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Férias, para que vos quero?

penso que me tornei numa pessoa mais prática e dinâmica”, acrescenta o estudante.

Os meses de paragem letiva são também vistos como uma oportunidade para desenvolver conhecimentos que enriquecem o currículo. A preparação para o mercado de trabalho levou Andrelina Leal, estudante de Educação Básica no Politécnico de Leiria, a realizar um estágio de verão no ano passado. Escolheu dedicar o seu tempo a um programa de atividades para crianças num museu. “Tinha várias opções de escolha, podia escolher aquele que mais se assemelhasse ao que estou a tirar na licenciatura”. Não só aprendeu, como também pôs em prática o seu conhecimento.

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Com o fim do ano letivo à porta, surge a dúvida em muitos estudantes: "O que fazer no verão?". Entre aproveitar para descansar e trabalhar o verão todo, existe um mundo de decisões. As experiências vividas durante as longas férias podem fornecer uma nova energia, mas também podem ajudar a desenvolver competências e a enriquecer currículos.

Uma visão diferente do conceito “férias”

Tomás Grácio é um estudante universitário de 20 anos que opta por investir o tempo livre de verão para trabalhar e amealhar algum dinheiro. Para muitos, o verão é um período de descontração e lazer, no entanto, bastantes jovens escolhem dedicar-se a trabalhos remunerados, também como forma de ocuparem os dias sem aulas. Este verão, Tomás é empregado de mesa no restaurante “Quatro Talhas”, no concelho de Sardoal. “Não é difícil de encaixar/equilibrar o horário de trabalho, pois não me comprometo com outras responsabilidades. A minha principal preocupação é cumprir as cargas horárias do trabalho, o tempo que sobra aproveito para descontrair”, explica Tomás. Apesar de nem sempre ser possível aos jovens trabalhar durante o verão nas suas áreas de estudo, o estudante reconhece que se adquirem habilidades importantes nestas experiências. Sentido de responsabilidade e de dever ou a capacidade de gerir o tempo são algumas das competências transversais que Tomás considera ter desenvolvido. Mas não só. “Como trabalho na área de restauração, lido com bastantes pessoas todos os dias, inconscientemente desenvolvi técnicas de comunicação e resolução de problemas,

KONSUMO OBRIGATÓRIO

Wagner Bento Tattoo Trocar bens alimentares por tatuagens

Num projeto concebido a pensar na crise atual, o estúdio Wagner Bento Tattoo e a Associação Pipocas de IP (APIP) decidiram unir forças para contribuir para a sociedade e apoiar famílias com necessidades.

No último sábado de cada mês, o estúdio Wagner Bento Tattoo faz tatuagens minimalistas em troca de três a cinco quilos de bens alimentares não perecíveis. O evento ocorre das 10h às 18h e os tatuado-

O estágio pode também ajudar os jovens a sair da sua zona de conforto, como foi o caso da estudante. “A minha maior dificuldade foi trabalhar em equipa, por vezes, devido à diferença de idades relativamente a algumas das minhas colegas, mas, acabei por gostar de trabalhar pois ensinaram-me muitas coisas”, afirma Andrelina.

A estudante acredita que esta experiência pode vir a ajudar os jovens a perceber o que mais gostam, o que menos gostam e onde pretendem trabalhar futuramente. “Como futura professora ou educadora, todas as atividades que realizei podem vir a ser úteis e também desenvolvi capacidades de trabalho autónomo”, conclui.

Explorar países pela linha férrea

O passe InterRail tornou-se amplamente conhecido como uma forma de explorar diferentes culturas europeias por meio de viagens de comboio. Em 1972, foi introduzido em Portugal e no ano passado, de acordo com dados da Eurorail, aproximadamente 600 mil passes foram adquiridos na Europa.

Francisca Gonçalves, de 22 anos, natural de Rio Maior, decidiu fazer um interrail com cinco amigos por “existir a possibilidade de conhecer vários países a um custo mais vantajoso”. Em 13 dias, a jovem passou por Amesterdão, Roma, Florença, Veneza, Liubliana e Budapeste. Considerou a experiência “inesquecível, apesar de bastante desafiante e intensa” por ter constantes alterações de rotina que não permitiam muito tempo de descanso. Para se fazer um interrail pode-se comprar um passe de duração variada junto da CP, res Wagner Bento, Mapril Rocha e Nathy Bento abdicam do dia para atender exclusivamente as pessoas que querem participar na iniciativa.

