Revista Ajayo Samba do Monte

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Ano 1 / Número 1 / 2020



Registro de quando tudo começou: o Projeto Ajayô Samba do Monte teve início em 2008, com rodas de samba no bairro do Jardim Monte Azul (Foto: Rogério Vieira)


A P R E S E N T A Ç Ã O

A ancestralidade em samba na periferia

Acervo Ajayô Samba do Monte

A

roda de samba começa a tocar e o domingo fica mais domingo na periferia. O batuque chama a atenção. Os jovens vão chegando. Mulheres e crianças entram na dança. Casais se entrosam e logo rodopiam. Depois da semana de trabalho duro, o ritmo promove o encontro e traz consigo a rica mistura de tradições que atravessam a história ancestral daquela comunidade. No Projeto Comunidade Samba Do Monte, roda de samba que nasceu no bairro do Jardim Monte Azul, na zona Sul de São Paulo, tudo é assim desde 2008. O evento cultural chegou a reunir mais de mil pessoas por domingo. Entre 2017 e 2018, a celebração tradicional foi selecionada pela primeira edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo e se tornou um amplo projeto de valorização da cultura e identidade local. A política pública possibilitou a produção de eventos para além das rodas de samba. “Passamos a criar atividades capazes de incentivar o diálogo entre as atuais manifestações culturais e as origens ancestrais do samba da periferia”, conta o articulador cultural Jaime Diko Lopes, idealizador e um dos responsáveis pelas produções do coletivo Ajayô.

Mestre Aderbal Shogun, Mestre Bángbàlà Ogã e Ranieri Moá. Acervo Ajayô Samba do Monte

Ao longo de dois anos de celebrações trimestrais, o projeto colocou na roda integrantes da velha-guarda das escolas de samba paulistanas e o macaratu revisitado pelos coletivos dos jovens da periferia. Trouxe ainda o samba de raiz lado a lado com os tambores africanos, a arte e a simbologia dos orixás do Candomblé.


AJAYÔ!!! Escreva para nós: sambadomonte@gmail.com A Revista Ajayô presta homenagem aos artistas, produtores, especialistas e profissionais das artes e da cultura que fizeram este projeto acontecer.

Tudo começou em 2008, em rodas de samba no bairro. Ao longo dos anos, o Projeto Comunidade Samba do Monte se desmembrou em outras atividades e virou até num centro cultural! Jaime Diko Lopes, idealizador,

A comunidade também contou com oficinas com especialistas em história do samba, testemunhas e atores ativos da trajetória de resistência do ritmo nas quebradas. Houve aulas de dança afro e vivências coletivas num quilombo e numa aldeia indígena. Tudo para que todos pudessem, enfim, estar diante da vasta riqueza cultural que aqueles domingos sempre mereceram.

articulador cultural e mestre das cerimônias do Ajayô Samba do Monte

Além deste material impresso, é possível conferir o registro do projeto em audiovisual, programas da rádio virtual Mixtura (www.radiomixtura.net.br) e nas redes sociais. @AjayoSambaDoMonte @sambadomonte Samba do Monte www.sambadomonte.com.br

Por sua trajetória e relevância para o bairro do Jardim Monte Azul e entorno, considerados pontos de alta vulnerabilidade social em São Paulo, em 2018, o coletivo Ajayô Samba do Monte foi agraciado com prêmio Selma do Coco de Culturas Populares, do Ministério da Cultura. Visite o nosso canal no YouTube




06 Mais de uma década de samba F

oi com músicos do bairro que foi realizada a primeira roda de samba do Projeto Comunidade Samba do Monte. Era o segundo domingo do mês e dia 12 de outubro de 2008. A iniciativa foi do morador do bairro e produtor cultural Jaime Lopes de Cerqueira Barboza, o Diko, que organizou o encontro na rua, numa encruzilhada aliás, com os amigos. Depois, o evento passou a ser realizado, de maneira independente, no espaço físico da Associação Comunitária Monte Azul, ONG fundada pela pedagoga antroposófica alemã Ute Craemer em 1979. Outras 50 rodas de samba mensais ocorreram nesse mesmo local. O evento passou a fazer parte da agenda cultural dos moradores da periferia da Zona Sul de São Paulo. Durante esses quatro anos iniciais, o projeto se consagrou por prestar homenagens a um grande nome do samba. Os prestigiados pelo Ajayô eram agraciados pela comunidade com um objeto simbólico. Dona Ivone Lara, Leci Brandão e Paulinho da Viola, por exemplo receberam pessoalmente o presente da equipe do Ajayô. A intérprete Fabiana Cozza chegou a ir à roda de samba da periferia para receber o carinho da comunidade e Zeca Pagodinho enviou sua equipe para registrar a homenagem.

COMUNIDADE REUNIDA: Registro de uma das rodas de samba do Projeto Comunidade Samba do Monte. A iniciativa começou no bairro Jardim Monte Azul e se consagrou como parte da agenda cultural da periferia da Zona Sul de São Paulo


Tudo isso proporcionou muito orgulho à comunidade e os eventos chegaram a reunir mais de 1000 pessoas. A iniciativa incentivou a criação de outra rodas de samba na região, como o Samba do Figueira Grande, de outro bairro das proximidades, criada por dois músicos que se apresentavam no Samba do Monte. Em 2011, a importância e a história do evento foi registrada no documentário “Uma Comunidade dentro da Comunidade”, que foi distribuído em bibliotecas, escolas, centros comunitários e coletivos da periferia. Chegou, ainda, a ser exibido pela Universidade de Bristol na Inglaterra (University of Bristol) na semana cultural do departamento de Português e Espanhol. O lançamento do filme foi na galeria Olido e houve exposição de fotos na Assembleia Legislativa na semana da cultura negra. NASCE UM CENTRO CULTURAL Aos poucos, o Samba do Monte, foi se ramificando em outras atividades. Passou a oferecer oficinas de dança afro e de criação de instrumentos musicais feitos com materiais reciclados. Em 2012, em conjunto e sintonia com outros coletivos locais, deu um passo adiante e o projeto inaugurou um centro cultural chamado Espaço Comunidade Jardim Monte Azul. Foi uma revolução! Com o Espaço Comunidade, que ficava andar superior de uma casa, foi possível criar uma intensa agenda de atividades com diferentes coletivos e parceiros culturais. Com a juventude local, criou-se de tudo: sarau literário (Sarau Verso em Versos), exposições, oficinas de educação e cidadania e ações culturais variadas. “O objetivo sempre foi fomentar uma comunidade cultural cidadã e transformadora dentro do nosso bairro. Acreditamos que a arte desperta a cidadania, o espírito de comunidade, novas vocações e interesses e é ainda uma ferramenta de combate à desigualdade social e situação de vulnerabilidade das periferias”, afirma o articulador Jaime Diko. Ao longo de 4 anos (2012-2016), o Espaço Comunidade contou com atividades diárias e centenas de apresentações. As rodas de samba permaneceram mas o projeto não se limitou a

elas. Shows de diferentes ritmos musicais, saraus de poesia, atividades para recreação e reforço escolar para crianças, rodas de conversas para adolescentes (sobre temas fundamentais como sexo, drogas e vocação profissional) foram realizados. Houve ainda oficinas sobre empreendedorismo e consultoria sobre concorrência em editais públicos, além das iniciativas culturais orgânicas realizadas por coletivos de forró, hip hop, coco e de ecologia (plantio de árvores em praça e coleta de óleo para reciclagem) e mobilidade urbana (grupo para passeios coletivos de bicicleta). O embrião de todas essas iniciativas, enfim, foi o Samba do Monte. Desta maneira, o samba criou novas identidades e estabeleceu pontes entre a tradição e a modernidade. No fim de 2016 não foi mais financeiramente possível viabilizar a locação do galpão para o funcionamento do Espaço Comunidade. No entanto, o Samba do Monte inovou mais uma vez, voltando às suas origens, mas repaginado. EDITAL REVIGOROU PROPOSTAS Em 2017, o projeto Ajayô Samba do Monte foi contemplado com a 1a edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo. O programa forneceu recursos para que as antigas rodas de samba realizadas no pátio da Associação Comunitária Monte Azul voltassem a ser realizadas. Foram incorporadas novidades. Dividido em três grandes eixos, o Ajayô Samba do Monte passou a contar com vivências culturais em grupo (com visitação a uma aldeia indígena e a um quilombo), workshops (sobre a história do samba, história do samba nas periferias) e oficinas de dança afro e de construção de instrumentos musicais com materiais reciclados. Durante dois anos, foram realizadas oito rodas de samba que, a partir das estações do ano, marcaram a mitologia dos orixás. Uma roda de samba anfitriã homenageou sambistas da velha guarda das escolas de samba e recebeu rodas convidadas. O evento contou ainda com cortejo de danças tradicionais como Maracatu e Coco pelas ruas do bairro.


fotos Acervo Ajayô Samba do Monte

A programação do Ajayô sempre teve mais de 10 horas no dia evento e, assim, contou com tardes inteiras de atividades. O evento trouxe refeições de comidas típicas da culinária afro-brasileira, atividades recreativas para crianças, apresentações de jovens de coletivos de dança e de sambas da atualidade e do passado da velha guarda, resgate de tradições ancestrais africanas, além de feira de economia solidária com empreendedores do bairro. Até mesmo uma cerveja artesanal foi criada pelo coletivo: a Cerveja do Samba, feita em parceria com produtores da periferia. O Ajayô consolidou-se como uma ação cultural que fez parte da agenda da cidade e do Brasil. Também dialogou com manifestações artísticas capazes de fazer pontes com diferentes gerações e interesses. “Compreendemos todo o histórico do nosso trabalho como uma legítima iniciativa que agrega novos elementos e linguagens entre a cultura tradicional e a cultura moderna, possibilitando a construção de novas identidades”, conclui Diko, que considera os dois anos projeto fundamentais para abrir novos caminhos. Com o incentivo do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo, as rodas de samba passaram a contar com maior infraestrutura e profissinalização. “Permanecemos com a mesma missão”. O projeto segue com a rádio Mixtura, que foi apropriada pela comunidade durante as atividades do Ajayô, e atualmente está instalada na sede da Agência de Fomento da Periferia Solano Trindade, no Campo Limpo. TRADIÇÃO: Os eventos chegaram a reunir mais mil pessoas, sempre aos segundos domingos do mês, e prestavam homenagem a grandes nomes do samba, como Paulinho da Viola. À esquerda, o bairro Jardim Monte Azul O projeto foi selecionado pelo primeiro Edital de Fomento da Cultura da Periferia em 2017 e passou a agregar novas manifestações culturais da região, como o Maracatu (à dir.)


