Relações Hídricas das Plantas Vasculares

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Apontamentos de Fisiologia Vegetal

As Relações Hídricas EM PLANTAS VASCULARES

Alexandra Rosa da Costa

Universidade de Évora Novembro de 2001 (As figuras 6 a 8 foram alteradas em 2014)



Notas prévias

1. Este trabalho é uma colectânea de apontamentos, sem pretensões a trabalho de revisão bibliográfica sobre o tema. Apenas se foram coligindo e modernizando os apontamentos para as aulas ao longo dos anos de ensino. Assim, por vezes é uma mera tradução de partes de livros, mas que se espera ser útil a alunos de língua portuguesa. 2. O trabalho foi paginado para ser impresso em frente e verso, com margens espelhadas. 3. Para poder melhorar, agradeço que o eventual leitor me envie as suas críticas, sugestões e correcções de erros que possa detectar para: arc@uevora.pt

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As Relações Hídricas

ÍNDICE Página Notas prévias

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1. AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DA ÁGUA 1.1. A estrutura molecular da água 1.2. AS propriedades físicas e químicas da água

1 1

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1.2.1. Estado físico

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1.2.2. Compressibilidade

5

1.2.3. Calor específico

5

1.2.4. Calor latente de vaporização e fusão

5

1.2.5. Maior densidade no estado líquido

6

1.2.6. Viscosidade

6

1.2.7. Adesão e coesão

6

1.2.8. Tensão de superfície

7

1.2.9. Solubilidade

7

1.2.10. A dissociação da água e a escala de pH

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1.3. As funções da água nos vegetais

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1.3.1. Na estrutura

9

1.3.2. No crescimento

9

1.3.3. No transporte

9

1.3.4. No metabolismo

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1.3.5. Outras funções

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1.4. O conceito de potencial hídrico

10

1.4.1. Definição de potencial hídrico

10

1.4.2. Os componentes de potencial hídrico

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1.4.3. As relações hídricas das células vegetais

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1.5. Os processos envolvidos no transporte de água

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1.5.1. A difusão

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1.5.2. O fluxo em massa

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1.5.3. Osmose

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1.6. A absorção de sais minerais pelas raízes 2. O MOVIMENTO DA ÁGUA NO SPAC 2.1. O conceito de SPAC 2.2. A condução da água na planta

25 20 20 24

2.2.1. A condução extrafascicular da água

25

2.2.2 A condução fascicular da água

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2.3. O movimento da água no solo 2.4. O movimento da água do solo para o xilema da raiz

27 29

2.4.1. A entrada da água na raiz

29

2.4.2. O movimento radial radicular da água

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As Relações Hídricas

ÍNDICE (Continuação) Página 2.4.3. Factores que afectam a absorção da água

35

2.4.3.1. Desenvolvimento de pêlos radiculares

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2.4.3.2. Potencial hídrico dos pêlos radiculares

36

2.4.3.3. Temperatura

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2.4.3.4. Oxigénio e dióxido de carbono

36

2.4.3.5. Humidade do solo

36

2.4.3.6. Perfil da vegetação

36

2.5. O movimento ascencional da água

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2.5.1. Características do xilema

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2.5.2. A teoria da coesão-tensão para a ascensão da água

41

2.5.3. A teoria da pressão radicular

45

2.6. As perdas de água pela planta

46

2.6.1. A transpiração

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2.6.1.1. Tipos de transpiração

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2.6.1.2. A importância fisiológica da transpiração

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2.6.1.3. Periodicidade da transpiração nas plantas

50

2.6.1.4. Trajecto do vapor de água da folha para a atmosfera

50

2.6.2. A gutação

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3. A FISIOLOGIA ESTOMÁTICA 3.1. A estrutura dos estomas 3.2. A frequência estomática 3.3. Mecanismo da abertura estomática

53 53 54 56

3.3.1. A função das paredes das células guarda

56

3.3.2. A importância das células vizinhas

57

3.4. Alterações osmóticas das células do complexo estomático 3.4.1. Os solutos das células guarda no movimento estomático 3.4.2. Mecanismos do movimento de solutos para dentro e para fora das células guarda

3.5. Factores que afectam a abertura estomática

58 59 63

64

3.5.1. A concentração em CO2

64

3.5.2. A radiação

65

3.5.3. A temperatura

65

3.5.4. O vento

66

3.5.5. A nutrição

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3.5.6. A humidade 3.5.7. A disponibilidade em água do solo

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ÍNDICE (Continuação) Página 69 69 70

4. O STRESSE DA SECA 4.1. Introdução 4.2. O balanço hídrico 4.2.1. O balanço hídrico enquanto equilíbrio dinâmico

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4.2.2. Indicadores do balanço hídrico

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4.3. Efeitos da seca na fisiologia das plantas

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4.3.1. Alterações no crescimento

74

4.3.2. Alterações na área foliar

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4.3.3. Alterações no sistema radicular

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4.3.4. Alterações na abertura estomática

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4.3.5. Alterações na fotossíntese

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4.3.6. Alterações na translocação de carbohidratos

80

4.3.7. Ajustamento osmótico

80

4.3.8. Resistência à condução da água

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4.3.9. Alterações na cutícula

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4.4. Mecanismos de sobrevivência à seca

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4.4.1. Estratégia de fuga à seca

83

4.4.2. Mecanismos de fuga à dessecação

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4.4.2.1. Aperfeiçoamento da absorção da água

84

4.4.2.2. Aperfeiçoamento na condução da água

85

4.4.2.3. Redução da transpiração

85

4.4.2.4. Suculência

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4.4.3. Mecanismos de tolerância à dessecação

BIBLIOGRAFIA

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As Relações Hídricas

AS RELAÇÕES HÍDRICAS DAS PLANTAS VASCULARES

1. AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DA ÁGUA

A água é uma das substâncias mais comuns e mais importantes na superfície da Terra, foi nela que a vida evoluiu na água e é nela que se processam os principais processos bioquímicos (Larcher, 1995). Os tecidos moles das plantas são constituidos em 90% a 95% por água. Apesar de terem de garantir uma percentagem tão elevada de água no seu corpo as plantas não se podem deslocar para a ir buscar. Assim, a compreensão da forma como as plantas a vão obter, distribuir pelos diferentes tecidos do seu corpo e como a conseguem armazenar é um dos aspectos fundamentais da Fisiologia Vegetal.

1.1. A ESTRUTURA MOLECULAR DA ÁGUA: A importância da água para a vida provém das suas características físicas e químicas que por sua vez resultam da sua estrutura molecular (Kramer e Boyer, 1995). Quando os dois átomos de hidrogénio e o de oxigénio se combinam para formar água há uma partilha dos electrões de valência, aos pares, entre os átomos de hidrogénio e o do oxigénio (figura 1).

Figura 1: Representação esquemática da estrutura da molécula de água onde se podem observar os pares de electrões compartilhados (sombreados), e os pares isolados do oxigénio (chavetas). Retirado de Sutcliffe (1968), figura 2.1, página 6

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As Relações Hídricas Neste tipo de ligação, conhecida como covalente, cada átomo contribui com um electrão; os dois pares de electrões compartilhados que constituiem a ligação são mantidos juntos por ambos os núcleos. As ligações covalentes são muito fortes, e assim, a molécula de água é extremamente estável. A distribuição de cargas eléctricas na molécula de água é assimétrica: os electrões não compartilhados do oxigénio encontram-se num lado, enquanto que os dois núcleos dos átomos de hidrogénio se encontram no outro (figura 1). Desta assimetria resulta um lado da molécula carregada negativamente e o outro lado positivamente, formando o que se chama um dípolo (Larcher, 1995). Como consequência do carácter dipolar da água, o seu lado positivo é atraído por cargas negativas e o seu lado negativo é atraído por cargas positivas. Assim, quando se dissolvem sais em água, aqueles dissociam-se em iões positivos (catiões) e iões negativos (aniões), cada um dos quais se encontra envolvido por uma “concha” de moléculas de água orientadas (figura 2), que são as responsáveis pela separação dos iões em soluções aquosas (Taiz e Zeiger, 1998). A espessura da “concha” depende da intensidade de carga à superfície.

(B)

(A) +

Li

+

+

Na

K

+

Rb

Cs

+

Aumento do peso atómico  Diminuição da densidade de carga  Aumento do raio do ião  (C) Figura 2: A) e B) orientação das moléculas de água em relação a superfícies carregadas; C) dimensões relativas de catiões hidratados, as áreas sombreadas representam a “concha” de moléculas de água que envolve cada ião. Retirado de Sutcliffe (1968), figura 2.3, página 7

2


As Relações Hídricas Outra consequência da elevada polaridade da água é a sua capacidade para formar as chamadas pontes de hidrogénio, isto é, ligações entre átomos electronegativos, como o oxigénio ou o azoto, através dum núcleo de hidrogénio (figura 3). Estas pontes de hidrogénio, ainda que fracas (a sua energia de ligação é pequena, cerca de 20 kJ mol-1, em comparação com a energia da ligação covalente O  H que é de cerca de 450 kJ mol-1 permitem uma certa “estrutura” mesmo na água líquida (Taiz e Zeiger, 1998).

Figura 3: Exemplos de pontes de hidrogénio (linhas ponteadas): a) entre um grupo de átomos AH e outro grupo de átomos B; b) entre duas moléculas de água; c) entre duas moléculas de amónia; d) entre um grupo hidroxilo e uma molécula de água; e) entre um grupo carbonilo e um grupo imino. Retirado de Noggle e Fritz (1976), figura 3, página379

Para além das pontes de hidrogénio existem ainda as chamadas forças de Van der Waals que são forças de atracção molécular ainda mais fracas que as pontes de hidrogénio, cerca de 4.2 kJ mol

–1

. Em moléculas neutras, isto é,

não polares, estas forças resultam do facto dos electrões estarem permanentemente em movimento, de modo que o centro de cargas negativas nem sempre corresponde ao centro de cargas positivas (Kramer e Boyer, 1995). As moléculas de água no estado sólido (gelo) encontram-se dispostas simetricamente numa estrutura em que as pontes de hidrogénio formam uma malha. O átomo de oxigénio de cada molécula de água está rodeado de átomos de hidrogénio de outras moléculas numa disposição tetraédrica, de tal modo que os átomos de oxigénio formam anéis de 6 membros. Esta estrutura é chamada aberta porque o espaço dentro de cada anel é suficiente para acomodar outra molécula de 3


As Relações Hídricas água (figura 4). No estado líquido as pontes de hidrogénio quebram-se e formam-se continuamente por rotação e vibração das moléculas de água, o que causa ruptura e reestruturação da malha com uma grande rapidez, talvez biliões de vezes por segundo. A grande quantidade de pontes de hidrogénio presentes na água no estado líquido, é responsável pelas características únicas e biologicamente importantes da água (Kramer e Boyer, 1995).

Figura 4: Esquema da estrutura “aberta” da água no estado sólido. Retirado de Kramer e Boyer (1995), figura 2.7, página 24

1.2. PROPRIEDADES FÍSICAS E QUÍMICAS DA ÁGUA: 1.2.1. ESTADO FÍSICO: Quanto maior for o peso molecular dum composto, maior é a probabilidade de ser um sólido ou um líquido a uma temperatura de 20 ºC. Quanto menor for o seu peso molecular maior será a probabilidade de ser um líquido ou um gas à mesma temperatura. Para um composto passar do estado sólido para o líquido, ou do líquido para o gasoso, isto é, para quebrar as forças que ligam as suas moléculas umas às outras, é necessário tanto mais energia, quanto mais pesadas forem as moléculas. Por exemplo, o metano (peso molecular, PM = 16), o etano (PM = 30) e o propano (PM = 44), que são hidrocarbonetos de baixo peso molecular, assim como a amónia (PM = 17), e o dióxido de carbono (PM = 44) são todos gases a 20 ºC. No entanto, a

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As Relações Hídricas água (PM = 18) a esta temperatura é um líquido. A explicação para isto é que as pontes de hidrogénio constituem uma força de atracção entre as moléculas de água que é particularmente elevada, inibindo a sua separação e escape na forma de vapor. Por outro lado, os hidrocarbonetos, no estado líquido, têm apenas forças de Van der Waals a ligarem as suas moléculas e, assim, necessitam de pouca energia para as conduzir ao estado gasoso. 1.2.2. COMPRESSIBILIDADE: Para todos os efeitos práticos os líquidos são incompressíveis. Assim, as leis da hidraúlica são aplicáveis aos organismos vivos porque estes são constituídos em grande parte por água. 1.2.3. CALOR ESPECÍFICO: Calor específico é a quantidade de energia necessária para aumentar de 1 ºC, uma unidade de massa duma substância. São necessários 4.184 J para aumentar de 1 ºC um grama de água pura. O calor específico da água pura varia apenas ligeiramente ao longo de toda a gama de temperaturas em que a água se encontra no estado líquido, e é o valor mais alto de todas as substâncias conhecidas, com excepção da amónia líquida (Hopkins, 1995). Este valor tão elevado é devido ao arranjo molecular da água, que permite que os átomos de hidrogénio e oxigénio vibrem livremente, quase como se fossem iões livres. Assim, podem absorver grandes quantidades de energia sem que haja grandes aumentos de temperatura. 1.2.4. CALOR LATENTE DE VAPORIZAÇÃO E DE FUSÃO: São necessários 2 452 J para converter 1 g de água a 20 ºC, a 1 g de vapor de água a 20 ºC. Este calor latente de vaporização, invulgarmente alto, é de novo causado pela tenacidade das pontes de hidrogénio e, assim, da larga quantidade de energia necessária para que uma molécula de água no estado líquido se separe das restantes. Uma consequência deste elevado calor latente de vaporização é que as folhas arrefecem sempre que perdem água por transpiração. Para fundir 1 g de gelo a 0 ºC são necessários 335 J. Este valor é de novo muito elevado e deve-se igualmente às pontes de hidrogénio que existem entre as moléculas de água, embora devido à estrutura aberta do gelo, cada molécula de gelo estabeleça um número menor de pontes de hidrogénio com as moléculas adjacentes (Hopkins, 1995).

5


As Relações Hídricas 1.2.5. MAIOR DENSIDADE NO ESTADO LÍQUIDO: Quando o gelo funde o volume total da água diminui. Isto deve-se a que no estado líquido as moléculas se organizam mais eficientemente que no estado sólido, ficando cada uma rodeada por outras 5 ou 6 moléculas, em oposição ao estado sólido em que, como vimos anteriormente, cada molécula de água está rodeada apenas por 4 outras. O resultado desta diferença de organização é que a água expande-se quando solidifica e, assim, o gelo tem uma densidade menor que a água líquida. Deste modo, durante o Inverno o gelo flutua nos lagos e correntes de água em vez de ir para o fundo, onde poderia permanecer sem derreter durante o Verão seguinte (Kramer e Boyer, 1995).

1.2.6. VISCOSIDADE: A viscosidade dum fluido indica a sua resistência a fluir, isto é, a dificuldade duma camada deslizar ao longo doutra camada. Como as pontes de hidrogénio podem restringir o deslizar de camadas adjacentes de líquidos, a viscosidade da água é relativamente elevada em comparação com solventes que estabeleçam poucas ou nenhumas pontes de hidrogénio, como por exemplo a acetona, o benzeno, e outros solventes orgânicos com moléculas pequenas. O diminuir da viscosidade com o aumentar da temperatura reflecte a quebra das pontes de hidrogénio e também o diminuir de outras forças de atracção, como as de Van der Waals, devido ao aumentar do movimento térmico das moléculas (Kramer e Boyer, 1995). 1.2.7. ADESÃO E COESÃO: Devido à sua polaridade a água é atraída por muitas outras substâncias, ou seja, é capaz de molhar superfícies formadas por essa substância. É o caso das moléculas de proteínas e os polisacáridos das paredes celulares, que são também altamente polares. Esta atracção entre moléculas diferentes é chamada adesão, e é devida às pontes de hidrogénio que se estabelecem entre moléculas. A atracção entre moléculas semelhantes é chamada coesão. São as forças de coesão que conferem à água uma força de tensão invulgarmente elevada, isto é, a tensão máxima que uma coluna ininterrupta de água pode sofrer sem quebrar é extremamente elevada (Hopkins, 1995). Numa coluna de água fina e confinada, como as que existem no xilema dum caule, a força de tensão pode atingir valores muito elevados (cerca de –30 MPa) de modo a que a coluna de água é “puxada” sem quebrar até ao topo de árvores. Este valor representa cerca de 10% da força de 6


As Relações Hídricas tensão do fio de cobre ou de alumínio, o que é de facto considerável (Taiz e Zeiger, 1998). 1.2.8. TENSÃO DE SUPERFÍCIE: É a coesão entre moléculas de água que permite explicar a elevada tensão de superfície deste composto. As moléculas à superfície dum líquido estão continuamente a ser puxadas para o interior do líquido pelas forças de coesão, enquanto que na fase gasosa há menos moléculas que, por isso, estão demasiado distantes para exercer uma força nas que estão à superfície (figura 5). Assim, uma gota de água actua como se estivesse coberta por uma “pele” apertada e elástica. É a tensão de superfície que faz com que uma gota tenha uma forma esférica, e que permite que certos insectos andem sobre a água. A tensão de superfície da água é maior que a da maior parte dos líquidos.

Figura 5: Demonstração esquemática da tensão de superfície. As forças de atracção entre as moléculas de água adjacentes (setas mais espessas) são maiores que entre as moléculas de água e ar (setas mais finas). Esta diferença faz com que as moléculas à superfície tendam a ser puxadas para o interior da água líquida. Retirado de Hopkins (1995), figura 2.3, página 27

1.2.9. SOLUBILIDADE: Uma das características principais da água é a sua capacidade de dissolver quase todas as substâncias em quantidades superiores à maioria dos líquidos. A acção dissolvente da água depende de pelo menos um de três tipos de interacções entre as moléculas de água e as moléculas de solutos: 1. Substâncias não ionizáveis, mas polares: São substâncias que contêm oxigénio ou azoto na forma de grupos  OH,  NH2, a sua solubilização é devida à formação de pontes de hidrogénio entre as suas moléculas e as da água.

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As Relações Hídricas 2. Substâncias ionizáveis: A sua solubilidade deve-se ao carácter dipolar da água que lhe confere uma constante dieléctrica, isto é, a capacidade de neutralizar a atracção entre cargas electricas, muito elevada. Cada ião em solução tem como que uma “concha” de moléculas à sua volta. Esta “concha” actua como um campo de isolamento eléctrico que diminui a força de atracção entre iões com cargas opostas, mantendo-os afastados na solução. 3. Substâncias não polares: Como por exemplo a alanina e outros amino ácidos neutros. Estes compostos dissolvem-se na água por causa das forças de Van der Waals. 1.2.10. A DISSOCIAÇÃO DA ÁGUA E A ESCALA DE pH: Algumas das moléculas de água separam-se em iões hidrogénio (H+) e hidroxilo (OH-) no processo chamado dissociação ou ionização. A tendência para que estes iões se recombinem é uma função da probabilidade para que ocorram colisões entre eles, o que por sua vez depende do número relativo de iões presentes na solução. A lei da acção de massas pode ser expressa matematicamente igualando o produto das concentrações molal (m = moles por quilo de água) a uma constante: H+ . OH- = K Numa solução diluida, as concentrações molal são virtualmente iguais às concentrações molar (M = moles por litro de solução final). A temperaturas próximas dos 20 ºC, K =10-14, e assim, em água pura a concentração quer de H+, quer de OH- é igual a 10-7M. A concentração de iões hidrogénio é expressa por uma escala de pH, em que pH = - log H+. Ou seja, o pH é igual ao valor absoluto da concentração do ião hidrogénio, expresso como um expoente negativo de 10. Por exemplo, quando H+ = 10-4 , então o pH = 4. A neutralidade é expressa por pH = 7 (H+ = OH-); valores abaixo de 7 indicam acidez, e valores acima de 7 indicam alcalinidade. As unidades de pH são múltiplos de 10 numa escala logarítmica, e como tal não podem ser nem adicionados, nem subtraídos. De facto, são necessários 10 vezes menos H+ para mudar o pH duma solução tamponizada de 7 para 6, que de 6 para 5.