Mapril Rocha, criador e coordenador do evento, explicou que a colaboração com esta associação surgiu por recomendação de outra instituição, dando-se a coincidência de a sede da APIP ser mesmo em frente ao estúdio de tatuagens. No passado dia 29 de abril mais de 100 pessoas participaram no evento solidário. No final do dia conseguiram angariar cerca de 500 quilos de alimentos, porém, nas próximas edições a inscrição será limitada a 30 pessoas, de forma a garantir que todas sejam atendidas no mesmo dia.

Mapril Rocha explicou que a iniciativa tem “pernas para andar”, mas que há também desafios. “Agora estamos à procura de patrocínios e de pessoas que queiram ajudar de alguma forma para podermos manter este projeto mais tempo”, refere o tatuador, adiantando a necessidade de materiais para tatuar, como papel, luvas descartáveis e agulhas.

O estúdio está situado na Rua de Atenas, número 1, Quinta do Bispo, em Leiria. k cujo valor depende do número de cidades que se quer visitar e em quanto tempo. No caso de Francisca, decidiram em grupo as cidades a visitar e designaram duas pessoas do grupo como responsáveis para organizar toda a viagem.

Considera que a experiência alterou a sua forma de pensar devido ao contacto com diferenças culturais, económicas e gastronómicas dentro do continente europeu. Afirma que o que mais gostou na viagem foi conseguir conhecer tantas cidades e culturas num tempo reduzido. Aconselha todos a passarem por esta experiência, que diz ser “surpreendente”.

Atividades, natureza e comunidades

Outra forma de ocupar o tempo no verão são as colónias de férias, seja no papel de participante ou de monitor. António Dinis, de 22 anos, natural de Ponta Delgada, foi monitor numa colónia de férias na sua freguesia, com o objetivo de enriquecer a sua experiência de trabalho num ambiente menos rígido. Durante um mês, esteve encarregue de um grupo de crianças, para o qual dinamizava atividades juntamente com uma equipa de outros monitores. De segunda a sexta-feira, tinham de planear o programa da manhã antes de as crianças chegarem, da parte da tarde havia liberdade de escolha dos mais novos.

António considera que “tinha uma boa relação com as crianças”, mas que, por vezes, tinha de “ser mais autoritário” para conseguir controlar um grande grupo. Refere também que ter uma equipa de monitores “simpática e acolhedora” ajudou nesse processo. No fim da sua experiência, António considerou que foi “interessante e enriquecedora” por ficar com a capacidade de lidar com situações inesperadas e de aprender a tomar conta de um grande grupo de crianças. Aconselha a experiência a jovens adultos, mas alerta: “é um trabalho que exige muita paciência e trato, uma vez que estamos a lidar diretamente com crianças.”

Sendo o verão sinónimo de atividades ao ar livre, o escutismo é um dos movimentos que tiram especial proveito deste período do ano. Procuram reforçar a ligação à natureza, enquanto contribuem para a educação dos jovens para um papel construtivo em sociedade. Alex Silva, de 20 anos, natural da ilha do Pico, é um escuteiro ativo desde os nove anos que destaca esta importância do espírito comunitário. “A minha irmã foi fundamental para participar no escutismo. Não tinha noção que as atividades que fazemos lá nos podiam ensinar tanto e sinto que nos tornamos uma família”, indica o jovem.

Vários foram os valores retirados da experiência, mas, segundo Alex, a forma como aprendeu a preservar o meio ambiente e a trabalhar em equipa deu-lhe uma perceção diferente de como viver a sua vida. “Apesar de as atividades ocuparem bastante do nosso tempo livre no verão, ajudou-me imenso a gerir o stress, a respeitar o meio ambiente e recebi formações que se tornaram muito úteis no meu dia a dia”, explica o escuteiro. Alex aconselha todos participarem, para ganharem novas experiências e se divertirem simultaneamente.

