídia e a vida intelectual acadêmica, contribuindo efetivamente para derrubar algumas das velhas distinções simbólicas que giram em torno da polarização alta-cultura/ cultura popular. Os intermediários culturais têm o interesse em desenvolver uma pedagogia para o pós-modernismo, vamos dizer assim, adequada à educação de um público mais amplo e diverso. Essa nova abertura das categorias culturais cria um espaço no qual são solicitadas novas interpretações, leituras e traduções dos bens da cultura popular/de massa. É importante destacar a influência do consumo no aumento da capacidade de circulação de informações, através do rápido caminho que estilos e obras de arte percorrem dos produtores aos consumidores. A Mona Lisa ou os Girassóis circulam por lugares tão distantes quanto diversos, atingindo instituições e pessoas muito diferentes.8 Por essa razão devemos tomar cuidado com noções classificatórias, como elite/popular, arte/vida, bom gosto/mau gosto, que muitas vezes não são mais aplicáveis. “A oposição do sentido e do não-sentido deixou de ser dilacerante e perde a sua radicalidade perante a frivolidade ou a futilidade da moda, dos tempos livres, da publicidade. Na era do espetacular, as atinomias duras, as do verdadeiro e do falso, do belo e do feio, do real e da ilusão, do sentido e do não-sentido, esbatem-se; os antagonismos tornam-se ‘flutuantes’ (...).” (Lipovetsky, 1983: 37)

O público pós-moderno é mais amplo, menos erudito e em paz com a cultura de massa. Porém, devemos olhar com cuidado a essa nova produção cultural, que geralmente se apresenta superficial e pasteurizada, assim como devemos tomar cuidado para não desprezar a qualidade da produção da alta-cultura. Nesse aspecto, a

8. Dessa maneira, o processo de globalização – sem entrarmos nas controvérsias do termo – contribui para fortalecer e ampliar a circulação de informações e conteúdos culturais, da troca de capitais entre povos, da própria reflexão sobre o consumo.

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variedade de opiniões, gostos e costumes detonam, explodem, valores e padrões de qualidade que sempre pareceram tão claros. Por exemplo, como seria dizer que o Axé (ritmo e dança explicitamente voltados para o consumo descartável de massa) faz hoje parte da cultura, é de baixíssima qualidade, mas não deixa de ser um fenômeno da contemporaneidade? A conclusão pela inferioridade do Axé se fundamentaria em relação a quais pressupostos? Para a resposta, é preciso observar que há sempre duas situações interpretativas de um bem cultural: a primeira, se considerarmos uma aceitação exclusivamente elitista, que só mais tarde se generalizará; a segunda, numa aceitação imediata de consumo, desde o início generalizada. Qual das duas privilegiar? A verdade é que as leituras possíveis da produção cultural dependem das variadas formas de percepção,9 que dependem dos paradigmas e habitus utilizados por cada indivíduo ou grupo. A princípio, esperase que os detentores de uma arte mais refinada prefiram nivelar por cima, e a massa, por uma leitura mais simples e reconhecível, nivelar por baixo. Mas hoje não é necessariamente assim: assistimos muitas vezes uma inversão, em que a classe dominante toma procedimentos de baixa qualidade – utilizando o mesmo exemplo, quando o Axé vai para as refinadas casas noturnas da Vila Olímpia ou dos Jardins, em São Paulo, ou quando pagodeiros e jogadores de futebol servem-se da riqueza dos salões e festas da alta sociedade. Não podemos considerar que um ponto de vista permaneça constante no tempo; ao contrário, devemos aceitar a translação semântica das coisas em qualquer outro contexto, sem que, por essa razão, seja perdido seu valor de origem. Músicas e filmes démodé, após alguns anos, tornaram-se clássicos. Sempre que falamos de cultura, devemos perguntar: ‘quem está falando?’. É possível, realmente, afirmar que sim, o Axé é uma conseqüência interessante,

9. Lembrando que “estética” vem do grego aisthesis, que significa “percepção”.

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pós-moderna, mas nefasta e de baixo nível cultural, pois a qualidade não deve ser nivelada por baixo e o acervo histórico de produção cultural deve ajudar a balizar uma posição mínima de cultura. Numa outra direção, partindo de uma visão popular, talvez o Axé possa ser considerado de alta qualidade, um instrumento eficaz, rico e feliz de relacionamentos entre grupos, um ritmo agradável e criativo. A pós-modernidade é, de fato, a descoberta de diferentes experiências, valores e vocabulários, resultando nas mais diversas, coletivas ou pessoais interpretações. “Somente a música autêntica pode ser realmente ‘boa’? Questionar a noção de autenticidade não somente demonstra como é difícil definir um termo, mas também indica que ele pode derivar de um conjunto particular de gostos e valores (...).” (Strinati, 1999: 54) Valores contemporâneos que têm modificado o consenso geral da parte culta da sociedade para aquilo que sempre foi determinado como bom ou ruim; numa distinção razoavelmente constante – mantida por uma cultura que sabe, por exemplo, que o italiano Giotto deve ser considerado um mestre –, mas que agora deve conviver com o comercial, o publicitário, o kitsch e a cultura midiática. “Hoje o nativo da China, não menos do que o índio sul-americano, o hindu, não menos do que o polinésio, passaram a preferir, em vez dos produtos de sua arte nativa, capas de revista, seções de rotogravura e garotas de calendário. Como esta virulência do kitsch, esta atração irresistível, pode ser explicada? Naturalmente, o kitsch feito à máquina pode custar menos do que o artigo artesanal nativo, e o prestígio do Ocidente também ajuda; mas por que o kitsch é um artigo de exportação tão mais lucrativo do que Rembrandt? Afinal, a reprodução de um é tão barata quanto a de outro.” (Greenberg, 1996: 30)

No entanto, a tendência, no plano global – ao contrário do que a globalização tem pregado –, não é a integração e a homogeneização cultural; a força universalista da mídia e da cultura de consumo não suprimiu as diferenças locais de cada grupo social. O que se deu foram acréscimos, transformações em escala micro e macro-sociais que reorganizaram novas dinâmicas culturais.

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“Sem dúvida, o acesso de todos ao automóvel ou à televisão, ao bluejean e à coca-cola, as migrações sincronizadas do week-end (...) designam uma uniformização dos comportamentos. Mas esquecemo-nos demasiadas vezes de considerar a face complementar e inversa do fenômeno: a acentuação das singularidades, a personalização sem precedente dos indivíduos.” (Lipovetsky, 1983: 101)

A globalização não destruiu nem neutralizou a cultura local, mas acrescentou novos dados, novas produções e novas condutas culturais externas, que foram incorporadas ou não, conforme a necessidade ou o interesse de cada um. E mesmo quando a influência se apresenta mais “predatória”, a pasteurização não é completa; é preciso levar em conta as diferenças de cada grupo e de cada sociedade. Não existe, afinal, cultura homogênea. A arte é, ao mesmo tempo, símbolo de distinção, instrumento de restrição, e uma forma eficaz de abertura e trânsito sociais, seja nas manifestações culturais populares, nas portas destravadas dos museus, seja nas experiências estéticas dos outdoors, revistas e ruas. O que se denomina público, a rigor, é uma somatória de segmentos da sociedade “que pertencem a estratos econômicos e educativos diversos, com hábitos de consumo cultural e disponibilidade diferente para relacionar-se com os bens oferecidos no mercado. Sobretudo nas sociedades complexas, em que a oferta cultural é muito heterogênea, coexistem vários estilos de recepção e compreensão, formados em relações díspares com bens procedentes de tradições cultas, populares e massivas” (Canclini, 1998: 150).

Devemos considerar, evidentemente, todo o vasto e confuso setor da arte de massa (música de consumo, fotonovela, literatura de cordel, pôsteres), como decididamente ligados a re-significações híbridas de elementos antigos com códigos novos, elementos eruditos, aprendidos nas revistas e pela televisão, com elementos do folclore. Na luta pela preservação e estratificação cultural, a elite perde seus templos para esse hibridismo indefinível. Surge uma produção estranha ao gosto culto, uma espécie de estética deteriorada das criações

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artísticas eruditas, ou pseudo-artísticas – familiar a todos, por estar imersa no conjunto da vida cotidiana –, e que realmente a população nem mesmo se preocupa em definir. Atualmente, as transformações tecnológicas, sociais e acadêmicas deixaram de dispor desses pressupostos estáveis, apresentando a autores, criadores e escritores uma série de novas dificuldades, mas também, muitas novas possibilidades. Incômodo? Inconveniente? Certamente. Mas saber que uma exposição de Rodin concorre com a pista de patinação do shopping center, que uma peça de Beckett vale tanto quanto um episódio de reality show pode ser tão constrangedor quanto dizer a um morador do subúrbio da cidade que a dodecafonia de Schoenberg é qualitativamente melhor do que o pagode que ele escuta, dança e, principalmente, entende e se diverte. Alain Finkielkraut diz, ironicamente, que “um par de botas vale tanto quanto Shakespeare” (1989: 131). Carros, motos, anúncios de televisão, enchentes, tiroteios, shows de rock, estádios de futebol... a pós-modernidade arrancou da história e do sujeito seu paradigma coerente e distante. Distante desse fluxo de atividades e coisas que é a vida cotidiana.

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III O fluxo da vida cotidiana Todas as imagens da intimidade participam da ironia da sacralização da vida cotidiana. Os atos, as maneiras de agir, as regras contribuem para a reprodução destas imagens ritualizantes como ilusão necessária do sujeito e de seu lugar no mundo. Henri-Pierre Jeudy

Talvez o maior problema com a educação seja sua distância do mundo, o abismo criado entre a concepção conteudista e reprodutora do século XIX com a diversidade da vida cotidiana. Não foi à toa que a partir dos anos 50, com o desenvolvimento de novas tecnologias da comunicação, uma grande mudança pedagógica se deu em pesquisas, teorias e escolas, preocupadas em alinhar prática e conteúdo. Mas é possível também perceber a resistência mantenedora dos conceitos e paradigmas tradicionais – melhor dizendo, velhos– na grande maioria das escolas públicas e particulares. Uma conseqüência é o baixíssimo interesse dos alunos pelos estudos, pelas matérias impostas, horror aos métodos de controle disciplinar e métodos de avaliação, aplicados a alunos desligados da escola pela relação que têm com o mundo fora dela. De uma outra maneira, a arte também se mantém um tanto distante das pessoas, provavelmente por estar preocupada com conceitos e estratégias inerentes ao seu universo: autenticidade, inspiração, mercado, divulgação e manutenção de valores também tradicionais, acessíveis apenas a iniciados; fazendo com que aqueles que não estão acostumados a essa arte pensem não poder usufruir dela, não poder apreciá-la, discuti-la ou experimentá-la. A educação e a arte desligadas do mundo de nada servem. Se não comunicam, se não criam pontes significativas entre seus conteúdos e aqueles que desejam experimentá-los, tornam-se apenas