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As Relações Hídricas

1.3. AS PRINCIPAIS FUNÇÕES DA ÁGUA NOS VEGETAIS: 1.3.1. NA ESTRUTURA: 1. É a substância mais abundante em plantas em crescimento activo, podendo constituir cerca de 90 % do peso fresco de muitos orgãos. Embora em sementes e em tecidos muito lenhificados possam ter valores muito inferiores: 15 % ou mesmo menos. 2. É o constituinte principal do protoplasma. 3. Forma um meio contínuo através da planta. Devido às suas propriedades (viscosidade, tensão superficial, grandes forças de adesão e coesão) a água penetra na maioria dos espaços capilares, estabelecendo um meio contínuo através das paredes celulósicas e permeando totalmente o corpo da planta. Este volume de água actua como absorvente de calor e permite, em parte, a tamponização da temperatura interna. 4. Permite o desenvolvimento de pressão de turgescência que dá um elevado grau de rigidez ao conteúdo celular e à parede celular envolvente. Nas plantas herbáceas é esta pressão que representa, em parte, o “esqueleto” que fornece suporte aos caules. 5. A entrada e saída de água de certos tecidos ou células é responsável por uma série de micromovimentos nas plantas, como por exemplo nas células guarda dos estomas, e no movimento dos folíolos de Mimosa pudica.

1.3.2. NO CRESCIMENTO: 1. A taxa de crescimento das plantas superiores é mais sensível e a sua resposta mais rápida ao estabelecer duma situação de carência hídrica que a qualquer outro factor ambiental capaz de estabelecer uma situação de “stress”. 2. A fase de elongamento celular depende da absorção de água.

1.3.3. NO TRANSPORTE: 1. Para além de ser o meio onde se processa o transporte de substâncias várias nas plantas, é também o “veículo” de transporte. 2. É o meio através do qual os gâmetas móveis efectuam a fertilização. 3. É um dos meios mais importantes na dissiminação de esporos, frutos, sementes, etc.

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As Relações Hídricas 1.3.4. NO METABOLISMO: 1. Funções relacionadas com a capacidade de dissolver substâncias várias. Por exemplo, os nutrientes minerais entram na planta dissolvidos na água (solução do solo). As substâncias que não formam verdadeiras soluções, como acontece com muitas proteínas, formam sistemas coloidais com água e ao mudarem do estado sol ao gel, contribuem para os movimentos citoplásmicos. O oxigénio e o dióxido de carbono necessários à respiração e à fotossíntese encontram-se dissolvidos na água, dependendo ambos os processos da solubilidade daqueles gases na água. 2. A água é o meio onde se processam várias reacções bioquímicas, muitas das quais dependem, para ocorrer, que os reagentes estejam na forma iónica. Por outro lado, tanto os produtos como os reagentes de muitas reacções difundem-se na água e é graças à sua movimentação de e para os sítios onde ocorrem as reacções que existe uma certa regulação da taxa a que aquelas reacções ocorrem. 3. Fornece os iões H+ e OH- . 4. É um reagente importante, principalmente nas reacções de condensação e hidrólise.

1.3.5. OUTRAS FUNÇÕES: 1. É um dos factores ambientais mais importantes na distribuição dos vegetais na biosfera. 2. A existência de uma carência hídrica pode predispôr as plantas hospedeiras a ataques de agentes patogénicos. 3. Contribui de forma decisiva para a tamponização da temperatura das plantas através da transpiração.

1.4. O CONCEITO DE POTENCIAL HÍDRICO: 1.4.1. DEFINIÇÃO DE POTENCIAL HÍDRICO: A actividade bioquímica do protoplasma é mais inflenciada pelo estado termodinâmico da água que pela quantidade total de água que contém. O estado termodinâmico da água numa célula vegetal pode ser comparado com o potencial químico da água pura e a diferença expressa em termos de energia potencial. Uma maneira prática de conhecermos o estado hídrico duma planta é através da medição do seu potencial hídrico (representado pela letra grega psi - ), que é o

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As Relações Hídricas trabalho necessário para elevar a água ligada ao nível potencial da água pura (Larcher, 1995). A água só se move espontâneamente duma zona de potencial químico mais elevado para uma zona de potencial químico mais baixo. À medida que a água se move ao longo do gradiente do seu potencial químico, liberta energia livre, de modo que este fluxo tem a capacidade de realizar trabalho. O potencial químico tem unidades de energia (J mol-1). No entanto, em fisiologia vegetal, é habitual exprimir o estado hídrico em termos de potencial hídrico () utilizando unidades de pressão. Isto pode ser obtido dividindo o potencial químico pelo volume parcial molal da água ( V w = 18.05 x 10-6 m3 mol-1 a 20 ºC), e usando a seguinte definição de potencial hídrico:



 w   wo Vw

em que, wo é o potencial químico da água num estado de referência que consiste em água pura e livre à mesma temperatura, à pressão atmosférica, e a uma altura de referência (Jones, 1992). Como consequência desta definição o potencial hídrico () é zero quando a água está disponível em grandes quantidades, diminuindo para valores negativos quando a água se torna mais escassa. Assim, pelo menos em sistemas vegetais, valores mais “elevados” de potencial hídrico, são geralmente menos negativos (Jones, 1992). Disto resulta que a água nos sistemas vegetais desloca-se sempre de potenciais hídricos menos negativos para os mais negativos. Durante muitos anos o bar foi usado como unidade de potencial hídrico, no entanto, a unidade apropriada do S.I. é o Pascal (1 Pa = 1 N m-2 = 10-5 bar), e o potencial hídrico é normalmente expresso em MPa (1 MPa = 10 bar). 1.4.2. OS COMPONENTES DO POTENCIAL HÍDRICO: O potencial hídrico total pode ser repartido em vários componentes. Destes, um ou mais podem ser relevantes para um dado sistema:  =   + p + m + g em que, , p, m e g são os componentes devidos, respectivamente às forças osmóticas, de pressão, mátricas e gravitacionais.  O termo , pode também ser representado por s, e é chamado potencial osmótico ou potencial de solutos. Este termo representa o efeito que a existência de solutos tem no potencial hídrico do sistema em consideração. Os

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As Relações Hídricas solutos reduzem a energia livre da água no sistema, uma vez que a diluem. Este efeito é primariamente um efeito de entropia, isto é, a mistura de solutos e água aumenta a desordem do sistema. Este efeito de entropia da dissolução de solutos pode ser revelado em vários efeitos físicos conhecidos como propriedades coligativas. Estas propriedades têm este nome porque actuam em conjunto. Elas dependem do número de partículas e não da natureza do soluto. Assim, a presença de solutos reduz a pressão de vapor duma solução, aumenta o seu ponto de ebulição e baixa o seu ponto de congelação (Taiz e Zeiger, 1998). Em muitos casos, em vez de potencial osmótico, que é negativo, muitos autores preferem o termo pressão osmótica ( = -). Pode demonstrar-se que o potencial osmótico está relacionado com a fracção molar da água (xw) ou com a sua actividade (aw), da seguinte forma (Jones, 1992):  

T T ln w  xw   ln aw Vw Vw

em que, w é um coeficiente de actividade que mede o afastamento do comportamento ideal duma solução,  é a constante dos gases perfeitos (8.314 m3 Pa mol-1 K-1), e T é a temperatura em graus kelvin (K). À medida que a concentração em solutos aumenta, xw e  diminuem. Ainda que w seja igual a 1 em soluções muito diluídas, a maioria dos sistemas vegetais mostra um desvio deste comportamento ideal. Uma aproximação muito útil da equação anterior, e que é razoavelmente correcta para muitas soluções biológicas, é a relação de van´t Hoff (Jones, 1992):  = - Tcs em que, cs é a concentração de solutos expressa em mol m-3 de solvente. Muitas plantas têm um potêncial osmótico () na ordem de - 1 Mpa ( = 1 Mpa). Usando a equação anterior, substituindo o valor T a 20 ºC (8.314 m3 Pa mol-1 K-1 x 293 K = 2436 m3 Pa mol-1), teremos cs =  / -T = (-106 Pa) / (-2436 m-3 Pa mol-1) = 4.105 x 10-4 x 106 mol m-3  411 mol m-3 , ou mais correctamente 411 osmol m-3. (NOTA: Um osmole é análogo a um mole, uma vez que contém o número de Avogadro de partículas osmoticamente activas, por exemplo: um mol de NaCl tem 2 osmol).  O termo  p, representa a pressão hidrostática da solução ou potencial de pressão. Pressões positivas elevam o potencial hídrico e as negativas reduzem-no. A pressão hidrostática positiva no interior das células pode ser referida como pressão de turgescência (P) ou turgidez. O valor de p pode ser negativo, por

12


As Relações Hídricas exemplo no xilema, ou entre as paredes das células onde se podem desenvolver forças de tensão ou pressão hidrostática negativa (Taiz e Zeiger, 1998). A pressão hidrostática é medida como desvio à pressão ambiente. Como a água no estado de referência está à pressão ambiente, então por definição p = 0 MPa para água no estado padrão. Assim, o valor de p de água pura num copo é = 0 MPa, ainda que o valor da sua pressão absoluta seja 1 atmosfera ( 0,1 MPa). A água sujeita a um vacúo perfeito tem um p = -0,1 MPa, mas o valor da sua pressão absoluta é de 0 MPa.

Consequentemente é importante ter sempre presente a

diferença entre o p e a pressão absoluta (Taiz e Zeiger, 1998).  O termo m é designado por potencial mátrico (m), é semelhante a , ex-cepto que a redução de aw resulta de forças existentes à superfície de sólidos. Este componente pode ser muito importante quando se estuda o potencial hídrico de solos, sementes, paredes celulares, etc. A distinção entre m e  é até certo ponto arbitrária uma vez que é difícil decidir se as partículas são solutos ou sólidos, de forma que m é muitas vezes incluido em  (Jones, 1992).  A componente gravitacional, potencial gravitacional (g), resulta de diferenças na energia potencial devidas a uma diferença na altura do nível de referência, sendo positivo se o nível estiver acima do nível de referência, e negativo se estiver abaixo: g = w gh em que, w é a densidade da água e h é a altura acima do nível de referência. Ainda que frequentemente negligenciado em sistemas vegetais, o g aumenta 0.01 Mpa m1

acima da altura do solo, e por isso deveria ser incluido sempre que se estudam

árvores altas (Jones, 1992). 1.4.3. AS RELAÇÕES HÍDRICAS DAS CÉLULAS VEGETAIS: As células vegetais funcionam como osmómetros com um compartimento interno, o protoplasto, envolto pela membrana plasmática semipermeável, isto é, permeável à água e impermeável aos solutos. O grau de semipermeabilidade duma membrana a qualquer soluto é dada pelo coeficiente de reflecção (), que varia entre 0 para uma membrana completamente permeável, a 1 para uma membrana perfeitamente semipermeável. Uma vez que a água permeia facilmente a membrana plasmática, o potencial hídrico dentro das células equilibra-se com o ambiente circundante dentro de segundos, ainda que seja preciso mais tempo para todas as células num tecido se equilibrarem com uma solução exterior (Jones, 1992). 13


As Relações Hídricas Outra característica importante das células vegetais é que estão encaixadas numa parede celular relativamente rígida que resiste à expansão, permitindo, assim, que se gere uma pressão hidrostática interna. Os componentes do potencial hídrico que são relevantes numa célula vegetal são os potenciais osmótico e de pressão (Jones, 1992):  = p +  ou  = p + s A diferença de pressão entre o interior e o exterior da parede duma célula é vulgarmente chamada

pressão de turgescência (P). Para um dado conteúdo

celular em solutos a pressão de turgescência diminui à medida que o potencial hídrico da célula diminui (fica mais negativo). O potencial hídrico da maior parte das espécies vegetais situa-se entre os -0.5 e os -3.0 Mpa. As

relações

hídricas

das

células

vegetais

(e

tecidos)

podem

ser

convenientemente descritos pelo diagrama de Hofler - Thoday (figura 6) que mostra a interdependência do volume celular, de , de  e de p, à medida que a célula perde água. Numa célula completamente túrgida (turgidez máxima)  = 0, de modo que 

= p. Neste ponto do gráfico, o conteúdo hídrico da célula ou tecido,

expresso como fracção do conteúdo hídrico máximo, isto é, em turgidez máxima, tem de ser 1. A esta fracção dá-se o nome de conteúdo hídrico relativo (). À medida que que sai água da célula, o seu volume diminui, de modo que a pressão de turgescência, gerada devido à extensão elástica da parede celular, diminui quase linearmente com o volume da célula até ao ponto de turgescência zero (quando p = 0). Na maioria das plantas, mesmo que o conteúdo hídrico diminua mais, a pressão de turgescência mantém-se perto de 0. No entanto, há dados que parecem indicar que se que se desenvolvem pressões negativas em certas células rígidas, tais como os ascósporos de Sordaria sp. À medida que o volume diminui, o potencial osmótico diminui curvilineamente, como é de esperar da relação de van´t Hoff que mostra que - está inversamente relacionado com o volume (Jones, 1992). O emurchecimento das folhas é geralmente observável quando se atinge o ponto de turgescência zero. A este ponto dá-se o nome de plasmólise incipiente devido à observação que quando se colocam tecidos em soluções de potencial hídrico mais negativoas células ficam plasmolisadas, isto é, a membrana das células separa-se da parede celular causando danos possivelmente irreparáveis. No entanto, em tecidos em situação normal na parte aérea não deve ocorrer plasmólise devido às forças capilares da interface ar-água nos microcapilares das paredes das células que evitam que eles fiquem secos, de forma que toda a tensão é suportada pela parede e não pela membrana. Também não ocorre plasmólise sempre que os tecidos estejam 14


As Relações Hídricas submersos em soluções cujos solutos sejam demasiadamente grandes para penetrar nas paredes das células, porque tal como acontece com os tecidos da parte aérea, a tensão gerada é suportada pela parede e não pela membrana. Uma característica importante na determinação das curvas da figura 6, é a elasticidade das paredes das células. Se a parede for muito rígida, o potencial hídrico e os seus componentes mudam com relativa rapidez para qualquer perda de água. A rigidez da parede pode ser descrita pelo módulo global da elasticidade da parede (B), que pode ser definido pela equação (Jones, 1992): B = dP / (dV / V) ainda que alguns autores normalizem esta equação para Vo, o volume da célula quando túrgida, em vez de V. É importante notar que este módulo global de elasticidade é diferente do módulo da elasticidade do material que compõe a parede e depende, até certo ponto, da estrutura do tecido e da natureza das interacções entre células. Nas células vegetais B pode apresentar valores entre 1 a 50 Mpa, indicando os valores mais altos paredes com pouca elasticidade ou tecidos com células pequenas. Os tecidos vegetais não são sólidos nem homogéneos e, quando são comprimidos perdem água pelo que não é surpreendente que B mostre um comportamento não linear aumentando muitas vezes com o aumento da pressão de turgescência, duma forma aproximadamente hiperbólica a partir de valores próximos de zero - situação de zero de pressão de turgescência. O diagrama de Hofler-Thoday é, de facto, mais apropriado para células isoladas, uma vez que as várias células num tecido apresentam dimensões diferentes e podem apresentar diferentes elasticidades e conteúdos em solutos, além de que num tecido há uma componente de pressão devida às células vizinhas. Assim, as propriedades hídricas dum tecido, ainda que possam ser representadas por este tipo de diagrama, são diferentes das células individuais que compõem o referido tecido.

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As Relações Hídricas

Figura 6: Diagrama de Hofler-Thoday ilustrando as relações entre o potencial hídrico (), o potencial osmótico (), o potencial de pressão (p) e o conteúdo hídrico relativo (), à medida que a célula ou o tecido, em turgidez máxima, perde água. A linha a tracejado abaixo do ponto de turgidez zero representa uma possível turgidez negativa em células de paredes muito rígidas. Retirado de Taiz e Zeiger (2006), figura 3.10, página 47

As concentrações em solutos nas paredes das células e no xilema são geralmente muito baixas, diminuindo em menos de 0.1 Mpa o valor do potencial hídrico. Nos vasos condutores do xilema a componente principal é a pressão, que pode atingir valores muito negativos (por vezes abaixo de - 6.0 MPa em certas plantas do deserto sujeitas a forte deficit hídrico). No entanto, as paredes dos vasos do xilema são suficientemente rígidas para suportar tais tensões sem sofrerem grandes deformações.

1.5. OS PROCESSOS ENVOLVIDOS NO TRANSPORTE DE ÁGUA: Um dos objectivos da Fisiologia Vegetal é compreender a dinâmica da água à medida que flui para dentro ou fora das células; de ou para o solo e através da planta para a atmosfera. O movimento de uma substância de uma região para outra é designado por translocação. Os mecanismos de translocação podem ser activos ou passivos dependendo de requererem ou não energia metabólica para ocorrerem. É muitas vezes difícil distinguir entre ambos, mas no caso da água a sua translocação nas plantas é claramente um processo passivo (Hopkins, 1995). 16


As Relações Hídricas O movimento passivo da maior parte das substâncias pode ser explicada por difusão ou por fluxo em massa. No caso da água pode ocorrer um tipo especial de difusão chamado osmose (Hopkins, 1995).

1.5.1. A DIFUSÃO: As moléculas da água numa solução não estão estáticas, mas sim em permanente movimento, colidindo umas com as outras, trocando energia cinética. A difusão é o processo através do qual as moléculas de substâncias diferentes se misturam devido à sua agitação térmica ao acaso (figura 7). Esta agitação leva ao movimento ao acaso de substâncias de locais onde existem com maior energia livre para locais de menor energia livre. Desde que não existam outras forças a actuar sobre as moléculas, a difusão faz com que as moléculas se desloquem de zonas de concentração mais elevada para zonas de concentração mais baixa, isto é, ao longo de um gradiente decrescente de concentrações (Taiz e Zeiger, 1998). Ou, no caso da água, ao longo de um gradiente decrescente de potencial hídrico (menos negativo para mais negativo). Este processo foi examinado quantitativamente por A. Ficks que, em 1855 formulou a que ficou conhecida por 1ª Lei de Fick da difusão e que nos diz que: J 

DAC 

Em que J é a densidade de fluxo, isto é, a quantidade da substância que atravessa a unidade de área por unidade de tempo (mol m-2 s-1); D é o coeficiente de difusão, uma constante de proporcionalidade que mede a facilidade com que a substância em difusão se move no meio em questão; A e l são respectivamente a area da secção transversal e o comprimento da via de difusão. O termo C representa a diferença de concentrações entre os dois locais em que ocorre difusão, isto é, o gradiente de concentrações. C é a força motriz para a difusão simples. No caso dos gases é conveniente utilizar a diferença em densidade (g m -3) ou pressão de vapor (kPa) em vez de concentração (Hopkins, 1995).