O PROJETO

Acervo Ajayô Samba do Monte

Acervo Ajayô Samba do Monte

Dividido em três grandes eixos (celebrações, oficinas e vivências), ao longo dos dois anos o projeto Ajayô Samba do Monte realizou: - 8 rodas de samba de mais de 12 horas cada - Mais de 40 diferentes grupos ou artistas das periferias se apresentaram - Cerca de 100 profissionais da região foram impactados - Houve 10 aulas de dança afro totalizando 18 horas de curso. - 8 aulas da oficina de História do Samba - 8 aulas da oficina da História do Samba na Periferia - 12 horas de vivência numa aldeia indígena - 12 horas de vivência num quilombo - 2 apresentações no Festival Percurso, o maior da Zona Sul de SP

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O DIA DA CELEBRAÇÃO Cada roda de samba do Ajayô sempre contou com mais de 12 horas de atividades que promoveram o diálogo do samba atual e sua ancestralidade.

Cada celebração teve temática própria baseada nas diferentes estações do ano e prestou homenagem a dois orixás que dialogavam com a data dos eventos. Com a consultoria do sacerdote e estudioso do Candomblé mestre Aderbal Ashogun, cada detalhe teve simbolismo e história. A cenografia e ambientação das celebrações, feitas pelo artista plástico Rodrigo Bueno, contaram com objetos, ervas e plantas que tratavam da simbologia do panteão sagrado do Candomblé.

As artes plásticas foram contempladas com obras criadas exclusivamente para cada evento. O pintor Jair Guilherme trouxe quadros que traziam a representação mitológica dos orixás. Os orixás Exu e (à dir.) e Ogum foram os escolhidos para abrir os caminhos logo na primeira roda de samba, no outono de 2017.

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Houve workshops sobre a história do samba, história do samba nas periferias (à dir.), oficina de dança afro e oficina de construção de instrumentos musicais com materiais reciclados. Cada experiência ofereceu a possibilidade conhecer fundamentos teóricos e práticos sobre música ou dança e, assim, estimular os participantes a compreender, valorizar e produzir sua arte ancestral.

Todas as rodas contaram com espetáculo de danças tradicionais de grupos de maracatu ou coco. Vivências culturais, com visitação a uma aldeia indígena: a comunidade periférica teve contato direto com sabedorias ancestrais.

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Ubuntu O Ajayô Samba do Monte é resultado do esforço coletivo de dezenas de amigos, parceiros e profissionais apaixonados pelo samba e pela periferia. Uma equipe fixa, porém, deu vida às rodas de samba que marcam a cena cultural da Zona Sul. Conheça esses colaboradores. O Samba do Monte é porque nós somos! Salve!

Jaime Diko Lopes Produtor e articulador cultural, é mestre de cerimôminas e o idealizador do Ajayô Samba do Monte. Diko atuou em todas as etapas do projeto: da elaboração do edital aos convites aos músicos, passando pela coordenação da divulgação e das montagens do evento, supervisão de serviços à realização das rodas de samba e sua pós-produção. É voluntário em diferentes coletivos e atividades culturais, sempre com foco nas periferias e na comunidade do Jardim Monte Azul, bairro onde nasceu e vive até hoje. Entre suas principais atuações está a coordenação do Sarau Verso em Verso, há sete anos em atividade. Diko ainda é responsável pela programação da rádio virtual Mixtura, que foi estruturada durante o Ajayô Samba do Monte. Na produtora ElChoq!, se dedica à produção cultural e divulgação de artistas das periferias.

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Mestre Aderbal Ashogun O mestre e sacerdote do Candombé ofereceu consultoria ao projeto Ajayô e foi o responsável pelo “Diálogo sobre os Orixás” presente em todas as rodas de samba. Baiano, nascido no terreiro do Alaketu, é coordenador da rede OMO ARO CIA CULTURAL, que desde 1992 tem como prioridade a manutenção e o resgate do complexo cultural dos povos tradicionais de terreiros. Artista, escritor e professor, é filho da Ialorixá Mãe Beata de Iemanjá, uma das mais importantes ativistas no combate à intolerância religiosa e militante dos direitos humanos, meio-ambiente, defesa e preservação da cultura afrobrasileira. Aderbal é sacerdote do terreiro Ilê Omiojuarô, tombado em 2015 como Patrimônio do Estado do Rio de Janeiro pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Suas obras e atividades têm conexão direta com as culturas que habitam as periferias das sociedades ocidentais e buscam reencantar e conectar a ancestrali-

dade de territórios e rituais sagrados. Sua poética traz a intenção de celebrar a união dos povos em torno de um objetivo comum: a preservação e manutenção da cultura brasileira principalmente dos povos e comunidades de matriz africana, indígena e cigana. Presente no circuito da arte contemporânea, Aderbal Ashogun é um nome importante na travessia entre um meio cujo cânone encontra-se no eixo Estados Unidos-Europa e as tradições de culturas historicamente colocadas à margem das grandes narrativas. Realizou oficinas internacionais de ecologia, cultura e arte afro-brasileira em todo mundo e foi um dos coordenadores da Rede Nacional de Cultura Ambiental Afro-Brasileira, formado por mais de 100 entidades. Na Casa Caracol de Povos de Terreiro, centro cultural em Paraty (RJ), promoveu o intercâmbio sociocultural e econômico entre povos de terreiro, indígenas, camponeses e periféricos.

Elis Teixeira

Elisângela Teixeira é historiadora com pós-graduação com MBA em Gestão de Bens Culturais e atua como articuladora sócio-cultural nas periferias há cerca de dez anos. Participa de coletivos que fomentam a economia solidária e criativa e é sócia-fundadora da Shabazz Empire, iniciativa afroempreendedora com base na cultura Hip Hop. Trabalhou na Incubadora Pública de Economia Solidária da Cidade de São Paulo. É doula do AYÊ Coletiva, que tem como foco promover saúde, acolhimento, cultura e educação para gestantes, casais grávidos, bebês, crianças e rede de apoio a mulheres.

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Flávia Martinelli Jornalista há mais de 20 anos, foi responsável pela edição da Revista Ajayô Samba do Monte. Como repórter, editora de textos ou redatora, passou pelas redações das editoras Abril, Globo e Trip. Sempre atuou em reportagens voltadas para as periferias e hoje coordena o coletivo e blog Mulherias - O Salve Feminino das Periferias, do portal de notícias UOL, onde trabalha em colaboração com repórteres periféricas.

Jair Guilherme Artista plástico, Jair Guilherme é autor das 16 obras de arte produzidas ao longo das edições do Ajayô Samba do Monte. Cada uma delas traz a representação mitológica dos orixás homenageados nas rodas de samba. Professor de artes de escolas da Zona Sul de São Paulo, também é pesquisador da Casa das Áfricas e diretor do Balaio Ateliê, onde desenvolve pesquisas e estudos em Artes Visuais e Arte Africana.

Clarissa Barbosa

Sharylaine Bakhita Foi uma honra contar com ela como mestre de cerimônia das rodas de samba. Sharylaine foi pioneira na cena do rap de São Paulo no final da década de 1980 e inspirou muitas mulheres a conquistar seu espaço no hip hop. Dançou break no grupo Nação Zulu e passou a rimar e cantar quando as rodas eram só masculinas. Sua marca registrada eram as roupas cor-de-rosa. Em 1986, fez parte do Rap Girls, primeiro grupo de rap formado apenas por mulheres. É uma das fundadoras da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop, coletivo que atua em 17 estados brasileiros e promove oficinas, eventos e publicações de livros próprios.

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Empreendedora social e comunicadora, participa de projetos e empreendimentos nas áreas de comunicação, turismo, alimentação e cultura. Foi responsável pelo registro fotográfico e design de comunicação.


Tia Nice A Chef Tia Nice, da Cozinha Criativa da Agência Solano Trindade e restaurante Organicamente Rango, tem experiência de quase 40 anos entre panelas e temperos. Participou das rodas de samba oferecendo suas famosas feijoadas – tradicional ou vegana – e pastéis caseiros de recheios inovadores como o de coração de banana e outras pancs, as chamadas plantas alimentícias não-convencionais. Tia Nice é uma liderança na comunidade e sempre convidada de honra do Ajayô Samba do Monte.

Rafael Kaiowa Agricultor e chefe de cozinha, trabalha com Plantas Alimentícias Não Convencionais (pancs), produz seu próprio alimento e o comercializa na periferia da zona Sul de São Paulo, dando acesso a produtos alimentícios orgânicos, com qualidade e acessíveis. Foi o mestre-cervejeiro responsável pela Cerveja do Samba, feita artesanalmente e com exclusividade para as celebrações do Ajayô.

James Lino O Mestre de Cerimônias do Samba do Monte é poeta, produtor, arteeducador, locutor, ativista e articulador de diversas atividades culturais. James Lino foi o MC do lendário grupo Potencial 3, fundou o sarau Ecos de Zumbi em 2009 e foi co-fundador do sarau Verso em Versos que está em atividade desde 2012. Produziu eventos como a Batalha do Monte, projeto Nosso Bar mais Cultura e Gastronomia em parceria com a AMBEV e Às Margens do Ipiranga composto por campeonato de futebol de várzea, uma antologia de poetas e um documentário. Foi co-fundador do Hip Hop A.T.I.V.E (Arte, Trabalho, Inclusão, Vida e Educação) em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo. É autor dos EP PERSEVERANÇA e dos livretos poéticos “Levro no Bolso” 1 e 2.

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Rodrigo Bueno Fabiano Oliveira O artista plástico do Ateliê Mata Adentro cuidou com todo o cuidado de todas as ambientações das celebrações do Ajayô Samba do Monte. Cada um dos oito eventos prestou homenagem a dois orixás. Rodrigo elegeu apenas plantas, objetos, cores e adereços que eram fieis às simbologias do mitos do Candomblé. Seu trabalho se caracteriza pelo uso de resíduos da cidade para transformar ambientes, promover encontros, criar pinturas e jardins que falam da continuidade da vida, do eixo que sustenta o todo e da cultura em constante movimento.

Fabiano Oliveira é funcionário e jornalista que, além de colaborar com esta publicação, cuidou da comunicação geral do Coletivo Ajayô, programas da rádio virtual Mixtura e da produção das celebraçoes. Morador da Zona Sul desde 2010, atuou também em Associações de bairro (AMJCBA) e em ONGs com foco em cidadania, Economia Solidária e Direitos Humanos. Já foi voluntário na produção de cultura do Sarau Verso em Versos e atualmente co-edita com Malungo o podcast ‘Música Para Elefantes Cegos’, assinando como Urbenauta.

Anderson Lopes Monise Cardoso Formado em Administração de Empresas e pós-graduado em Gestão Empresarial, desde 2008 Anderson ajuda a fazer o Samba do Monte acontecer e foi um dos fundadores do Espaço Comunidade, o centro cultural fomentado pela própria roda de samba. Foi ele quem cuidou de todas as questões administrativas do projeto e intelocução com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

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Monise Cardoso é jornalista e integrante do coletivo da comunicação Mulherias. Escreve, pesquisa e vivencia temas ligados à mulheres, negritude e periferias. Colaborou na realização da Revista.