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modelos estéreis de conhecimento. Livros para colorir, reproduções de obras-primas para copiar, releituras e modelos que não estimulam o conteúdo e a percepção da arte, assim como os infinitos testes de múltipla escolha, resumos de matérias, fórmulas e equações que ensinam muito pouco ao aluno que quer compreender seu entorno. É o que ainda encontramos em inúmeras escolas – também em determinadas oficinas e “escolas de arte” –, com artistas, professores e alunos atuando inutilmente. Escolas que não incorporaram as aulas de artes como disciplina importante para a aprendizagem do aluno, tornando-a um mero “recreio”, com atividades de práticas naturalistas, neo-acadêmicas, de baixa qualidade, que resumem a produção artística a fórmulas de exercícios manuais e utilitários, de um medíocre apelo decorativo. “Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo.” (Barbosa, 1996: 4) O mesmo acontece com as disciplinas oficiais, como português, matemática e biologia, em que o modelo moderno – de comportamento, disciplina, estabilidade, evolução e normalização – mantém, ou tenta manter, racionalmente o curso da aprendizagem de conteúdos muitas vezes descolados da realidade cotidiana. Existem, evidentemente, inúmeras pesquisas, escolas e métodos de ensino contrários a essa padronização antiga, e que levam diretamente em conta a riqueza do entorno, mas ainda representam, sem dúvida, uma minoria. São trabalhos sérios, preocupados com a individualidade do aluno, com atividades significativas com a arte e com a contextualização dessas atividades com o mundo fora da escola. Porém, o que encontramos na maioria das escolas públicas e particulares são professores e alunos que parecem estar num outro lugar, num outro tempo, com padrões e valores completamente diferentes do múltiplo universo contemporâneo. “Apreciação artística e história da arte não têm lugar na escola. As únicas imagens na sala de aula são as imagens ruins dos livros didáticos, as imagens das folhas de colorir, e no melhor dos casos, as imagens

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produzidas pelas próprias crianças. (...) Visitas a exposições são raras e em geral pobremente preparadas. A viagem de ônibus é mais significativa para as crianças do que a apreciação das obras de arte. A fonte mais freqüente de imagens para as crianças é a TV, os fracos padrões dos desenhos para colorir e os cartazes pela cidade (outdoors). As crianças de escolas públicas na sua maioria não têm revistas em casa. O acesso à TV é mais freqüente, porque se elas não tiverem TV em casa, elas têm acesso a algum tipo de TV comunitária. Mesmo nas escolas particulares mais caras a imagem não é usada nas salas de arte. Eles lecionam arte sem oferecer a possibilidade de ver. É como ensinar a ler sem livros na sala de aula.” (Barbosa, 1996: 12)

No caso desses lugares, a prática da arte não contribui para a reflexão, percepção e fruição da obra de arte, nem de seu contexto histórico. A ineficiência de algumas práticas pedagógicas, como o preenchimento de exercícios mecânicos, a atenção inadequada aos livros didáticos inadequados e a decoreba de fórmulas, por exemplo, não permite uma compreensão mais profunda sobre a função dessa aprendizagem com a vida, com os elementos disponíveis no dia-adia. Não é à toa que a diversão está no caminho para o museu, e não dentro dele: o mundo de que o aluno é privado diariamente está ali, exposto do lado de fora do ônibus, e é atração suficiente para ser compartilhada com os colegas. Nesse sentido, a televisão está mesmo muito mais próxima do público, pois cria um vínculo contínuo de visibilidade, apresentando o mundo ao vivo dos bens culturais da humanidade. Pelo menos é essa a sensação que traz. Milhões de pessoas vêem programas de TV que veiculam imagens de obras, artistas e lugares. “É como se fosse desnecessário ir vê-los: as pirâmides e os centros históricos viajam até a mesa em que a família come, tornam-se temas de bate-papo e misturam-se aos assuntos do dia. A televisão apresenta propagandas nas quais o prestígio dos monumentos é usado para contagiar, com suas virtudes, um carro ou um licor.” (Canclini, 1998: 197)

A produção simbólica deve estar vinculada à vivência de quem a produz e a frui, deve considerar algumas questões diretamente

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ligadas à contemporaneidade: a transformação da vida em espetáculo, o consumo,1 a dinâmica do mercado e os modos de circulação da informação. São questões que fazem parte de um mesmo conjunto, sem divisões definidas que as classifiquem, pois uma se constitui da outra, uma toma a forma da outra, somam-se, multiplicam-se, alternam-se. São, algumas vezes, artificiais, recursos forjados para objetivos determinados – geralmente comerciais –, mas que devem ser considerados. A transformação da vida cotidiana em espetáculo não está, portanto, necessariamente ligada à produção que habitualmente é designada de artística – e mais longe ainda se voltada apenas para a análise do belo –, mas reflete o entrelaçamento entre os sinais de inumeráveis sistemas de comunicação, formas, culturas e o habitus social. Tudo aquilo que é recebido e processado, coletiva ou individualmente, na cotidianidade pode ser transformado em elemento estético. “Existe um desejo, e até uma necessidade, de produção artística que acabe por englobar outros setores habitualmente descurados pelos ‘especialistas da arte’. Trata-se de todo o imenso acervo de operações cromáticas, acústicas, plásticas, que circundam o indivíduo na sua existência cotidiana, que passam a fazer parte do panorama urbano, da publicidade, do vestuário, da signalética das estradas, etc. e que não podem deixar de ser consideradas como estéticas.” (Dorfles, 1986: 87)

Sendo o dia-a-dia a matéria-prima da informação e da mídia, a arte é chamada a sair de seu isolamento de atelier, do objeto artístico, para construir seu trabalho no entorno, no que é exterior à obra,

1. Existe um problema que o consumo traz quando o colocamos muito perto da arte e da cultura popular: a produção que existe pelo simples valor capitalista de troca, sem qualquer reflexão de âmbito mais profundo (a arte comercial), em que a memória do valor de uso original dos bens é suprimida, dando espaço à incorporação de valores ligados a produtos como automóveis, cigarros, amaciantes. O desejo por uma obra de arte está diretamente ligado ao desejo daquele significado embutido na obra, do conteúdo simbólico, forjado ou adquirido, pelos meios específicos a que a obra foi submetida no campo.

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podendo inclusive ser produzido por um aspecto puramente narrativo ou conceitual, pela idéia do trabalho no lugar do próprio trabalho. O que interessa é o entorno, não só porque a arte se alimenta dele e serve a ele, como também porque é produto de sua dinâmica. A arte está nas ruas, nas casas, no corpo.

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A estetização da vida cotidiana nasceu da expansão da cultura de consumo iniciada nas grandes cidades do séc XIX, “que se tornaram os locais dos mundos de sonho embriagantes, do fluxo de 2 mercadorias, imagens e corpos (o flâneur ) em constante mutação” (Featherstone, 1995: 103), e pregou a transformação da vida numa obra de arte. Essa transformação se tornou evidente quando passear no parque, olhar as lojas e tomar um café, simples atividades cotidianas, tornaram-se uma apresentação para o mundo. Por essa época, o capitalismo, já plenamente configurado, privilegiou o consumo como ação emancipatória. Aquela relação de troca econômica por troca simbólica, realizada desde Constantinopla, desde os Médicis, generalizou-se como combustível para a produção cultural – incluindo aqui os diversos meios de comunicação: revistas, panfletos, cartazes, etc. Diferente daquela época, a estetização da vida pós-moderna relativiza a aura de originalidade e autenticidade inerente ao indivíduo – etimologicamente falando, do “ser indivisível”, uno –; porque hoje a estética se configura na vida de um indivíduo mergulhado num caldo onde é difícil estabelecer o que é sujeito e o que é mundo. A unidade dá lugar à multiplicidade de experiências e significados. Existem pontes significativas no jogo entre realidade e imagem. O sujeito contemporâneo se enriquece no outro, no contato com o mundo que também é constituído dele. “Sou do tamanho do que vejo”, já dizia Alberto Caeiro (Pessoa, 2001: 36). As práticas simbólicas das pessoas são resultado de um inconsciente comum. “Delas emana uma aura que representa o papel aglutinador do mito religioso, mágico, político, neste surpreendente teatro de variedades que são as histórias humanas. Obnubilados pelo individualismo ideológico do ciclo moderno, em vias de extinção, temos dificuldade para apreciar essa irremissível lei social, que remete ao que os alquimistas da Idade Média chamavam de glutinum mundi. Há sempre um objeto, um ideal,

2. O homem moderno que procura inventar a si próprio. Cf. Benjamin, 1985.

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uma emoção, uma ilusão que constitui a ‘liga’, graças à qual o mundo é o que é.” (Maffesoli, 2000: 212)

Para Baudrillard, a arte deixou de ser uma realidade protegida e separada, pois ingressa na produção e reprodução cotidianas, de modo que tudo, mesmo que seja a realidade mais banal, pode ser considerado como arte, e se tornar estético. Podemos afirmar, dessa maneira, que praticamente todo objeto ou experiência pode ser considerado de interesse cultural, todos os lugares e escolhas que os indivíduos têm de fazer, a todo momento, nos variados campos que a realidade se apresenta. E quando dizemos realidade estamos falando da hiper-realidade que mistura ficção de não-ficção, numa noção de cultura com a qual a massa flutuante de signos e imagens produz uma sucessão de simulações que neutralizam umas às outras. “Por toda a parte já vivemos numa alucinação ‘estética’ da realidade.” (Baudrillard 1983: 148).3 3. Dadaísmo e surrealismo dão a impressão de ressurgirem nessas imagens híbridas do show da vida.

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A ampliação do mercado de bens e informações culturais gera um consumo maior de experiências e prazeres, na forma de casas noturnas, bares, resorts, centros turísticos, sites, cinemas e shopping centers. Os museus e galerias de arte, da mesma forma, são repensados para agradar públicos mais amplos, dando ênfase ao espetáculo, ao popular, ao estético e à informação imediatamente acessível. Uma tendência positiva e negativa: positiva porque, de fato, atrai e amplia o número de visitantes, torna o espaço de arte mais público, freqüentado por uma quantidade variada de grupos econômicos, étnicos e culturais; negativa porque incorre, muitas vezes, no risco da superficialidade e desconsidera conteúdos fundamentais para a formação de um público consciente e autônomo à apreciação da obra de arte. Um bom exemplo de estetização da vida cotidiana são os reality shows, onde telespectadores se distraem com a apresentação da vida de pessoas comuns, na simulação das relações diárias humanas, no espetáculo da realidade banal. Banal? Sendo a mídia veículo de informação daquelas pessoas, há, para o público, uma real importância em tudo o que se faz e diz dentro do mundo artificial do programa. Hiper-realidade. Cada um acredita desempenhar em cada take um papel seu, original e intransferível, mas, ao mesmo tempo, diluído e ampliado no universo disseminatório da televisão. Todos os participantes desejam um espelhamento com aqueles que os assistem. Entram numa lógica de comportamento que se confunde com as normas que regem a comunicação. Espécie de zoológico midiático, os reality shows representam muito do perfil de seu público. Na seleção dos “tipos” que participam do programa, na variedade escolhida – não tão variada assim – para ilustrar personalidades, modos de ser e viver, funde-se a idéia de individual e coletivo; o telespectador – previamente pesquisado por agências de marketing – se vê no outro, assiste a si mesmo realizando ações comuns, discutindo relações, amando, brigando, planejando estratégias para sobreviver no grupo, sorrindo, chorando. “A