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As Relações Hídricas

Figura 7: O movimento térmico ao acaso dissipa os gradientes de concentração, levando no

fim à mixagem completa. Inicialmente as moléculas azuis e amarelas estão completamente separadas, mas em equilíbrio estão distribuídas ao acaso e uniformemente. A difusão das moléculas de cada espécie é conduzida pelo gradiente da sua própria concentração. A difusão é mais rápida na fase gasosa, mais lenta na fase líquida e ainda mais lenta na fase sólida. Retirado de Jones et al. (2013), figura 5.3, página 151

1.5.2. O FLUXO EM MASSA: O segundo processo pelo qual a água se move é o fluxo em massa que consiste no movimento concertado de grupos de moléculas, em massa, em resposta à aplicação de uma força exterior tal como a gravidade ou pressão (Hopkins, 1995). É o caso de água a movimentar-se num cano (cilindro), ou num rio. No caso do fluxo da água num cano, a densidade de fluxo é dada pela lei de Poiseuille que se pode equacionar da seguinte meneira:  r2   J  P   8    

Em que r é o raio da secção do cilindro;  é a viscosidade da água (1 x 10-3 kgm-1s-1 a 20 ºC) e P é o gradiente de pressão (força motriz), ou em termos de volume em deslocação:  r 4 Taxa de fluxo volumétrico  P   8

   

Este parâmetro exprime-se em m3 s-1, e mostra-nos que o fluxo em massa da água através de um cilindro é extremamente sensível ao seu raio, variando na quarta potência do raio!(Jones, 1992).

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As Relações Hídricas 1.5.3. A OSMOSE: O movimento de um solvente, tal como a água, através de uma membrana é chamado de osmose. Ainda que a água possa ser absorvida e perdida pelas células vegetais com relativa rapidez, estes dois processos são significativamente limitados pela membrana plasmática que funciona como uma barreira ao movimento de substâncias. A relação entre uma determinada membrana e um dado soluto pode ser caracterizada pelo coeficiente de reflecção. Duas condições extremas podem descrever a passagem de solutos por uma membrana (Nobel, 1991):  Impermeabilidade em relação a um soluto (membrana semipermeável) que leva a um coeficiente de reflecção máximo e igual a um;  A não selectividade que leva a um coeficiente de reflecção mínimo e igual a zero. Um coeficiente de reflecção igual a zero corresponde ao movimento dum soluto através duma barreira com poros muito largos que não consegue distinguir entre as moléculas do solvente e do soluto. Um coeficiente de reflecção igual a um representa a impermeabilidade total a esse soluto. Para que ocorra osmose é necessário que o coeficiente de reflecção seja superior a zero (Nobel, 1991). As membranas das células vegetais são semipermeáveis, isto é, permitem o movimento de pequenas moléculas sem carga eléctrica (como o solvente) mais rapidamente que o movimento de moléculas maiores ou com carga eléctrica (solutos). Para que o transporte de substâncias como iões inorgânicos, açúcares, amino ácidos e outros metabolitos possa ocorrer através das várias membranas das células são necessárias proteínas de transporte especiais, os transportadores ou “carriers” (Taiz e Zeiger, 1998). Tal como a difusão molécular e o fluxo em massa, a osmose ocorre espontaneamente em resposta a uma força motriz que é um gradiente de potencial hídrico. No caso do movimento da água nas células vegetais, o mecanismo de osmose envolve a combinação de, por um lado, a difusão de moléculas simples de água através da bicamada lipídica da membrana; e por outro lado, de fluxo em massa através de pequeníssimos poros de dimensões moleculares cheios de água (Taiz e Zeiger, 1998). Em qualquer dos casos é o gradiente de potencial hídrico entre ambos os lados da membrana que é a força motriz para o movimento (figura 8).

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As Relações Hídricas

Figura 8: A água pode passar através das membranas das plantas (A) por difusão de moléculas individuais através da bicamada lipídica da membrana e (B) por fluxo em massa de moléculas de água através de um poro formado por proteínas integrais da membrana chamadas aquaporinas. Retirado de Taiz e Zeiger (2006), figura 3.13, página 49

Durante muitos anos não se poude provar que a água passava através de poros microscópicos na membrana das plantas. Mas no início dos anos 90 descobriram-se moléculas integrais da membrana que formavam canais selectivos para a água e a que foi dado o nome de aquaporinas. Na figura 9 podemos ver uma representação da topologia geral das aquaporinas. A capacidade das aquaporinas transportarem água através da membrana pode ser regulado pelo seu estado de fosforilação. Isto quer dizer que as células podem regular a sua permeabilidade à água ao acrescentarem ou removerem grupos fosfato a resíduos de amino ácidos específicos na aquaporina (figura 10). Esta modulação da actividade da aquaporina pode alterar a taxa a que ocorre o movimento da água através da membrana (Taiz e Zeiger, 1998)

2. O MOVIMENTO DA ÁGUA NO SPAC

2.1. O CONCEITO ATMOSFERA (SPAC):

DE

CONTÍNUO

SOLO-PLANTA-ÁGUA-

Uma forma de se estudar as relações hídricas das plantas é considerar que o movimento da água através do solo para o interior das raízes, seguido do movimento no interior das plantas e por fim a sua saída para o exterior na forma de vapor, são 20


As Relações Hídricas processos fortemente interligados. Assim, existiria um contínuo de água desde o solo até a atmosfera através da planta (SPAC) que permitiria tratar o movimento da água como um sistema análogo ao do fluxo eléctrico num sistema condutor, podendo portanto ser descrito de uma forma análoga à da Lei de Ohm (Kozlowski e Pallardy, 1997):

Figura 9: Disposição na membrana de uma aquaporina do tipo PIP. Mostram-se as 6 hélices transmembranares, formando 5 laços (“loops”) de amino ácidos, três (I, III, e V) no apoplasto e dois (II e IV) no citosol. Vários locais de fosforilação estão localizadosno terminal C que é longo, e no laço II. Os locais reguladores que são metilados (Met) estão no terminal N. Retirado de Jones et al., figura 5.22, página 166

I

V R

em que I é o fluxo eléctrico que ocorre devido a uma diferença de potencial V através de um condutor que apresenta a resistência R. Assim, nas plantas temos: J H 2O 

 r

Em que JH2O é o fluxo de água através da parte do sistema em consideração,  é a diferença de potencial hídrico entre os dois pontos do sistema em que se estuda o movimento, e r é a sua resistência (Kozlowski e Pallardy, 1997).

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As Relações Hídricas

Figura 10: Modelo para a osmoregulação citosólica de uma célula envolvendo a regulação da capacidade de transporte de aquaporinas (a azul) da membrana plasmática e do tonoplasto por fosforilação ou defosforilação. Quando a planta sente um potencial hídrico mais baixo no apoplasma, as aquaporinas defosforilam, baixando a permeabilidade da membrana plasmática, minimizando a perda de água. As aquaporinas do tonoplasto permanecem abertas permitindo qua a água se desloque para o citosol para compensar a água perdida para o apoplasto. Abreviações: PK, proteína cinase; P grupo fosfato. Retirado de Kjellbom et al. (1999), figura4, página 314

Podemos considerar quatro segmentos ou etapas no movimento da água no SPAC:  Trajecto da água no solo até à rizoderme;  Trajecto radial radicular desde a rizoderme até ao xilema;  Trajecto ascencional do xilema da raiz até às células das folhas;  Trajecto do vapor de água da câmara estomática até à atmosfera. Se considerarmos que existe um fluxo constante (“steady-state”) através da planta então teremos:

J H 2O 

solo  rizoderme   xilema xilema  célulasdo mesófilo C folha  C ar  rizoderme   rsolorizoderme r raiz rxilemacélulasdo mesófilo rfolha  rar

O conceito do SPAC proporciona uma teoria unificadora na qual o movimento da água através do solo, das raízes, dos caules e das folhas e a sua evaporação para o ar pode ser estudado em termos de forças motrizes e resistências a operar em cada segmento. Este conceito também é útil se se pretender estudar a forma como vários factores, da planta ou ambientais, podem afectar o movimento da água ao influenciar quer as forças motoras, quer as resistências ou ainda ambas. Por exemplo, o decréscimo de água no solo causa um aumento na resistência do 22


As Relações Hídricas movimento da água em direcção às raízes, e causa também uma diminuição na força motriz para este movimento, isto é, no gradiente de potencial hídrico (Kozlowski e Pallardy, 1997). Este conceito é também útil para a formulação de modelos para o movimento da água no SPAC (figura11). No entanto, há que ter consciência que este conceito de SPAC é uma simplificação extrema do que se passa nas plantas. Assim, podemos indicar algumas das principais críticas a este conceito (Kozlowski e Pallardy, 1997):  O SPAC assume condições constante ao longo do seu trajecto que raramente existem nas plantas;

Figura 11: (a) Representação muito simplificada duma planta; (b) Rede de resistências correspondentes aos vários segmentos do SPAC; (c) Modelo simplificado em que o modelo ramificado de (b) aparece como uma série linear de resistências hidraúlicas: do solo (R s ); das raízes (Rr); do caule (Rst) e das folhas (Rl), cada uma das quais está representada por uma simples resistência; (d) O memso que em (c) mas incluindo as capacitâncias (C) dos tecidos correspondentes. E representa a direcção e a intensidade da transpiração. Retirado de Kozlowski e Pallardy (1997), figura 11.5, página 243

 Dentro da planta, o fluxo varia dentro entre segmentos equivalentes do trajecto. Por exemplo, numa árvore o fluxo no xilema é diferente entre vários ramos, uma vez que partes diferentes da copa duma árvore recebem irradiâncias diferentes e têm exigências evaporativas diferentes;

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As Relações Hídricas  Vários estudos que envolvem o SPAC são dificultados pelo facto de na fase líquida a água se movimentar em função de gradientes de potencial hídrico (figura 12) e na fase gasosa se movimentar em função de gradientes de pressão.

2.2. A CONDUÇÃO DA ÁGUA NA PLANTA: A água absorvida pelas raízes é conduzida a todas as partes do corpo duma planta. Este processo de condução da água ocorre em todas as plantas superiores (vasculares) num sistema especial - os feixes vasculares. Nestas plantas, a condução da água depende da absorção no sistema radicular, e da perda de água particularmente através das folhas, podendo a distância entre estes dois tipos de orgãos ser considerável. O corpo da planta entre as raízes e as folhas é preenchido não só pelos feixes vasculares, mas também por outros tecidos que também participam na condução da água.

Figura 12: Exemplo da variação do potencial hídrico () e dos seus componentes [osmótico () e de pressão (p)] ao longo dos vários segmentos do SPAC. Retirado de Kozlowski e Pallardy (1997), figura11.3 página 241

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As Relações Hídricas Como vimos anteriormente, a água move-se sempre segundo um gradiente decrescente de potencial hídrico (do menos negativo para o mais negativo) desde o solo húmido até à atmosfera. Este gradiente permite o movimento e condução vertical da água e também o movimento lateral dentro do corpo da planta. Teoricamente o movimento da água da planta para o solo também é possível. Do ponto de vista da localização pode considerar-se que a condução da água dentro da planta ocorre das seguintes maneiras (não sequênciais):  condução da água da epiderme para os feixes vasculares das raízes e depois para os caules e folhas;  condução da água dos feixes vasculares para os espaços intercelulares dos parênquimas esponjoso e em paliçada do mesófilo das folhas, assim como para as células da epiderme das folhas;  condução da água dos feixes vasculares das raízes e parte aérea para as diferentes células e tecidos, assim como para os parênquimas e tecidos de protecção do caule e raízes;  condução da água através do conjunto de tecidos condutores, isto é, feixes vasculares de caules e folhas. Dos tipos de condução acima referidos, os 3 primeiros constituem a condução extrafascicular, enquanto que o quarto constitui a condução fascicular.

2.2.1. A CONDUÇÃO EXTRAFASCICULAR DA ÁGUA: A condução extrafascicular da água por vezes também é chamada parenquimatosa, horizontal, directa ou ainda de pequena distância. Esta condução ocorre quer na célula propriamente dita, isto é, na parede da célula, citoplasma, organelos citoplásmicos e vacúolos, quer duma célula para as células e tecidos adjacentes. O movimento da água ocorre pelas seguintes vias (Steudle e Peterson, 1998):  Via apoplástica: realiza-se através do apoplasto que representa a ligação de todas as paredes celulares e espaços intercelulares (figura 13 – A);  Via simplástica: realiza-se através do simplasto que representa a ligação de todas as células do corpo através dos plasmodesmos (figura 13 – B). Estes atravessam as paredes celulares de células contíguas, permitindo que exista uma continuidade citoplásmica entre as células adjacentes (figura 14);  Via transcelular: passagem de célula para célula (figura 13 – C). A água ao movimentar-se através do apoplasto ou do simplasto não tem de atravessar nenhuma membrana. Mas na via transcelular tem de atravessar duas membranas plasmáticas por camada de células. A via transcelular é usada

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As Relações Hídricas especialmente pela água, uma vez que graças às aquaporinas as membranas são muito permeáveis à água. No entanto, este via é negligível para solutos. Em qualquer momento, existe um equilíbrio dinâmico no movimento da água entre a via apoplástica e simplástica, devido à facilidade com que a água se desloca entre as duas vias (Steudle e Paterson, 1998).

2.2.2. A CONDUÇÃO FASCICULAR DA ÁGUA:

O transporte fascicular da água é também chamado vertical ou de longa distância e ocorre ao longo do eixo longitudinal das plantas vasculares, num sistema específico de tecidos que constituiem os feixes vasculares. Esta condução da água ocorre quer num feixe vascular completo, consistindo de xilema e floema, quer num incompleto, em que um destes tecidos falta ou não está completamente desenvolvido. Quando a direcção do movimento é essencialmente

para

baixo, no

floema, e os solutos transportados são na sua maioria

Figura 13: Vias para o movimento da água num tecido vegetal, representado por uma camada de quatro células em série. (A) Via apoplástica nas paredes das células, traço azul; (B) Via simplástica mediada pelos plasmodesmos, traço vermelho; (C) Via transcelular, traço amarelo. Retirado de Steudle e Paterson (1998), figura 2, página 781

fotoassimilados fala-se em fluxo de assimilação. Quando o movimento é essencialmente ascencional, no xilema, e os solutos são na sua maioria sais inorgânicos, então trata-se do fluxo transpiracional (Sebanek, 1992).

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As Relações Hídricas

Figura 14: Estrutura de plasmodesmos. (A) Vista longitudinal de plasmodesmos atravessando as paredes de duas células jovens da endoderme; (B) Corte transversal de um plasmodesmo mostrando a sua natureza tubular. PM – Membrana plasmática; DT – Desmotúbulo Retirado de Salisbury e Ross (1992), figura 7-8, página 141

2.3. O MOVIMENTO DA ÀGUA NO SOLO: A água proveniente da precipitação penetra no solo e infiltra-se gradualmente até chegar à toalha freática. Em solos altamente permeáveis a taxa de percolação é de vários metros por ano, em solos argilosos é de cerca de 1 – 2 m e, em solos muito compactos, pode ser de apenas alguns centímetros por ano. Uma parte da água infiltrada, a chamada água capilar, é retida e armazenada nos poros do solo. A quantidade de água retida como água capilar e aquela que se infiltra como água gravitacional depende da natureza do solo e das dimensões e distribuição dos seus poros (figura 15). Poros com menos de 10 m de diâmetro retêm a água por capilaridade, enquanto que os poros maiores (> 60 m de diâmetro) deixam a água infiltrar-se mais rapidamente (Larcher, 1995). A capacidade de armazenamento da água num solo, isto é, o conteúdo em água em saturação depois da água gravitacional se ter infiltrado para camadas mais profundas, constitui a chamada capacidade de campo dum solo e é expressa em g de H2O por 100 g de solo (% peso seco) ou por 100 ml de solo. Os solos de granulado mais fino e os que são mais ricos em substâncias orgânicas armazenam mais água que os que têm um granulado mais grosso (Larcher, 1995).

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As Relações Hídricas

Figura 15: O estado da água em solos saturados (a parte esquerda do esquema) e em solos bem arejados (parte direita). Retirado de Larcher (1995), figura 4.6, página 225

A água que permanece num solo depois da passagem da água gravitacional é retida nos poros por capilaridade; pode ficar presa aos colóides do solo e, no caso dos solos salinos, pode ficar osmoticamente ligada a iões. Assim, a energia livre da água no solo, tal como acontece no interior das plantas, é reduzida por certos factores. Na maioria dos solos as contribuições para o potencial hídrico total dadas pelo potencial osmótico, assim como pelo potencial de pressão, podem ser desprezadas. No potencial hídrico dos solos a componente crucial é o potencial mátrico ou “capilar” que é a energia com que a água capilar é retida por forças superficiais. Este potencial pode ter valores bastante consideráveis para solos com poros muito finos. A componente capilar do potencial mátrico pode ser descrito pela fórmula (Larcher, 1995):

cap  

4 290  J kg -1 d d

em que  é a tensão de superfície da água e d é o diâmetro do poro (em m). A força com que a água é retida aumenta gradualmente à medida que o solo seca, uma vez que os poros maiores vão ficando vazios e a água capilar permanece apenas nos mais finos (menos de 0,2 m). Em solos arenosos com uma estrutura granular mais larga a transição é particularmente abrupta, enquanto que em solos argilosos, em

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As Relações Hídricas que os poros são mais pequenos, o potencial hídrico varia mais gradualmente (Larcher, 1995).

2.4. O MOVIMENTO DA ÁGUA DO SOLO PARA O XILEMA DA RAIZ: 2.4.1. A ENTRADA DA ÁGUA NA RAIZ: A planta pode retirar água do solo desde que o potencial hídrico das suas raízes mais finas seja mais negativo que o da solução do solo na rizosfera. A taxa de entrada de água na planta pode ser descrita pela equação (Larcher, 1995): Wabs  A

solo  raiz r

em que W abs é a quantidade de água que as raízes absorvem por unidade de tempo e é proporcional à area de absorção A ou área activa; ao gradiente de potencial hídrico entre a raiz e o solo (solo - raiz) e é inversamente proporcional ao somatório das resistências ao movimento da água no solo e à passagem do solo para o interior da raiz (r). Embora durante o período de crescimento as zonas mais velhas (proximais) fiquem com uma superfície suberizada (periderme), a area activa vai sempre aumentando devido ao crescimento contínuo no ápice radicular. As raízes normalmente apresentam potenciais hídricos de alguns décimos de MPa, o que é suficiente para absorver a maior parte da água capilar da maioria dos solos. Isto pode ser visto na figura 16: um valor de apenas –0,2 MPa nas raízes permite-lhes retirar dois terços da água armazenada num solo arenoso; já um solo argiloso que consegue reter a água com mais firmeza devido aos seus poros serem finos, perde metade da sua água capilar para as raízes com um potencial hídrico de apenas –0,6 MPa.

29


As Relações Hídricas

Figura 16: Diagrama onde se pode ver as relações entre o potencial hídrico do solo e o seu conteúdo em água para um solo arenoso e outro argiloso. O valor convencional para a capacidade de campo é de –0,015 MPa, e para o ponto de emurchecimento permanente (PEP) é de –1,5 MPa. Abaixo dos –5 MPa toda a água está ligada higroscopicamente. Os valores médios para os vários tipos de plantas dependem do tipo de solo (textura, dimensões dos poros) e da vegetação. Estes valores podem ser menores devido ao ajustamento das plantas a situações de deficiência hídrica. As setas indicam os valores de potencial hídrico radicular que permitem retirar dois terços da água dum solo arenoso e metade da água num solo argiloso. Retirado de Larcher (1995), figura4.7, página 226

Até um certo ponto as plantas conseguem obter mais água dos solos diminuindo activamente o potencial hídrico das suas raízes. As hidrófitas, isto é, as espécies que vivem em locais de grande humidade podem diminuir o seu potencial hídrico para valores na ordem de –1 MPa; as plantas de interesse agrícola de zonas húmidas podem baixá-lo até –1 ou –2 MPa; as mesófitas podem chegar aos –4 MPa e as plantas de regiões secas (xerófitas) podem chegar aos –6 MPa (Larcher, 1995).