Ubu Maycom Mota

Cinegrafista e fotógrafo do Ajayô, participou da produção e do registro das atividades, atuou como diretor de fotografia, fotógrafo, cinegrafista, editor de imagens, operador de drone e também diretamente com o desenvolvimento de conteúdo. É formado em Audiovisual e Telecomunicações. Atualmente, é repórter cinematográfico no programa Profissão Repórter, da TV Globo, e sócio da Elchoq! Produções, onde produz trabalhos culturais voltados para artistas independentes.

Wendel Cabral Wendel Cabral é educador e atua como colaborador da Associação Comunitária Monte Azul, uma das parceiras do Samba do Monte. Amigo e fã do samba, está sempre conosco em apoios técnicos e estratégicos com os artistas, a mídia e o público que chega e brilha nas rodas de samba.

Rodrigo Kenan

Roberta Oliveira e o Bando de Lá A cantora e o grupo estiveram em todas as celebrações do Ajayô. Juntos, eles trouxeram referências das cantigas dos terreiros aos sambas de raiz. Roberta também é compositora e surge no cenário do samba paulista em 2007 ao integrar o grupo Kolombolo Diá Piratininga. Desde então, ainda comanda a roda Samburbano no centro da cidade de São Paulo. Inspirada pela obra de músicos como Eduardo Gudim, Paulo Vanzolini, Carlão do Peruche, João Borba e Toniquinho Batuqueiro, Roberta Oliveira e o Bando de Lá são residentes do Ajayô Samba do Monte.

Rodrigo Kenan é designer, diretor de criação da agência MuviLab e integrante da Cooperifa. Transita diariamente entre a margem e o centro da cidade buscando as melhores formas de dar vida aos seus projetos. Colaborou na realização da Revista.

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Celebração 1

EXU

E

7 de maio de 2017 Jardim Monte Azul

OGUM

dão boas-vindas ao Outono A abertura da primeira roda de samba foi com os orixás da comunicação e o do ferro, as duas primeiras criações de Olorum. Axé!

Mestre da celebração: Aderbal Ashogun Homenagem: Velha Guarda do G.R.C.S Escola de Samba Unidos do Peruche - Seu Carlão Artista residente: Roberta Oliveira e o Bando de lá Convidados: Comunidade Samba da Vila e Bloco Afro É Di Santo Mestres de cerimônia: Amanda Cristina e James Lino Arte e ambientalização: Rodrigo Bueno do Ateliê Mata Adentro e Jair Guilherme do Balaio Ateliê

EXU por Mestre Aderbal “Contam os mais velhos que Olorum, diante de sua própria grandeza, precisou de alguém como ele: capaz de sentir, de chorar e amar. A Terra é o seu coração e ele quis botar nele tudo o tem. Assim, começou a povoar a Terra enviando bondade e conhecimento. Veio uma explosão e dela surgiu Exu, Deus da fala, da comunicação. Exú é o Big Bang, a boca do mundo, o dinamizador que faz os homens pensarem e questionarem. É o Deus do mercado. Economia solidária é Exu, mas a mediocridade do sistema não permite que a sociedade assuma essa tecnologia de ponta, ancestral. Nos tiram o que nos é de direito para se apropriar mais tarde e botar nesse sistema corrupto.”

Seu Carlão da velha Guarda do G.R.C.S. Escola de Samba Unidos do Peruche O Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Unidos do Peruche foi fundado em 1956, por Carlos Alberto Caetano, o Seu Carlão da Peruche. Em 1961, a escola conquistou seu primeiro título em um campeonato promovido por lojistas dos bairros Lapa e Penha e das rádios Record e América. Aos 83 anos, ele é memória viva do Carnaval paulista.

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Obra de Jair Guilherme.


Dis moluptamet delique dolor repersp electem. Ut enditi duciunda duntiur rehenis acilici psaperem fuga. Nem. Itatiis eaquibus, sincius et, sit exernatem quia dem nonsed moluptis ex et aci as ad eum non conseque qui optius in et faceptatiae lis endisintent officiat esciuntur rem imeneserro volor se porem fugit harum reped

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Não se deve fazer nada sem comunicar Exu. No terreiro, cantam para ele: ‘Licença para entrar na sua casa e ter uma boa festa, pra gente comemorar e ser feliz, pra que não haja briga, pra que dê tudo certo.’ Chamam esse aviso de despachar a porta.

Mestre Aderbal Ashogun

OGUM por Mestre Aderbal ”Quem primeiro forjou o facão, o arado e a foice? Foi Ogum, o deus do ferro, da tecnologia. É dele o conhecimento do general e da ira. No Candomblé, não existem os pecados capitais. Com autoconhecimento, a ira tem o seu valor. Ogum é conquista. O que seria de um general sem ela? Ogum se veste de azul, com a folha do dendê e não teme a morte.”

Obra de Jair Guilherme.

Bloco Afro É Di Santo Desde 2010 o É Di Santo reúne percussionistas em torno da música afro-brasileira. A base do bloco é o samba-reggae e os ritmos de terreiro. Regularmente 25 músicos integram o grupo, mas no carnaval o número dobra e ao menos 50 pessoas colocam os moradores dos bairros da região Sul de São Paulo para dançar.

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Muita história para contar Aos 88 anos, Seu Carlão da Peruche é considerado o sambista mais antigo em atividade. “Vivi no tempo das rodas de Jongo, que é ritmo de origem angolana. Minha mãe ia pra igreja e meu pai me levava pra jongar no barracão de terra batida. A festa durava vários dias e o povo acordava e dormia lá”, conta o ancião. O sambista abriu o ciclo de oito celebrações e participou das oficinas de História do Samba.

Amanda Cristina, a Amanda Negrasim A Mestra de Cerimônias é produtora cultural e atriz. Nascida em Cotia, grande São Paulo, vem de uma família de artistas ligados às manifestações da Cultura Afrodiaspórica como a Congadas e o Samba.

16 Orixás Ori em Yorubá significa cabeça. Axé é energia. Mestre Aderbal explicou que Orixá é energia da cabeça. São 16 os orixás principais que se interrelacionam formando muitas combinações. Cada um deles tem uma cor, um número e um acervo botânico.

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Roberta Oliveira Nascida em 1972 em Campinas (SP), a cantora e compositora é conterrânea de grandes nomes do Samba Paulista como Chico Pinga (Escola de Samba Lavapés), Seu Dito Caipira (Escola de Samba Unidos de Vila Maria) e Toniquinho Batuqueiro que também é do interior do estado. Roberta traz em seu canto referências das cantigas dos terreiros de umbanda e candomblé. Filha do ex-jogador de futebol Nenê, lateral esquerdo de times como Ponte Preta e Guarani da década de 60/70, cresceu rodeada pelo universo do futebol. E também de locais como o que sua mãe dirigia, na zona de baixo meretrício de Campinas, depois da separação em 1985.

Cartaz da celebração 01

Comunidade Samba da Vila Da região Sul de São Paulo, a Comunidade Samba da Vila é a união de amigos apaixonados pelo samba. Nas rodas, além de composições autorais, os sambistas homenageiam grandes nomes como Candeia, Mestre Marçal, Cartola, Paulo da Portela e Xangô da Mangueira.

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MIXTURA

A emissora virtual radiomixtura.net.br fez o registro das rodas de samba, oficinas e criou mais de 40 programas sobre o projeto. Como resultado, passou a cobrir outros eventos culturais da cidade e hoje conta com um estúdio profissional disponível para a comunidade

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o longo de dois anos, o coletivo Ajayô Samba do Monte registrou e transmitiu em áudio cada roda de samba e oficina do projeto. Mais de 40 programas de 1h40 minutos foram ao ar semanalmente, sempre às terças-feiras, pelo site da rádio virtual Mixtura (radiomixtura.net.br) e no site do Samba do Monte (sambadomonte.com.br). Como resultado, a rádio Mixtura, que existia apenas como um programa de 2012, ganhou maior abrangência e relevância na comunidade que, de fato, se apropriou do veículo de comunicação. Mesmo de maneira precária, sem recursos para equipamentos – afinal o projeto original não os incluía ­–, a rádio Mixtura passou a registrar outros eventos do território a pedido da própria comunidade. Entre eles, destacam-se as transmissões ao vivo da Feira Literária da Zona Sul (FELISZ) nas

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edições de 2017, 2018 e 2019. Realizadas pelo tradicional Sarau do Binho, que há mais de uma década acontece na Zona Sul de São Paulo, a Felizs mostra a grandiosidade dos talentos da literatura da periferia. A rádio Mixtura empenhou-se em entrevistar seus idealizadores e registrar ao vivo a abertura das feiras, oficinas literárias e debates, shows, etc. Também veiculou entrevistas com renomados articuladores culturais da região. Além do poeta Binho e Diane Pardial, outra organizadora da Felizs, a rádio dedicou programas ao artista e produtor cultural Vítor da Trindade; músico percussionista, cantor e compositor, professor de cultura afrobrasileira. Filho de Raquel da Trindade, escritora, folclorista, artista plástica, coreógrafa e carnavalesca, o artista também é neto do prestigiado poeta e escritor Solano Trindade.


A rádio Mixtura ainda foi responsável por transmissões de narrações da equipe do coletivo Resenha Poética da Várzea em diferentes momentos. O grupo é formado por poetas, rappers e locutores de futebol do bairro do Campo Limpo e narra dos jogos de várzea da periferia de maneira lúdica e com elementos narrativos musicais e poéticos. Houve ainda registros de diversos eventos que ocorreram na Agência Popular Solano Trindade. O local, um polo cultural da periferia da Zona Sul, foi palco de diversas edições do sarau Verso em Versos transmitidos ao vivo pela rádio. Cada evento do sarau tem, em geral, mais de 12 horas de atividades. A radio Mixtura aproveitou ainda a oportunidade de ampliar sua programação em uma parceria nacional e internacional. Em 2017, o coletivo foi convidado a participar da Rede Nacional Caracóis de Rádios Livres e Comunitárias, iniciativa que promove o intercâmbio de saberes entre emissoras independentes de todo o país. O encontro, em Vitória (ES), promoveu o acesso a oficinas de capacitação e retransmissão de programas de toda a América Latina. Até então, por falta de equipamentos, a Rádio Mixtura contava com hardwares precários e plataformas digitais de gestão e transmissão de conteúdo emprestadas da rede Mocambos, de Campinas (SP), (www.mocambos.net) que, por sua vez, atua em co-

munidades quilombolas, indígenas, urbanas, rurais, associações da sociedade civil e pontos de cultura. No entanto, com o aval da Secretaria de Cultura do Municipício de São Paulo, em 2019 a Mixtura fez remanejamentos de recursos do projeto Ajayô para a construção de um estúdio profissional no Campo Limpo. Hoje, a rádio conta com equipamentos próprios e segue com a prestação de serviços à comunidade de maneira mais profissional e sustentável, além de oferecer maior qualidade técnica de registros de áudio. A tecnologia possibilita a continuidade de ações como a cobertura de eventos locais e é um canal de comunicação de prestação de serviços aos ouvintes, especialmente ao público da periferia. Todos os equipamentos da rádio estão disponíveis a outros coletivos para que o acesso à comunicação seja ampliado de maneira livre e democrática. O projeto Ajayô, assim, segue em sua missão de promover a divulgação das manifestações culturais da periferia e o registro em áudio dessas importantes iniciativas da Zona Sul.