Ganhar tempo a ajudar os outros Fazer voluntariado é uma atividade de ano inteiro, mas no verão, com mais tempo livre, permite aos jovens outra dedicação. Afonso Vidigal, estudante do Politécnico de Leiria no curso de Comunicação e Media, faz trabalho voluntário todos os anos e conta como ser voluntário pode causar um impacto positivo na nossa vida e nas vidas de quem se ajuda. Conta já com atividades em lares de idosos, no Banco Alimentar ou na pintura de edifícios degradados. “Com o voluntariado percebes que o mundo não é só festas e os nossos problemas de adolescentes, consegues ver o outro lado e como uma tua simples ação pode mudar o dia de uma pessoa”, explica o jovem. Afonso considera que é uma experiência enriquecedora e deixa o conselho para os jovens que possam estar indecisos em aderir ao voluntariado: “Não pensem muito. Inscrevam-se! Tenho a certeza de que a maior parte das pessoas que experimentarem vão querer fazer mais, não conheço ninguém que tenha experimentado o voluntariado e não queira repetir.” k

Rafael Vieira

O podcaster que abre portas para o futuro

Diretamente de Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro, Rafael Vieira, de 25 anos, é engenheiro informático e criador de conteúdos para a internet. Em março de 2020, criou o Podcast Universitário, um canal para ajudar futuros e atuais estudantes em diretos no YouTube. Quem assiste tem a oportunidade de esclarecer as suas dúvidas diretamente com estudantes dos cursos. Além disso, aborda outros temas, como os programas de mobilidade Erasmus ou dicas de sobrevivência para a época de exames.

Para o processo de seleção de temáticas, Rafael conta com as sugestões do público ou define-as de acordo com o período escolar que se atravessa. Já quanto aos convidados, o engenheiro informático refere que são escolhidos “à sorte, são as pessoas que respondem às mensagens. Felizmente, já são mais de 300 convidados de várias instituições e já há pessoas que se oferecem para vir”.

Com paixão de comunicar na área do marketing, dos negócios e do empreendedorismo, Rafael Vieira afirma que sempre quis ter um projeto seu, surgindo a ideia de “tentar ajudar” quem está ou quer estar integrado no ensino superior, através de “conversas com estudantes de diferentes formações que deixam o seu testemunho”.

Do retorno que chega até Rafael Vieira, destaca-se o que vem do público que decide o seu curso depois de ouvir o podcast. A audiência vai dos mais velhos aos mais novos, assume o podcaster, acrescentando ainda que são os próprios pais a incentivarem os filhos a escutar o programa para os ajudar a escolher o seu percurso de formação superior.

A possibilidade de ajudar outros motivou a criação do podcast, mas Rafael Vieira assume que apenas é possível continuá-lo porque gosta do que faz. “Estou cá para ajudar e entreter, gosto de me divertir, porque, se não, também não o fazia”, declara.

Admite que o mundo do empreendedorismo nem sempre é fácil e que tem desafios próprios. A trabalhar neste projeto há três anos, afirma que, mesmo com “muita pressão envolvida, dias mais difíceis do que outros e muita coisa para gerir”, não abre mão de todo o trabalho já construído.

Rafael conta ainda que um dos principais objetivos no futuro é viver apenas do podcast, fazer crescer a equipa, mas também conseguir proporcionar-lhes um ordenado, “para conseguir continuar a fazer mais e mais”. Além disso, desvenda que ao longo destes meses está a realizar vários projetos que irá divulgar ao público nos próximos tempos. k

Sentado No Mocho

Sara Brighenti Subcomissária

Plano Nacional das Artes

Com formação em Artes

Plásticas, Escultura, Artes Visuais, Museologia e Património, Sara Brighenti tem um percurso marcado pelas áreas artísticas. Foi responsável pela programação cultural e educativa de instituições como a Casa das Histórias Paula Rego e o Instituto dos Museus e Conservação. Trabalhou diretamente com o CCB, o Museu Gulbenkian e o Museu do Chiado na definição e implementação de projetos educativos. Coordenou, até fevereiro de 2019, o Museu do Dinheiro do Banco de Portugal. Atualmente é subcomissária do Plano Nacional das Artes, que procura aprofundar a articulação entre as artes e a educação.

Qual é para si a relevância das artes?