30


As Relações Hídricas Devido à extracção da água do rizosfera pelas raízes a água vai movimentando-se a partir de zonas de maior humidade. Este movimento ocorre apenas ao longo de alguns mm por capilaridade e é muito lento. 2.4.2. O MOVIMENTO RADIAL RADICULAR DA ÁGUA:

No solo o movimento da água faz-se essencialmente por fluxo em massa. No entanto, assim que a água fica em contacto com a rizoderme o seu movimento tornase mais complexo (Taiz e Zeiger, 1998). Para se poder perceber a complexidade do movimento da água na raiz há que conhecer um pouco melhor a sua anatomia (figura 17)

Figura 17: Esquema dum corte transversal duma raiz primária de trigo (Triticum aestivum), na zona pilosa, mostrando as três vias para o movimento radial radicular da água. Adaptado de Salisbury e Ross (1992), figura7.7, página 140

Assim, teremos do exterior para o interior:  O sistema dérmico constituido, em raízes jovens, por uma epiderme, em que algumas células têm um formato diferente, constituindo projecções para o solo, e que são os pêlos radiculares;

31


As Relações Hídricas 

O sistema fundamental, constituido por várias camadas de células - o

cortex, e a camada mais interna que é a endoderme com características especiais de que falaremos mais adiante.  O sistema vascular em que a camada mais externa é o periciclo, e em que o floema e o xilema se dispõem alternadamente ao longo dos raios. Nas plantas sujeitas a um regime hídrico adequado ao seu bom desenvolvimento o movimento da água da rizoderme até à endoderme ocorre segundo três vias: a apolplástica; a simplástica e a transcelular. Em termos experimentais as duas últimas são difíceis de distrinçar e consideram-se como um movimento de célula a célula (Steudle, 2001). Como vimos anteriormente a água movimenta-se sempre segundo um gradiente decrescente de potencial hídrico (do menos negativo para o mais negativo). De acordo com a estrutura radicular o fluxo da água através da raiz tanto pode ser hidráulico (diferenças de pressão) como osmótico (diferenças de potencial osmótico). A contribuição relativa destas duas componentes do potencial hídrico para o movimento da água varia com as condições. Como não há membranas através da via aploplástica o fluxo hidráulico domina nesta via. O fluxo pelo apoplasto é realizado através dum meio poroso sem qualquer capacidade selectiva, isto é, o seu coeficiente de reflecção é igual ou perto de zero. Consequentemente diferenças de potencial osmótico das células não causam praticamente nenhum movimento da água (Steudle, 2001). Já na via célula a célula, têm de ser considerados os gradientes osmóticos para além dos hidráulicos. Ao contrário das paredes, as membranas têm capacidade selectiva e o seu coeficiente de reflecção é próximo de um (Steudle, 2001). As respostas das raízes a vários factores diferem dependendo de se estabelecer, entre a solução do solo e o xilema, uma

diferença de pressão

hidrostática ou uma diferença de potencial osmótico. As diferenças desaparecem na presença de barreiras apoplásticas que interrompem completamente o fluxo apoplástico, ou então na presença de membranas totalmente permeáveis à água. Ambas as situações extremas existem nas raízes das plantas (Steudle, 2001). Devido às características das suas paredes a endoderme é considerada como sendo a barreira principal ao movimento apoplástico da água e sais minerais provenientes da solução do solo (figura 18). No entanto, há muitos dados que indicam que em certas situações

de

stresse, abaixo da

uma camada de células com

32

epiderme se

forma


As Relações Hídricas

Figura 18: Maturação da endoderme numa plântula de milho (Zea mays L.). Secções transversais foram examinadas ao microscópio óptico após coloração com Vermelho Sudão III (corante lipofílico). (a) Secção a 4 cm do ápice, onde se pode observar a endoderme primária com Bandas de Caspary (setas brancas); (b) Secção a 12 cm do ápice. transição entre a endoderme primária (setas) e secundária com lamelas de suberina (coradas a vermelho); (c) Secção a 20 cm do ápice, o desenvolvimento secundário já se completou e cada célula da endoderme apresenta uma lamela de suberina; (d) Início do desenvolvimento terciário com paredes secundárias em forma de U sobre a lamela de suberina; (e) Estado avançado do desenvolvimento terciário com uma deposição de material de parede secundária em U mais desenvolvida. Retirado de Schreiber et al. (1999), figura 1, página 1269

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As Relações Hídricas características semelhantes à endoderme e que é a exoderme (Schreiber et al., 1999). Esta também pode desempenhar um papel muito importante enquanto barreira ao movimento apoplástico (figura 19).

Figura 19: Secções transversais de raízes de milho (Zea mays L.) com 8 dias de vida desenvolvidas aeropónicamente (sem meio líquido ou sólido, em elevada humidade relativa, “mist”) de forma a desenvolver uma exoderme. (A) Secção a 50 mm do ápice coradas com berberine-aniline observada em UV/violeta (390-420 nm): ex exoderme madura (estado secundário) com bandas de Caspary (setas); en endoderme (estado primário) com bandas de Caspary (setas); emx xilema inicial maduro; lmx metaxilema tardio imaturo; (B) células da endoderme a 80 mm do ápice com bandas de Caspary (setas); (C) células da exoderme a 80 mm do ápice com lamela de suberina (ex); (D) células da endoderme a 200 mm do ápice com lamela de suberina (setas); (E) células da exoderme a 200 mm do ápice com lamela de suberina (ex). Retirado de Zimmermen et al. (2000), figura 1, página 306

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As Relações Hídricas As barreiras ao movimento célula a célula são dadas pela maior ou menor abertura das aquaporinas que dependen muito do metabolismo (Zimmerman et al., 2000) 2.4.3. FACTORES QUE AFECTAM A ABSORÇÃO DA ÁGUA: A taxa de absorção da água pelo sistema radicular depende de factores quer endógenos,

quer

exógenos.

Dos

endógenos

é

importante

salientar

o

desenvolvimento dos pêlos radiculares e o seu potencial hídrico. Dos exógenos, os mais importantes são a temperatura, a presença de O2 e CO2, a humidade do solo, e as propriedades do perfil da vegetação. 2.4.3.1. Desenvolvimento dos pêlos radiculares: O crescimento dos pêlos radiculares é aproximadamente de 0.2 a 0.4 mm por hora, isto é, 5 a 10 mm por dia (Sebanek,1992). Pensa-se que a causa principal do grande crescimento dos pêlos radiculares é a imobilidade da água num solo parcialmente seco. A superfície total dos pêlos radiculares representa uma enorme área de absorção da água do solo (figura 20).

Figura 20: Os pêlos radiculares e a absorção da água. (A) Pêlos radiculares do rabanete (Raphanus sativus ); (B) Os pêlos radiculares aumentam a absorção da água pela capacidade de penetrar nos espaços capilares cheios de água entre as partículas de solo; (C) Os pêlos radiculares aumentam várias vezes o volume do solo a partir no qual uma raiz pode extrair água. Retirado de Hopkins (1995), Figura 3.17, página 61

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As Relações Hídricas 2.4.3.2. Potencial hídrico dos pêlos radiculares: Se o potencial hídrico dos pêlos radiculares for mais baixo que o da água do solo, então, entrará água para o seu interior. Se o potencial hídrico dos pêlos aumentar (ficar menos negativo), a água pode deixar de entrar para o seu interior, o crescimento das plantas é inibido ou pode mesmo parar, as plantas murcham e diminui a produção (Sebanek, 1992). 2.4.3.3. Temperatura: O efeito de baixas temperaturas na absorção da água pelo sistema radicular das plantas é muito importante. Por exemplo, em pepino (Cucumber sativus), em tabaco (Nicotiana tabacum), e noutras espécies ocorre uma diminuição acentuada da absorção da água a temperaturas de 5 a 10 ºC, que pode mesmo parar completamente a temperaturas abaixo dos 4 ºC levando à paragem do crescimento e à morte da planta (Sebanek,1992). 2.4.3.4. Oxigénio e dióxido de carbono: A falta de oxigénio pode parar a absorção de água pelo sistema radicular levando à paragem do crescimento. No solo o conteúdo óptimo em oxigénio é da ordem dos 10 a 12 %. Do mesmo modo um nível demasiado elevado ou demasiado baixo em CO2 inibe, ou pode mesmo parar, a absorção de água pelas plantas. O conteúdo óptimo em CO2 do solo é de cerca de 5 a 15 % (Sebanek, 1992). 2.4.3.5. Humidade do solo: A absorção óptima de água pelas plantas ocorre de 60 a 70 % da capacidade máxima do solo. Para prados, plantas hortícolas e plântulas de espécies lenhosas em viveiros, este valor pode atingir os 80 % (Sebanek, 1992) 2.4.3.6. Perfil da vegetação: Em condições óptimas, o chamado perfil da vegetação, isto é, a camada radicular da maior parte das plantas cultivadas, situa-se entre 1.7 a 3.0 m de profundidade. No entanto, existem plantas com sistemas radiculares mais superficiais e outras com sistemas radiculares mais profundos. Por exemplo, a batata (Solanum tuberosum) e a alfafa (Medicago sativa) apresentam sistemas radiculares que se estendem a 0.6 e 16.0 m, respectivamente. A grandeza do sistema radicular pode ser definida em função da profundidade pela largura do sistema radicular. Normalmente, a extensão em largura das raízes é proporcional à sua extensão em profundidade

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As Relações Hídricas (figura21 A e B). As raízes podem desenvolver-se extensivamente, quando há poucas raízes para um grande volume de solo: é o caso das espécies em que são colhidas as raízes; ou de certas árvores como o pinheiro ou a bétula. As raízes também se podem desenvolver intensivamente, quando o número de raízes por volume de solo é elevado, como é o caso dos cereais (Sebanek, 1992).

Figura 21: Sistema radicular de uma macieira (Malus sp. ) (A) Extensão em largura e (B) Extensão em profundidade Retirado de Peréz (1999), página 125 e 126

2.5. O MOVIMENTO ASCENCIONAL DA ÁGUA: A existência de plantas terrestres altas só se tornou possível quando as plantas adquiriram, no decorrer da evolução, um sistema vascular que permitiu um movimento rápido da água para a parte aérea onde ocorre a transpiração. As plantas terrestres sem um sistema vascular e com mais de 20 ou 30 cm de altura só poderiam existir num ambiente extremamente húmido, onde praticamente não ocorresse transpiração. Isto explica-se pelo facto do movimento da água por difusão de célula a célula ser demasiado lento para evitar a desidratação da parte aérea das plantas a transpirar. A importância do sistema vascular pode ser demonstrado pelo

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As Relações Hídricas facto de uma árvore, num dia quente de Verão, mover cerca de 200 litros de água desde as raízes até à superfície evaporante das folhas a mais de 20 ou 30 metros de altura (Kozlowski e Pallardy, 1997). Para a maioria das plantas o xilema constitui a parte mais longa da via de condução da água no seu interior. Assim, numa planta com um metro de altura, cerca de 99,5% do transporte da água ocorre no xilema e em árvores mais altas o movimento no xilema representa uma percentagem ainda maior (Taiz e Zeiger, 1998). Quando comparado com a complexidade do transporte radial através da raiz, a via no xilema aparece como sendo muito simples e com pouca resistência. Isto deve-se em parte às suas características que veremos a seguir.

2.5.1. CARACTERÍSTICAS DO XILEMA:

O xilema consiste de quatro tipos de células: os traqueídios, os elementos xilémicos, as fibras, e o parênquima xilémico.  As células do parênquima, sobretudo nas plantas lenhosas, são as únicas que estão vivas. Estas células ocorrem essencialmente nos raios que aparecem radialmente na madeira das árvores, mas também existem células do parênquima espalhadas pelo xilema;  As fibras são células de esclerênquima dispostas ao longo dos feixes e que lhes conferem resistência;  Os traqueídios e os elementos xilémicos dispostos verticalmente são as células que estão envolvidas no transporte da solução xilémica. Duma maneira geral, as gimnospérmicas têm apenas traqueídios, enquanto que praticamente todas as angiospérmicas têm elementos xilémicos e traqueídios (Taiz e Zeiger, 1998). Estes dois tipos de células são alongadas, embora os traqueídios sejam mais compridos e estreitos que os vasos xilémicos (figura 22).

Tanto os traqueídios como os elementos xilémicos funcionam como elementos mortos, isto é, depois de terem sido formados por crescimento e diferenciação de células meristemáticas, morrem e os seus protoplastos (célula vegetal sem parede) são absorvidos por outras células. No entanto, antes de morrerem, as suas paredes sofrem alterações que são muito importantes para o transporte da água. Uma das mudanças é a formação da parede secundária, que

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As Relações Hídricas consiste largamente em celulose, lenhina e hemi-celuloses, e que cobre a parede primária (Salisbury e Ross, 1992). As paredes secundárias conferem uma força de compressão considerável às células o que evita que entrem em colapso sob as tensões extremas a que por vezes estão sujeitas. Estas paredes, lenhificadas, não são permeáveis à água como as paredes primárias. Quando se formam não cobrem completamente as paredes primárias, originando as pontuações que são zonas circulares, finas, onde as células adjacentes estão separadas apenas pelas paredes primárias (Salisbury e Ross, 1992).

Figura 22: Traqueídios (A e B) e traqueias (C a G) de diversas plantas, vistos lateralmente. Apenas se apresenta um terço do traqueídio B. É de notar os diferentes tipos de pontuações nas paredes laterais destas células, e os diferentes tipos de perfurações que existem nas paredes dos topos das traqueias. Retirado de Noggle e Fritz (1976), figura 9, página 437

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As Relações Hídricas Estas pontuações podem ser simples e, então, são apenas um buraco redondo na parede secundária, ou podem ser estruturas complexas chamadas pontuações areoladas, nas quais a parede secundária se estende sobre a pontuação e a parede primária fica mais espessa no centro da pontuação formando o toro (figura 23). A figura mostra que o toro pode funcionar como uma válvula, fechando quando a pressão num lado é superior à pressão no outro (Salisbury e Ross, 1992).

Figura 23: Diagrama duma pontuação areolada dum traqueídio de pinheiro (Pinus sp.). Se a pressão dum lado da pontuação for superior à pressão do outro lado, o toro é empurrado de maneira que veda o orifício, impedindo o fluxo através dele. Retirado de Salisbury e Ross (1992), figura 5.7 (a), página 99

Os topos das células dos traqueídios sobrepõem-se. As pontuações nas zonas de sobreposição permitem que a água suba de um traqueídio para outro, ao longo das filas de traqueídios. As pontuações que existem em grande número nos lados dos traqueídios também permitem a passagem de água entre células adjacentes. Por vezes estas células presentam espessamento espiralados como os que resistem à compressão nos tubos dos aspiradores. Os

elementos

xilémicos

estão

típicamente

reforçados

com

estes

espessamentos que podem ser circulares, espiralados, etc., Apresentam também placas de perfuração nos topos que apresentam aberturas nas quais a parede secundária não se forma e a parede primária e a lamela média se dissolvem, permitindo o movimento rápido da água. Os elementos xilémicos (cada um é uma 40


As Relações Hídricas célula) estão alinhados formando grandes tubos, constituidos por várias células e que constituiem as traqueias que se estendem de alguns centímetros a vários metros em certas árvores. A

resistência

ao

fluxo

da

água

é

consideravelmente

menor

nas

angiospérmicas que nas gimnospérmicas, em parte devido às placas de perfuração, mas também devido a que as traqueias têm diâmetros mais largos que os traqueídios (Salisbury e Ross, 1992). Por outro lado a transferência entre traqueídios ocorre apenas através das pontuações das extremidades que se sobrepõem, enquanto que a transferência entre traqueias ocorre ao longo duma distância considerável através das pontuações laterais de duas traqueias adjacentes, em contacto. As traqueias são muito mais longas que os traqueídios, de modo que, à medida que a água sobe na planta, tem de passar pelas pontuações com menos frequência. Há dados que mostram que que o fluxo de água nas traqueias é, de facto, muito mais rápido que nos traqueídios.

2.5.2. A TEORIA DA COESÃO-TENSÃO PARA A ASCENÇÃO DA ÁGUA:

Em 1727 um fisiologista chamado Hales sugeriu que a água nas plantas entrava facilmente nas raízes, mas que só poderia ascender na planta graças à transpiração. Esta ideia foi mais desenvolvida nos finais do século 19 com Sachs e Strasburger que indicaram a transpiração como sendo a força motriz para a ascenção da água no xilema, mas não explicaram como isto era possível. Só em 1895 é que Ashkenasy primeiro e depois Dixon e Joly perceberam que a água confinada em pequenos tubos como o xilema desenvolve elevadas forças de coesão e é capaz de suportar grandes tensões (Kozlowski e Pallardy, 1997). Estas ideias levaram à chamada teoria da coesão-tensão que é a mais aceite (ainda que muito controversa) para explicar a subida da água em plantas a transpirar. Esta teoria assenta em 4 pressupostos (Kozlowski e Pallardy, 1997):  A água tem forças de coesão internas muito elevadas, e, quando confinada em pequenos tubos de paredes molháveis, como é o caso do xilema, pode suportar grandes tensões que podem chegar aos –30 MPa. (NOTA: paredes molháveis quer dizer paredes formadas por substâncias com as quais as moléculas de água podem estabelecer forças de adesão);  A água na planta constitui um sistema contínuo através das paredes das células saturadas de água desde as superfícies evaporantes das folhas até às superfícies absorventes das raízes; 41


As Relações Hídricas  Quando a água se evapora de qualquer parte da planta, mas sobretudo das folhas, a redução do potencial hídrico na superfície evaporante causa uma deslocação de água do xilema para essa superfície;  Devido às forças de coesão entre as moléculas de água, a perda de água por evaporação causa uma tensão na solução do xilema que é transmitida através das colunas contínuas de água até às raízes, onde reduz o potencial hídrico causando um influxo de água para o seu interior. De acordo com estas premissas, a teoria da coesão-tensão estabelece quer um mecanismo, quer uma força motriz para o fluxo da água através das plantas. A diferença de potencial hídrico entre a atmosfera e o solo deveria ser mais do que suficiente para providenciar a força motriz para a subida da água até ao topo das árvores mais altas. No entanto, este mecanismo requer, para poder operar, elevadas tensões no xilema e é difícil de imaginar como é que esta tensões podem ser mantidas durante a distância necessária. Por exemplo, é difícil construir uma bomba mecânica que puxasse água do topo de uma coluna de água com mais de 10 metros (equivalente a 1 bar de pressão) sem que haja falha por cavitação. É muito mais fácil utilizar pressões positivas aplicadas na base. Assim, a questão crítica é saber-se se a tensão de superfície da água é suficiente para manter estados de alta tensão e se assim for, quais são as condições para manter essa elevada tensão (Steudle, 2001). A força de tensão da água (ou de qualquer fluido) é muito difícil de medir, não é como uma barra de metal. Por outro lado, a força de tensão de uma coluna de água vai depender do diâmetro da conduta, das propriedades das suas paredes e da existência de gases ou solutos. Mesmo assim, existem alguns dados bastante consistentes que apontam para que água pura, sem gases dissolvidos suporta tensões de cerca de -25 a –30 MPa a 20 ºC. Estes valores são cerca de 10% da força de tensão do fio de cobre e cerca de 10 vezes superior à tensão necessária para levar uma coluna de água ininterrupta ao topo das árvores mais altas (Hopkins, 1995). A água no xilema, sob tensão, tem de permanecer no estado líquido a pressões muito abaixo da sua pressão de vapor. A 20 ºC a pressão de vapor da água é de 2,3 kPa ou 0,0023 MPa. Uma coluna de água sob tensão está, portanto, num estado fisicamente instável. Os físicos chamam a esta condição estado metaestável, ou seja, um estado em que podem facilmente ocorrer mudanças, mas em que essas mudanças só ocorrem, de facto, devido a um estímulo externo. A estabilidade física pode acontecer numa coluna de água sob tensão pela introdução de uma fase de vapor. As moléculas de água na fase de vapor têm muito baixa