O estúdio da Rádio Mixtura fica numa sala da Agência Solano Trindade, no Campo Limpo: a emissora do projeto Ajayô enaltece as atividades locais e fomenta a participação ativa dos ouvintes, que são convidados a se tornarem produtores de conteúdo independentes ou colaborativos

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Celebração 2

9 de julho de 2017 Praça do Campo Limpo

OXOSSI E OSSAIN acolhem e nos preparam para o Inverno Em um dia ensolarado de inverno seco da capital paulista, o Ajayô Samba do Monte somou-se ao Festival Percurso 2017; outra iniciativa que reúne diferentes atividades sociais e culturais na periferia da Zona Sul da cidade. Mais de 40 atrações tomaram conta da Praça do Campo Limpo, palco histórico de mobilização da comunidade. A inicitiva foi resultado da articulação com a Agência Solano Trindade, que organiza o Festival. Veteranos ou jovens, artistas, empreendedores e produtores de alimentos estiveram juntos num grande encontro de democratização e valorização dos saberes da quebrada.

Mestre da celebração: Aderbal Ashogun Homenagem: Velha Guarda Barroca Zona Sul Artista residente: Roberta Oliveira e o Bando de lá Convidados: Maracatu Ouro do Congo Mestres de cerimônia: Sharylaine Bakhita e James Lino Arte e ambientalização: Rodrigo Bueno do Ateliê Mata Adentro e Jair Guilherme do Balaio Ateliê

OXÓSSI por Mestre Aderbal “É o deus da fartura, quem primeiro notou o ciclo da água. É ele quem primeiro manteve contato com os ancestrais através de seu ‘bluetooth’ natural. É o filho da flecha; inventou a arma rápida. Quem melhor se desloca com o vento é Oxóssi. É o esquematizador, o mapeador da natureza, o caçador. Oxossi foi o primeiro Ojé, ou seja, o primeiro a dominar a conexão com os ancestrais da Terra. Com uma vara de amoreira, tem o poder de controlar os mortos.”

Maracatu Ouro do Congo O grupo pesquisa, vive e pratica a cultura do maracatu de baque virado. É o único na cidade de São Paulo que trabalha exclusivamente com a linguagem da “Nação do Maracatu Porto Rico”, situada no bairro do Pina, na cidade do Recife (PE). O grupo surgiu em 2010, na Zona Sul de São Paulo.

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Obra de Jair Guilherme.


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Barbara Carvalho Maracatu Ouro do Congo

OSSAIN por Mestre Aderbal

“Somos um coletivo de muita resistência, assim como o projeto Ajayô Samba do Monte. E vemos com muito valor um espaço que reúne tantas pessoas, é uma forma de nos fortalecermos.”

“Ossain é o nosso alquimista, ele conversava com os vegetais e a partir daí desenvolvia sua medicina holística. Cada bioma e cada vegetal foi identificado por Ossain. Ele também descobriu o álcool através da vegetação. Não foi a empresa multinacional de bebidas que descobriu a cerveja, não! Foi Ossain!”

Velha Guarda Barroca da Zona Sul A escola de Samba foi fundada pelo sambista Sebastião Eduardo do Amaral, o Pé Rachado, em 1974. Já a Velha Guarda nasceu em 2000 e foi amadrinhada pela Escola de Samba G.R.C.S Vai-Vai. Obra de Jair Guilherme.

Dizem que Ossain ou Ossanha tem uma perna só. Mas ele não era excluído. Ele é o pai da medicina! Isso mostra a importância da acessibilidade. Ele nos ensinou a medicina das infusões e da defumação que equilibra os espaços. É nosso alquimista que conhece o propósito de cada folha. Mestre Aderbal Ashogun


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Sharylaine Bakhita Pioneira no mundo do rap, Sharylaine Bakhita formou o primeiro grupo só de mulheres em 1986, o chamado “Rap Girl’s”. Ainda em atividade, a artista da região Leste de São Paulo participou da histórica “Coletânea Consciência Black Vol.1”. No Ajayô, ela foi Mestra de Cerimônias ao lado de James Lino. Na foto, ele a observa declamando versos.

Dos tambores aos fundamentos ancestrais As atividades do Maracatu Ouro do Congo envolvem desde a construção dos instrumentos, o estudo dos toques e ritmos, a dança, as roupas, símbolos, história e tudo que envolve essa manifestação ancestral brasileira. O Ouro do Congo são os Pretos Velhos e Pretas Velhas, almas Mestras que ensinam, curam e se manifestam nos terreiros de norte a sul do país. São os antigos Reis e Rainhas do Congo que, na Diáspora, chegaram no Brasil e foram obrigados a reinventar sua história, sua tradição mas, mesmo assim continuam ensinando a humildade, a perseverança, a fé e os fundamentos da ancestralidade negra.

Participação no Festival Percurso 2017 A celebração foi realizada na Praça do Campo Limpo, palco histórico da região Sul, como parte da programação do quarto Festival Percurso, que reuniu mais de 10 mil pessoas num domingo ensolarado. O evento faz parte da programação cultural da cidade e contou com feira de economia solidária e shows de artistas da região. Entre eles, Mano Brown, do Racionais MCs.


Temos a nossa medicina sagrada ensinada por Ossain. Não somos contra a medicina científica. Mas a nossa é a da prevenção. É acordar, cumprir com seu ofício, estar perto da sua família e amigos, dançar, dar risadas. No fim do dia, não é necessário ir ao médico. O alimento e a sabedoria de viver é a nossa medicina.” Mestre Aderbal Ashogun

Simbologia no cenário Apesar da roda de samba ser realizada numa praça ao ar livre, a ambientação foi composta por diferentes ervas mediciais de Ossain e plantas que simbolizam as flechas de Oxossi.

Cartaz da celebração 02 Educação e ecologia para todos “Sem água, sem folha, não tem santo.” O ditado iorubá sintetiza o compromisso com a ecologia e a educação ambiental como um dos eixos centrais do trabalho de Mestre Aderbal. Em plena praça pública, com uma plateia formada por pessoas de todas as idades, ele abordou aspectos da mitologia, medicina, culinária, vestimentas, rituais, música e dança dos povos tradicionais de terreiro.

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32 O canal dos artistas periféricos Para um projeto cultural na periferia foi fundamental a escolha de uma produtora nascida e focada no fortalecimento da arte que pulsa na margens da cidade

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oda a produção artística do Projeto Ajayô Samba do Monte foi conduzida pela Agência El Choq! Produções: do convite aos músicos, cantores e grupos artísticos à realização das apresentações, estratégias de divulgação e pós-produção. Genuinamente criada por profissionais da periferia da Zona Sul de São Paulo, desde 2008 a El Choq! tem como missão visibilizar a imensa gama de manifestações culturais periféricas, das artes populares e dos povos tradicionais – sempre negligenciadas pelos mercados convencionais. A produtora tem como foco tanto o fomento de atividades em seu território quanto a inserção de seus artistas na cadeia de negócios do setor. A construção de eventos que valorizam a diversidade é a sua especialidade. No portfólio da El Choq! há representantes de diferentes gêneros musicais como samba, hip hop, reggae, forró, maracatu, sambada de coco, jazz, mpb, etc. Além disso, conta com artistas de saraus de poesias, teatro, grafitti e arte-educadores especializados em contação de histórias.

Júlio Inácio e Maycon Mota no registro do videoclipe da música “Amanhã”, do artista James Bantu (ao fundo)

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Realização do show de 20 anos da banda Z’África Brasil no Sesc Pompéia em 2019

Sarau Verso em Versos com produção da El Choq! na Casa de Cultura do Campo Limpo

Essa diversidade esteve nas apresentações do Projeto Ajayô. O encontro do samba com outras manifestações culturais promoveu não apenas o diálogo entre públicos de diferentes gerações e gostos musicais como valorizou a produção cultural do território. Em comum, as celebrações enalteceram o resgate das raízes africanas e o respeito à ancestralidade, características que marcam a identidade da produtora. Além de produção musical e eventos, a empresa faz conteúdo audiovisual como videoclipes e podcasts. A partir de 2017, passou a ser assessoria de imprensa e de marketing para artistas periféricos.

Mais Informações: www.elchoq.com.br instagram: @elchoqproducoes facebook: @elchoq twitter: @elchoq Gravação da música e produção do videoclipe “A Corrente” para a banda Ó do Forró

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Samba do

A oficina “O Surgimento do samba” foi conduzida por grandes ícones: Seu Carlão da Peruche, que é ritmista, bom partideiro, compositor, intérprete e sambista mais lonjevo em atividade e ainda Moisés da Rocha, produtor, pesquisador e radialista do programa “O Samba Pede Passagem”, desde 1978 no ar pela Rádio USP.

Venho de um tempo em que o samba era coisa de negro, a sociedade não aceitava. Ultrapassei muitos obstáculos. Agora, chega qualquer grupinho com um cavaquinho, uma cuíca, um pandeiro na mão e faz sua batucada.

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Seu Carlão da Peruche


amba Aos 88 anos, a história de Seu Carlão se mistura com a do próprio Carnaval e do samba na metrópole paulista. “Vivi no tempo das rodas de Jongo, que é ritmo de origem angolana. Minha mãe ia pra igreja e meu pai me levava pra jongar no barracão de terra batida”, lembrou o ancião. “A festa durava vários dias. O povo acordava e dormia lá.” Nascido na rua Pirineus, entre Santa Cecília, Campos Elíseos e a Barra Funda, regiões fundamentais para a formação do samba na capital paulista, também morou no Bixiga.

Jovem, participou com amigos da fundação da Escola de Samba Unidos do Peruche no bairro Casa Verde. Embaixador do Samba de São Paulo, participou do processo de oficialização do Carnaval de rua no final da década de 60, das discussões sobre os rumos do samba paulista e da pacificação entre as escolas. Seu Carlão participou da primeira escola de samba da cidade, a Lavapés, muito perseguida pela polícia. “Em 1968, em plena ditadura, sentei na mesa com o prefeito Faria Lima para falar do primeiro evento de samba em São Paulo.” Moisés da Rocha contou que seu programa foi o primeiro de rádio no Brasil a dedicar-se exclusivamente ao samba e, no início, a transmissão era diária. “A minha existência toda é musical. Canto em coral desde criança, meus pais já cantavam, meu pai era baixo e minha mãe, contralto.” Antes de ser locutor, ele ainda foi cantor. Sua curadoria vem muito pelo convívio com as rodas de samba e vivências com as comunidades. “O samba tem muito mais do que cem anos. Em Minas, temos o caxambu, na Bahia, o samba de roda do Recôncavo. Cada região tem um sotaque, a manifestação é a mesma. Uns mantiveram aquele traço de originalidade mais evidente, outros tornaram-se mais urbanizados devido a influência do rádio, como aconteceu no sul e sudeste.” O especialista ressaltou que para contar a história do samba, é preciso passar pela primeira gravação de “Pelo Telefone”, cantada por Baiano, e também por Martinho da Vila. “Passo pela Tia Ciata, a turma do Estácio: Bide e Ismael Silva. A importância dos morros e Cartola, que foi outro marco. Tem o samba das escolas, samba-canção, o dos terreiros e das festas nas portas das igrejas, em Pirapora, aquele batuque da Dona Esther. E por aí vai.” Segundo Moisés, o samba que Barra Funda fazia em 1914 não era considerado samba, e sim, batuque. “Como Donga vai e registra o ‘Pelo Telefone’ na Biblioteca Nacional, tomamos 2016 como o marco de centenário do samba. Mas tem muito mais.”