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representação já assumiu um aspecto museal. Não se pode mais representar o mundo, a sociedade, a vida cotidiana, sem ser levado por uma distância ‘museal’: a representação é, de imediato, uma exposição.” (Jeudy, 1990: 21) É a vida transformada em programação, em produto de consumo. A vida contemporânea está contaminada pelo mundo do faz-de-conta da publicidade. “Por outro lado, a realidade – se chamarmos por esse nome a sucessão temporal de imagens e informações que se sucedem indefinidamente no interior da tela – aparece, ao mesmo tempo, na experiência subjetiva midialmente programada como a irrealidade de um sonho, como a ficção do mundo convertido em espetáculo. Não obstante, inclusive quando me custa crer nele, identificar-me com esse grande mundo programado pela tela pequena, e ainda que me negue interiormente a assumir sua ficção como a realidade do mundo, objetivamente falando, não há outra experiência consensualmente compartilhada privilegiada o bastante para constituir uma possível contrapartida ou sua alternativa.” (Subirats, 1989: 73)

No embaçamento da fronteira entre arte e vida, é preciso investigar a importância da cultura de consumo – que tem como premissa a expansão da produção capitalista de mercadorias – na transformação das atividades diárias em imagens da mídia, do design, dos vídeos de rock, do cinema; na transformação da história em parques temáticos e lojas de departamentos, e na incorporação do consumo pelo Estado ou pelas grandes empresas privadas. A criação constante de novas necessidades que a propaganda e a internet conduzem traz uma contínua satisfação e insatisfação por desejos sempre superáveis, por imagens e produtos cambiáveis, transformando o tempo e a vida das pessoas num eterno presente (Jameson) – um dos fatores que leva ao fim da historicidade e da projeção para o futuro dos modernos. Há, de fato, os que não se adaptam a essa instabilidade contínua, que fragmenta o tempo e a vida cotidiana em instantes eternos, e são estes os que certamente mais sofrem, entram em crise e são vitimados pela velocidade e ansiedade do mundo contemporâneo.

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“Se soubermos ver todas as características do trágico, certamente seremos capazes de compreender numerosas práticas sociais, em particular juvenis, que sem essa apreciação pareceriam desprovidas de sentido. Digamos categoricamente: com a sensibilidade trágica o tempo se imobiliza ou, ao menos, se lenteia. De fato, a velocidade, sob suas diversas modulações, foi a marca do drama moderno. O desenvolvimento científico, tecnológico ou econômico é sua conseqüência mais visível. De modo contrário, hoje vemos despontar um elogio da lentidão, incluindo a ociosidade. A vida não é mais que uma concatenação de instantes imóveis, de instantes eternos, dos quais se pode tirar o máximo de gozo. É esta inversão de polaridade temporal que confere presença à vida, dando seu valor a uma porção do presente, favorecendo o sentimento de pertença tribal, que considera a vida ordinária como destino. Vida ordinária, vida banal, o solo da renovação comunitária.” (Maffesoli, 2000: 10)

A ordem pós-moderna produz sistemas de classificações móveis, formas cambiáveis de hierarquização e fragmentação. Paradigmas, muitas vezes contraditórios que, através de teorias e ideologias, determinam uma visão de mundo, um horizonte mental. O paradigma é portanto virtual, pois só existe nas suas manifestações, só se configura através dos seus exemplos. Tais manifestações, situações e eventos que a sociedade produz configuram uma prospecção, ou seja, a exteriorização de uma estrutura interna profunda sobre uma figuração específica, que resulta numa figura social, e que Maffesoli vai chamar de forma e corpo social. Maffesoli diz que captamos as

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coisas através da imagem, sendo a forma o principal fenômeno da aparência, e a formadora da sociedade. Ele diz: “Metodologicamente, sabe-se que a descrição é uma boa maneira de perceber, em profundidade, aquilo que constitui a especificidade de um grupo social. Quanto a isto, os diversos processos etnológicos foram disseminados por todas as ciências sociais. E isso porque rituais, múltiplos e diversos, que pontuam a vida corrente, o jogo das aparências, as técnicas corporais, as modas linguageiras, vestimentárias, sexuais, em suma, a cultura em suas diversas manifestações, são, em seu sentido mais estrito, a expressão de um grupo, de uma sociedade, de uma época. Pode-se mesmo dizer que uma sociedade não existe senão enquanto se manifesta exteriormente. É somente assim que ela toma forma.” (Maffesoli, 1998: 123)

O processo de contemporanização, vamos dizer assim, firmase na absorção de elementos diversos, tanto tecnológicos quanto arcaicos, muitas vezes contrários, do corpo social. Convivem o concreto e o abstrato, o singular e o plural, mesclam-se, conforme a óptica de quem vê, o verdadeiro e o falso, ora juntos, ora separados, num grande caldo semântico. A projeção dialética da ordem e desordem constitui as diversas manifestações do corpo coletivo e individual, formador e formado pelo cotidiano, pela deidade4 em sua configuração social. Portanto, mais do que um princípio de realidade, a “descoberta” dessa projeção traz um novo sentimento de realidade – para não dizer “novo”, um diferente sentimento de realidade –, que é o paradigma pós-moderno. O pós-modernismo reavalia a ambigüidade, a pluralidade e a coexistência dos estilos; é composto por um diálogo entre elementos heterogêneos – arquitetura dialógica. Do ponto de vista racional (ou moderno), a pósmodernidade representa, para muitos, o perigo do caos, do descontrole sobre a organização social e cultural. Mas não há perigo: a pós-modernidade é apenas uma forma de construção do mundo que, certamente, destruiu as esperanças modernas de ordem, mas 4. “o princípio federador, o divino social, causa e efeito de toda socialidade, é a relação, a vivência compartilhada, a comunhão cotidiana.” (Maffesoli, 1998: 185)

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pôde propor um outro modo de incorporar a desordem, criando um universo menos ilusório e mais aberto a leituras. A pós-modernidade denota a renúncia à ilusão histórica. “Nesse sentido, o fim do século XX marca um retorno a Nietzsche, que fazia a genealogia da tradição clássica a partir da constatação de que o progresso não tinha mais sentido para o homem moderno, que a história estava aberta para um vazio.” (Compagnon, 1996: 126) Não é exatamente um vazio, mas uma sensação múltipla de significados, antes única e bem definida dentro de uma via histórica “segura”, hoje lida com as variadas mudanças de pontos de vista, ou melhor, a consciência de inúmeros pontos de vista. Não foi a História que acabou, mas a idéia de História, e do tempo, que se transformou, na incorporação de elementos diversos, passado/presente/futuro, conjunta ou separadamente. Havendo menos interesse em construir um sistema coerente do que em expandir a série de sistemas conhecidos e jogar com eles. Assim, “o pós-modernismo não é uma tendência que possa ser delimitada cronologicamente, mas um modo de operar.5 Podemos dizer que cada época tem seu próprio pós-moderno, assim como cada época teria seu próprio maneirismo (tanto é assim que me pergunto se pós-moderno não seria o nome moderno do Maneirismo enquanto categoria meta-histórica)” (Eco, 1985: 55). O homem deixa de ser sujeito da História para ser sujeito na História. Há uma relativização dos consensos – que agora são muitos – e uma maior clareza nas vantagens de não haver consenso. Deixa-se de lado as certezas, porque elas já não se sustentam, e trabalha-se com o lado psicológico da álea,6 num jogo estatístico orgânico entre o certo e o errado. “Convém elaborar um saber dionisíaco que esteja o mais próximo possível de seu objeto, um saber que seja capaz de integrar o caos ou que, pelo menos, conceda a este o lugar que lhe é próprio. Um saber que saiba,

5. Operare, opera, opus = obra, construção, edificação, mas pode também ser entendida no sentido alquímico de transmutação. 6. Probabilidade de perda concomitante à probabilidade de lucro.

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por mais paradoxo que isso possa parecer, estabelecer a topografia da incerteza e do previsível, da desordem e da efervescência, do trágico e do nãoracional. Coisas incontroláveis, imprevisíveis, mas não menos humanas. Coisas que, em graus diversos, atravessam as histórias individuais e coletivas.” (Maffesoli, 1998: 12)

As cidades testemunham um bom exemplo dessa operação dionisíaca 7 “desordenada” entre o homem e o mundo. Parece que os habitantes das grandes cidades entenderam que o discurso do progresso e do bem não funcionam mais; podem realmente não saber sobre o debate modernidade versus pós-modernidade – na maioria das vezes restrito aos muros das universidades – mas sabem que perderam alguma coisa (muito provavelmente seu “futuro”), e que a retomada de certos valores tradicionais, embrenhados na realidade nada tradicional, traz algum conforto àquelas esperanças destruídas. A pósmodernidade reconhece que o passado, já que não pode ser destruído, deve ser revisitado.

7. Segundo P. Bourdieu, “a noção de espaço contém, em si, o princípio de uma apreensão relacional do mundo social: ela afirma, de fato, que toda a ‘realidade’ que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a compõem” (Bourdieu, 1996) – a cidade que é constituída pelas pessoas que vivem nela.

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“A memória do passante é alimentada pela paisagem em constante mutação, onde os objetos aparecem divorciados de seu contexto e submetidos a associações misteriosas, que são lidas na superfície das coisas. A vida cotidiana das grandes cidades torna-se estetizada. Os novos processos industriais proporcionam à arte a oportunidade de se deslocar para a indústria, verificando-se uma expansão das ocupações ligadas à publicidade, marketing, design industrial e mostruário comercial, de modo a produzir a nova paisagem urbana.” (Featherstone, 1995: 44)

O que nos interessa é entender um pouco de como esse complexo sistema social, político e simbólico, transforma-se em paisagem – natureza urbana – para a construção de imagens e significados culturais; de que maneira o cotidiano apresenta-se visualmente e é processado como informação. As metrópoles pós-modernas se transformaram em centros ritualizados de vivência, de consumo, de informação, educação e cultura, saturadas de signos e imagens capazes de transformar qualquer coisa em objeto de interesse. A vida “turística” da cidade faz com que museus e galerias de arte caminhem nesse sentido, que sejam centros rituais de consumo. Aquele que olha para uma obra contemporânea deseja ver a si próprio, satisfazer, na produção cultural, o que o prazer do espetacular traz de lúdico, de reflexivo, de próximo ou distante de sua vida diária. “Ver-se ver nunca foi uma atividade inocente e é exatamente isto que pode constituir seu encanto...” (Jeudy, 1990: 77) As inúmeras técnicas de produção e reprodução cultural transformaram as experiências e práticas cotidianas numa íntima relação entre os processos de produção e consumo cultural. Há um movimento duplo e contraditório: um, tentando transformar a arte em objeto da vida, o outro, tentando transformar a vida em obra de arte, numa mistura de códigos de diferentes intensidades e matizes que se interpõem, através da qual arte e realidade trocam de lugar e se confundem. Ambos os movimentos se alimentam e se encontram no

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mesmo ponto: nos meios de produção cultural, nesse modo contemporâneo de educação que é o fluxo da vida cotidiana. A pós-modernidade aceita a epifania do espetáculo da vida, a primazia do múltiplo sobre o uno, a hiper-realidade, a dissolução da história, a incoerência, o entusiasmo estético e social, a fascinação pelo gozo e pelo trágico. Não carrega culpa, não tem pecado original, não reconhece todos como semelhantes – porque não são mesmo –, mas os incorpora na diversidade do cotidiano. “Estar no mundo é estar apto às situações, aberto aos instantes. O resto são palavras, com as quais recheamos nossas horas mortas.(...)a situação é essa e as coisas estão aí!” (Almeida, 2000: 1) A paisagem está aberta.