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As Relações Hídricas coesão o que permite que o vapor se expanda rapidamente causando a ruptura da coluna de água e, assim, atenuando a tensão (Hopkins, 1995). A origem duma fase gasosa no xilema explica-se pelo facto da água no xilema conter vários gases dissolvidos, como o dióxido de carbono, o oxigénio e o azoto. Quando a coluna de água está sob tensão, há uma tendência para estes gases sairem da solução. primeiro formam-se bolhas submicroscópicas na interface entre a água e as paredes dos traqueídios ou das traqueias, provavelmente em pequenas fendas ou poros hidrofóbicos das paredes. Estas pequenas bolhas podem redissolver-se ou podem coalescer e expandir rapidamente preenchendo a conduta. Este processo de formação rápida de bolhas de ar no xilema é chamado cavitação (do latim cavus = oco). A bolha grande de gas constitui uma obstrução na conduta a que se dá o nome de embolia (do grego embolus = rolha) (Hopkins, 1995). A embolia tem implicações muito sérias para a teoria da coesão-tensão, uma vez que uma traqueia que sofre embolia deixa de poder transportar água. De facto, a probabilidade elevada de ocorrer cavitação do xilema foi apresentada como sendo a objecção principal à teoria da coesão-tensão quando esta foi formulada (Hopkins, 1995). Em 1966, Milburn e Johnson desenvolveram o método acústico para a detecção da cavitação do xilema. Em experiências laboratoriais com tubos finos de vidro, estes autores observaram que a relaxação rápida da tensão que segue a cavitação produz uma onda de choque que pode ser ouvida como um “clique”. Utilizando microfones sensíveis é possível ouvir estes “cliques” quando são produzidos nas plantas por cavitação no xilema. Utilizando folhas de rícino (Ricinus communis) em stresse, estes autores puderam demonstrar que existe uma relação bastante evidente entre a cavitação e a tensão no xilema o que suportaria, de certa forma, a teoria da coesão-tensão (Hopkins, 1995). Nos finais dos anos 80, Sperry e os seus colegas desenvolveram um outro método baseado nas alterações da condutância hidráulica, isto é, uma forma de medir a capacidade total dum tecido para conduzir água. O método acústico apenas contava o número e a frequência das cavitações, mas o método hidráulico permitia avaliar o impacto das embolias na capacidade de transportar água do tecido. Estes autores estudaram um talhão de áceres (Acer saccharum) e verificaram que durante a Primavera as embolias ocorriam essencialmente no tronco principal e reduziam a condutância hidráulica em 31% devido ao stresse de carência hídrica. No Inverno, a condutância do tronco principal reduzia-se de 60% e nos troncos secundários a redução podia atingir os 100%. Este aumento das embolias no Inverno estaria provavelmenete ligada a ciclos de congelação-descongelação. A solubilidade dos 43


As Relações Hídricas gases é muito baixa no gelo e, assim, quando a água congela os gases são forçados a sair da solução; quando se dá a descongelação as pequenas bolhas de gases expandem-se e causam a cavitação (Hopkins, 1995). O mecanismo principal para minimizar os efeitos das embolias prende-se com a estrura do xilema. A embolia fica simplesmente contida dentro dum traqueídio ou dum elemento do xilema. Nos elementos que apresentam pontuações areoladas a embolia fica retida pela estrutura da pontuação (figura 24). A diferença de pressão entre a traqueia que sofreu a embolia e a adjacente que está cheia de água faz com que o toro fique comprimido contra o bordo da pontuação, evitando que a bolha de gas passe para o outro lado. A tensão de superfície impede que a bolha passe através das pequenas aberturas das placas de perfuração entre elementos xilémicos contíguos. No entanto, a água vai continuar a fluir lateralmente através das pontuações contornando, assim, o elemento bloqueado (figura24). Para além de permitir que a água contorne o elemento bloqueado as plantas também podem tentar reparara embolia evitando os danos a longo prazo. Isto pode acontecer à noite quando há pouca transpiração. A redução da tensão no xilema permite que os gases se redissolvam na solução do xilema (Hopkins, 1995).

Figura 24: As bolhas de ar que se formam no xilema ficam contidas no elemento do xilema ou no traqueídio. A diferença de pressão resultante da embolia faz com que o toro vede as pontuações areoladas que existem no elemento afectado. A tensão de superfície evita que as bolhas passem através das perfurações terminais dos elementos. A água continua a fluir à volta do elemento xilémico bloqueado. Retirado de Hopkins (1995), figura 3.15, página 57

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As Relações Hídricas No caso das plantas herbáceas os gases podem ser forçados a redissolverem-se devido à pressão radicular, de que falaremos mais adiante. No caso das plantas lenhosas a explicação não é tão simples. Algumas espécies como a vinha (Vitis sp.) ou o ácer (Accer saccharum) desenvolvem uma forte pressão radicular no início da Primavera que pode estar relacionada com esta necessidade de recuperar os danos causados pelas embolias do Inverno. Por outro lado, a maioria das espécies lenhosas produz xilema secundário novo todas as Primaveras. Este xilema novo forma-se antes do desenvolvimento das gemas e podem satisfazer as necessidades da planta em termos de condutância hidráulica, substituindo o xilema velho e não funcional (Hopkins, 1995).

2.5.3. A TEORIA DA PRESSÃO RADICULAR:

Sempre que por qualquer motivo uma planta não estiver a transpirar desenvolve-se uma pressão positiva nos vasos xilémicos da raiz e da base dos caules (figura 25). Os iões minerais são acumulados activamente pelas células da raiz e são bombeados para dentro do xilema, onde, devido à ausência de transpiração, o movimento de água é negligível causando um aumento da concentração dos sais. Este aumento em sais provoca uma diminuição do potencial osmótico no xilema, o que causa uma entrada de água por osmose (Taiz e Zeiger, 1998). O movimento da água, através dos tecidos da raiz para o cilindro central, ocorre através das paredes das células. No entanto, a água tem de passar pelas membranas e protoplastos das células da endoderme, porque as suas paredes são impermeáveis à água. Todo o anel formado pelas células da endoderme actua como uma simples mem-brana, com uma solução concentrada no lado do xilema, e uma solução diluída no lado do cortex. Assim, a raiz funciona como um osmómetro, com a água a difundir-se em resposta a uma diferença de concentrações, do solo através da “membrana” endoderme para o xilema. Isto causa o aumento da pressão nas células do xilema. A parede impermeável da endoderme também impede que os sais bombeados para o xilema se difundam de novo para o córtex e para o exterior da raiz. Quando se destaca, ao nível do solo, o caule de uma planta que não esteja a transpirar, a superfície de corte exuda grande quantidade de fluido (figura 26). Se se colocar um manómetro na extremidade cortada, observar-se-á que as raízes estão a produzir uma certa pressão (figura 25), é a chamada pressão radicular (Taiz e Zeiger, 1998). 45


As Relações Hídricas A pressão radicular só poderá ser a causa da ascenção da solução xilémica nas plantas muito jovens, antes das folhas estarem completamente desenvolvidas e a transpiração se tornar um processo dominante.

2.6. AS PERDAS DE ÁGUA PELA PLANTA: 2.6.1. A TRANSPIRAÇÃO:

De toda a água absorvida pelo sistema radicular apenas uma pequena fracção fica retida na planta. A maior parte é evaporada pela parte aérea para o ar circundante. Verificou-se que, numa planta de milho, cerca de 98 % da água absorvida é evaporada pela planta, 1.8 % é retida na planta e apenas 0.2 % é utilizada na fotossíntese.

Figura 25: Experiência que mostra a existência de pressão radicular. A solução excretada pela base do caule está sujeita a uma pressão que pode ser lida no manómetro de mercúrio. Retirado de Galston, Davies e Satter (1980), figura 6.17, página 161

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As Relações Hídricas

Figura 26: Exemplos de exsudação da solução xilémica devida à pressão radicular, em feijoeiro (Phaseolus vulgaris) à esquerda e tomateiro (Lycopersicon esculentum) à direita. As fotografias foram retiradas 5 minutos após a excisão do caule de plantas bem regadas. Retirado de Hopkins (1995), figura3.10, página53

A esta perda de água pelas plantas, na forma de vapor, dá-se o nome de transpiração. A transpiração nas plantas pode ser cuticular, lenticular e estomática (Salisbury e Ross, 1992). A primeira é uma interface líquido-vapor na qual ocorre a evaporação, as outras duas são uma via estrutural para o movimento do vapor que existe entre um espaço já preenchido com vapor de água e a atmosfera . 2.6.1.1. Tipos de transpiração nas plantas:  A transpiração cuticular: Nas paredes exteriores das células da epiderme de todos os orgãos da parte aérea de plantas herbáceas, nas folhas e caules jovens das restantes plantas, existe uma estrutura chamada cutícula. A cutícula apresenta duas zonas (figura 27): a mais exterior e que constitui a cutícula propriamente dita, formada essencialmente por cutina; e a camada cuticular constituida por placas de celulose e cutina. Na cutícula propriamente dita podem existir depósitos de ceras e cristais de outras substâncias lipídicas (Mazliak, 1975). A camada cuticular pode conter quantidades variáveis de água dependendo da hidratação da cutícula. Assim, a transpiração cuticular ocorre a uma taxa que depende não só do déficite de vapor de água da atmosfera, mas também da área da superfície da água exposta ao ar. A perda de água pela cutícula é geralmente muito pequena, com excepção das plantas sem estomas funcionais, como musgos e fetos. Nas coníferas

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As Relações Hídricas e nas árvores de folha caduca, a transpiração cuticular pode representar, respectivamente, de 1/30 a 1/40 e de 1/8 a 1/12 da transpiração estomática. Nas folhas jovens, a transpiração cuticular pode constituir 1/3 a 1/2 da transpiração total (Sebanek, 1992).

Figura 27: Esquema da cutícula. Adaptado de Mazliak (1975), figura 108, página 263

 A transpiração lenticular: Na grande maioria das plantas existem zonas da periderme, quer dos caules, quer das raízes, em que as células têm um arranjo menos estruturado, podendo ou não ter as paredes suberizadas. A estas zonas dá-se o nome de lentículas (figura 28).

Figura 28: Esquema duma lentícula em Sambucus nigra. Retirado de Fahn (1974), figura 181, página 405

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As Relações Hídricas As células, de maiores dimensões, do tecido complementar apresentam numerosos espaços intercelulares o que leva a pensar que a função das lentículas está relacionada com as trocas gazosas, embora a sua importância a nível da planta, como um todo, seja aparentemente diminuta.  A transpiração estomática: A transpiração estomática consiste na saída de vapor de água da planta, através dos estomas situados na epiderme duma folha ou caule verde e representa um dos processos de maior importância na interacção entre a planta e o ambiente. Por esta razão, e porque quando consideramos a transpiração como um todo, a componente estomática é largamente dominante, passaremos a tratar a transpiração como se fosse apenas estomática. 2.6.1.2. A importância fisiológica da transpiração: A perda de água, na forma de vapor, que a planta experimenta na transpiração não parece ser um processo “lógico” em organismos que habitam um meio essencialmente seco, como é o meio terrestre. Assim, levanta-se a questão de saber qual é a vantagem selectiva da transpiração. É evidente que as plantas terrestres precisam de absorver CO2 da atmosfera, e é possível que o mecanismo estomático tenha evoluído nesse sentido, sendo a transpiração, aparentemente um “mal necessário”. No entanto, verificou-se que, em certos casos, a transpiração tem uma importância fisiológica indiscutível (Salisbury e Ross, 1992):  No transporte de nutrientes minerais: os minerais que são absorvidos pelas raízes movem-se para a parte aérea no fluxo transpiracional. Embora também haja movi-mento de sais minerais em plantas que não transpiram, não há dúvidas que o fluxo transpiracional permite que a absorção de sais minerais a partir do solo se processe a uma taxa mais elevada.  Turgidez óptima: verificou-se experimentalmente que as plantas num ambiente de 100 % de humidade relativa não crescem tão bem como em situações em que existe uma certa transpiração. Pensa-se que existe uma turgidez óptima acima e abaixo da qual as funções celulares das plantas são menos eficientes. Se as plantas não podem transpirar, as células tornam-se demasiado túrgidas e as células não crescem à mesma taxa que quando existe uma certa carência hídrica.  Arrefecimento das folhas: na natureza a transpiração desempenha um papel muito importante no arrefecimento das folhas. A evaporação da água é um processo muito importante no arrefecimento de qualquer corpo. Quando 1 g de água

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As Relações Hídricas se evapora a 20 ºC absorve 2.45 kJ do ambiente (calor latente de vaporização). As plantas evaporam grandes quantidades de água para a atmosfera e assim, dissipam grandes quantidades de energia. 2.6.1.3. Periodicidade da transpiração nas plantas: Todos os factores exógenos e endógenos que afectam a transpiração estão sujeitos a alterações durante o dia, originando uma periodicidade diúrna na taxa a que este processo ocorre. Para a maior parte das plantas durante a noite a taxa de transpiração é geralmente baixa, perto de zero, aumentando depois do nascer do Sol até atingir um máximo ao meio-dia. Da parte da tarde a transpiração começa a diminuir até atingir, ao entardecer, os valores mínimos, semelhantes aos da noite (Sebanek, 1992). Durante a ontogenia, a evolução da taxa de transpiração é diferente consoante as espécies. Nos estádios iniciais do desenvolvimento, por exemplo de cereais, a taxa de transpiração é muito elevada, registando-se os valores máximos no final do estádio de afilhamento, seguido de um decréscimo abrupto com valores mínimos no final do estádio de crescimento rápido e no início da antese. Existe outro pico de transpiração durante a floração, seguido de um decréscimo depois do estádio de maturação láctea e que continua até ao fim da maturação cerosa. Por exemplo, em cultivares de trigo (Triticum sp.) de Primavera ou Inverno, o consumo de água varia, respectivamente, de 0.8 a 1.0 litro e de 1.0 a 1.2 litros, por afilhamento. Em campos irrigados, um afilhamento duma planta de trigo pode precisar de 2 litros de água (Sebanek, 1992). 2.6.1.4. Trajecto do vapor de água da folha para a atmosfera: Quando os estomas estão fechados, a densidade de pressão de vapor nos espaços intercelulares está muito perto da saturação. Nestas condições o potencial da água nas paredes das células está muito próximo de zero, assim como o potencial hídrico das células do mesófilo com o qual aquela água está em equilíbrio (Meidner e Sheriff, 1976). Quando os estomas abrem e começa a difusão do vapor para o exterior, desenvolve-se um gradiente de pressão de vapor entre as paredes das células, local de evaporação, e a câmara estomática. Normalmente, a densidade de pressão de vapor na câmara estomática não desce abaixo dos 96 % de saturação, o que corresponde a um valor de potencial hídrico () da ordem dos -5.0 Mpa. Em vez dum equilíbrio estático desenvolve-se um gradiente dinâmico de potenciais hídricos entre 50


As Relações Hídricas a água nas paredes das células e a fase de vapor. Assim que a densidade de vapor deixa de ser 100 % de saturação, o potencial hídrico da fase vapor torna-se mais negativo que o da fase líquida. A 20 ºC, para uma humidade relativa de 99 % o  é de -1.37 Mpa, e para 98 % é de -2.72 Mpa (figura 29). O potencial hídrico das paredes das células diminui, essencialmente devido às forças matriciais, à medida que a água é perdida por evaporação e os meniscos dos poros se

Figura 29: Representação esquemática das linhas de fluxo de vapor entre a câmara estomática e a atmosfera exterior. A área da parede interna da epiderme representa um terço da superfície interna total da câmara. Retirado de Meidner e Sheriff (1976), figura 2.1, página 29

retraiem para capilares mais estreitos. No entanto, desde que o potencial hídrico das células permaneça razoavelmente alto, continua a haver um movimento de água para as paredes das células. Mesmo quando o potencial hídrico das células diminui drásticamente, devido à perda de turgidez ou diminuição do potencial osmótico, o sistema contínuo de água na planta permite o fornecimento de água para as células do mesófilo, assim como para os locais de evaporação (Meidner e Sheriff, 1976). O grau de saturação mantido nos espaços intercelulares, quando os estomas abrem, depende da taxa de difusão do vapor para o exterior, e esta depende por sua vez, da resistência estomática e da densidade de pressão de vapor da atmosfera (Meidner e Sheriff, 1976). Convém salientar que a taxa potencial de evaporação dentro duma folha é substancialmente maior que a existente numa superfície de água com a mesma área 51


As Relações Hídricas que a folha. Isto deve-se a que a área total de evaporação, ou seja, as paredes interiores da epiderme e as paredes das células do mesófilo, podem ser de sete a trinta vezes superiores à área da folha. Apesar de tudo o que foi dito, a folha pode ser considerada como um orgão que retém a água. Pensa-se que a parede interna da epiderme na proximidade do poro estomático é o local principal de evaporação dentro da folha, como se pode observar na figura 29. Nestes locais é criada uma diferença de densidade de vapor relativamente maior que a das paredes do mesófilo, mais afastadas do poro estomático, acelerando a evaporação. Verificou-se igualmente que o tecido epidérmico tem uma condutividade hidraúlica relativamente elevada, de forma que a água perdida por evaporação é facilmente renovada. Assim, a maior parte do volume de ar entre as células do mesófilo permanece perto da saturação e a perda de vapor das paredes destas células é comparativamente lenta, permitindo a retenção da água líquida. Além disto, a condutividade hidraúlica das paredes exteriores do mesófilo diminui com a carência hídrica, evitando um decréscimo demasiado drástico no espaço de ar da folha (Meidner e Sheriff, 1976). 2.6.2. A GUTAÇÃO: Além da perda de água na forma de vapor que ocorre na transpiração, as plantas também perdem água na forma líquida no processo denominado gutação (figura 30). Este ocorre quando o ar está saturado de vapor de água, de modo que a transpiração diminui ou pára.

Figura 30: Exemplo de gutação: As setas indicam gotas de solução xilémica exsudadas através de hidátodos em folhas de plântulas de milho (Zea mays) A. Costa, colecção particular (2001)

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As Relações Hídricas Esta saída de água no estado líquido ocorre através de estruturas chamadas hidátodos (figura 31). Estes secretam água que é levada para a superfície da folha pelos traqueídios terminais dos feixes vasculares. Esta água passa através dos espaços intercelulares do parênquima do hidátodo que não possui cloroplastos e que é denominado epitema. Os espaços intercelulares abrem para o exterior através de poros especiais que são originariamente estomas que permanecem sempre abertos.