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Celebração 3

03 de setembro de 2017 Jardim Monte Azul

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IROKO

fazem saudações à primavera A terceira edição do Ajayô foi realizada no Centro Cultural Monte Azul, recebeu os músicos do Samba do Figueira (autores da música-tema do Samba do Monte) e o grupo de maracatu Baque & Atitude, ambos da Zona Sul. A Velha Guarda da Escola Unidos da Vila Maria esteve presente com Isabel Marcondes e Carlinhos de Jesus. A dupla trouxe canções autorais que falam das transformações da cidade de São Paulo no começo do século 20.

Mestre da celebração: Aderbal Ashogun Homenagem: Velha Guarda Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Unidos de Vila Maria Artista residente: Roberta Oliveira e o Bando de lá Convidados: Baque & Atitude - Maracatu de Baque Virado e Projeto Comunidade Samba do Figueira Mestres de cerimônia: Sharylaine Bakhita e James Lino Arte e ambientalização: Rodrigo Bueno do Ateliê Mata Adentro e Jair Guilherme do Balaio Ateliê

IROKO por Mestre Aderbal “Divindade relacionada ao tempo, tem sua representação especialmente na gameleira branca, árvore frondosa típica do Brasil. Iroko também é a ancestralidade, os antepassados, o seio da natureza e a morada dos orixás.”

Baque & Atitude: Grupo de estudo e prática de Maracatu de Baque Virado, fundado em 2009, no Jardim Ibirapuera, periferia da Zona Sul de São Paulo. É composto por 25 jovens que resgatam a cultura afro-brasileira por meio da percussão, do canto e da dança.

Obra de Jair Guilherme.

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Projeto Comunidade Samba do Figueira A roda de samba do Jardim São Luís, também na Zona Sul, nasceu em outubro de 2015. O grupo já tocava no Samba do Monte há quatro anos e responde pela autoria da letra de música que presta homenagem ao Ajayô. A amizade e união definem esse encontro.

OMULU por Mestre Aderbal Responsável pela terra, pelo fogo, Omulu faz a passagem para o plano espirutal e suas vestes feitas de palha escondem os segredos da vida e da morte. O orixá também é da medicina e cura. Suas cores são as combinações de preto e amarelo ou marrom, amarelo e vermelho. Sua saudação é “Atotô!”.

Velha Guarda Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Unidos de Vila Maria Escola de samba da Zona Leste de São Paulo fundada em 1954 por um grupo de amigos. Já conquistou quatro vezes o título de campeã do Carnaval de São Paulo.

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Obra de Jair Guilherme.

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Danca Afro

As aulas contemplaram o ensino de danças que celebram Mamãe Oxum, a Deusa interior, Iansã e os quatro elementos da natureza

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corpo que brinca, reza, trabalha e festeja foi celebrado no projeto Ajayô Samba do Monte em mais de 36 horas de vivências práticas em dança negra contemporânea. As oficinas foram coordenadas pela bailarina Débora Marçal, coreógrafa do Instituto Umoja e do Bloco Afro Ilú Inã, a partir de danças populares de matrizes negras. Débora é co-fundadora da Capulanas Cia de Arte Negra, um coletivo formado por jovens negras dos movimentos artístico-políticos de São Paulo que nasceu da vontade de dialogar com a sociedade sobre as descobertas, anseios e percepções da mulher negra. Para fortalecer a imagem dessa mulher, as Capulanas têm como alicerce as diferentes manifestações artísticas – como música, dança, poesia, artes plásticas e teatro. O coletivo também enfatiza a importância da herança da oralidade para a Diáspora Africana na integração do mundo natural, presença do sagrado e valorização da memória. “Mulheres africanas e afro descendentes, mantêm em comum o laço de soberania espiritual sobre seus povos, estabelecendo um elo imaginário de ascendência e descendência”, aponta Débora, que é graduada em dança e cursou Comunicação das Artes do Corpo na PUC-SP, além de além de proprietária, designer de jóias e ourives da marca Preta Rainha.

Débora é é co-autora dos livros, “Pretextos de Mulheres Negras”, “Agô”, “{Em}Goma – Dos pés a cabeça, os quintais que sou”, “Mulheres Líquidos – Os encontros fluentes do sagrado com as memórias do corpo terra”; e “Ensaio sobre sincretismo”.

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17 de dezembro de 2017 Jardim Monte Azul

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XANGO E ´ OXuMARE dão boas-vindas ao Verão Em dezembro de 2017, foi encerrado o primeiro ciclo de rodas de samba com Marco Antônio da Nenê da Vila Matilde, uma das escolas mais premiadas de São Paulo. O grupo de maracatu Umojá também se apresentou. A artista residente Roberta Oliveira o Bando de Lá e o Samba Dá Cultura emocionaram os convidados

Marco Antônio, da Velha Guarda da Nenê de Vila Matilde

Mestre da celebração: Aderbal Ashogun Homenagem: Marco Antonio Velha Guarda da Nenê Artista residente: Roberta Oliveira e o Bando de lá Convidados: Velha Guarda da Nenê Marco Antônio Mestres de cerimônia: Sharylaine Bakhita e James Lino Arte e ambientalização: Rodrigo Bueno do Ateliê Mata Adentro e Jair Guilherme do Balaio Ateliê

XANGÔ por Mestre Aderbal “É o orixá da justiça, dos raios, dos trovões e do fogo. Certa vez, Xangô precisou sair e deixou Ogum cuidando de seu carneiro. Quando voltou, questionou: ‘Cadê meu amigo, meu carneiro?’ e Ogum respondeu: ‘Comi’. Como castigo, Xangô ordenou: ‘Daqui pra frente você comerá seu melhor amigo’. Essa pena capital foi dada para que Ogum aprendesse a fazer justiça para os amigos dos outros e a respeitar os seus dali em diante.”

Ele é o compositor da escola de samba, da Zona Leste de São Paulo, considerada uma das mais tradicionais da cidade. Fundada em 1949 por Seu Nenê, que foi presidente da escola por 47 anos, foi a agremiação que conquistou mais títulos do Carnaval de São Paulo até o ano 2000.

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OXUMARÉ por Mestre Aderbal

Samba Dá Cultura

“É o símbolo da continuidade, riqueza e fortuna. Rege o princípio da multiplicidade da vida. A cobra e o arco-íris são suas representações. Para alguns, a cobra é um ser nefasto, mas para o povo de axé é símbolo de conhecimento, destreza e riqueza. No final do arcoíris tem um pote de ouro, sim. Quer mais riqueza do que ver todas as cores no céu, representando a diversidade e nos ensinando a contemplar fenômenos naturais?”

Composto por cerca de 20 colaboradores, a Sociedade Samba Dá Cultura é da região Sul, do M’ Boi Mirim, e promove todo primeiro domingo do mês uma roda de samba para saudar bambas como Candeia, Roberto Ribeiro e Dona Ivone Lara.

Visitas ilustres O projeto Ajayô recebeu integrantes da aldeia guarani Tendondé Poham na celebração. A troca de experiências faz parte do projeto. O encontro selou o agradecimento e retribuição à vivência de integrantes do coletivo na aldeia onde vivem em Parelheiros.

Obra de Jair Guilherme.

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Com a chegada da televisão tivemos mudanças que descaracterizaram o samba. Ficou tudo mais corrido, perdeu um pouco a essência, a coisa da cadência. Mas o importante é que mesmo com todas essas alterações, o samba está vivo.

Marco Antônio da Nenê de Vila Matilde

À esquerda, o flagrante sorriso de Roberta Oliveira com o Bando de Lá durante apresentação. Abaixo, o grupo de maracatu residente na zona Sul, Umojá, com os Mestres de Cerimônia e parte da equipe do Coletivo Ajayô.

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Arranjos do artista plástico Rodrigo Bueno trouxeram babosa, fruta-pão e plantas exóticas e coloridas em referência a Oxumaré, divindade representada pelo arco-íris.

Marco Antônio, com o traje de sua escola do coração, cantou composições de autoria própria e o hino da Nenê da Vila Matilde, acompanhado do Bando de Lá.

A equipe do Coletivo Ajayô registrou e compartilhou ao vivo na internet os melhores momentos do samba.

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Intercâmbio de saberes: a última celebração do Ajayô Samba do Monte foi marcada pelo plantio de uma muda de Baobá na Zona Sul de São Paulo

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vivência em um quilombo fez parte das atividades do Ajayô. O encontro com a história de nossos ancestrais é essencial para a valorização da memória, legado e perpetuação da cultura afrobrasileira. Em dezembro de 2018, foi realizada uma visita de aproximação e intercâmbio de saberes na Casa de Cultura Tainã, um quilombo urbano que fica em Campinas (SP), a última cidade a abolir a escravidão no Brasil.

O local é um ponto de cultura fundado em 1989 pelos próprios moradores da associação do bairro, o Vila Castelo Branco, que deram o nome à casa que significa “encontro com as estrelas” em tupi-guarani. Sob as orientações do Mestre TC, a missão da Casa Tainã é facilitar o acesso à informação, fortalecendo a prática da cidadania e a formação da identidade cultural de indivúduos conscientes e atuantes na comunidade. Um dos projetos da Tainã é a rede de comunicação Mocambos que promove vínculos do povo negro com sua ancestralidade. Através do cultivo do baobá, foi criada uma rota que reúne toda a rede.

Jaime Diko com o artista plástico Rodrigo Bueno no quilombo: redes unidas pelo respeito e valorização da ancestralidade africana

O encontro com o Ajayô resultou, meses depois, no ingresso do Campo Limpo no mapa do Mocambos e o plantio da grande árvóre no chão da Zona Sul da capital.

Mestre TC é o coordenador geral do quilombo Tainã, onde funciona a rádio e rede Mocambos, a orquestra Tambores de Aço e diferentes cursos de informática, música e dança

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25 de março de 2018 Jardim Monte Azul

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dão boas-vindas ao Outono A primeira roda de 2018, ano em que o Samba do Monte completou uma década de vida, divindades femininas e macaratu só de mulheres deram o tom. Para comemorar, uma cerveja artesanal foi criada para o Ajayô

Mestre da celebração: Aderbal Ashogun Homenagem: Ydeval Anselmo Velha Guarda da Tom Maior Artista residente: Roberta Oliveira e o Bando de lá Convidados: Samba na 2 e Maracatu Grupo Baque de Mulher Mestres de cerimônia: Sharylaine Bakhita e James Lino Arte e ambientalização: Rodrigo Bueno do Ateliê Mata Adentro e Jair Guilherme do Balaio Ateliê

IANSÃ por Mestre Aderbal “Ela é a rainha dos ventos, das águas doces e das tempestades. Representa a garra, a força e a independência feminina. Orixá guerreira que não teme a luta, tem sede de conhecimento e representa muitas mulheres periféricas.”