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IV Aberturas contemporâneas A contemplação é uma forma de criação. Michel Maffesoli

Exterior ou não à realidade, a presença da mídia na vida cotidiana é suficientemente intensa para não ser desconsiderada. Não é onipotente, mas onipresente. Está por toda parte, fazendo diretamente parte do gosto, das escolhas e das ações das pessoas. Representa a, e é representada pela, multiplicidade do mundo. Por essa razão, a televisão, os jornais, as revistas e os museus constituem instrumentos de educação e devem ser encarados como tais. Difundem a diversidade cultural em imagens e textos dinâmicos, mutáveis a cada instante, maiores, menores, mais complexos ou mais pasteurizados; participam, enfim, da produção de conhecimento do mundo contemporâneo. E é por essa intensa difusão e participação do conhecimento no fluxo da vida cotidiana que devemos considerar a mídia como fundamental intercessora no desenvolvimento e na abertura das diversas redes sociais, na produção artística e na educação. Evidentemente, a diversidade existente entre as noções e conceitos – assim como as estratégias de atuação, inseridas na dinâmica social – dá margem a inúmeras divergências, seja pelo que se entende por educação, seja pelo que se entende por arte. Hoje, convivem modos tradicionais e contemporâneos de pensamento, que moldam formas muito diversas de pensar e agir. Lutas, distinções, aberturas, tudo parece válido no campo heterogêneo em que o conhecimento se desenvolve. As operações lineares e deterministas da razão enfraqueceram, dando lugar a um universo híbrido, atual e antigo, construtivo e destruidor, esperançoso e trágico ao mesmo tempo.

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As distinções não desapareceram; o tradicionalismo e o ensino duro, rígido e conteudista também não desapareceram, mas têm hoje de dividir espaço com algo muito maior que eles: a mídia, o mercado, a velocidade da informação e as trocas culturais, simbólicas e lingüísticas que tais elementos promovem. Os agentes culturais, que antes eram representados apenas pela elite, agora são jornalistas, apresentadores de auditório, artistas, designers, internautas, marchands, publicitários e museólogos, ou seja, todos aqueles que atuam diretamente na difusão de informação para uma extensa parcela da população, através dos meios de comunicação de massa. Nesse sentido, também é possível afirmar que esses agentes culturais podem ser considerados educadores – não mais no sentido clássico do termo, mas como intermediadores das relações de conhecimento articuladas na vida de todos, indistintamente. Se a ausência de professor na escola impede a transmissão do conhecimento formal (através das disciplinas de química, física, história, matemática, etc.), hoje, a ausência dos agentes culturais impede o contato com o mundo, com a sociedade da informação. “As tecnologias da informação e da comunicação poderão constituir, de imediato, para todos, um verdadeiro meio de abertura aos campos da educação não formal, tornando-se um dos vetores privilegiados de uma sociedade educativa, na qual os diferentes tempos de aprendizagem sejam repensados radicalmente. Em particular, o desenvolvimento destas tecnologias, cujo domínio permite um enriquecimento contínuo dos saberes, deveria levar a reconsiderar o lugar e a função dos sistemas educativos, na perspectiva de uma educação prolongada pela vida afora. A comunicação e a troca de saberes já não serão apenas um dos pólos principais do crescimento das atividades humanas, mas um fator de desenvolvimento pessoal, no contexto de novos modos de vida social.” (Delors, 1999: 66)

É preciso perceber que não há mais uma divisão entre informação e educação. Uma é constituída da outra e estão sempre relacionadas com as estratégias de transmissão de conhecimento. A abertura proporcionada pelos meios de comunicação, a transformação da diversidade da vida em espetáculo da pós-modernidade e a

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conseqüente constatação de que nada vale, ou, ao contrário, tudo vale, criou uma “pedagogia da vida” – encontrada já há tempos por filósofos, escritores e artistas, mas também por pedreiros, porteiros e eletricistas, analfabetos e nômades que falam como foram formados pela “escola da vida”. Uma pedagogia sem o absolutismo racionalista, liberta dos valores morais e éticos1 de uma modernidade rigidamente organizada, pronta para incorporar o conhecimento empírico do cotidiano, as novas tecnologias, as novas informações, transformar as antigas, e saber dialogar com todas elas. Em outras palavras, é preciso uma educação disposta a aprender. “Talvez se possa dizer que o pós-moderno incide na educação como crítica de uma básica ‘paixão pedagógica’: o desejo de renovar e de reparar. Ainda que o proverbial otimismo (ou entusiasmo) pedagógico tenha esmaecido, dada a dificuldade de se proporem práticas eficazes de ação social através da educação, e devido à quase impossibilidade de pensar a educação em situações tão indeterminadas como as atuais, a crença nas virtualidades do impulso para a educação permanece ativa.” (Favaretto, 1991b: 123)

Educação para a Arte, para o público, através da mídia ou da escola; realmente é cada vez mais confusa a discussão sobre esse assunto, são inúmeros os caminhos que se pode seguir: pela arte-educação, pela psicologia, pela semiótica, pelas teorias da comunicação ou cognição. O que dizer se somarmos a isso o mercado de arte, a produção televisiva e as condições sociais de acesso ao conhecimento? Mas não esperemos a dissolução da confusão. A tendência é a desagregação mesmo, pois, como disse, não é mais possível uma compreensão puramente racional e cristalina. Portanto, fiquemos com a diversidade. Fiquemos com alguns dos fantasmas que assolaram a Escola de Frankfurt, com o temor pela alienação dos meios de comunicação – e que assolam Giddens, por exemplo –, a desordem do mundo contemporâneo e a destruição do valor sagrado das coisas:

1. A ética permanece, mas maleável, de acordo com cada tribo, para usar uma noção de Michel Maffesoli. Cf. O Tempo das Tribos, Rio de Janeiro, Forense / Universitária, 1987.

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E se dissermos, para desespero de alguns, que não é mais possível diferenciar o professor do publicitário, pois a distância entre eles não é maior do que a de professores de disciplinas diferentes; que não se pode mais medir, como antes se pensou, a quantidade de informação e a qualidade de um e de outro, assim como a qualidade e a efetividade de seus ensinamentos? Teremos novamente aqui uma questão de valor, qualidade, conteúdo e – como no exemplo do Axé, no capítulo II – de ponto de vista. A verdade é que a sociedade de consumo também gerou uma educação de consumo, em que os publicitários tornaram-se agentes culturais que devem ser considerados pela educação – ao guiarem as pessoas na aquisição de bens, desejos e comportamentos, consagrando e excluindo valores. E a educação – dentro e fora da escola, dentro e fora da família – em muito se faz através do mercado, que, transmitindo modelos estéticos, políticos e sociais, tem um papel pedagógico importante na configuração do meio social. Os valores machistas, por exemplo, embutidos em trinta segundos de um comercial de cerveja, talvez sejam fixados com muito mais eficiência do que cinqüenta minutos de aula sobre esse tema, mas é certo que a televisão e a sala de aula são concorrentes que se utilizam de estratégias muito diversas, mas que atingem, em maior ou menor grau, seu público, conforme os níveis de produção e recepção da informação. Outro exemplo: uma visita à exposição de pinturas de Jackson Pollock em um museu ou a exibição do filme sobre sua vida na televisão; qual ensina melhor, qual traz mais conhecimento sobre a produção desse artista, qual estimula mais a sensibilidade e a percepção do público para seu trabalho pictórico? A dificuldade em responder a tais perguntas se deve, realmente, às operações culturais, singularizadas, que essas duas maneiras de ver provocam no espectador – e aos processos envolvidos nessas operações. A mídia e a escola não devem concorrer, mas se complementar, para que a educação seja pensada e elaborada, entendida e absorvida no conjunto da vida cotidiana. A educação como fluxo da vida cotidiana. Ainda na arte, tomemos como exemplo o quadro Mona Lisa, do pintor Leonardo da Vinci, e o anúncio da Mon Bijou, veiculado

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amplamente em revistas e intervalos comerciais de TV, que se utiliza da referência direta da obra de Leonardo. Qual a razão da escolha? Por quê um quadro italiano, burguês, renascentista foi escolhido para vender amaciante de roupa no Brasil? Um outro quadro do séc. XVI surtiria o mesmo efeito? Certamente não. Porque o valor e o reconhecimento que a imagem da Gioconda contém está além de suas qualidades técnicas e físicas, por ter sido citada, reproduzida e interpretada quase ao infinito – poder-se-ia dizer reconstruída ao infinito – até se tornar um mito exterior à própria obra. Seu reconhecimento transubstanciou a tela em ícone mundial e, como tal, ganhou trânsito livre em inúmeros povos, culturas e linguagens. Para se ter uma idéia, uma pesquisa realizada recentemente na Itália, em que se perguntava à população qual a pintura mais famosa do mundo, a Mona Lisa ganhou com 73% de lembrança espontânea. A campanha da Bombril não está discutindo Estética – na verdade isso pouco importa para a agência ou para a pessoa que vai lavar roupa –, mas o uso da imagem, ou melhor dizendo, da fama que tal quadro possui foi eficiente para a brincadeira que o publicitário criou com a história da arte. Cada vez fica mais difícil a polarização entre arte e mercadoria, entre os objetos “únicos, autênticos e sagrados” e os objetos de consumo de massa. “Uma parte considerável do debate cultural tende a contrapor, de um lado, a criatividade, a originalidade e a aura do objeto único, de outro, a homogeneidade, a repetição e a multiplicação dos artefatos. No entanto, se abrirmos mão do contraponto com a esfera artística, as coisas mudam de figura. A padronização é uma exigência do mercado, porém nada a articula, necessariamente, a uma estratégia propriamente de ‘massa’. Bolsas Gucci, perfumes Dior, roupas Benetton, são produtos tão padronizados como as séries norte-americanas, as telenovelas brasileiras, ou os filmes hollywoodianos. Mesmo a chamada ‘alta-costura’, quando se transforma em ‘prêt-à-porter’, não escapa desse destino. Os modelos, considerados como ‘únicos’, ‘obras de arte’ de costureiros talentosos, ao invadir as lojas sofisticadas, já não mais possuem o valor aurático que insistem em alardear. A ‘grife’ nada mais é do

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que uma marca, o padrão de uma determinada vestimenta no mercado.2 Padronização significa um formato adequado à multiplicação industrial. Os publicitários e os executivos do marketing global sabem disso perfeitamente. Eles não pretendem vender seus produtos para todas as pessoas do planeta; interessa-lhes conquistar segmentos mundializados de consumo.” (Ortiz, 2000: 123)

Os indivíduos, através dos objetos consumidos, de alguma maneira exprimem seu gosto e sua condição social. É preciso disponibilidade financeira e cultural para consumir este ou aquele produto. Há nos rótulos mais do que a marca e as informações do produto, há um sobrevalor simbólico que as grifes incorporam e que as distinguem das outras mercadorias. Como a religião, o consumo possui um universo capaz de modelar as práticas cotidianas, significando e simbolizando imagens comungadas pela interação social. A publicidade não tem o compromisso de educar, de passar um conteúdo além do produto que deseja representar e vender; porém, educa, na medida em que se utiliza dos conteúdos e informações da vida corrente e da história como material de seu trabalho. Como ocorre com teatros, cinemas, galerias e museus. A propaganda quer atingir um determinado público e deve, para isso, conhecer e se reconhecer nesse público. Assim é também com programas de rádio, TV, revistas e jornais, quando comunicam suas imagens e textos. A mídia, ao simular seu público, colabora para um sentido social e coletivo, contribui para fragmentar, mas também para superar a fragmentação da vida contemporânea, por coordenar as múltiplas temporalidades dos diferentes espectadores. É evidente que a forma com que os meios de comunicação educam são muito diferentes das estratégias e procedimentos da escola, não só porque têm objetivos distintos, como também envolvem estruturas de funcionamento, tempo de elaboração e recepção 2. Sobre este assunto há um texto histórico, escrito por Pierre Bourdieu em 1974, chamado “O Costureiro e sua Grife: contribuição para uma teoria da magia”. In: A Produção da Crença. São Paulo, Zouk, 2002.