As artes provocam uma transgressão de pensamento. Indisciplinam o pensamento, começando pelos criadores, porque ser criador é ser capaz de criar o que ainda não existe a partir do que está disponível no mundo. Ninguém cria do nada, são desafios de ligação, mas também é um grande desafio de transformação para quem se confronta com as artes. As artes provocam o espanto, e o espanto provoca curiosidade, e a curiosidade provoca vontade e mobiliza as pessoas. As artes, no fundo, são uma porta para nos conhecermos através daquilo que nos dão a ver. Permitem-nos sentir de forma diferente, permitem-nos relacionarmo-nos com o mundo de forma diferente e permitem-nos transgredir os nossos próprios limites. Esta é a dimensão humana importante, é aquela em que conseguimos fazer um clique, ter uma epifania e passarmos a ser outros, porque realmente as coisas passaram a fazer sentido de outra maneira. Isto acontece com a música, acontece com uma obra de literatura, um poema, um filme…

Qual a manifestação artística que mais aprecia e porquê?

Acho que é a pergunta mais difícil desta entrevista. É muito difícil de responder, porque todas elas fazem falta na minha vida. Vivemos agora este período tremendo de clausura devido à pandemia e eu costumo dizer: “Meu Deus, estar ali fechada em casa… Se não tivéssemos os filmes, a música, os livros, não sei como seria.” Este período permitiu-nos dar imenso valor ao que os artistas fazem e nos dão para preencher e dar significado à nossa vida. A minha filiação é nas artes visuais e, portanto, dá-me imenso prazer conhecer o trabalho de artistas visuais, mas não viveria sem o cinema. As séries são fundamentais, os livros... Ligar o rádio e não ter música?... Não sei pensar no mundo assim. Portanto, não consigo escolher.

Como surgiu a oportunidade de assumir o papel de subcomissária do Plano Nacional das Artes?

Foi mais uma surpresa! Estava a ler e recebi um telefonema do Paulo Pires do Vale, o comissário do PNA, a convidar-me para este projeto. Apenas trabalhei com o Paulo Pires do Vale numa exposição muito bonita, que abordava questões da cidadania sobre a importância das águas para o planeta. Quando me convidou fiquei perplexa. Pensei: “Que interessante, agora que eu pensei que tinha um emprego fixo e estável e que ia ficar aqui sossegada mais uns aninhos, há este desassossego”. Esse desassossego demorou-me algum tempo a aceitar, porque implicou muitas mudanças na minha vida, mas não tenho qualquer dúvida de que foi a decisão certa. Por vezes, na vida, aparecem-nos propostas que não são bem nossas, são ofertas que nos dão para que possamos transportá-las para algum sítio. Neste momento estou a levar um projeto muito lindo, que tive oportunidade de poder criar e cuidar, para entregar nas mãos de alguém, assim como ele chegou às minhas. Às vezes não é bem uma escolha, é mais uma condição, algo que temos de fazer, mas que é bom que façamos com alegria, entusiasmo e vontade. Quais os principais eixos de ação propostos pelo PNA?

São três eixos fundamentais. Começámos por pensar no eixo da escola, porque era aí que podíamos conjugar de uma forma mais facilitada as artes com a educação e essa é a premissa-base do plano. Sabemos que se fôssemos só trabalhar as artes educativas na escola iríamos perder a oportunidade de indisciplinar a escola. Na escola as coisas ainda são arrumadas em disciplinas, processos, normas… É normal porque é um ecossistema muito complexo. Por vezes essas normas criam barreiras, então o processo foi pensar como é que a escola se pode ligar mais à sociedade, como é que a sociedade pode entrar de forma mais fluida dentro da escola. A partir das medidas criadas para trabalhar a relação das artes com a cultura e educação, o que fizemos foi ver que outros eixos eram necessários para adensar o trabalho que estávamos ali a fazer. Percebemos que havia um eixo que deveria existir, o da capacitação, onde estão incluídas as medidas de formação de professores, de mediadores culturais e de artistas. Outro eixo igualmente fundamental está ligado às políticas públicas, que, no fundo, nos permitem dizer hoje que não há cultura sem educação nem educação sem cultura e que não podemos pensá-las de forma separada. O desafio é como articular.

Durante o seu percurso educativo sentiu falta da existência de um plano como o PNA?

Não posso dizer que senti, porque tive a oportunidade de ter aulas numa escola muito especial chamada Escola Artística António Arroio, onde se respira arte e criação. Respirava-se a possibilidade do erro e a ideia de arriscar. Estava tão focada neste espaço de liberdade que era a minha escola que não senti falta. Se me perguntarem se quando vou a algumas escolas ou se eu, enquanto mãe, da experiência das minhas filhas, sinto que o PNA ali faz falta, faz! As artes dão essa possibilidade de exprimirmos esta nossa vontade e em algumas escolas ainda se sente algum constrangimento a esse respeito.