Obra de Jair Guilherme.

Ideval Anselmo, da Velha Guarda da Tom Maior Compositor e intérprete, Ideval é reconhecido como o maior vencedor de sambas-enredo de São Paulo. Aos 79 anos, coleciona 22 títulos conquistados por escolas como Camisa Verde e Branco e Rosas de Ouro.

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Boas surpresas

OBÁ por Mestre Aderbal

À esquerda, Mestre Aderbal toca tambor com o músico independente carioca André Sampaio (ex-guitarrista da banda Ponto de Equilíbrio), que entrou no clima da celebração a Iansã e Obá. Abaixo, as cantoras Paula da Paz e Pri Zeferino fizeram um dueto em músicas de Clara Nunes.

“No panteão dos Orixás, os deuses e deusas mantêm relações de várias maneiras. Obá foi a primeira esposa de Xangô e é responsável, assim como Iemanjá, pelas águas. Os símbolos a ela associadas são a espada e o escudo.”

Obra de Jair Guilherme.

CERVEJA EXCLUSIVA Capricho nos detalhes: A Cerveja do Samba foi feita de maneira artesanal pela equipe do Ajayô sob o comando de Rafael Kaiowa, da Roça Abaetetuba, que fica em São Lourenço da Serra (SP), onde ele mora com sua família e planta orgânicos. Em todas as edições do Ajayô, a Cerveja do Samba se esgotou rapidamente.

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Me senti honrada por ser convidada a estar aqui. Porque esse ritmo é nosso, é brasileiro e nós vamos levar o samba sempre em frente!

Integrante do maracatu Baque Mulher

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Maracatu Baque de Mulher De abrangência nacional, foi fundado pela Mestra Joana Cavalcante, primeira mulher à frente de uma Nação de Maracatu. A bateria é formada exclusivamente por mulheres, o que representa uma ruptura na cultura do baque que sempre esteve restrita aos homens. Lugar de mulher é onde ela quiser!

Samba na 2 O Samba na 2 nasceu em 2009 para celebrar a comunidade do Jardim Nakamura, no Jardim Ângela, e fazer com que o local passasse a ser conhecido pela alegria e cultura do samba. E não pelos índices de violência dos anos de 1990.

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BAMBU PARA TOCAR E

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música deve ser experimentada por todos e o contato com instrumentos é uma maneira de aventurar-se na produção de sons e melodias. O projeto Ajayô promoveu na comunidade uma oficina colaborativa de criação de instrumentos de sopro feitos de bambu, material versátil de baixo custo. Além de leve e ecológico, o próprio formato do bambu é uma caixa acústica que possibilita a experimentação de lindas sonoridades A atividade gratuita, feita pelo coletivo Oficina Colaborativa Bambu (com Fernando Araken e Adriano Barbosa), de Taboão da Serra, trouxe técnicas de construção simples e que podem ser replicadas com facilidade. O oficineiro Caio Coyote fez diferentes flautas e mostrou a variedade de sons. A democratização das técnicas musicais também fez parte da missão do projeto. A oficina também incluiu a construção de um brinquedo coletivo infantil na Agência Solano Trindade.

Apito artesanal estimula a musicalidade

O oficineiro Coyote ensina a fazer uma flauta

Adriano, da Oficina Colaborativa de Bambu, monta um brinquedo infantill

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Celebração 6

24 de junho de 2018 Jardim Monte Azul

OXum E ´ iemanja dão boas-vindas ao Inverno

Mestre da celebração: Aderbal Ashogun Homenagem: Seu Dadinho da Velha Guarda do Camisa Verde e Branco Artista residente: Roberta Oliveira e o Bando de lá Convidados: Samba de Todos os Tempos e Maracatu Grupo Baque Delas Mestres de cerimônia: Sharylaine Bakhita e James Lino Arte e ambientalização: Rodrigo Bueno do Ateliê Mata Adentro e Jair Guilherme do Balaio Ateliê

O Ajayô promoveu o encontro de grandes nomes do samba como Seu Carlão, da Unidos do Peruche, Seu Dadinho da Camisa Verde e Branco e a grande Raquel Tobias, pioneira na luta por representatividade das mulheres nas rodas de samba. Numa edição dedicada às orixas femininas, o maracatu Baque Delas também marcou a celebração. OXUM por Mestre Aderbal “Ela é a água, a luxúria. Mas a luxúria que para os católicos é pecado, para nós é virtude e ferramenta de defesa. É por isso que Oxum é tão bela.”

Seu Carlão da Velha Guarda da Unidos do Peruche O Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Unidos do Peruche foi fundada em 1956, por Carlos Alberto Caetano, o Seu Carlão da Peruche. Em 1961, a escola conquistou seu primeiro título em um campeonato promovido por lojistas dos bairros Lapa e Penha e das rádios Record e América. Seu Carlão da Peruche é a memória viva do Carnaval paulista.

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Obra de Jair Guilherme.


foto: Fulano de Tal foto: Fulano de Tal

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Seu Dadinho da Velha Guarda do Camisa Verde e Branco Eduardo Joaquim, conhecido como Seu Dadinho, é considerado um dos fundadores da escola de samba Camisa Verde e Branco. Ritmista e compositor de mão cheia, já coordenou a bateria da escola e escreveu canções como os clássicos “Peso da Tradição”, “Festa No Morro” e “Malandro Vacilão”. Uma lenda viva!

IEMANJÁ por Mestre Aderbal: “A gente tá falando do arquétipo da mãe. Iemanjá é carinho e fertilidade. Só uma mulher plena pode dar a vida para os seus filhos e Iemanjá é a representação desse sentimento.”

Obra de Jair Guilherme.

A grande dama do samba Substituindo Roberta Oliveira em algumas apresentações, a cantora Raquel Tobias esteve também nas oficinas sobre o surgimento do samba. Ela é compositora e participa ativamente de iniciativas que destacam as mulheres no samba.

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Maracatu Baque Delas O grupo é formado por mulheres de todas as idades que estudam e brincam o maracatu de baque virado, resgatando suas origens, histórias e danças. Juntas, dão visibilidade para a cultura e religiosidade afro e a participação da mulher dentro dela em termos históricos e contemporâneos.

Para todas O grupo ensina mulheres a tocar em atividades gratuitas. Mesmo as que nunca tiveram experiência com tambores, caixas, agbês e gongues podem se aventurar, cantar e fazer as saia rodar!

Arte e simbologia Bonecas de pano feitas por artesãs que participaram das celebrações inspiradas nas divindades do Candomblé.

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Elas no comando Na imagem acima, Raquel Tobias, uma das fundadoras da roda de samba convidada, O Samba de Todos os Tempos. Ao lado, o maracatu Baque Delas, só de mulheres, diretamente de Jundiaí (SP).

Cartaz da celebração 06 Encontro de gerações Seu Dadinho e o violonista do grupo O Bando de Lá

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TINHA QUE TER! Todas as celebrações do Ajayô contaram com o prato especialíssimo e feito com todo o capricho por uma das chefs mais queridas da Zona Sul

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cozinha criativa Tia Nice com seu companheiro Chico e Mestre Aderbal na barraca de pastéis durante o Ajayô

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experiência de quase 40 anos como profissional de cozinha não muda a satisfação de Tia Nice diante de quem elogia o prato que ela faz. Todas as celebrações do Ajayô Samba do Monte contaram com o capricho de sua feijoada em versão tradicional ou vegana (com abóbora cabotiá, coco, amêndoas defumadas, cenoura, beterraba e vagem). As duas opções incluem arroz soltinho, couve refogadinha na hora, rodelas de laranja, farofa crocante e são famosas por acompanhar os eventos da Agência Solano Trindade, onde ela mantém o restaurante Organicamente Rango. Tia Nice é conhecida em toda a quebrada pela barraca de pastéis de massa leve que circula pelas atividades culturais da região. Além dos sabores tradicionais, há recheios com pancs, as chamadas plantas alimentícias não-convencionais. O de ora-pro-nobis e o de coração de banana são experiências únicas que ela também levou ao Ajayô.

Família Solano reunida.

No comando do restaurante Organicamente Rango: proposta de alimentação saudável que privilegia produção da agricultura familiar

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nas periferias

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oficina “ O Samba nas Periferias” foi realizada em rodas de conversa com quem viveu e vive trajetórias de resistência. Em formato de roda de conversa, a oficina foi conduzida pelos sambistas, cantores e compositores Raquel Tobias e Marquinhos Dikuã. Raquel abordou questões de gênero e contou que herdou de sua mãe o gosto pela música. “Ela chegou a mostrar a voz na era de ouro do rádio, mas foi impedida de seguir carreira pelo machismo da época e do meu pai”, disse. Hoje a cantora faz questão de colocar cada vez mais as mulheres para protagonizarem as rodas de samba. “Eu chego e coloco elas pra cantar,não deixo ficarem fora da roda não.” Legítima filha de Iansã com Ogun Xoroquê, Raquel também é mulher dos raios e ventos e preside o “Samba de Todos os Tempos”, projeto fundado em 2004 para preservar tradições do samba nas comunidades da Zona Sul. Ela também faz parte do projeto Resgatando Raízes, voltado para a produção de mulheres das artes em geral.

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Marquinhos Tikuã, nascido e criado na periferia da Zona Sul de São Paulo, foi por 13 anos compositor do Samba da Vela até se unir ao núcleo de compositores que fundaram o “Samba de todos os tempos”. Assim como Raquel, ele ressaltou a importância dessas rodas de comunidades para a valorização do samba tradicional, seus mestres e o incentivo a novos talentos e produções inéditas de músicas do gênero. “Antes do Samba da Vela era preciso peregrinar pela cidade a procura de um bom samba e faltava um local para encontro de compositores na Zona Sul. Essas reuniões se tornaram um verdadeiro culto ao que há de mais genuíno na cultura brasileira”, disse na oficina. Em 2007, Marquinhos trouxe para São Paulo o projeto Samba do Trem, que já existia no Rio de Janeiro. A iniciativa virou tradição anual paulista é realizada até hoje no Dia Nacional do Samba, sempre no primeiro domingo de dezembro. Músicos e grupos do samba da cidade partem de estações da na Linha 9-Esmeralda, na Zona Sul, e fazem uma viagem de ida e volta a Osasco, na região metropolitana. Mais de 350 músicos costumam lotar os oito vagões do comboio em apresentações simultâneas e a festa continua na Estação Socorro, um ponto de encontro de diferentes rodas de samba de comunidades. “É um orgulho, um momento de confraternização que demonstra a resistência do samba nas periferias, verdadeiros quilombos de resistência cultural.