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distintos. Mas o fato é que a realidade é contaminada pela mídia, e essa relação afetual com cada indivíduo é inevitável, contínua e deve ser incorporada na educação. O ensino não é pior porque é tradicional, nem é melhor por ser interativo, lúdico ou virtual. Não há um modo fixo de aprendizagem, e é preciso que a consciência dessa diversidade faça parte da educação. Será que os professores têm consciência da diversidade de culturas, ideologias, modos de vida e interesses de seus alunos? Será que têm consciência dos choques culturais e dos conflitos interpessoais que estão envolvidos? Aqueles que não sabem disso morreram para a educação, mas continuam dando suas aulas, incomodados com as revistas que circulam na sala, os celulares e jogos eletrônicos que interrompem a matéria, as músicas, gestos e gírias que interferem na linguagem e na programação, preparadas no começo do ano. A educação, levando em consideração as atitudes e “problemas” encontrados ainda em muitas escolas, ainda não incorporou a ordem e a desordem contemporânea em sua atuação diária, permanecendo na espera por uma sociedade linda, limpa e educada. “Uma criança que rejeita a violência, que respeita os livros, que cumprimenta educadamente e sempre tem as mãos limpas será mais apreciada do que aquela que, com iguais dificuldades, agride os outros, diz palavrões, masca chiclete, cheira mal, destrói disfarçadamente as plantas do professor ou acaba abertamente com suas profissões de fé ecológicas em nome do ‘sacrossanto carrão’. A distância não é apenas social e cultural. Também é uma questão de personalidade e de afinidade. Muitas vezes, o que atribuímos ao caráter está enraizado em valores e hábitos familiares, em uma cultura no sentido mais amplo. Via de regra, simpatizamos apenas com aqueles que compartilham nossa sensibilidade, nossos valores, nossa visão de mundo.” (Perrenoud, 2001: 57)

Não se trata de resignação, mas de aprender que para coexistir, comunicar, trabalhar com os outros, é necessário enfrentar a diferença e, muitas vezes, o conflito. O discurso didático antiquado fecha os olhos à heterogeneidade dos alunos, criando uma política genérica distante e incapaz de “segurar” as diferenças de atitudes, linguagens e aprendizado.

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Essas diferenças não devem ser sancionadas conforme um código preestabelecido, mas dar lugar a um discurso interpretativo, individual, que tenta conferir sentido a cada conduta, em função de cada aluno. A pedagogia da vida deve ser pensada como uma organização flexível, flutuante, desenvolvida em cada caso, com limites ambíguos, sem uma separação clara entre trabalho e jogo, entre o que se refere ao grupo e a cada um. No processo de aprendizagem, deve-se levar em conta essas “diferenças” entre o professor – pensando aqui o educador no sentido mais amplo, e não necessariamente aquele formado para trabalhar na sala de aula –, os grupos envolvidos, seus conhecimentos e lacunas, seus habitus, seus interesses, suas propostas e projetos; assim como o ambiente próximo, os lugares, o bairro e seus moradores, suas atividades, instituições e profissões, incluindo as notícias ou experiências diretas dos acontecimentos, grandes ou pequenos, que afetam o mundo, o país, a cidade, a escola, a turma ou uma pessoa em particular. Também é importante considerar os equipamentos e os materiais disponíveis para que as atividades possam ser realizadas, somadas às informações que o professor e os alunos detêm, seus capitais culturais. A verdade é que a maioria das pessoas não tem mais medo “da influência da mídia”. Todos sabem que ela está presente na construção dos costumes e necessidades individuais, tão presente quanto os automóveis, sons e cores das cidades contemporâneas. Os objetos veiculados nos comerciais de TV, anúncios e imagens de rótulos, jornais e revistas são utilizados diversificadamente, de acordo com o capital cultural de cada indivíduo que atua no campo social. A quantidade de informação que recebe, o nível de conhecimento do código, sua condição social, o grupo no qual está inserido, são alguns dos fatores que transformam o produto oferecido em bem pessoal de consumo. A educação deve entrar, junto com a televisão, o rádio, o museu, o outdoor e o shopping, no fluxo da vida cotidiana. A arte deve sair, junto com a educação, da redoma que tenta conservar sua aura original,

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desprendida do mundo, arraigada à concepção clássica de sagrado. Está muito claro que não há um “ambiente ideal” da arte, que permita uma recepção única das informações envolvidas na observação. Não há lugar sagrado. Porque não existe este lugar asséptico do museu, da galeria de arte, do cubo branco exterior ao contexto do mundo; não existe isenção, linearidade, interpretação única, nem modelos fixos de percepção. O pensamento racional – ao ignorar que a arte não é simplesmente fruto da genialidade de um indivíduo, mas dele no conjunto da sociedade, com seu modo de vida, suas relações com o entorno, somados ao contexto da época – construiu templos de adoração que a pós-modernidade relativizou. Há lugar para um outro artista, além daquele com o “dom” e os “poderes sobrenaturais da inspiração”, ensimesmado em questões que desconsideram o mundo à sua volta. A concepção de artista é construída de acordo com as operações de cada campo, momento e lugar.3 Qual a função e o lugar para a arte sagrada que escolhe seu público? As balanças de poder não possuem mais o desequilíbrio dos tempos passados, em que a posse econômica ditava a hierarquia, agora ela pende conforme o uso das estratégias e instrumentos daquele que possuir a informação e souber o que fazer com ela. O “ambiente ideal” deu lugar à multiplicidade de tempos e espaços, a aura deu lugar à produção em massa e a fugacidade do objeto descartável, as regras da arte deram lugar às possibilidades da arte, que são muitas e dependem de quem as produz, de quem as divulga e de quem as vê. O processo artístico teve de enfrentar e se adaptar às novas exigências da comunicação. O pedestal de mármore foi substituído pelo suporte da mídia. O marketing, a publicidade e a internet são, cada vez mais, instrumentos de informação e educação para a arte. A divulgação da 3. Os artistas compreendem que suas produções pós-modernas somente se articulam mediante seu relacionamento com os críticos e com o mercado. Nesse sentido podemos constatar que os críticos nunca desempenharam um papel tão importante como na pós-modernidade – termo, aliás, criado por eles próprios.

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“A arte carece propriamente de função, na medida em que essa categoria se confunda com seu significado lógico, pragmático ou instrumental. Metaforicamente falando, sua função seria a de uma experiência do mundo, da beleza ou das esperanças de felicidade que, funcionalmente falando, não implicam função alguma. Daí o paradoxal valor da arte. Sua infuncionalidade, do ponto de vista dos valores dominantes da civilização, convertem seu universo de formas e cores, de tonalidades musicais e descrições poéticas no mais insignificante. (...) E, não obstante sua insignificância quanto ao seu conteúdo, ao caráter ilusório de suas vivências ou à afirmação de um reino de felicidade ou de beleza, sabemos que a arte possui algum valor. Este valor só pode residir, então, em seu caráter de simulacro, no significado abstrato, extrínseco e midial de ‘obra de arte’, que o objeto intrinsecamente mais indiferenciado pode adquirir, na medida em que se distinguir institucionalmente como tal: pelo fato de ocupar um espaço nas salas de um museu, de que a crítica o defina e o exalte como tal arte, e de que adquira por essa simples razão um significado mercantil em termos de valor de troca. Sem dúvida, nesse caso, do mesmo modo que no milagre sacramental ou no fetichismo da mercadoria, o significado transcendente da obra de arte e sua tradução racional em seu valor monetário se apóiam num conteúdo intrínseco e objetivo da obra de arte, como podem ser suas eventuais qualidades estéticas, sua importância histórica, suas qualidades específicas e irredutíveis ligadas ao espaço e ao tempo, à individualidade concreta de seu autor, à própria história de que o objeto artístico é portador” (Subirats, 1989: 152-153).

obra exposta é parte constitutiva dessa obra, tanto quanto o pincel e a tinta. O artista quando produz sabe que seu trabalho passa por uma série de estágios: elaboração, reflexão, preparo do material... e que, após o trabalho de atelier, o percurso que sua obra fará nos meios de

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difusão cultural faz também parte dessa produção, sem o qual esta “não existiria”. Sem a divulgação, circulação e exposição, a obra não existe. Essa é uma constatação bastante pertinente – e bastante antiga – se for possível imaginar, por exemplo, as inúmeras esculturas que Michelangelo “não esculpiu”, por não terem sido encomendadas, pagas ou vistas – há o exemplo concreto do Colosso, de Leonardo da Vinci, imensa escultura de bronze, que sofreu sucessivos problemas políticos e financeiros até seu arquivamento definitivo; ou a tela A Execução dos Pazzi, de Sandro Botticelli, destruída oficialmente pela Igreja em 1494, hoje sem qualquer valor de análise, pois não pôde ser vista por ninguém mais que seus contemporâneos. E como lamentar as “excelentes obras” dos “excelentes artistas” que nunca foram mostradas, discutidas e registradas ao longo da História? Simplesmente não existem, porque não configuram nos documentos e livros da História da Arte. A divulgação faz parte da obra, assim como o público que a vê. Numa metáfora, poder-se-ia dizer que o artista e o público estão cada um em uma ponta de uma corda: a obra, o mercado, os intermediários, os museus, a beleza e a fealdade estão todos aderidos no caminho entre um e outro. Certamente, é nessa corda que a aprendizagem se dá. Mais ou menos estendida, a corda, através da grande quantidade de pequenos cordões que a constitui, conduz entrelaçadamente a uma ponta ou à outra. É a comunicação como percurso. Relação que se refere ao complexus, “o que está junto; é o tecido formado por diferentes fios que se transformaram numa só coisa” (Morin, 1998: 188). Uma outra imagem poderia ser acrescida: o cabo de telefone, feito de minúsculos filamentos, que leva e traz informações e pulsos de uma extremidade a outra. Essa pulsão é a energia do artista, é o argumento do publicitário e o interesse e o prazer do espectador. “As leis que regem a recepção das obras de arte constituem um caso particular das leis da difusão cultural: seja qual for a natureza da mensagem, profecia religiosa, discurso político, imagem publicitária,