Que balanço pode fazer destes anos desde a implementação do PNA e quais os indicadores que gostaria de destacar?

É necessário dizer que o plano nasce em 2018 e tem uma vivência de um ano e pouco sem pandemia e, de repente, tudo fecha, e todos nós tivemos de nos transformar, para não deixar cair a educação e esta possibilidade de fruir as artes à distância. Nessa altura pensámos que o nosso objetivo de expansão iria ser altamente constrangido e não aconteceu assim. As escolas sentiram que as artes seriam uma porta de fuga, uma forma de trazer a motivação dos alunos. Neste momento, ao fim de quatro anos, estamos a trabalhar com mais de metade dos agrupamentos do país. São 811 agrupamentos de escolas e nós estamos a trabalhar com 420. Isto é mais do que nós pensámos como meta. Mas não podemos avaliar o impacto através de indicadores apenas numéricos. É preciso perceber que a transformação continua a acontecer na escola e que vai ser percetível, por exemplo, na transformação dos espaços. Esta escola que vem aqui dizer «Criámos uma sala de processos» significa que ali pode acontecer tudo, que o espaço não tem a disposição normativa da sala de aula, e que foi criado pelos alunos e com os alunos. Isto é para nós um dos indicadores de sucesso extraordinário, quer dizer que aquela escola já voa.

De que forma o PNA se articula com o Plano Nacional de Leitura (PNL) e o Plano Nacional do Cinema (PNC)?

No fundo, o PNL e o PNC já existiam antes do PNA, e quando este foi instituído ele foi instalado como plano “chapéu”, o que significa que um dos seus encargos era promover estratégias e projetos que pudessem articular o trabalho desses outros planos dentro das escolas. Promove a construção de um projeto cultural de escola. Todos trabalham num sentido comum.

Sabemos que o Plano Nacional de Leitura é um plano que está presente em todos os agrupamentos escolares. Sendo o PNA tão importante, como é que não tem a mesma presença?

Assumimos que para fazer este plano tinha de haver o que designamos de pedagogia do desejo, ou seja, o plano não se faz por imposição de cima para baixo, não é uma norma. Portanto, é preciso escolher que se quer participar neste processo de transformação da escola, que permite criar um projeto cultural. Não temos métricas de tempo, isso seria artificial. Temos de trabalhar no tempo das pessoas, porque o que faz com que um projeto seja bem sustentado são as relações que ele constitui e tudo isto demora tempo e nem todos temos os mesmos ritmos e as mesmas prioridades. Acho que é este respeito pelas comunidades, pelas questões de cada escola e pelo tempo desse lugar que também faz com que essas escolas depois permaneçam connosco e confiem em nós.

Dos objetivos que o PNA tem, quais têm sido os mais complexos de atingir e que medidas têm sido tomadas nesse sentido?

Todos os projetos que implicam a ligação com muitas entidades são mais complexos. Mas não diria que são as medidas que são mais complexas, diria que são os lugares, as comunidades e as pessoas que os tornam mais complexos. E não são os projetos que são mais complexos, são as pessoas que constroem os projetos que facilitam ou atrasam a implementação mais rápida dos mesmos. Tudo o que implica dinheiros públicos ou contratação pública atrasa-nos muitas vezes a construção de programas importantes, que, infelizmente, não conseguimos realizar no tempo certo.

Estamos numa Escola Superior de Educação. De que forma é que os futuros educadores, professores e formadores poderão promover a cultura e a arte?