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Celebração 7

20 de outubro de 2018 Centro de Direitos Humanos e Educação Popular

IBEJI E EWA dão boas-vindas à Primavera A sétima edição do Ajayô trouxe o maracatu Nação Kambinda, fundado pela família Solano Trindade. A matriarca do grupo, Dona Raquel, falecera meses antes mas seu legado estava lá, presente em nossa celebração!

O compositor é meio doido, é meio cientista. Porque tudo para ele é matéria-prima pra fazer poesia, pra fazer uma nova música. Zé Maria, da Velha Guarda da Peruche

Mestre da celebração: Aderbal Ashogun Homenagem: Ibeji e Ewá Artista residente: Roberta Oliveira e o Bando de lá Convidados: Pagode da 27 e Zé Maria da Velha Guarda da Peruche / Maracatu Nação Cambinda (Teatro Popular Solano Trindade) Mestres de cerimônia: Sharylaine Bakhita e James Lino Arte e ambientalização: Rodrigo Bueno do Ateliê Mata Adentro e Jair Guilherme do Balaio Ateliê

IBEJI por Mestre Aderbal “São os gêmeos que carregam a felicidade em seus corações. Eles são protetores das crianças e simbolizam o nascimento e a vida. O Ibeji é a sobrevivência da continuidade. São 60 mil Ibejis vítimas de genocídio no Brasil. Mas Ibeji pra nós é muito mais do que essa conta macabra. Ibeji é pra ajudar a gente a trabalhar na terra, porque ninguém toca tambor sozinho.”

Nação Kambinda de Maracatu Dona Raquel Trindade, artista plástica, escritora, coreógrafa, professora e ativista afro-cultural, foi a fundadora do Maracatu Nação Kambinda. Chamada carinhosamente como Rainha Kambinda, Dona Raquel foi a criadora de importantes grupos artísticos e é considerada referência na preservação da cultura afro-brasileira.

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Obra de Jair Guilherme.


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EWÁ por Mestre Aderbal “Ewá é orixá feminino, divindade do rio Yewa em Lagos, capital da Nigéria. Seu nome significa mãezinha do caráter. Ewá é pororoca. É uma mulher que rejeitava a convivência com o mundo, com o homem. Diz que só podia ser feita de Ewá quem fosse virgem, assim como ela, mas dizem também que ela teve filhos com Omulu.”

Pagode da 27 O Pagode da 27 é do Grajaú, no extremo Sul de São Paulo. Aos domingos, reúne amigos e comunidade em uma grande roda de samba, sempre levando cultura e dando continuidade à história do bairro. No repertório predominam sambas autorais e releituras de clássicos.

“Os estandartes, damas, princesas e ministros do cortejo do maracatu Nação Kambinda prestaram homenagens à matriarca Raquel Trindade (1936-2018). Escritora, artista plástica, coreógrafa e folclorista brasileira, Dona Raquel foi uma resistente. Enfrentou o mundo acadêmico ao criar numa universidade um grupo de dança e teatro mesmo sem ter graduação, viajou e foi condecorada no mundo inteiro com sua arte.” Elis Trindade, nora de Dona Raquel

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Festa no Capão Inaugurando o Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP) como hóspede de atividades culturais do Ajayô, a sambista Raquel Tobias com o grupo Bando de Lá soltou a voz no Capão Redondo. As saudações à primavera e aos orixás Ibeji e Ewá bem representadas nos arranjos da ambientação do artista plástico Rodrigo Bueno.

Abaixo, o idealizador do Ajayô Jaime Diko Lopes com a Nação Kambinda

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Grupo Bando de Lá A formação da banda sempre dá um tempero especial à nossa música. O Bando de Lá sempre traz a parte fina do samba, com violões e cavaquinho. Toinho Melodia Sambista e cantor veterano das escolas de samba, chegou no Ajayô e logo cantou composições suas, além de apresentar trechos do seu primeiro disco Paulibucano, de 2018. Cartaz da celebração 07

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74 SABERES INDÍGENAS A vivência nas aldeias guaranis Tenondé Porã e Kalipety, em Palhereiros no extremo Sul da cidade, foi momento marcante e inesquecível do projeto Ajayô Samba do Monte. O encontro trouxe à comunidade do samba a experiência de práticas ancestrais e mostrou que vivência periférica é um ponto em comum entre quem vive nas margens de São Paulo

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ntes do sol raiar, em 28 de outubro de 2017, um grupo de 18 pessoas saiu do bairro Jardim Monte Azul, na periferia da Zona Sul de São Paulo, para passar o dia na terra indígena Tenondé Porã, da etnia guarani mbiá, localizada no distrito de Parelheiros, no extremo da mesma região paulistana. Eram periféricos visitantando a morada de outros cidadãos periféricos. Foram quase duas horas de trajeto para chegar ao local, que ocupa uma área de 15.969 hectares e possui sete diferentes aldeias. Com uma população total estimada em 2 mil pessoas, os indígenas falam apenas a língua guarani entre si e praticam sua religião tradicional. Logo na entrada da terra Tenondé Porã é possível encontrar uma Casa de Reza, um centro cultural, uma escola e um posto de saúde. Recepcionados pela benzedeira e parteira Yara, o grupo foi guiado para a aldeia Kalipety. Lá, foi a “cacica” Jerá, liderança local, quem deu as boas vindas com café fresquinho. Mais de 30 dos 70 membros da aldeia estavam ali e, sem que se precisasse combinar, logo se formou uma roda de conversa. Kalipety é uma ocupação indígena histórica que foi invadida por posseiros não indígenas para a monocultura de eucalipto nos anos 1970. Apenas em 2013 o grupo indígena reocupou o terreno. Ainda em excesso, o eucalipto é hoje utilizado para a construção de casas da comunidade e para a adubação orgânica das roças. O cotidiano da aldeia é marcado pela subsistência. Planta-se mandioca, hortaliças, frutas, legumes. No lago há criação de peixes. Em volta da fogueira, os indígenas explicaram sobre a importância de se fazer refeições juntos e contam que, aos poucos, o eucalipto é substituído pelo plantio de espécies nativas como a jety (batata-doce guarani). “Cerca de 50 tipos de jety foram resgatados em viagens de intercâmbio em aldeias guarani de diversas regiões do Brasil e até da Argentina”, conta Jera, perto do fogo. “É assim que se conversa aqui”, ela completou.

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Cenas de um dia especial com participantes do projeto Ajayô na aldeia Kalipety, que é referência em práticas agroecológicas a partir da combinação de saberes tradicionais guarani com técnicas do mundo não-indígena.

O grupo foi caminhar pela aldeia, conhecer a fonte d’água mineral, nadar no lago com as crianças, visitar as plantações de milho e batatas, além do banco de sementes e o criadouro de peixes. O almoço foi preparado de forma coletiva e após a refeição, recheada de muita troca e conversa, todos foram à Casa de Reza onde, em roda, aprendeu-se sobre crenças e costumes do povo. A música fechou o dia. Houve apresentação de dança guarani, roda de dança negra e a promessa de novo encontro em uma roda de samba do Ajayô. De fato, ele aconteceu e marcou o inícios de outras vivências e trocas. “Somos todos periféricos”, disse Jerá. “Temos muito em comum.”

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Celebração 8

09 de dezembro de 2018 Praça do Campo Limpo - Espaço Cita

´ NANA E oXALA dão boas-vindas ao Verão A última roda foi especial. Numa articulação com os produtores culturais da Zona Sul, o Ajayô entrou definitivamente para a programação do tradicional Festival Percurso na Praça do Campo Limpo. O samba ganhou uma área própria no evento, a “Tenda dos Povos”, dentro do Espaço Cita, onde reuniu os principais representantes das Velhas Guardas, sambistas de todas as idades, juventude periférica e populações de terreiro e indígenas para saudar a religiosidade afro-brasileira. O encontro histórico contou com afoxé, a presença do filho do mestre Moa do Katendê e o simbólico plantio de um baobá que celebrou a participação da comunidade na rede Mocambos de comunicação com quilombos urbanos de todo o país. Vida longa! Axé, Ajayô!!!

Mestre da celebração: Aderbal Ashogun Homenagem: Nanã e Oxalá Artista residente: Roberta Oliveira e o Bando de lá Convidados: Maracatu Afoxé Amigos do Katendê e encontro de representantes das Velhas Guardas do Samba de São Paulo com Zé Maria, Seu Carlão e Bernadate Cantora da Unidos do Peruche, Ideval Anselmo, da Tom Maior, Seu Carlinhos da Camisa Verde e Branco, Rosas de Ouro, Seu Carlinhos, da Unidos da Vila Maria, Silvio Modesto, da Pérola Negra, Marco Antonio, da Nenê da Vila Matilde, Dadinho, da Camisa Verde e Branco Mestres de cerimônia: Sharylaine Bakhita e James Lino Arte e ambientalização: Rodrigo Bueno do Ateliê Mata Adentro e Jair Guilherme do Balaio Ateliê

NANÃ por Mestre Aderbal “Considerada a mãe de todos os Orixás, tem relação com a origem do homem na Terra. Seu território são as águas paradas, os pântanos e o chão úmido que traz o barro, a mistura da terra com a água. Ela passeia entre a vida e a morte.”

Zé Maria da Peruche Mineiro, veio para São Paulo na infância e aos 14 anos começou a fazer paródias em sambinhas sem pretensão. Ao lado de Seu Carlão, ajudou a fundar a Velha Guarda da escola.

Obra de Jair Guilherme.

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Seu Carlão em casa Integrante da mais antiga escola em atividade, a mítica Lavapés, e grande conhecedor das origens, tradições e do jongo e o congado, é também fundador da Unidos do Peruche e esteve presente em diversas atividades do Ajayô.

OXALÁ por Mestre Aderbal

Produção coletiva Na foto, ao lado do Mestre Aderbal e representantes da Velha Guarda do Samba, registro de diferentes frentes de trabalho do Festival Percurso 2018, uma articulação da Agência Solano Trindade com o Samba do Monte e a Associação C de Cultura.

Bernadete Cantora, da Unidos do Peruche Fundadora da escola de samba Império Lapeano, a jovem cantora tomou de assalto a avenida com a Unidos do Peruche cantando “Quem Arrisca, Não Petisca”, samba de Ideval Anselmo, Carlinhos e Zelão, e consagrou-se em 1991 como a primeira mulher a puxar um samba-enredo na recém-inaugurada passarela do samba do Anhembi.

“Considerado o mais respeitado de todos os orixás do panteão do Candomblé, a ele é associada a cor branca. Simboliza a paz e a tradição das nações africanas. A palavra oxalá é também uma expressão que significa o desejo que algo aconteça.”

Obra de Jair Guilherme.