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objeto técnico, etc., a recepção depende dos esquemas de percepção, de pensamento e de apreciação dos receptores, de modo que, em uma sociedade diferenciada, uma estreita relação se estabelece entre a natureza e a qualidade das informações fornecidas, por um lado, e, por outro, a estrutura do público.” (Bourdieu, 2003: 115)

É certo que, quando as massas foram convidadas à participação, muitas das distâncias permaneceram, mas também muitas das regras da arte mudaram. A obra de arte não é mais algo exclusivo dos museus e galerias, mas parte da visão de mundo do artista, dos agentes e instrumentos que intermediam a produção desse artista, e dos que participam da fruição dessa produção. Quando se aprecia uma obra de arte, a fruição está diretamente ligada a esse conjunto; ao habitus de quem a vê, mas também ao histórico social que a obra adquiriu até ali. É, portanto, uma somatória de elementos que compõem a obra: quem a fez (quando, onde e como) e quem a viu (quando, onde e como). Abertura contemporânea: a arte pode estar em toda parte, na paisagem da cidade, na mistura lúdica de códigos, nos anúncios e imagens dos meios de comunicação. Uma obra é produto dos instrumentos de percepção de determinada época. “A informação não é um dado, mas um processo diretamente relacionado com o repertório de informações já armazenado pelo próprio indivíduo a partir das experiências pregressas e a partir de uma atuação relacional que ocorre entre aquele repertório e a nova informação ou desafio de conhecimento e aprendizagem. Essa atividade relacional constitui uma das questões fundamentais para os estudos da linguagem.” (Ferrara, 2000: 94)

Sobre a linguagem, retomemos melhor a questão da escrita, suas fronteiras de entendimento, exclusão ou aproximação, e sua relação com a percepção. Pois, em se tratando da educação para a arte, há algo importante que deve ser considerado, conseqüência da forte transformação nos processos comunicacionais, da ampla proliferação da televisão nas várias faixas econômicas da sociedade e da maior liberdade no jornalismo impresso: a relação íntima, cada vez mais forte, que a linguagem estabelece entre textos e imagens. Está nessa relação a

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dinâmica educativa que os conteúdos da arte promovem, através dos mais variados suportes da pós-modernidade – quando o texto vira imagem, quando a imagem vira texto, quando ambos co-existem na leitura que se faz deles. Os jornais, por exemplo, passaram a tratar as caixas de texto também como imagens, conferindo-lhes valores e relações muito além do conteúdo escrito; as fotografias, ao mesmo tempo, tornaram-se complementares, e não mais suplementares, do texto impresso, fazendo o papel de um segundo texto. A descrição e a narração “são formas de percepção da realidade como produção dos significados que a informam; esses significados não estão na realidade, mas são produzidos conforme o processo compositivo e sintático que os estruturam” (Ferrara, 2000: 61). Há também a questão da visibilidade, da iconografia e da experiência como um modo da memória construir a imagem de seu passado e sustentar e justificar o presente e sua identidade. Memória, experiência e aprendizagem formam a tríade que legitima o espaço como lugar significativo, recuperável pela narração que procura discernir, no geral e no banal, os traços que justificam o contar. Porém, a questão não está em explicar ou ilustrar o passado, mas em recuperá-lo através de palavras ou imagens. G. Dorfles vai encontrar na atividade “imaginífica”, como ele chama, uma melhor forma de recuperar algumas formulações inconscientes ou pré-conscientes do indivíduo, de modo muito mais eficiente do que na atividade verbal, que muitas vezes deforma e altera o que poderiam ser os indícios de uma revelação narrativa genuína. Ele crê que o discurso verbal, por estar inevitavelmente preso à sintaxe e à análise descritiva, limita o discurso visual (ou visivo), provocado pela grande distorção entre o pensamento por imagens e sua definição e análise, que geralmente são desenvolvidas com base em argumentações exclusivamente verbais (Dorfles, 1986: 43). Mas Dorfles sabe que a questão é mais complicada do que parece, pois o próprio discurso visual processado no indivíduo é construído pelo pensamento, ou seja, pelo discurso verbal.

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“O nosso pensamento falado (inner speech) e já distinto em precisos vocábulos agitados na nossa mente, demonstraria a existência de um estágio pré-gramatical, pré-sintático, mas todavia ‘alfabetizado’ (se assim o podemos definir), que apresentaria uma precisa seqüência fonemática e sintagmática, sem as quais não se poderia verificar nenhuma efetiva operação poética.” (Dorfles, 1986: 45)

Portanto, numa luta pela preponderância do meio de representação visual ou do meio de representação verbal a vitória acaba sempre do último. Mesmo num universo contemporâneo intensamente imagético, mesmo numa sociedade pautada pela construção simbólica do real, da metáfora, o cerne estrutural de composição narrativa é verbal. “O mundo não é admissível senão quando pensado; é, na melhor das hipóteses, uma imagem refletida do cérebro humano.” (Maffesoli, 1998: 34) Há um valor simbólico que provavelmente precede e prepara o significado verbal, mas, para pensá-lo, o indivíduo necessita dos códigos sintáticos de sua própria língua, seu idioma, e acaba por nunca realmente atingi-lo, senão representativamente. Sem dúvida, não é uma divisão clara, por não haver um modo direto de se chegar à imagem sem a sintaxe da linguagem que o pensamento utiliza, nem um modo menos figurativo (gráfico, caligráfico) de se chegar à palavra. A internet é um bom exemplo: disponibiliza uma quantidade infinita de imagens, mas absolutamente atreladas aos textos, hipertextos, palavras e botões necessários para o funcionamento do sistema. Com a internet, nunca se leu tanto: textos e imagens indissociáveis. Mas, certamente, é através do pensamento visivo que se constitui o verdadeiro ponto de união entre o inconsciente e a matriz figurativa. Essa união quase sempre acontece na forma simbólica e/ou mítica. Os processos artísticos e comunicacionais contemporâneos perpassam entre o escrever e o mostrar. Algumas vezes o discurso verbal só existe para ilustrar a imagem – como é o caso das descrições e análises de obras de arte – ou o discurso visual é criado apenas como ilustração do texto. É importante saber se há um acréscimo simbólico

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De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.

ou semântico de um ou outro, do contrário a imagem ou o texto se tornam desprovidos de valor. Dentre os inúmeros modos de informação, pensemos no caráter de representação e duplicação da realidade da metáfora.4 Princípio básico da criação artística, através da metáfora “é possível aumentar o elemento cognitivo oferecido pela habitual linguagem comum para além daqueles conceitos que a mera racionalidade de uma linguagem consegue arrastar. Mas este enriquecimento do significado de um enunciado através da figuração retórica, através deste suplemento de imaginário, não é devido, como geralmente se afirma, à analogia entre os dois termos da metáfora (forma e conteúdo), mas antes pela diferença, pelo desvio, pela assimetria, que se estabeleceu entre eles. Quando se afirma – como é lógico – que a metáfora age por similaridade (...); que a imagem, da qual a metáfora é a encarnação, põe em evidência a similaridade entre dois objetos (duas situações, dois acontecimentos), transcura-se do evidenciar precisamente o processo oposto: isto é, o fato que, se uma diferença profunda, um desvio considerável, não existe entre – suponhamos – ‘perna de mesa’ e ‘perna humana’ não merecia a pena nem sequer recorrer a uma figura retórica para exprimir tal semelhança. Por outras palavras: a similaridade existe, obrigatoriamente, mas exatamente porque a imensa diferença, a assimetria, entre os dois elementos postos em confronto a torna apreciável. (...) Eis, então, que tanto a metáfora quanto a metonímia sublinham e apropriam-se do desvio que se estabeleceu

4. Como definia Aristóteles, dar a uma coisa um nome que pertence à outra.

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entre os dois elementos e valem-se disso não só com um fim estético (poético) mas também gnoseológico” (Dorfles, 1986: 91).

A metáfora estabelece uma comparação exclusivamente simbólica entre os dois setores representados. Esse universo metafórico é eminentemente imagético, ou imaginal – incluindo aqui o discurso verbal também como “imagem” –, principalmente se forem levadas em consideração a publicidade e a semiótica. A imagem, portanto, é a configuração da metáfora. “O primeiro e mais importante traço distintivo da imagem, em relação às demais produções significantes, diz respeito à sua iconicidade, isto é, àquele tipo de representação que exige, nos processos de emissão e recepção comunicativa, uma complexa operação associativa que elabora uma comparação, não apenas entre elementos, objetos, fatos, situações concretamente comparáveis, mas como uma realidade outra, produzida pela mente que compara. Essa iconicidade não é própria ou necessariamente figurativa, mas diz respeito a um modo de produzir conhecimento.” (Ferrara, 2000: 57)

O pensamento orgânico é o substrato que assegura a perduração societal, o estabelecimento de relações sensíveis da parte com o todo, e do todo com a parte. O indivíduo se dá conta que não é uno, nem indivisível, mas múltiplo, formado pelo conjunto da vida social. A compreensão dessa dinâmica possibilita uma maior apreensão da vida, uma maior fruição do entorno e uma ampliação no conceito de educação. É o aprendizado sobre o aprendizado. A construção e o uso contínuo da imagem – como texto, como pensamento ou como elemento da percepção – garantem a produção simbólica da sociedade: a cultura. É na união entre imaginário e imagem que há o jogo que opera e transforma a leitura entre o verbal e o não-verbal. A imagem não é necessariamente produto do imaginário, mas ambos se constroem mutuamente e se reconhecem à medida que se concretizam. Um depende da existência do outro: confere-se o imaginário pela imagem e vice-versa. São manifestações de dupla mão, correspondem à capacidade cognitiva

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do homem em produzir informação em todas as suas relações sociais; nos dois casos, produz-se informação, mas de modo diverso. “Quando falamos, nada sabemos sobre todas as imagens que acompanham o discurso do outro, seus silêncios, e o outro tampouco sabe mais sobre as imagens que emergem de nossas palavras.” (Jeudy, 1990: 41) É preciso compreender que os universos verbal e icônico não são fungíveis ou reversíveis. Na conversão de um ao outro, algo se perde e algo se ganha, daí resultando numa contínua transformação do significado em busca do significado (Pignatari, 1995: 77). Nessa medida, tal diferença é bastante positiva, porque formula novas significações cada vez que a imagem ou o texto são “acessados”, tornando, assim, o espaço de leitura um campo ativo. “Toda escrita está infestada de espaços em branco, silêncios, interstícios, nos quais se espera que o leitor produza sentidos inéditos. (...) Mas o fundamental é que se reconheça a assimetria entre emissão e recepção, e se veja nessa assimetria a possibilidade de ler e olhar a arte.” (Canclini, 1998: 150-151)

Essa assimetria não é só entre texto e leitor, mas também entre os membros do campo artístico, as diferenças entre artistas, difusores e público, que trarão capacidades diferentes de interpretação e julgamento. Vale citar aqui o exemplo de Troubetzkoy, que Bourdieu utiliza para explicar as dificuldades de interpretação, conforme as diferenças no código de culturas diferentes: “‘A métrica russa, observa N. S. Troubetzkoy, é construída a partir da alternância regular entre sílabas acentuadas e sílabas inacentuadas – aquelas são longas, enquanto estas são breves. O fim das palavras pode ocorrer em qualquer lugar do verso e o agrupamento sempre irregular desses fins de palavras serve para animar e variar as estruturas do verso. O verso tcheco assenta em uma distribuição irregular do fim das palavras, de modo que cada início de palavra é sublinhado por um reforço da voz: pelo contrário, as sílabas breves e as sílabas longas estão distribuídas de forma irregular no verso e seu agrupamento livre serve para anima-lo. Ao ouvir um poema russo, um tcheco considera sua métrica como quantitativa e todo o poema como bastante monótono; pelo contrário, ao ouvir um poema tcheco, pela

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primeira vez, um russo fica, em geral, completamente desorientado e desprovido de condições para identificar a métrica a partir da qual o poema foi composto.’ Aqueles para quem as obras de cultura erudita falam uma língua estrangeira estão condenados a importar, em seu exercício de percepção e apreciação da obra de arte, categorias e valores que organizam sua percepção cotidiana e orientam seus juízos práticos” (Bourdieu, 2003: 81-82).