Figura 31: (A) Esquema dum corte dum hidátodo numa folha de Ribes viburnifolium. (B) Poro que resulta de um estoma modificado. Retirado de Fahn (1974), figura 116, página 262

3. FISIOLOGIA ESTOMÁTICA

3.1. A ESTRUTURA DOS ESTOMAS: A palavra estoma é proveniente do grego e originalmente significa boca. O póro estomático é formado entre duas células guarda, que são células especializadas da epiderme (figura 32). Estas células podem ser de dois tipos: elípticas (em forma de rim), e de gramíneas (em forma de alter). Muitas vezes utilizase, incorrectamente, o termo estoma para designar não apenas o poro, mas também as células guarda e outras células adjacentes que formam o complexo estomático. Se as células adjacentes são morfologicamente diferentes das restantes células da epiderme chamam-se células subsidiárias, se são semelhantes denominam-se células vizinhas (Weyers e Meidner, 1990). As células guarda só apresentam 53


As Relações Hídricas plasmodesmos entre elas e não apresentam qualquer tipo de conecção com as restantes células do complexo estomático. Assim, todos os compostos importados para o seu interior têm de atravessar a membrana plasmática. Esta característica do complexo estomático é extremamente importante em termos fisiológicos. Além dos estomas a epiderme não apresenta espaços intercelulares. As paredes mais exteriores da epiderme e das células guarda apresentam cutícula que continua numa forma mais fina nas paredes ventral e laterais das células guarda, e nas paredes interiores das células da epiderme que limitam uma câmara subestomática (Weyers e Meidner, 1990). A figura 33 mostra um modelo de células guarda elípticas em secção transversal e vistas à superfície.

Figura 32: Estomas das três espécies mais usadas em estudos de fisiologia estomática. a) Commelina communis que é uma monocotiledónea com um complexo hexacítico, isto é, apresenta seis células subsidiárias; b) Vicia faba, que é uma dicotiledónea sem células vizinhas morfologicamente especializadas; o complexo denomina-se anomocítico; c) Zea mays, que é uma monocotiledónea com células guarda do tipo das gramíneas e um par de células subsidiárias, isto é, com um complexo paracítico. Retirado de Weyers e Meidner (1990), figura 2.1, página 3

3.2. A FREQUÊNCIA ESTOMÁTICA: A frequência estomática (ou densidade estomática) duma epiderme com estomas varia com as espécies, entre os 20 e os 2 000 poros mm-2, sendo na maioria das plantas de 40 a 350. O número total de estomas numa folha pode ser calculado a partir do produto da frequência pela área foliar, embora a frequência não seja uniforme na superfície foliar. A frequência dos estomas em relação às células epidérmicas pode ter maior interesse fisiológico que o seu valor absoluto. Assim, pode ser mais apropriado calcular o índice estomático, dado por:

Indíce estomático =

freq. estom. x 100 freq. estom. + freq. outras cél. epid.

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As Relações Hídricas

Figura 33: Diagrama dum estoma elíptico aberto, em secção transversal e à superfície. A escala pode ser retirada da largura do poro (A), que é de 10 m; as outras dimensões estão em proporção para folhas de plantas herbáceas, as folhas de plantas lenhosas tendem a ter células de menores dimensões. (B) - comprimento do poro; (C) - largura da célula guarda; (D) - profundidade da célula guarda; (E) abertura entre as orlas exteriores (abertura eisodial); (F) - comprimento das células guarda; (G) - largura do par de células guarda. Quando observadas ao microscópio óptico, as orlas cuticulares e outras características da parte ventral das células guarda veêm-se como uma série de linhas concêntricas, algumas das quais não estarão em foco. Retirado de Weyers e Meidner (1990), figura 2.2, página 4

Quando as células completam a sua diferenciação, o índice estomático tornase in-dependente do tamanho da folha. Se se puder determinar a frequência e a média da área dos poros, então a área total dos poros estomáticos pode ser calculada como uma percentagem da área foliar. Este valor situa-se geralmente entre os 0.3 a 2 % se o diâmetro médio do poro for cerca de 6 m (Weyers e Meidner, 1990).

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As Relações Hídricas

3.3. MECANISMO DA ABERTURA ESTOMÁTICA: 3.3.1. A FUNÇÃO DAS PAREDES DAS CÉLULAS GUARDA:

As células guarda alteram a sua turgidez e o seu volume durante o movimento estomático. A sua deformação resulta do espessamento e extensibilidade das paredes não ser igual em todas. Vendo de cima, a abertura dum estoma elíptico deve-se essencialmente à expansão das células guarda nos pólos. A parte central das paredes dorsal e ventral também se estende e, como as paredes estão ligadas nos pólos, tendem a curvar-se para o exterior criando um poro elíptico entre as paredes

ventrais.

Estas

deformações

são

facilitadas

pela

orientação

das

microfibrilhas das paredes, como se pode ver na figura 34 a). Nas células guarda das gramíneas que podemos observar na figura 34 b), a parte central é bastante rígida e é afastada quando os pólos se expandem, formando uma abertura quase rectangular (Weyers e meidner, 1990).

Figura 34: Alterações nas dimensões das células guarda, vistas de cima, e a influência da orientação das microfibrilhas e da espessura das paredes. a) Orientação das microfibrilhas nas paredes dum estoma elíptico (Vicia faba): as setas indicam a direcção da expansão das células guarda e o movimento durante a abertura do estoma. b) Diagrama correspondente para as células dum estoma de gramíneas (Zea mays): os pólos bulbosos e de paredes finas das células parecem estar ligados por póros ao longo da parede comum. O alargamento das partes terminais das células causa o afastamento das paredes centrais rígidas, permitindo a abertura do póro que raramente excede 4 m de largura. De notar as diferenças nas escalas. Retirado de Weyers e Meidner (1990), figura 2.3, página 7

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As Relações Hídricas 3.3.2. A IMPORTÂNCIA DAS CÉLULAS VIZINHAS: As formas, tamanhos, o arranjo espacial e as características das outras células do complexo estomático são importantes para que ocorram as mudanças de abertura dos estomas. A comparação dos complexos estomáticos antes e depois da abertura do póro mostra que o aumento de volume das células guarda é parcialmente compensado pelo decréscimo de volume das células vizinhas. A parede dorsal das células guarda em expansão faz uma protuberância para o interior das células vizinhas (figura 35). Estas mudanças no volume são devidas ao movimento osmótico da água que segue o aumento do conteúdo em solutos das células guarda, o que também modifica as relações de turgescência entre as células guarda e as vizinhas (Weyers e meidner, 1990).

Figura 35: Exemplo das deformações experimentadas pelas diferentes paredes das células guarda durante o movimento de abertura do poro estomático. Adaptado de Weyers e Meidner (1990), figura2.4, página 8

A maior “profundidade de contacto efectivo” das células vizinhas dá origem à chamada vantagem mecânica destas células. A relação entre a turgescência das células guarda e a das células vizinhas e a abertura estomática pode ser modelada pela seguinte equação (Weyers e Meidner, 1990): A = Ao + (bg pg) + (bn pn) em que, A é a abertura estomática; Ao é uma constante com as mesmas unidades de A; pg e pn são, respectivamente, os potênciais de pressão das células guarda e vizinhas; bg e bn indicam o efeito em A da mudança duma unidade de turgescência em ambos os tipos de células, permanecendo os outros parâmetros constantes. Os valores de bg são positivos e os de bn negativos. O valor absoluto da razão entre bn e bg é geralmente maior que 1 e é chamado de razão de antagonismo (AR). Este parâmetro permite quantificar a vantagem mecânica das células vizinhas. Estimativas de AR variam muito com as espécies, sendo de 1.6 para Tradescancia virginiana e de 3.1 para Commelina communis. O valor de AR varia também com a largura do póro (Weyers e Meidner, 1990). 57


As Relações Hídricas Existiriam valores positivos de Ao se o póro estivesse aberto mesmo quando pg e pn tivessem valores de zero. Esta situação já foi descrita mas parece ser muito rara. Quando Ao tem valor negativo, é necessário que haja um aumento da pressão no interior das células guarda antes que o póro abra (mesmo que as células vizinhas não estejam túrgidas). À fase de aumento de turgescência nas células guarda antes do póro abrir foi dado o nome de fase de tensão, e à fase em que o aumento de turgescência causa a abertura estomática foi dado o nome de fase motora (Weyers e meidner, 1990). Este assunto, aparentemente de interesse meramente teórico, permite-nos compreender certos resultados, como por exemplo, na situação em que AR>1 os estomas fecham se a turgescência da epiderme está a aumentar e abrem se a turgescência da epiderme diminuir (Weyers e Meidner, 1990).

3.4. ALTERAÇÕES OSMÓTICAS DAS CÉLULAS DO COMPLEXO ESTOMÁTICO:

As alterações em pg e pn que originam os movimentos estomáticos podem ocorrer devido a alterações do potencial hídrico de um destes tipos de células (g ou n) ou devido a alterações dos seus potenciais osmóticos (g ou n). Devido à grande diferença de volume entre as células guarda e as vizinhas (as células guarda podem ser dez vezes mais pequenas), a abertura estomática é mais influenciada por alterações nos solutos das células guarda que nos das células vizinhas, apesar da vantagem mecânica destas últimas (Weyers e Meidner, 1990). Muitos dados obtidos até agora mostram que o potencial osmótico das células guarda diminui, isto é, fica mais negativo quando os estomas abrem. Na fava (Vicia faba), foram registados valores de potencial osmótico de -1.9 MPa para estomas fechados e -3.5 MPa para estomas abertos. Como as células guarda praticamente duplicam o seu volume durante a abertura, este aumento da concentração de solutos ocorre apesar da diluição (Salisbury e Ross, 1992). Em resumo, os estomas abrem devido à absorção de água pelas células guarda, e esta absorção é causada pela concentração de solutos que provoca uma diminuição do potencial osmótico.

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As Relações Hídricas 3.4.1. OS SOLUTOS DAS CÉLULAS GUARDA NO MOVIMENTO ESTOMÁTICO: Desde os anos 60 que se sabe que à medida que os estomas abrem, iões potássio (K+) se deslocam das células vizinhas para as células guarda (Salisbury e Ross, 1992). Na figura 36 podemos ver um esquema que representa as trocas do ião K+ e H+, entre as células guarda e as subsidiárias. Na segunda metade dos anos 90, trabalhos realizados pela equipa de E. Zeiger na Universidade da California – L.A. chamaram a atenção para a importância da sacarose como osmótico no funcionamento estomático. Estudos sobre o conteúdo em solutos das células guarda mostraram que o potássio é mais importante no início do dia, mas depois a sua concentração diminui ao mesmo tempo que a concentração em sacarose aumenta, atingindo um pico na fase do dia em que a abertura estomática é máxima (figura 37).

+

Figura 36: Mudanças quantitativas na concentração em K (m = molal) e nos valores de pH dos vacúolos das várias células que constituem o complexo estomático. São apresentados valores para estomas abertos (à esquerda), e fechados (à direita). Retirado de Salisbury e Ross (1992), figura 4.10, página 79

Assim, segundo Talbott e Zeiger (1998) são quatro os solutos claramente implicados na osmoregulação das células guarda: o ião potássio (K+); o ião cloro (Cl-); o ião malato (malato–2) e a molécula de sacarose. O cloro e o malato funcionam como “counterions” do potássio, e o seu conteúdo relativo vai depender da espécie e das condições em que as plantas se desenvolveram. Assim, com excepção das Liliaceae, como a cebola (Allium cepa), que não acumulam amido nos seus

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As Relações Hídricas cloroplastos e por isso utilizam exclusivamente o Cl-, o ião malato aparenta ser o “counterion” principal do K+.

+

Figura 37: Abertura dos estomas, conteúdo relativo em potássio (K ) e em sacarose nas células guarda de folhas de faveira (Vicia faba L.) ao longo do dia. O conteúdo em sacarose foi determinado por HPLC + e é expresso em pmoles por par de células guarda (GC). O K foi determinado por coloração e está expresso em percentagem de área da célula guarda coberta pela coloração. Retirado de Talbott e Zeiger (1998), figura1, página330

O conteúdo relativo destes solutos pode ser regulado, segundo estes autores, pelo menos por três vias distintas:  A via do K+ e do Cl-: Esta via envolve a absorção destes iões do apoplasto, e a síntese do ião malato a partir de “esqueletos” de carbono derivados da hidrólise do amido (figura 38). Esta via está associada com o abrir dos estomas, em folhas intactas, às primeiras horas do dia quando a luz é relativamente mais rica nos comprimentos de onda azuis (c.d.o.), ou em estomas isolados submetidos a luz azul ou branca.  A via da sacarose proveniente da hidrólise do amido: Esta via pode ser inferida pelo facto da acumulação em sacarose não ser afectada pelo DCMU (3-(3,4-diclorofenil)-1,1-dimetilureia, agente que bloqueia o fluxo electrónico na fotossíntese) e pela hidrólise elevada do amido quando os estomas isolados são iluminados com luz azul (figura 39).

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As Relações Hídricas

Figura 38: Via de regulação do conteúdo das células guarda nos diferentes iões que ocorre no início do dia em folhas intactas ou em estomas isolados quando iluminados com luz azul ou branca. Nesta via o + potássio (K ) e o cloro (Cl ) são provenientes do apoplasto em associação com a extrusão de protões + (H ) enquanto que o ião malato é formado a partir da hidrólise do amido. Retirado de Talbott e Zeiger (1998), figura 3a), página 333

 A via da síntese de sacarose a partir de fotoassimilados nas célula guarda: Nesta via a acumulação em sacrose é afectada pelo DCMU e ocorre na ausência de hidrólise de amido (figura 40). Esta via implicaria a capacidade das células guarda realizarem fotossíntese a taxas suficientemente elevadas para permitir explicar esta acumulação em sacarose.

Figura 39: Via de osmoregulação das células guarda que opera em fase mais adiantada da abertura estomática em ilumonação por luz azul e que envolve a síntese de sacarose a partir da hidrólise amido. Talbott e Zeiger (1998), figura 3b, página333

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As Relações Hídricas Se hoje em dia não há polémica sobre a importância da sacarose na abertura estomática, já o mesmo não se pode dizer sobre a sua origem. Para Ritte et al. (1999) o aumento de sacarose nas células guarda não pode ser explicado pela realização de fotossíntese, mas antes pela absorção deste açúcar do exterior e a partir da hidrólise do amido no interior das células guarda. Segundo estes autores, a redução fotossintética do carbono pode apenas explicar 10% do carbono reduzido necessário para abrir os estomas, se os solutos principais forem o K+ e o malato, e apenas 2% do carbono reduzido se os solutos principais forem hexoses. Estes autores observaram que protoplastos de células guarda de ervilheira (Pisum sativum L.) absorvem hexoses em simporte com protões. No entanto, este mecanismo só pode ser efectivo na manutenção da abertura estomática quando as taxas de fotossintese e transpiração são muito elevadas. Ou seja, este mecanismo seria insuficiente para explicar o iniciar da abertura estomática, mas permitiria manter os estomas abertos.

Figura 40: Via de osmoregulação das células guarda observada em fase adiantada da abertura estomática em folhas intactas ou em estomas isolados iluminados por luz vermelha (luz actínica na fotossíntese). Talbott e Zeiger (1998), figura 3c, página333

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As Relações Hídricas 3.4.2. MECANISMOS DO MOVIMENTO DOS SOLUTOS PARA DENTRO E PARA FORA DAS CÉLULAS GUARDA:  O potássio (K+) Existem dados que apontam para que a absorção de potássio pelas células guarda, quando os estomas abrem, é condicionada pelo funcionamento duma bomba protónica dependente de ATP, que exporta H+ para o exterior das células guarda (H+ATPase) e que é activada pela luz vermelha e luz azul. Esta bomba protónica cria uma hiperpolarização da membrana que leva à entrada de K+ para as células guarda por canais rectificadores de potássio em direcção ao interior (“inward-rectifying K+ channels” - K in ) (Schroeder et al., 2001). A saída do potássio das células guarda devido à acção de factores que diminuem a abertura estomática parece realizar-se devido a uma depolarização da membrana causada pela saída de aniões por canais especializados, que causa por uma lado a inibição de K in e por outro lado a activação de canais rectificadores de  potássio em direcção ao exterior (“outwards-rectifying K+ channels” - K out )

(Schroeder et al., 2001).  O cloro (Cl-) Nalgumas espécies o ião Cl- acompanha a entrada de potássio, para dentro das células guarda por cotransporte com protões ou antiporte com iões hidróxilo. A saída do cloro das células guarda parece realizar-se através de dois tipos de canais para aniões (S-type e R-type) que resultam da depolarização da membrana devida a factores, como a hormona Ácido Abscísico (ABA), que estimulam o fecho estomático (Schroeder et al., 2001).  O ião malato (malato2-) O ião malato, como se viu anteriormente, é sintetizado nas células guarda quando os estomas estão a abrir à luz. Quando os estomas são induzidos a fechar o ião malato sai das células guarda essencialmente devido aos canais de aniões que já vimos anteriormente para o cloro.  A sacarose Existem dados que apontam que a absorção de sacarose do apoplasto á volta das células guarda por simporte com protões é suficiente para manter a abertura estomática (Ritte

et al., 1999). Quando os estomas são induzidos a fechar o

transporte da sacarose é inibido e provavelmente a sacarose presente nas células guarda é rapidamente metabolizada.

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As Relações Hídricas

3.5. FACTORES QUE AFECTAM A ABERTURA ESTOMÁTICA: Os estomas controlam a difusão de CO2 para dentro das folhas para que possa ocorrer fotossíntese e a difusão de vapor de água para fora das folhas no processo da transpiração. Uma regulação eficaz da abertura estomática é fundamental para que as plantas possam ter um bom desenvolvimento. Assim, as células guarda possuem uma rede muito sofisticada de vias de sinalização que respondem a uma multiplicidade de factores internos e externos, de forma a controlar a abertura estomática. A compreensão desses factores e das respostas que induzem da parte das células guarda constituem hoje em dia um dos campos de maior desenvolvimento em Fisiologia Vegetal. Atendendo à complexidade destas respostas o seu estudo detalhado está fora do contexto destes apontamentos, pelo que nos limitaremos a um estudo muito superficial dos principais factores exógenos. 3.5.1. A CONCENTRAÇÃO EM CO2: Os estomas são sensíveis à presença de CO2, fechando sempre que a concentração em CO2 aumenta quer na câmara estomática devido a um aumento da respiração mitocondrial, quer devido a uma aumento do CO2 atmosférico. Concentrações elevadas de CO2 causam um aumento da concentração de cálcio citosólico [Ca2+]cit, este causa uma depolarização da membrana plasmática  com a consequente activação do canal de aniões do tipo S; da activação duma K out

e da modulação dum canal de aniões do tipo R (figura 41) (Cousson, 2000 e Schroeder, 2001). O(s) sensor(es) para o CO2 não estão ainda claramente definidos. Cousson em 2000 sugeriu que o aumento em CO2 é sentido pelo decréscimo na produção e extrusão de protões (figura 40), mas para outros autores os sensores poderão estar localizados nos cloroplastos das células guarda onde causariam um decréscimo dos níveis do carotenóide zeaxantina (Zhu et al., 1998, cit. em Schroeder, 2001), ou ainda pela regulação da concentração em zeaxantina causada pela alteração da taxa de fixação fotossintética do CO2 nos cloroplastos (Zeiger, 2000).