Maracatu Afoxé Amigos do Katendê

Criado pelo saudoso Mestre Moa do Katendê, o bloco baiano saúda os ritmos afro-brasileiros como o samba, ijexá, sambareggae e o funk. Abaixo, Ranieri, filho do mestre com o produtor musical paulistano Eduardo Brechó

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Raquel Tobias e sua voz de trovão Legítima filha de Iansã com Ogun Xoroquê, ela também é mulher dos raios e ventos. Ela preside a roda Samba de Todos os Tempos e faz parte do projeto Resgatando Raízes, voltado para a produção de mulheres das artes.

Ideval Anselmo, cantor e compositor Paulistano, iniciou sua trajetória no mundo do samba em 1969, ano em que desfilou com o Camisa Verde e Branco. Suas composições ganharam participações nos desfiles do grupo especial e desfilaram pelas passarelas da cidade paulistana como as avenidas São João e Tiradentes. O compositor e intérprete é reconhecido como um dos maiores vencedores de samba de enredo de São Paulo. Além da Tom Maior, marcou a história da Camisa Verde e Branco e Rosas de Ouro.

Silvio Modesto, da Pérola Negra Carioca, assinou sambas-enredos memoráveis. Descobriu-se ator em meio à ditadura militar com a ajuda do dramaturgo Plínio Marcos. Caminhou ao lado de sambistas como Geraldo Filme, Toniquinho Batuqueiro e Zeca da Casa Verde. Sílvio Modesto foi gravado por Bezerra da Silva e ainda acompanhou Cartola na gravação de seu último show ao vivo.

Marco Antonio, da Nenê da Vila Matilde Compositor da escola da Zona Leste, fundada em 1949 e que mais conquistou títulos do Carnaval de São Paulo até o ano 2000.

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Seu Carlinhos, da Unidos da Vila Maria O grande compositor tem muito para contar, ele já desfilava com a mãe nos antigos cordões no interior de São Paulo.

Cartaz da celebração 08

Dadinho, da Camisa Verde e Branco Um dos fundadores e membro da Velha Guarda da escola Camisa Verde e Branco, foi vice-presidente da agremiação e atualmente é presidente de honra do Conselho Executivo da escola.

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Esmero, pesquisa e profundo respeito pelo panteão do Candomblé: os 16 painéis com a simbologia dos orixás feitos pelo artista plástico e professor Jair Guilherme foram destaque nas celebrações do Ajayô Samba do Monte e viraram exposição itinerante

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o longo dos dois anos do Ajayô, Jair Guilherme produziu 16 obras que hoje fazem parte do acervo do Samba do Monte. Esse rico material se tornou uma exposição itinerante. Além de artista plástico, Jair é professor de artes de escolas da região da Zona Sul de São Paulo, pesquisador da Casa das Áfricas e diretor do Balaio Ateliê, onde desenvolve pesquisas e estudos em Artes Visuais e Arte Africana.

Finalizando a imagem de Oxum, orixá feminino da maternidade e do amor

Eu penso o Candomblé, não o Candomblé que me pensa.

Com Jaime Diko na feitura da molduras no ateliê do Jardim Monte Azul, bairro onde Jair mora há três décadas

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Oxóssi, guerreiro das florestas e guardião das matas, interpretado por Jair Guilherme

No Balaio Ateliê: elementos da cultura afro em pinturas, esculturas, plantas e mobiliário

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As obras, de 100cm por 150cm, encantam pelas cores vivas e simbologia da cultura afro-brasileira

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88 A Forรงa da natureza

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“Faço ambientações como se fossem Ebós; oferendas, como a gente conhece. São ferramentas para dinamizar e ativar o espaço”, diz o artista plástico Rodrigo Bueno, do Ateliê Mata Adentro, sobre a decoração que trouxe a cada edição do Ajayô. “Trago ervas sagradas, os elementos, a comida dos orixás e arranjo tudo de maneira que dá aconchego. Isso emana uma energia e as pessoas começam a se sentir familiarizadas pelo espaço.” Em suas obras, Rodrigo usa resíduos da cidade para transformar ambientes, promover encontros, criar pinturas e jardins que falam da continuidade da vida, do eixo que sustenta o todo e da cultura em constante movimento.

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Ao lado, entre ervas, Xangô e Oxumaré são representados pelo machado, a corda e o arco-íris

O visual tropical, brasileiro e de santo sempre chamou a atenção do público nas rodas do Ajayô Samba do Monte. A natureza foi elemento importantíssimo nas celebrações e trouxe o clima luminoso e de proximidade com o sagrado. Os arranjos, sempre dispostos no palco, também fizeram o samba acontecer.

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Espaço sagrado: plantas, flores e frutas para Orixás se misturam aos instrumentos musicais

Simbologia dos detalhe: o candeeiro anuncia a noite e traz o elemento fogo à roda de samba

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O SAMBA QUE VIROU SÉRIE

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COISA DE CINEMA T

odo registro é um documento para a história. Mas cuidar da memória das manifestações afrobrasileiras populares na periferia carrega uma missão adicional: fazer a reparação do que foi negado no passado. Os parceiros da produtora Coleta Filmes toparam o desafio e estiveram com o Ajayô Samba do Monte da primeira à última celebração. “Sabíamos que estávamos, na verdade, mostrando o samba que há décadas já acontece na periferia, com seus personagens e trajetórias tantas vezes discriminados e invisibilizados. A gente sabia que tinha que mostrar a vida que pulsa nas margens de São Paulo”, diz Alan Lima, o Banzé, diretor e editor de arte da produtora Coleta Filmes e morador do Jardim Monte Azul. Banzé acompanha a trajetória do Ajayô desde o início, em 2008. Cada roda de samba do projeto rendeu um documentário com entrevistas dos participantes e cobertura do evento. Além da série documental em oito episódios, o material será transformado em um longa-metragem.

Confira as estreias no canal do Youtube do Ajayô Samba do Monte

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Mixtura!

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experiência vivenciada no projeto Ajayô Samba do Monte no Edital de Fomento da Periferia apontou novas oportunidades. A maior delas foi a ampliação e a continuidade das atividades que surgiram a partir do programa de rádio do Ajayô dentro da rádio virtual Mixtura (www.radiomixtura. com.br). Além das mais de 40 horas de programação que registraram as edições do samba, o veículo de comunicação passou a transmitir diferentes atividades do território ao vivo ou em programas editados em podcasts. Ao longo de 2017, 2018 e 2019, a rádio Mixtura fez dezenas de transmissões das oficinas, shows, rodas de conversa, entrevistas e debates tanto da Feira Literária da Zona Sul (FELISZ) quanto da Mostra Cultural Cooperifa e do Festival Percurso; só para citar três dos maiores e mais tradicionais eventos culturais da Zona Sul. Os registros ao vivo foram editados e transformados em podcasts que, então, passaram a ser divulgados em plataformas digitais para amplo consumo. E fomos além.

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A comunidade local se apropriou da rádio e passou que, então, ampliou sua grade a produzir programas próprios de música além de séries de entrevistas com personalidades da periferia. A edição em podcasts ampliou e facilitou o acesso ao conteúdo local por todo o país . “A rádio agora tem uma agenda de registros que visibilizam nossas atividades. Talentos locais podem ser facilmente acessados pelo Spotify e Deezer”, diz o produtor Jaime Diko Lopes. Com equipamento profissional, o estúdio Mixtura tem sede fixa no espaço de co-working da Agência Popular Solano Trindade, no Campo Limpo, local de ampla articulação e fomento cultural da região; o que facilita o livre trânsito da comunidade na rádio. Artistas, coletivos e grupos culturais atualmente produzem seus próprios programas ou material de divulgação em áudio no local. A voz da região foi amplificada!

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A partir das atividades do Ajayô, a rádio Mixtura ganhou mais estrutura e visibilidade no território. A própria comunidade passou a solicitar as transmissões ao vivo e registros das principais atividades da região em áudio. Hoje, a rádio produz programas próprios e é um canal onde os talentos locais produzem podcasts disponibilizados em plataformas digitais.

Rádio

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T É C N I C A F I C H A

Revista Ajayô Samba do Monte Ano 1 - Número 1 - 2020

Direção de Produção Jaime Diko Lopes

Direção Fotográfica Maycom Mota

Editores Flávia Martinelli, Monise Cardoso e Fabiano Oliveira

Conselho Editorial Fabiano Oliveira (MTB: 59100), Elis Teixeira, Jaime Diko Lopes, Anderson Lopes, Dj Nando, Rodrigo Bueno, Jair Guilherme, Maycom Mota, Flávia Martinelli, Sharylaine e James Lino.

Projeto Gráfico & Diagramação Rodrigo Kenan

Tiragem 1000 exemplares

Agradecimentos

A Revista Ajayô é uma homenagem a todos os artistas, produtores, especialistas e profissionais das artes e da cultura que fizeram este projeto acontecer: Coletivo Ajayô, Jair Guilherme, Rodrigo Bueno, Coleta Filmes, Léu Britto Fotografia, Rogério Vieira, DiCampana Foto Coletivo, CDHEP (Centro De Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo), Associação Monte Azul, Capulanas Cia. de Arte Negra, Roça Abaetetuba, Agência Solano Trindade, Dois Neguin Filmes, Rádio Mixtura, Brasileirinho Comidaria, Associação de Moradia Jardim Casa Branca e Adjacências, Prefeitura de São Paulo por meio do 1o. Edital de Fomento à Cultura das Periferias (2017)

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AXÉ,

MESTRE ADERBAL E MÃE BEATA!

Conhecimentos ancestrais sobre os orixás e tradições afro-brasileiras foram compartilhados com toda a comunidade em diálogos festivos e afetuosos com o Mestre Aderbal Ashogun, filho da saudosa Mãe Beata de Yemanjá. Ao Mestre, o Ajayô Samba do Monte presta homenagem especial. Agradecemos a generosidade da mentoria em todas as etapas do projeto. Sem ele, as celebrações não teriam o mesmo encanto. Mestre Aderbal é sacerdote do candomblé, do terreiro Ylê Omi Oju Aro (Casa das Águas dos Olhos de Oxóssi), em Nova Iguaçu (RJ), além de músico, artista visual, ativista ambiental e produtor premiado por suas diversas ações na preservação e manutenção da cultura afro-brasileira em todo o mundo. Saudamos também sua grandiosa mãe, a Yalorixá Mãe Beata de Iemanjá. Nascida em Cachoeira do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, foi iniciada no candomblé em 1956, em Salvador, por Mãe Olga do Alaketu. Chegou ao Rio de Janeiro no fim dos anos 1960. Em 1985, fundou a Comunidade de Terreiro Ilê Omi Ojú Arô, e iniciou um reconhecido trabalho de fortalecimento da cultura afro-brasileira. Militante ativa do movimento negro e de defesa dos terreiros, é autora dos livros “Caroço de dendê: a sabedoria dos terreiros” e “Histórias que a minha avó contava”. Mãe Beata partiu para Orun em 27 de maio de 2017. O legado do Ilê Omi Oju Aro segue com o sociólogo e Babalorixá Adailton Moreira, irmão do Mestre Aderbal, filho de Mãe Beata. O espaço é Ponto de Cultura desde 2010 e abriga aulas de samba de roda, afrocultura digital, a arte do ferro e teatro.

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