A legibilidade de uma obra de arte pelo espectador depende da diferença entre o nível de emissão – o código e os instrumentos utilizados – e o nível de recepção – o entendimento do código exigido pela obra. Podemos citar aqui Davidson, a respeito da comunicabilidade e da linguagem: “quando dois indivíduos se encontram, um verifica que o outro produz um conjunto de sinais e de ruídos, e, na medida em que ele próprio faz o mesmo, é levado a pensar que o outro ser é dotado de crenças e desejos, e que a melhor maneira de com ele se entender é ajustar tanto quanto possível os seus sinais e ruídos com os sinais e ruídos que lhe vêm do outro (Apud Coelho, 1991: 5)”.

Comunicação e linguagem se constroem na somatória e na subtração das diferenças e semelhanças do espaço entre uma e outra, na dimensão intervalar existente entre elas. A transformação dos instrumentos de produção precede a transformação dos instrumentos de percepção.5 “Aquilo riscado no papel não é uma árvore, uma montanha, ou uma casinha, não é realmente o papai, meu animal preferido, ou meu time do coração; é o produto de um exercício de construção imaginativa e interpretativa, perto ou distante do mundo real, mas sem dúvida sua representação. Conforme crescemos, aprendemos que é errado aproximarmo-nos desse universo criativo, das armadilhas da inexatidão, da experiência, do erro, porque devemos buscar sempre o ‘certo’, o absoluto, o numérico, o que é fixo e exato. E então, o desenho da árvore deve, de fato, ser uma árvore, e papai deve parecer-se com papai, e o brasão do time ser o próprio time – sem ninguém dar-se conta de quão irreal e subjetiva são as manifestações desse pensamento.” (Dias, 2002: 104) 5. É autoritário pensar que as interpretações dos receptores devem coincidir inteiramente com o sentido proposto pelo emissor. Devemos aceitar que a interpretação artística funciona como a filosofia: um exercício de leitura particular, reflexivo, orgânico e relativo.

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A dimensão intervalar “não é um vazio, mas a distância entre o mais e o menos”, preenchida pela tensão que se instaura entre o que diz a obra e o que o leitor é capaz de dizer após a leitura. “O que se lê, antes de mais nada, é a articulação: o intervalo entre a linguagem ficcional [grifo meu] e os valores que ela necessariamente põe em questão.” (Barbosa, 1990: 29)6 Perceber a existência desse espaço na leitura entre obra e público é de grande valia para a compreensão das variadas interpretações e recortes que podem ser feitos entre os significados (históricos, sociais, psicológicos) da produção simbólica da arte e os modos de sua textualização. A questão repousa na interpretação, no modo de ver. “Analisar a arte já não é analisar apenas obras, mas as condições textuais e extratextuais, estéticas e sociais, em que a interação entre os membros do campo gera e renova o sentido.” (Canclini, 1998: 151) O texto é construído, então, pela própria intervenção do leitor, ao significar a leitura que faz dele. Nos variados estágios de compreensão, cada indivíduo apreende e codifica de modo particular sua significação. “Metade da arte narrativa está em evitar explicações (...). O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio atinge a amplitude que não existe na informação.” (Benjamin, 1985: 203)

A imagem se constitui na sua própria leitura – do sensível ao inteligível –, nasce e amplia-se na arquitetura da percepção cotidiana. Marcel Duchamp dizia que aqueles que olham é que fazem os quadros. O sentido da obra não está na materialidade visual da imagem, mas naquele que se ocupa dela. Maffesoli vai afirmar que “a contemplação é uma forma de criação” (1998: 15), e assim mostrar que a imagem está absolutamente indissociada da percepção social,

6. Para tratar do espaço existente entre a produção e recepção artística, tomo emprestado a noção de dimensão intervalar, que João Alexandre Barbosa utiliza na ficção literária. Aqui, utilizo-me do termo por pensar a obra de arte também como linguagem ficcional, ou seja, linguagem simbólica reformulada a partir de uma realidade proposta.

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das construções significativas do olhar, no chamado mundo imaginal. Mundo de imagens constituído pelas experiências individuais, somadas (e multiplicadas) às experiências dos outros, através das múltiplas e constantes informações, múltiplas e constantes vivências. Eis a educação. Eis a importância da percepção da imagem e da percepção artística, fundamentais para a leitura do mundo e para indicar caminhos à educação. A arte como abertura para uma educação sensível, percorrida no fluxo da vida cotidiana. Tudo “o que é objeto para o olhar pode desde logo se impor no âmbito de um quadro. A interpretação como estética converteu-se na simples atividade de produção das imagens de uma realidade tomada como objeto. As práticas cotidianas, as formas da troca podem alinhar-se na ordem ideal de uma estética generalizada. Ao observar e analisar os fenômenos sociais com este olho de descritor e do decodificador, a interpretação arrisca-se a transformar as ações humanas em figuras de estilo. Quanto mais se considera a sociedade como uma vasta cena de teatro, mais é fácil demonstrar as manifestações estéticas dos papéis dos atores e dos efeitos de massa. Esta ‘estetização’ da vida cotidiana surge como o prolongamento da ‘sociedade do espetáculo’ na sua forma idealizada e positivizada. Ela neutraliza, por um movimento de musealização do cotidiano, tudo o que se processa nas relações humanas e soçobra nos avatares de uma produção ilusionista da vida comunitária” (Jeudy, 1990: 118).

Na produção e difusão múltipla da imagem na vida corrente, a diluição da hierarquia cultural consensual tem mostrado que a arte (a cultura popular e erudita) pode ser tudo, qualquer coisa. E tudo pode ser arte, na medida em que for eleita como tal. O valor da arte não é imanente – como se acreditou por muito tempo –, mas produção cultural simbólica. Um quadro caucasiano ou um texto russo podem não significar nada para aquele que não dominar seus códigos, não conhecer a passagem correta para suas leituras; conseqüentemente, seu olhar será diferente daquele que sabe seu valor, ou melhor dizendo, domina o código, conhece sua história e pode ver na obra esse valor. Do contrário, a arte pode passar como simplesmente “interessante”, “pitoresca” ou “diferente” e ser vista como algo semelhante a algumas

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experiências de assistir à televisão, em que a vulgarização do sagrado, através da justaposição aleatória de informações, modifica o conteúdo do que está sendo visto, sem configurar exatamente um juízo de valor. Quando alguém diz que uma obra de arte é “interessante”, está dizendo que aquilo a sua frente significa nada ou muito pouco em relação ao que ela espera de uma “verdadeira obra de arte”. A “verdadeira obra de arte” tem aura, é original, autêntica, bonita... é sagrada, deve, portanto, ser mantida e exposta em lugar adequado, para um público adequado, relacionado a tudo o que se diz da Arte ao longo da História. O “interessante” e o “pitoresco” revelam o distanciamento existente entre o objeto e quem o está vendo, revelam o descontentamento pela quebra da expectativa do familiarizado, do agradável, do palatável, mas, principalmente, do compreensível. A percepção é um elemento fundamental ao gosto, e não é à toa que a mídia interfere tanto na eleição do que é ou não de valor. Mas será que os agentes culturais se transformam em simples intérpretes do exótico e do banal? É o completo fim do sagrado? Não necessariamente: alguns espetáculos televisivos, como funerais, concertos de rock, eleições, campeonatos de futebol e jogos olímpicos, por exemplo, podem inclusive intensificar o sentido de sagrado,7 pois a televisão trouxe consigo a consciência do simulacro, da virtualidade, mas manteve instrumentos para a fabricação de tradições, cultos e conexões transnacionais. A televisão e os meios de comunicação em geral destruíram a hegemonia da sacralização ortodoxa em nome de uma religião de práticas sociais que criam e recriam símbolos sagrados no tempo e na efemeridade de um clic. Porém, estão iludidos aqueles que pensam que os meios de comunicação controlam a realidade, pois desconsideram outros fatores, como o trabalho, a escola e a família. A idéia de que a cultura midiática regula totalmente o consumo desconsidera o 7. Os telespectadores participam ativamente da ritualização se vestindo, muitas vezes, de maneira especial.

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comportamento dos consumidores e as desigualdades econômicas e culturais que limitam tais ações. Na maioria das vezes, as pessoas sabem a diferença entre as coisas, os produtos e a realidade. Sabem também qual a sua própria realidade. Não se deve pensar o público como uma massa culturalmente dopada, subestimar sua formação,8 nem cair na celebração de sua liberdade total de escolha. E, para que haja diálogo entre o texto e o público, é preciso levar em consideração as formas culturais que resumem as interações e interesses dos produtores – seus propósitos e suas relações com produtos, patrocinadores, artistas, etc. – e a diversidade de gostos, interesses e linguagens de seu público. A televisão não é o mundo, mas o representa com uma constância e intensidade que justifica seu papel de escola paralela. Perigoso? Sim, a produção de massa traz condicionamentos à sociedade: viver, cozinhar, comer, vestir, casar, morrer. Mas, ao contrário do que se poderia pensar, a televisão não é exatamente um instrumento de educação alienada, que promove a ignorância pela pasteurização da vida em cenas de comerciais de sabão e programas de auditório, não cria gratuitamente um universo massificado para a manipulação exclusiva dos diretores e anunciantes de TV; é preciso considerar também a televisão como um absorvente de informação e cultura, reflexo de uma dinâmica – comercial e modista, não importa – cotidiana da cidade, das famílias, dos shoppings.9

8. Os anunciantes, por exemplo, “definem o público como um conjunto de consumidores e coletam dados sobre seus hábitos de compra porque desejam vender seus produtos. De qualquer modo, uma vez construído dessa maneira, isto é, por meio da combinação do conhecimento e do poder dentro desses discursos, isso não significa que irá se comportar da maneira prevista. O público pode também ser considerado resistência aos poderes discursivos que tentam construí-lo” (Strinati, 1999: 241). 9. Dominic Strinati vai dizer que as massas possuem certa responsabilidade pela cultura que consomem, e que a cultura de massa é determinada pelas preferências das próprias massas (1999: 70), chegando a afirmar que “o público é, de certa forma, tão poderoso quanto os produtores de cultura popular” (idem: 59).