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As Relações Hídricas

Figura 41: Esquema demonstrativo dos processos de percepção e de transmissão envolvidos na resposta das células guarda ao CO2. A , anião; PEP, fosfoenolpiruvato; PEPcase, fosfoenolpiruvato carboxilase. Retirado de Cousson (2000), figura 10, página 494

3.5.2. A RADIAÇÃO: Os estomas respondem à luz vermelha e à luz azul aumentando as suas aberturas. Pensa-se que o receptor da luz vermelha é a clorofila e o efeito da radiação com estes c.d.o. está relacionado com a fotossíntese, quer directamente na redução fotossintética do CO2 (Talbott e Zeiger, 1998) quer pelo aumento do teor em ATP utilizado no funcionamento das H+-ATPase necessárias para a entrada do K+ nas células guarda (Schroeder, 2001). Demonstrou-se recentemente que o receptor para a luz azul nas células guarda é um carotenoide – zeaxantina – localizado nos cloroplastos. A absorção da luz azul causa uma reacção fotoquímica, presumivelmente uma isomerização da molécula de zeaxantina que é o primeiro passo na cascata de transmissão do sinal que terminará na activação duma H+-ATPase (figura 42). Esta bomba protónica, como vimos anteriormente, activará uma K in que causará o fluxo de iões K+ para o interior da célula guarda (Zeiger, 2000). 3.5.3. A TEMPERATURA Estudos da abertura estomática em função da temperatura mostram um óptimo de temperatura bastante largo, entre os 32 e os 38 ºC, para muitas espécies. 65


As Relações Hídricas No entanto, a variação é pequena, sendo Q10 = 2 entre 18 e 35 ºC, e assim, os efeitos directos de pequenas mudanças de temperatura (2 ou 3 ºC), são geralmente pouco significativos dentro desta gama de valores (Sebanek, 1992). Em contrapartida, os efeitos indirectos podem ser muito importantes. Por exemplo, o aumento de temperatura de apenas dois ou três graus, vai aumentar dras-ticamente o gradiente de difusão do vapor de água, de que resulta um aumento da trans-piração e possivelmente o aumento da carência hídrica da folha (Sebanek, 1992). 3.5.4. O VENTO: Os efeitos dos movimentos do ar nas taxas de transpiração são muito complexas. O aumento do vento reduz a camada de ar

adjacente às folhas

(“boundary layer”), o que se traduz num aumento da transpiração, mas a longo prazo a taxa de transpiração diminui devido ao fecho estomático (Kramer e Boyer, 1995).

3.5.5. A NUTRIÇÃO: É importante um fornecimento adequado de potássio durante o crescimento das plantas, devido especialmente às suas funções no mecanismo estomático. As plantas que sofreram, durante o seu desenvolvimento, duma carência nutricional em potássio não conseguem abrir tanto os estomas como as restantes (Sebanek, 1992). Para além do potássio, também uma carência em azoto altera o funcionamento estomático, possivelmente por aumentar a resistência radicular à entrada de àgua. Uma deficiência em fósforo causa um fecho estomático antes das folhas perderem a turgescência (Kramer e Boyer, 1995), pelo que este elemento deverá estar directamente envolvido na fisiologia das células guarda. O cálcio é um mensageiro secundário de grande importância na fisiologia das células guarda, e uma carência nutricional neste elemento vai causar grandes alterações no funcionamento dos estomas.

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As Relações Hídricas

Figura 42: Transdução da recepção da luz azul nas células guarda. A luz azul é sentida pelo carotenoide zeaxantina na antena dos cloroplastos das células guarda. Violanxantina e zeaxantina são os constituintes principais do ciclo das xantofilas. O mutante de Arabidopsis thaliana npq 1 apresenta uma deficiência na de-epoxidase da violaxantina e por isso não pode acumular zeaxantina. A concentração nas células guarda em zeaxantina vai depender do pH do lúmen dos cloroplastos, que é modulado pelas taxas do transporte electrónico nas membranas dos tilacóides e pelo consumo de ATP e de NADPH na fixação de CO2 no Ciclo de Calvin. A regulação das concentrações em zeaxantina pela taxa de fixação fotossintética do CO2 nos cloroplastos das células guarda proporciona a estas células um mecanismo de detecção do CO2. A grandeza da resposta à luz azul depende da concentração em zeaxantina e do número de fotões azuis absorvidos. A cascata é iniciada pela excitação da zeaxantina pela luz azul e o sinal é transmitido ao citoplasma onde activa uma proteina cinase (serina/treonina). A + proteina cinase fosforila o terminal C duma H -ATPase e, assim, activa a enzima. Uma proteina 14-3-3 + liga-se à ATPase fosforilada e estabiliza-a. A desfosforilação dissocia a proteina 14-3-3 e inactiva a H ATPase. Retirado de Zeiger (2000), figura1, página 184

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As Relações Hídricas 3.5.6. A HUMIDADE: As células guarda reagem a diferenças de humidade do ambiente muito rapidamente (figura 43). Assim, há dados que apontam para uma maior abertura dos estomas de certas espécies, quando em ambientes de elevada humidade relativa, e uma menor abertura em ambientes mais secos (Kramer e Boyer, 1995)

Figura 43: Resposta da condutância estomática (  ) à humidade relativa do ar. Esta resposta foi observada para um potencial hídrico foliar (  ), praticamente constante. Retirado de Willmer (1983), figura 5.7, página 79

3.5.7. A DISPONIBILIDADE DO SOLO EM ÁGUA: Pensou-se durante muito tempo que os estomas respondiam à carência hídrica através da regulação da sua abertura de acordo com o estado hídrico da planta. Hoje sabe-se que, este “feedback” não existe. De facto, existem numerosos dados que mostram que várias espécies fecham os estomas com a diminuição do teor em água do solo, mesmo que o estado hídrico da planta não tenha mudado. Isto é, os estomas fecham mesmo quando as folhas não estão em carência hídrica, desde que pelo menos parte do sistema radicular esteja a experimentar falta de água (figura 44). Esta resposta dos estomas pode ser considerada como uma resposta feedforward, na qual um sinal das raízes que estão a sofrer seca é transmitido às folhas, de modo a que estas reduzam a perda de água (transpiração) antes da planta, como um todo, sofrer carência hídrica (Mansfiels e Davies, 1985).

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As Relações Hídricas

Figura 44: Potencial de pressão, potencial hídrico (), potencial osmótico (), e condutância estomática de folhas de plantas de milho (Zea mays) cujo sistema radicular foi dividido entre vasos. Num grupo destas plantas ambos os vasos eram bem regados, permitindo que a totalidade do sistema radicular ficasse bem regada (  ). Noutro grupo de plantas, apenas um dos vasos era regado, pelo que metade do sistema radicular estava a sofrer carência hídrica (  ). Retirado de Mansfield e Davies (1985), figura 5, página 161

4. O STRESSE DA SECA

4.1. INTRODUÇÂO: O Stresse é, na maior parte das definições, um desvio significativo das condições óptimas para a vida, o que origina mudanças e respostas a todos os níveis do organismo. Estas respostas são inicialmente reversíveis mas podem tornar-se permanentes. Mesmo se o acontecimento causador de stresse for temporário, a vitalidade da planta diminui com o prolongar do stresse. Quando a capacidade da

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As Relações Hídricas planta para se ajustar é atingida, o que era até aí um dano latente, passa a doença crónica ou dano irreversível (Larcher, 1995). O stresse ambiental pode ser causado por um “input” energético demasiado grande ou insuficiente; ou por um “turnover” demasiado rápido ou demasiado lento de um substrato; ou ainda ser o resultado de influências externas inadequadas ou inesperadas (figura 45) (Larcher, 1995). Entre os agentes causadores de stresse abioticos muitos são climáticos, exercendo os seus efeitos na atmosfera e no solo (Larcher, 1995):  Entre os factores atmosféricos temos a radiação excessivamente elevada ou insuficiente; a temperatura que também pode ser excessiva ou insuficiente, podendo esta última ser acompanhada por geada, gelo ou neve; precipitação deficiente e seca; ventos fortes, etc.  No solo podem ocorrer concentrações elevadas de sais, ou deficiências minerais; acidez ou alcalinidade excessivas; solos instáveis, areias movediças, águas de escorrência; deficiência em oxigénio nas zonas em que os solos são muito compactos, ou estão encharcados. Os stresses bióticos são particularmente comuns em locais onde a densidade populacional é elevada, ou onde as plantas são muito utilizadas por animais ou microorganismos. Para além dos factores naturais os seres humanos são responsáveis por muitos stresses físicos e químicos aos quais as plantas não são capazes de desenvolver qualquer mecanismo de defesa (Larcher, 1995). Embora seja necessário, para facilitar o estudo,

tratar cada stresse

separadamente, na natureza eles não ocorrem isoladamente e influenciam-se mutuamente.

4.2. O BALANÇO HÍDRICO: 4.2.1. O BALANÇO HÍDRICO ENQUANTO EQUILÍBRIO DINÂMICO: O balanço hídrico é a diferença entre a água absorvida e a água perdida. Os processos básicos envolvidos no balanço hídrico duma planta são: a absorção, a condução e a perda de água. Para que o balanço hídrico duma planta seja mantido a níveis razoáveis, ou seja positivo, é necessário que as taxas a que estes três processos ocorrem se ajustem. O balanço torna-se negativo sempre que a absorção de água for inferior à transpiração. Se os estomas diminuirem a sua abertura devido a este deficit, então a transpiração pode diminuir sem que haja alteração na absorção e um balanço próximo de zero pode ser restabelecido após uma passagem transitória por valores 70


As Relações Hídricas positivos. Assim, o balanço hídrico duma planta está continuamente a oscilar entre desvios positivos e negativos. Estas oscilações podem ser de curta ou de longa duração (Larcher, 1995).

Figura 45: Factores ambientais causadores de stresse e algumas das suas múltiplas interrelações. Retirado de Larcher (1995), figura 6.9, página 332

 As oscilações de curta duração reflectem a acção combinada dos vários mecanismos reguladores do estado hídrico, particularmente mudanças na abertura estomática (figura 46).

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As Relações Hídricas

Figura 46: Oscilações de curta duração na absorção e perda de água; balanço hídrico e potencial hídrico de folhas de algodoeiro. Durante a fase de transpiração rápida o conteúdo hídrico das folhas diminui e o potencial hídrico torna-se mais negativo. A quantidade de água que passa pelo pecíolo (absorção) segue uma curva de 180º desfasada com a do potencial hídrico. As flutuações na transpiração são causadas por oscilações na abertura estomática. Retirado de Larcher (1995), figura 4.26, página247

 As oscilações ao longo do dia afastam-se mais do equilíbrio, particularmente na mudança entre o dia e a noite (figura 47). Durante o dia o balanço hídrico vai ficando, quase sempre, gradualmente negativo. Durante a noite, se houver água no solo, o balanço hídrico é restaurado para valores próximos de zero. É por isso que em certos estudos se deve determinar o potencial hídrico das folhas ao nascer do Sol antes dos estomas abrirem, isto é, o potencial hídrico basal (“PreDawn”). A razão é que este potencial hídrico exprime o equilíbrio no SPAC e portanto o seu valor é igual em qualquer um dos seus componentes: solo, raiz, xilema ou folhas. Quando se começa a desenvolver um balanço negativo nas folhas, ocorre imediatamente uma medida regulatória de curta duração que consiste numa transferência de água dos tecidos que a têm, como sejam os parênquimas cortical e floémico.  As oscilações sazonais. Durante os períodos de seca o conteúdo hídrico frequentemente não é totalmente restabelecido durante a noite, de modo que o deficit acumula-se de dia para dia até que volte a chover (figura 47)(Larcher, 1995).

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As Relações Hídricas

Figura 47: Diagrama esquemático do abaixamento gradual do potencial hídrico das folhas, raízes e solo durante uma semana de seca. A flutuações maiores ocorrem nas folhas uma vez que estão sujeitas à transpiração durante o dia. O balanço hídrico não é restabelecido durante a noite (zona a escuro nas abcissas) de modo que o potencial hídrico basal é gradualmente mais negativo de dia para dia. Retirado de Larcher (1995), figura4.27, página 247

4.2.2. INDICADORES DO BALANÇO HÍDRICO: Como é dificil quantificar a absorção radicular da água, valores exactos do balanço hídrico são difíceis de obter. Assim, normalmente determinam-se estimativas do seu valor indirectamente através da determinação do conteúdo em água ou do potencial hídrico da planta. Um balanço negativo manifesta-se sempre por uma diminuição da turgidez e do potencial hídrico dos tecidos (Larcher, 1995).  Conteúdo hídrico relativo (Relative Water Content –RWC):

RWC 

Pf  Ps  100% PT  Ps

 Deficit de saturação hídrica (Water Saturation Deficit –WSD):

WSD 

PT  Pf  100% PT  Ps

 Potencial osmótico (): Oscilações no balanço hídrico afectam a turgidez e o conteúdo em solutos das células. O potencial osmótico torna-se mais negativo quando o balanço hídrico é negativo. No entanto, este abaixamento também é devido a uma osmoregulação, isto

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As Relações Hídricas é, acumulação de açúcares, aminoácidos como a prolina, e iões orgânicos no vacúolo. Como indicador do balanço hídrico o valor medido em dada planta em dada circunstância é comparado com o seu óptimo (isto é, quando a transpiração e a absorção se equilibram) e com o valor mínimo (mais negativo) em condições de extrema falta de água (figura 48).  Potencial hídrico (): O potencial hídrico das folhas pode ser um indicador do balanço hídrico mais sensível que o potencial osmótico, sobretudo em situações de pequenas carências hídricas.

4.3. EFEITOS DA SECA NA FISIOLOGIA DAS PLANTAS: O termo seca indica um período sem precipitação apreciável, durante o qual o conteúdo em água do solo é reduzido de tal modo que as plantas sofrem de falta de água. Frequentemente, mas não invariavelmente a secura do solo está associada a uma forte evaporação causada pela secura do ar e elevados níveis de radiação (Larcher, 1995). Algumas das primeiras respostas ao stresse parecem ser mediadas predominantemente por acontecimentos biofísicos mais do que por alterações de reacções químicas causadas pela desidratação (Taiz e Zeiger, 1998). Na figura 49 podemos observar a sequência de acontecimentos que vão surgindo gradualmente à medida que o stresse de seca se vai desenvolvendo. 4.3.1. ALTERAÇÕES NO CRESCIMENTO À medida que o conteúdo em água diminui, a célula encolhe cada vez mais e as paredes relaxam, os solutos ficam cada vez mais concentrados e a membrana plasmática torna-se mais espessa, uma vez que cobre uma área menor. Como a perda de turgidez é o primeiro efeito biofísico da carência hídrica, as actividades relacionadas com a turgidez são as mais sensíveis ao deficit hídrico (Taiz e Zeiger, 1998).

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As Relações Hídricas

Figura 48: Gama de valores de potencial osmótico de tipos ecológicos diferentes. A sub-gama que se encontra na no rectângulo a cinzento mostra como se determina a gama osmótica para cada grupo. Cada barra representa o valor máximo e o mínimo de potencial osmótico encontrado para todas as espécies individuais estudadas num grupo particular. Retirado de Larcher (1995), figura4.35, página 252

Figura 49: Respostas das plantas a situações de seca. a) A sensibilidade das várias funções e processos celulares durante o desenvolver de uma carência hídrica. As linhas horizontais mostram a gama de potencial hídrico para a qual, na maioria das plantas ocorre uma resposta clara; a linha vertical a tracejado mostra o início do fechar dos estomas. b) Desenvolvimento temporal das respostas moleculares a uma perturbação da turgidez. Retirado de Larcher (1995), figura6.58, página 385

O

crescimento

celular

é

um

processo

dependente

da

turgidez

e

consequentemente é extremamente sensível à deficiência hídrica. O crescimento celular pode ser descrito pela equação de Lockhart: RGR = m (p – Y)

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As Relações Hídricas em que RGR é a taxa de crescimento relativo (Relative Growth Rate); p é o potencial de pressão (turgidez); Y é o ponto limite, isto é, a pressão abaixo da qual a parede celular resiste a deformação plástica (irreversível); e m é a extensibilidade da parede, ou seja, a sensibilidade da parede à pressão (Taiz & Zeiger, 1998). Esta equação mostra que um decréscimo na turgidez causa um decréscimo na taxa de crescimento. Além disso, a equação mostra que não é preciso que a turgidez diminua até zero para que o crescimento pare. Isto acontece assim que p for igual a Y. Em condições de boa hidratação, Y é inferior a p em apenas 0,1 ou 0,2 MPa, o que faz que alterações de crescimento ocorram para pequena variações de turgidez (Taiz & Zeiger, 1998). Em folhas intactas a carência hídrica não só diminui a turgidez mas também diminui m e aumenta Y. Em plantas sem stresse a extensibilidade da parede (m) é normalmente maior quando a solução da parede celular é ligeiramente ácida. Em carência hídrica m diminui em parte devido à inibição do transporte de protões através da membrana plasmática, o que causa um aumento do pH na parede celular. Os efeitos do stresse em Y é pior compreendido, mas provavelmente envolve alterações complexas da estrutura das paredes (Taiz & Zeiger, 1998). A carência hídrica não limita apenas a dimensão das folhas individuais, mas também o número de folhas duma determinada planta, porque diminui quer o número quer o crescimento dos ramos. O processo do crescimento dos caules é menos estudado, mas provavelmente é afectado pelas mesmas forças que limitam o crescimento foliar durante o stresse (Taiz e Zeiger, 1998)

4.3.2. ALTERAÇÕES NA ÁREA FOLIAR FOLIAR A area foliar total não permanece constante depois da maturação das folhas. Se as plantas sofrerem stresse de carência hídrica após um grande desenvolvimento das folhas, então estas entram em senescência e finalmente caiem (figura 50). Este ajustamento da área foliar é uma mudança de longo termo que melhora muito a aptidão das plantas para sobreviverem num ambiente com uma limitação hídrica. De facto, muitas espécies do deserto deixam cair as suas folhas durante os períodos de seca, e voltam a criar outras novas após uma chuvada. Este ciclo, abscisão-renovo, pode ocorrer várias vezes durante uma estação. A abscisão durante o stresse hídrico resulta largamente do aumento da síntese e da sensibilidade dos tecidos à hormona etileno (Taiz & Zeiger, 1998).

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As Relações Hídricas

Figura 50: As folhas de plantas jovens de algodoeiro (Gossypium hirsutum) caiem em resposta ao stresse hídrico. As plantas à esquerda foram regadas durante todo o período experimental. As palantas ao centro e à direita foram sujeitas respectivamente a um stresse moderado e a um stresse severo antes de serem regadas outra vez. As que foram severamente stressadas só mantiveram um tufo de folhas no topo do caule. Retirado de Taiz e Zeiger (1998), figura25.5, página728.

4.3.3. ALTERAÇÕES NO SISTEMA RADICULAR: Ainda que as relações raiz-parte aérea dependam duma rede complexa de processos nutricionais e do desenvolvimento, podemos considerar que existe um balanço funcional entre a absorção de água pelas raízes e a fotossíntese na parte aérea. Este balanço pode ser exposto da seguinte maneira: a parte aérea duma planta crescerá até ficar tão grande que a absorção de água pelas suas raízes se tornará limitante para um crescimento maior; inversamente um sistema radicular crescerá até que a sua necessidade em fotoassimilados iguale a quantidade que é produzida na parte aérea (Taiz & Zeiger, 1998). A expansão foliar é muito mais sensível que a fotossíntese a uma limitação da absorção em água. A inibição do desenvolvimento das folhas reduz o consumo de carbono e de energia e, assim, uma proporção maior dos fotoassimilados pode ser atribuida às raízes, permitindo-lhes continuar a crescer. Simultaneamente os ápices radiculares no solo seco começam a perder turgidez. Tudo isto leva a que o crescimento radicular se processe essencialmente para as zonas que permanecem húmidas. Assim, é frequente ver um sistema radicular essencialmente superficial quando todas as camadas estão húmidas e quando as camadas superficiais começam a secar uma proliferação de raízes mais profundas (Taiz & Zeiger, 1998). O aumento do crescimento das raízes para as camadas húmidas, mais profundas, depende da distribuição de fotoassimilados para os ápices radiculares. Normalmente, os frutos predominam sobre as raízes em termos de preferência para 77


As Relações Hídricas a distribuição de fotoassimilados que assim são desviados das raízes. Esta competição entre frutos e raízes para os fotoassimlados permite explicar porque razão as plantas são mais sensíveis a um deficit hídrico na fase da reprodução que na fase vegetativa (Taiz e Zeiger, 1998).