Pensamos muito nisso desde o início e cada vez tenho mais a certeza de que é aqui que a mudança tem de acontecer em primeiro lugar. Nós levamos connosco os modelos com que nos formaram. É muito mais fácil eu usar pedagogias ativas se, enquanto aluno, fui sujeito a essas pedagogias, assim como o contrário também é verdade. É aqui que tem de haver o germinar da semente. Por isso é que estes locais são tão importantes para o Plano. Vemos esta ligação como uma ligação quase umbilical. Sentimos que ainda não a desenvolvemos o suficiente, mas que também é preciso conhecer o produto que está a acontecer na vida real, para que possamos trabalhar com as escolas superiores de educação, pensar no futuro da educação e na forma de as artes e as culturas poderem estar impregnadas nos currículos das várias áreas disciplinares. Ou seja, aquilo que advogamos é que um professor de matemática que use as artes para lecionar os polinómios e a geometria vai ajudar muitos alunos a compreender melhor a dimensão abstrata da matemática. Se formos pensar na geografia e pensarmos nos mapas, os mapas são desenhos. As ciências e a biologia têm relações intrínsecas com as outras expressões artísticas. Ajudará a ancorar as aprendizagens. Pretendemos trazer as artes não só como um fim, mas como um meio para ajudar a educação.

O que pensa da sustentabilidade das áreas artísticas em Portugal? É possível viver das artes no nosso país?

Acho que é muito difícil viver das artes em Portugal, sem dúvida, sobretudo se pensarmos naquilo que é a situação mais clássica. Quando eu penso em viver das artes em Portugal como um artista no seu ateliê que pode estar durante o dia inteiro a pensar nas pinturas que vai fazer, é muito difícil, porque não temos um mercado da arte instituído, financeiramente robusto ou até um entendimento de que o investimento nas artes é possível. Quando falamos em viver das artes temos de pensar numa economia das artes e neste momento o nosso país ainda não tem essa maturidade. Mas existem áreas dentro do mundo criativo que já nos permitem viver das artes. Estou a falar das indústrias criativas, mas também do pensamento criativo dos artistas aplicado ao conhecimento científico, universidades, empresas ou a tantas outras áreas.

Há algum projeto a ser pensado em articulação com a ESECS?

Existe um projeto que está a ser pensado, sim, e que envolve a formação técnica, na área da mediação cultural e artística. Mas é um projeto que ainda não saiu. Nesse sentido, será o princípio de uma série de projetos que formam um “chão comum”. Neste momento, estão a ser implementadas várias estratégias de aproximação, de workshops, de planeamento, de conhecer os professores, os alunos e a realidade deste politécnico para que esses projetos possam crescer e acontecer. Está a florescer uma matéria muito fértil. k

Kultos

Close Uma amizade interrompida

Close é uma longa-metragem belga, que teve a sua estreia no festival de cinema de Cannes em 26 de maio de 2022, da qual saiu aclamada pela crítica e vencedora do Grand Prix (o segundo prémio do evento) atribuído pelo júri do festival. A obra foi realizada pelo cineasta e guionista belga Lukas Dhont e é uma coprodução francesa e dos Países Baixos.

As cenas decorrem numa área rural não especificada e a história gira em torno da amizade entre dois adolescentes que é subitamente interrompida. Léo e Rémi, de 13 anos, passam o verão juntos e desenvolvem uma amizade íntima e inocente que transparece na cumplicidade que têm entre si e pelas suas famílias. Estes afetos são testemunháveis através das corridas no meio de flores coloridas, conversas na cama, olhares de admiração e a passagem de muito tempo de qualidade com a família.

Quando o ano letivo começa, a amizade entre os dois é questionada diversas vezes pelos colegas, que sugerem a existência de um relacionamento amoroso. Por consequência, são alvo de comentários depreciativos por parte dos outros alunos.

Para evitar estes constrangimentos e comentários intrusivos, Léo afasta-se do amigo, o que desestabiliza a ligação e resulta no acontecimento mais marcante do filme, o desaparecimento de Rémi, que leva o amigo a procurar conforto ou até remissão do sentimento de culpa com a sua mãe.

A narrativa do filme alterna entre o ambiente escolar e o doméstico e rural e conta com a presença de atores como Eden Dambrine, Gustav De Waele, Émilie Dequenne, Léa Drucker, Kevin Janssens, Igor Van Dessel e Marc Weiss.

O filme é profundamente dramático e aborda pontos importantes, como a responsabilidade afetiva e o preconceito. Explora também o estereótipo da masculinidade e demonstra, de certa forma, a culpa que decorre dos comportamentos que temos para agradar às outras pessoas.

A longa-metragem promove uma reflexão sobre a perda da inocência e sobre a influência dos outros. Passa também por uma análise das consequências da homofobia e da expectativa da sociedade, deixando uma lição importante acerca do compromisso, da empatia e do preconceito social em relação a amizades íntimas de adolescentes do mesmo sexo. k

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