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“Nossa relação com o mundo exterior passa não apenas pelas mídias informacionais, mas também por nossos sistemas de idéias, que recebem, filtram, fazem uma triagem daquilo que as mídias nos trazem. Em relação às coisas sobre as quais não temos opinião formada ou preconceito, somos extremamente suscetíveis às informações.” (Morin, 1986: 43)

Processa-se, portanto, uma espécie de sistema circular contínuo, em que os agentes culturais produzem o que o público produz daquilo que recebe daqueles que produzem... Conversar, assistir, trabalhar, consumir, transar, são atividades exercidas na difusão dos meios de comunicação e filtradas diversificadamente, conforme o habitus de classe específico de cada um. Os modos de recepção da informação são tão diversos quanto sua difusão. Em educação, trata-se, portanto, de entender que “é impossível fazer repousar todas as coisas sobre uma discriminação estrita, e que, em seus diversos aspectos, a vida é um movimento perpétuo onde se exprime a união dos contrários” (Maffesoli, 1998: 30), de modo que, pensando com Deleuze, pode-se dizer que “conhecer não é explicar, elucidar, mas interpretar – atividade contínua, inacabada, voltada não sobre o significado das coisas, mas para a ação de inscrever signos. Aprender, por exemplo, implica estabelecer familiaridade prática com os signos, com o heterogêneo; aprender é constituir um espaço de encontro dos signos (...). Emitir signos a serem desenvolvidos no heterogêneo é o que pode fazer toda educação: apoderar-se violentamente desses signos, dominar situações, dar forma, estruturar, impor determinadas relações de força, situa aquele que se educa” (Favaretto, 1991b: 125).

Sob os novos meios de recepção da informação e do conhecimento, foram abertos novos modos de interpretação, novos modos de aprendizagem. Não existem moldes preestabelecidos, nem sistemas fixos e unilaterais. Aprendemos a associar informações de uma outra forma, diretamente ligadas ao universo de imagens que invade nosso cotidiano, numa espécie de nova alfabetização cultural, perpassada por um mundo, ao mesmo tempo, grande e pequeno, local e global.

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Enfrentamos hoje novos processos de produção industrial e eletrônica, de circulação massiva e transnacional e, conseqüentemente, novos tipos de recepção e apropriação. Na medida em que cresce o domínio do homem sobre esses infinitos meios de informação, opera-se uma mudança no próprio homem, e na percepção daquilo que ele produz. A chave, então, está no processo de seleção e interpretação da informação. A educação pode dar essa chave, servir de interface entre o arcabouço cultural do conhecimento teórico e o cotidiano, a pedagogia da vida.

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Conclusão Participar é hoje relacionar-se com uma democracia audiovisual. Néstor Garcia Canclini

Os fatores ligados aos avanços científicos e tecnológicos, à globalização/tribalização das sociedades, à mudança dos processos de produção e suas conseqüências trouxeram novas exigências à reflexão sobre a função da arte na sociedade, nas mediações entre diversos públicos, nos espaços expositivos, nos modos de circulação e, conseqüentemente, na produção de bens simbólicos. O que era cânone da alta cultura foi popularizado e redirecionado para as grandes massas, e vice-versa. De fato, a mídia, com seu transbordamento de informações, mostra que a arte pode não ter função alguma, pode sim transformarse em fast food, em qualquer coisa, feita por qualquer pessoa e exposta em qualquer lugar – assim como qualquer coisa pode transformarse em arte. Mas essa abertura aparentemente anárquica não destrói o valor nem a “religiosidade” do campo da arte, pois estes dependem dos modos de produção e recepção que se operam nesse campo. A arte, a mídia e os grandes e pequenos acontecimentos da vida cotidiana devem ser vistos como movimentos em direção à ocorrência de diferentes modos de construir cultura. Fim das redomas de vidro, a obra do artista deixa de ser neutra, convida à reflexão, ao fluxo da vida, ao jogo, à ação. “A arte é uma atividade plural, múltipla – cultural –, que traz um envolvimento indissociável entre experiências perceptivas, emocionais e intelectuais. O que comumente chamamos de criatividade é a transubstanciação entre os vários modos de percepção, concepção e configuração.” (Dias, 2002: 97)

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No campo da educação, a forte concepção iluminista tem dado lugar a um modo mais híbrido de pensamento, transformando a idéia de unidade do homem e a estrutura apoiada na razão, que orientou a maior parte do pensamento ocidental nos últimos 250 anos, para um homem mais livre, plural, parte de um conjunto fractal da vida pós-moderna. Longe de representar o fim da “missão” educativa – acostumada à exclusão daquilo que não satisfaz seu projeto progressista –, a educação aprendeu a incorporar a diversidade do mundo à sua volta, passando a trabalhar mais próxima da vida corrente, das pessoas que constituem o corpo social, sua coletividade e suas individualidades. Talvez tenha percebido, finalmente, sua verdadeira função: a de estimular sensibilidades que possibilitem a produção e fruição da vida corrente. Gozar a vida no que ela tem de melhor e pior, ter a álea como parceira, constituir e ser constituída pela cultura, pensada como um todo integrado, nas diferentes dimensões da vida social. A ampliação do uso da imagem na mídia, e a necessidade de intensificar as pesquisas relacionadas a esse uso pela “sociedade da informação”, tem fortalecido a arte como área fundamental do conhecimento humano, retirando da matéria de Educação Artística a idéia de simples instrumento ocupacional, para um posto autônomo de linguagem. Tem-se alterada a própria visão da arte, antes vista como uma disciplina separada e sem função pedagógica, agora colocada num posto de interesse acadêmico, em igualdade com a Psicologia, Pedagogia, História, Comunicação Social, Matemática e Filosofia. Também nas galerias e museus, a mídia tem tido um papel fundamental na diluição das fronteiras de distinção social, retirando a arte do universo restrito dos artistas, marchands e colecionadores, de seus templos para iniciados, e livrando-a do preconceito quanto a uma estigmatizada função estética – como

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se, aliás, servisse somente para isso –, para ocupar seu lugar de mediadora entre os códigos estéticos – que Bourdieu chama de inconsciente cultural – e as instituições, processos ideológicos, sociais e materiais. O circuito de arte incorporou a cultura de consumo sem grandes traumas, ao contrário, ganhou com ela novos instrumentos de produção e divulgação, incluindo-se nas posições exigidas pela sociedade midiática. Instituições públicas, ação educativa, centros de cultura, eventos e periódicos especializados adaptaram suas estratégias para esta nova situação, configurando assim um campo específico, porém, interligado às diversas redes da sociedade. A arte ultrapassou o retângulo da tela que a delimitava para se tornar um local social, passando a ser analisada como produção de uma sociedade conjunta. O Monet na toalha de banho, a Santa Ceia de resina vendida no camelô, os filmes cult no encarte da revista feminina, a Mona Lisa no amaciante de roupa... tudo parece fazer parte do jogo do mundo imaginal, onde a visibilidade que Andy Warhol preconizava vale mais que a própria idéia de arte. Na paisagem contemporânea os estilos de vida se formam de maneira mais ativa: a coerência e a unidade dão lugar à exploração lúdica das experiências transitórias. Devemos levar em conta as perturbantes metamorfoses que vieram ao encontro do nosso modo de criar e apreciar, aprender e perceber pelo cotidiano. Ter a capacidade de interagir com as múltiplas ofertas simbólicas que a abertura contemporânea oferece, a partir de posições próprias. Pois todos somos produtores culturais, uma vez que nos entregamos às práticas oferecidas pela sociedade, mas também a alteramos ao longo do fluxo da vida cotidiana. Antropofagia pura, a intensidade de usufruir desse mundo depende, das mais variadas formas, de nosso aprendizado sobre ele, de nossa reflexão e apropriação significativa sobre a experiência vivida.

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Operação cultural transformadora, essa reflexão dota o indivíduo de instrumentos perceptivos e intelectuais necessários para sua relação com o outro, consigo e com o mundo, nesse conjunto fractal em que vivemos. O que dizer da paisagem que olhamos? Que é bela, feia, híbrida, lúdica e cenário no qual atuamos.

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Referências das imagens p. 31 - Rua Conselheiro Nébias, na São Paulo de 1900. Foto da Biblioteca do Museu Paulista. p. 32-33 - Fachada do palacete Elias Chaves, construída entre 1890 e 1899 por Matheus Heussler. Foto do acervo da Biblioteca Nacional. p. 34-35 - Um dos salões do andar térreo do palacete Elias Chaves. Foto do acervo do IBPC/SP. p. 39 - Imagem de pincel Dalí, retirado do catálogo comemorativo Memória Cultural Petrobrás (Flores, 2000). p. 47 - Ensaio fotográfico da inauguração da Galeria Baró Cruz, em São Paulo, 2 jun. 2004. p. 54, 126, 127 e capa - Ejercito en Transito, obra do artista paraguaio Fredi Casco para a III Bienal do Mercosul, 2001. p. 71 - Trapito al sol, obra da artista chilena Manuela Viera-Gallo. p. 72-73 - O banho, instalação da artista gaúcha Zoé Degani realizada na Galeria Zouk em ago. 1999. p. 75 - Mundo cão, obra do artista Eduardo Verderame. p. 78 - Corpo de integrante do MST, de Alexandre Dias Ramos, madeira, saco plástico e 65kg de terra, 44x209x69cm, 2001, coleção particular. p. 81-86 - A signalética da cidade. p. 93 - Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, óleo s/ madeira de álamo, 77x53cm, 1503-5, Paris, Museu do Louvre. p. 94 - Anúncio de revista. Imagem de uma série da agência de publicidade W/ Brasil, em que aparece o garoto-propaganda da marca Bombril caracterizado de personalidades como Mona Lisa, Che Guevara, Silvio Santos e Michael Jackson, entre outros.

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Leia também da Editora Zouk O Amor pela Arte: os museus de arte na Europa e seu público de Pierre Bourdieu e Alain Darbel A Produção da Crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos de Pierre Bourdieu Arte e Literatura na Guerra Civil de Espanha de João Cerqueira Identidades Contemporâneas: criação, educação e política de Paulo Roberto M. de Araújo Blefe: o gozo pós-moderno de Louis L. Kodo De Um Fragmento Ao Outro de Jean Baudrillard Sombra e Luz: o tempo habitado de Beatriz Fétizon O Instante Eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas de Michel Maffesoli A Sombra de Dioniso: contribuição para uma sociologia da orgia de Michel Maffesoli Metamorfopsia da Educação: hiatos de uma aprendizagem real de Alexandre Dias e Rogério de Almeida (orgs.) Crepusculário: conferências sobre mitohermenêutica & educação em Euskadi de Marcos Ferreira Santos Sincretismo Religioso & Ritos Sacrificiais: influências das religiões afro no catolicismo popular brasileiro de José Carlos Pereira Incesto: um fenômeno arquetípico de Regina Biscaro As Vítimas-Algozes: quadros da escravidão de Joaquim Manuel de Macedo Sombras Sem Nome de Lourenço Dreyer

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esta obra foi composta pela editora zouk e impressa pela ferrari editora e artes gråficas em março de 2006

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