4.3.4. ALTERAÇÕES NA ABERTURA ESTOMÁTICA Quando o stress decorre mais rapidamente ou quando a planta desenvolveu a sua área foliar antes do início do stresse ocorrem outras respostas para protegerem a planta contra a dessecação, como por exemplo o fecho estomático (figuras 51 e 52). Há muitos dados que apontam para que a hormona ácido abscísico (ABA) esteja envolvida (Taiz & Zeiger, 1998).

Figura 51: Diagrama das mudanças na transpiração ao longo do dia à medida que a humidade do solo diminui (curvas 1 a 5). As setas indicam o movimento dos estomas induzidos pelas mudanças no balanço hídrico. A área a escuro mostra a zona em que a transpiração é exclusivamente cuticular. 1. transpiração sem restrições; 2. limitação da transpiração durante o meio dia à medida que os estomas fecham; 3. fecho estomático do meio dia; 4. interrupção total da transpiração estomática devida ao fecho persistente dos estomas (só ocorre transpiração cuticular); 5. transpiração cuticular consideravelmente reduzida devido à contracção da membrana. Retirado de Larcher (1995), figura 4.29, página 248

As respostas estomáticas à desidratação foliar variam grandemente dentro duma mesma espécie e entre espécies. Os estomas de algumas espécies “atrasadoras” de dessecação (“dehydration-postponing”), como o grão de bico (Vigna unguiculata) e mandioca (Manihot esculenta) são particularmente sensíveis ao decréscimo da disponibolidade em água. A sua condutância estomática e a sua transpiração diminuiem de tal forma que o seu potancial hídrico permanece pouco alterado durante a seca (Taiz & Zeiger, 1998). 78


As Relações Hídricas

Figura 52: A transpiração diurna de jovens plantas de Pinus radiata; a) com bastante disponibilidade em água; b) depois de 9 dias sem água; c) depois de 12 dias sem água. Retirado de Larcher (1995), figura 4.30, página 249

4.3.5. ALTERAÇÕES NA FOTOSSÍNTESE: A taxa de fotossíntese líquida na folha (expressa por unidade de área foliar) é raramente tão sensível a um stresse moderado como a expansão foliar (figura 53). A razão para isto é que a fotossíntese é muito menos sensível a alterações de turgidez do que a expansão foliar. O stresse hídrico geralmente afecta quer a condutância estomática, quer a actividade fotossintética na folha.

No início do estabelecimento da seca, a

eficiência fotossintética do uso da água - WUE (Water Use Efficiency - CO2 absorvido na fotossíntese por vapor de água perdido na transpiração) pode aumentar porque o fecho parcial dos estomas vai afectar mais a transpiração que a absorção do CO2. No entanto, à medida que o stresse se torna mais severo a WUE vai diminuindo e a inibição do metabolismo da folha vai sendo mais inibido (Taiz & Zeiger, 1998).

Figura 53: Efeitos do stresse hídrico na fotossíntese e expansão foliar no girassol (Helianthus annuus). Esta espécie é típica na sua resposta, uma vez que a expansão foliar é muito mais sensível à desidratação que a taxa de fotossíntese. Retirado de Taiz & Zeiger (1998), figura 25.4, página730

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As Relações Hídricas 4.3.6. ALTERAÇÔES NA TRANSLOCAÇÃO DE CARBOHIDRATOS: O transporte floémico, está dependente da fotossíntese e também da utilização dos fotoassimilados nas zonas de consumo ou armazenamento. O stresse hídrico diminui a fotossíntese e o consumo de fotoassimilados nas folhas. Como a translocação está dependente da turgidez poder-se-ia pensar que assim que o potencial hídrico diminuisse no floema devido ao stresse, o movimento de fotoassimilados ficaria também diminuido. No entanto, há dados que apontam para que a translocação só é afectada muito mais tarde quando outros processos, como a fotossíntese, já foram muito afectados (figura 54).

Figura 54: Efeitos relativos do stresse hídrico na fotossíntese e translocação do sorgo (Sorghum 14 bicolor). As plantas foram expostas a CO2 durante um intervalo pequeno. A radioactividade fixada no folha foi tomada como medida da fotossíntese, e a perda da radioactividade depois da remoção da 14 fonte de CO2 foi tomada como medida da taxa de translocação. Ainda que a fotossíntese tenha sido afectada para baixos níveis de stresse, a translocação não foi afectada até ao stresse se tornar muito severo. Retirado de Taiz & Zeiger (1998), figura 25.6, página731

A insensibilidade relativa da translocação à seca permite que a planta mobilize e use as reservas quando são necessárias (por exemplo no enchimento do grão), mesmo quando o stresse é muito severo. Pensa-se que a translocação contínua do carbono é um factor chave em quase todos os aspectos da resistência à seca (Taiz e Zeiger, 1998).

4.3.7. AJUSTAMENTO OSMÓTICO: Á medida que o solo seca o seu potencial mátrico (m) torna-se cada vez mais negativo. As plantas só conseguem absorver água enquanto o seu potencial hídrico for mais negativo que que o do solo. O ajustamento osmótico, ou acumulação de solutos pelas células, é um processo pelo qual o potencial hídrico pode diminuir sem que haja diminuição na turgidez (Taiz e Zeiger, 1998). 80


As Relações Hídricas O ajustamento osmótico não deve ser confundido com um aumento na concentração de solutos que ocorre durante a desidratação e a diminuição de volume celular. No ajustamento osmótico o aumento na concentração de solutos é independente das alterações no volume das células resultantes da perda de água. Tipicamente as alterações no potencial osmótico anda á volta dos 0,2 a 0,8 MPa, excepto nas plantas particularmente adaptadas a condições de secura. Normalmente os sais usados no ajustamento osmótico são iões inorgânicos como o potássio; ácidos orgânicos; açúcares; amino ácidos, etc. Os sais inorgânicos são armazenados no vacúolo de forma a não interferirem com o metabolismo do citoplasma. Os orgânicos, que não interferem com o metabolismo, são chamados solutos compatíveis e são acumulados no citoplasma de forma a manter o equilíbrio hídrico entre o vacúolo e o citoplasma (Taiz e Zeiger, 1998). As folhas que são capazes de ajustamento osmótico mantêm a turgidez para potenciais hídricos mais baixos, o que lhes permite continuarem a crescer e facilita a manutenção da abertura estomática durante mais tempo. Na figura 55 podemos comparar o comportamento de duas espécies ao longo de um período de seca: a beterraba (Beta vulgaris) que é uma espécie que é capaz de ajustamento osmótico e o grão de bico (Vigna unguiculata), uma espécie que conserva a água através de um melhor controlo da abertura estomática. Ao longo da experiência, a beterraba manteve sempre o potencial hídrico foliar mais negativo que o grão de bico, mas a fotossíntese e a transpiração foram apenas ligeiramente superiores na beterraba. A grande diferença entre as duas espécies foi o potencial hídrico. Estes resultados mostram que o ajustamento osmótico promove tolerância à desidratação, mas não é muito eficaz em termos de produtividade duma cultura (Taiz e Zeiger, 1998). 4.3.8. RESISTÊNCIA À CONDUÇÃO DA ÁGUA: À medida que o solo seca a resistência ao fluxo da água vai aumentando. No entanto, a resistência ao fluxo da água dentro da planta ainda é maior. Isto pode ser explicado por várias razões (Taiz e Zeiger, 1998):  À medida que perdem água as células encolhem. Quando as raízes encolhem a sua superfície deixa de estar em contacto com as partículas de solo que seguram a água. Por outro lado, os pêlos radiculares partem-se muitas vezes quando são puxados pela retracção da raiz.  Formação da exoderme (ver anteriormente, na página 31, e figura 19, pag 33)

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As Relações Hídricas  A cavitação do xilema (ver anteriormente, na página 41 e 42 e figura 24 na pag 43)

Figura 55: Perda de água e ganho de carbono em beterraba (Beta vulgaris), uma espécie com ajustamento osmótico e em grão de bico (Vigna unguiculata) uma espécie sem ajustamento osmótico. Ambas foram cultivadas em vasos e sujeitas a stresse hídrico. Ainda que o potencial hídrico da beterraba seja mais negativo devido ao seu ajustamento osmótico, a perda de água total e o ganho em carbono foram pouco afectados. Retirado de Taiz e Zeiger (1998), figura25.7, página 732

4.3.9. ALTERAÇÕES NA CUTÍCULA: Uma resposta comum ao stresse hídrico é a produção duma cutícula espessa que reduz a perda de água pela epiderme (transpiração cuticular). Uma cutícula muito espessa também reduz a permeabilidade ao CO2, no entanto, a fotossíntese foliar permanece inalterada uma vez que as células que estão sob a cutícula não são fotossintéticas. Como a transpiração cuticular é muito baixa, alterações na cutícula só podem ser significantes nos casos de stresse muito severo, ou em casos em que areias levadas pelo vento a arrastam ou destroem.

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As Relações Hídricas

4.4. MECANISMOS DE SOBREVIVÊNCIA À SECA: Os mecanismos de sobrevivência das espécies xerófitas, isto é, das espécies que sobrevivem em regiões secas são sumariados na figura 56 (Larcher, 1995). As espécies resistentes à seca são capazes de suportar períodos de seca. As perspectivas de uma planta sobreviver a um stresse de seca extremo são tanto maiores:  quanto mais tempo forem capazes de evitar o decréscimo do potencial hídrico do protoplasma (fuga à dessecação);  quanto mais o protoplasma aguentar a dessecação sem ficar danificado (tolerância à dessecação). No entanto, não é necessário que uma planta seja resistente à seca para viver numa zona árida. Há espécies que escapam à seca pela regulação do seu crescimento e reprodução, de forma a que ocorram no breve período em que há água (fuga à seca – que não deve ser confundido com fuga à dessecação!). 4.4.1. ESTRATÉGIA DE FUGA À SECA: As espécies que seguem esta estratégia não são verdadeiramente resistentes, uma vez que a sobrevivência dos períodos secos requer apenas a escolha do momento da produção de sementes resistentes à seca ou orgãos perenes especialmente protegidos contra a dessecação (Larcher, 1995).  As pluvioterófitas: são plantas vasculares efémeras que germinam a seguir a uma chuvada forte e completam rapidamente o seu ciclo de vida. A maioria destas espécies são anuais de Inverno (figura 57, k) , passando o período de seca na forma de sementes.  As geófitas: têm orgãos subterrâneos suculentos tais como rizomas, bolbos ou tubérculos. No período das chuvas conseguem desenvolver rapidamente uma parte aérea utilizando carbohidratos armazenados e florindo e frutificando num curto período de tempo (figura 57, i) e j).

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Figura 56: Mecanismos de sobrevivência das plantas das regiões secas (xerófitas). Retirado de Larcher (1995), figura6.63, página 388

4.4.2. MECANISMOS DE FUGA À DESSECAÇÃO: A dessecação é retardada por todos os mecanismos que permitem que a planta mantenha um conteúdo hídrico favorável apesar do ar e do solo estarem secos à sua volta. Isto pode ser conseguido através do aperfeiçoamento da absorção da água; pelo aperfeiçoamento da capacidade de condução da água; pela redução da perda de água; e pelo armazenamento da água (Larcher, 1995).

4.4.2.1. Aperfeiçoamento da absorção da água: Esta estratégia implica a existência dum sistema radicular extenso com uma grande área de superfície de absorção que pode ser ainda melhorada por um rápido crescimento para camadas de solo mais profundas (figura 57, d) e e). As raízes das plantas das estepes e dos desertos podem atingir profundidades muito grandes. Grande parte destes sistemas radiculares pode ser suberizado ou pode armazenar água. Para estas espécies a situação pode tornar-se grave quando não existe espaço para o sistema radicular se expandir. As plantas com grandes sistemas radiculares (especialmente as árvores) que se desenvolvem em solos pouco profundos são particularmente sensíveis à seca. Este é também o caso das plantas que se tenta colocar nos telhados, túneis, etc. Mesmo nas zonas húmidas as plantas a utilizar nestas condições devem ser resistentes à seca, pois são as únicas que se

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As Relações Hídricas aguentam com pouca água armazenada num volume limitado de solo (Larcher, 1995).

Figura 57: Alguns exemplos de formas que permitem às plantas sobreviverem à seca. a) Árvores de folha caduca que armazenam água nos troncos; b) suculentas que armazenam água no caule; c) suculentas que armazenam água nas folhas; d) árvores e arbustos de folha persistente e raiz principal profunda; e) arbustos de folha caduca frequentemente espinhosos; f) arbustos de caules clorofilinos; g) tufos de ervas com gemas de renovo protegidas pelas baínhas das folhas e sistema radicular extenso; h) plantas de hábito em roseta; i)geófitas com raízes de armazenamento; j) geófitas com bolbos ou tubérculos; k) pluvioterófitas (plantas anuais); l) plantas tolerantes à dessecação do tipo poiquilohídricas. Retirado de Larcher (1995), figura6.64, página 389

4.4.2.2. Aperfeiçoamento da condução da água: A capacidade de condução da água é aumentada pelo alargamento da área do sistema vascular, as plantas apresentam mais xilema e maior venação (figura 58) e a redução da distância de transporte, isto é, entre-nós mais pequenos (figura 57, h). Se a superfície de transpiração for reduzida simultaneamente, a área relativa do sistema de condução é aumentada, mesmo que a área absoluta (área da secção transversal do sistema de condução) permaneça inalterável (Larcher, 1995).

4.4.2.3. Redução da transpiração: A capacidade de reduzir a transpiração permite que as plantas tenham uma melhor gestão da água disponível no solo. Uma adaptação modulativa acontece quando as plantas fecham atempadamente, mas reversívelmente os estomas. Uma adaptação modificativa ocorre quando folhas que se desenvolvem em períodos de seca apresentam estomas mais pequenos mas mais numerosos (figura 58)(Larcher, 1995). 85


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Figura 58: Densidade estomática e venação de folhas de feijoeiro (Phaseolus vulgaris) desenvolvido com boa disponobilidade em água (parte superior), ou com falta de água (parte inferior). Este tipo de alterações morfológicas podem ocorrer devido a um aumento de ácido abscísico (ABA) endógeno, ou a aplicação exógena de ABA. Retirado de Larcher (1995), figura6.65, página 390

As folhas das plantas genéticamente adaptadas têm as paredes da epiderme mais fortemente cutinizadas e com maiores camadas de ceras. Os estomas estão presentes apenas na face inferior, são mais pequenos e estão frequentemente escondidos por baixo de pêlos ou em criptas estomáticas (figura 59). Deste modo o ar à volta dos estomas fica

Figura 59: Exemplos de estruturas foliares de plantas xerófitas. a) Secção transversal da folha de aloendro (Nerium oleander) com uma hipoderme muito espessada e parênquima clorofilino em palissada (a cinzento); podemos ver os estomas dentro de criptas estomáticas que os protegem do efeito do vento. b) folha de uma Asteraceae californiana (Hemizonia luzulifolia ssp. rudis), que armazena água numa substância intercelular de natureza pectínica (a cinzento); c) folha cilíndrica de Zygophyllum simplex, uma planta suculenta do deserto do Norte de Africa, com clorênquima externo (a cinzento) que rodeia um tecido armazenador de água (hidrênquima) muito extenso e situado no centro do orgão. Retirado de Larcher (1995), figura 6.66, página 391

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As Relações Hídricas mais humedecido e a resistência causada pela camada adjacente (“boundary layer”) aumenta. Outra forma de reduzir eficazmente as perdas de água é enrolando as folhas de forma a reduzir a superfície transpirante. As folhas de plantas que se desenvolvem em situações de carência hídrica são mais alongadas e apresentam uma área específica menor (Specific Leaf Area) (Larcher, 1995): SLA 

area da superfíciefoliar cm 2 g 1 peso seco foliar

4.4.2.4. Suculência: Os mecanismos de armazenamento de água podem ser considerados como os mais perfeitos para evitar a dessecação, especialmente se associados com mecanismos de redução da superfície e uma elevada resistência da epiderme à transpiração. Uma medida da capacidade de armazenar água pode ser dada pelo grau de suculência (Larcher, 1995): grau de suculência 

conteúdohídrico em saturação (PT - Ps) g cm -2 área da superfíciefoliar

A água armazenada após as últimas chuvadas pode ser suficiente para atrasar o fecho total dos estomas por várias semanas. Duma maneira geral as plantas suculentas armazenam as suas reservas em tecidos próprios localizado no interior de folhas ou caules (figura 59 c). Uma forma especial de conservar a água é ligando-a mucilagens em canais próprios e em espaços intercelulares. Esta forma de armazenar água pode proteger a planta de uma desidratação muito súbita e de um encolher muito severo das folhas (Larcher, 1995). O movimento da água armazenada nos vários tecidos e orgãos (troncos e ramos mais largos das árvores, e orgãos de armazenamento subterrâneo de plantas herbáceas) torna-se mais importante durante períodos prolongados de seca. No “Baobab” (Adansonia digitata – árvore símbolo do Senegal – figura 57, a) há dados obtidos no Kenia que mostram que o tronco pode fornecer cerca de 400 litros de água às folhas num único dia. Mesmo em zonas temperadas o movimento de água dos troncos pode ser muito importante. Assim, verificou-se que 30 a 50% da água transpirada durante a transpiração do meio dia dum pinheiro com 40 anos é proveniente do tronco e ramos. Durante os períodos de seca a primeira água armazenada a ser usada é a da base

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As Relações Hídricas dos troncos, e depois gradualmente vai sendo usada a que está a níveis mais acima até chegar aos ramos. 4.4.3. MECANISMOS DE TOLERÂNCIA À DESSECAÇÃO: A tolerância à dessecação é uma capacidade específica do protoplasma de tolerar uma perda de água severa. Entre as talófitas (espécies não vasculares) as algas das zonas intertidais são muito tolerantes à dessecação. A maior parte dos líquenes são capazes de tolerar dessecação completa durante meses e às vezes anos, recomeçando a sua actividade metabólica assim que se rehidratam (Larcher, 1995). Existem igualmente cormófitas (plantas vasculares) que são completamente tolerantes à dessecação. É o caso das chamadas plantas de ressureição (“resurrection

plants”)

que

exitem

nas

famílias

das

Myrothamnaceae,

Scrophulariaceae, Laminaceae, Cyperaceae, Poaceae, Liliaceae e Velloziaceaedas regiões secas da Asia Central, America do Sul e sobretudo da Africa do Sul. Duma maneira geral estas plantas são perenes, as suas folhas são pequenas e enrolam-se frequentemente, o seu crescimento é pequeno e a sua capacidade reprodutiva é pequena. São plantas que não têm capacidade de retardar a dessecação e como tal ficam desidratadas muito depressa (Larcher, 1995). Todas as plantas capazes de tolerar a dessecação sobrevivem a uma desidratação extrema do protoplasma por uma transição para um estado anabiótico no qual o metabolismo está praticamente parado. À medida que ocorre a desidratação, o estado anabiótico é levado a cabo pela síntese de proteínas capazes de permanecerem estáveis numa situação desidratação e pela incorporação de carbohidratos (rafinose e trehalose) estabilizadores dos fosfolípidos das membranas. Nalgumas espécies a diminuição do volume das células é retardada pela gelificação da solução celular. Outro factor que contribui para a tolerância à dessecação é a capacidade que o protoplasma destas espécies tem de se rehidratar duma forma coordenada quando volta a dispôr de água. Passo a passo, as condições necessárias à reactivação do metabolismo energético (primeiro a respiração e depois a fotossíntese) são restabelecidas de novo pela reconstrução dos componentes celulares.

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