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Sabia que

Sabia que... só consigo estar a escrever este texto graças ao medo? É verdade, em muitas e diferentes situações, o medo já me informou de perigos e preparou-me para me proteger de muitos riscos e é graças a ele que, deste modo, consigo estar aqui. Quem está a ler este texto, também só o consegue fazer graças à proteção do medo e dos seus sinais de alarme protetores. Hoje vamos falar sobre o medo, que é uma resposta normativa e autoprotetora que nos prepara para nos relacionarmos com diferentes ameaças. A verdade é que alguns dos medos da infância e juventude, associados a situações e objetos que não são perigosos, são transitórios, de intensidade moderada, específicos de uma determinada fase de desenvolvimento e são evolutivos e normativos. Estamos a falar do medo de estranhos, da separação dos pais, do escuro, de monstros, de barulhos, de falhar, de avaliações, entre outros... Então, porquê falar de medo, se ele tem uma função protetora e se é esperado em determinadas idades?? A verdade é que nós também temos medos que não são normativos, que são prolongados, que surgem com demasiada intensidade e frequência, assim como são manifestados de modo desproporcional ao risco ou até sentidos em situações em que o perigo não existe, como são exemplo os medos do escuro, de espaços fechados ou de falar em público. A verdade é que o medo, associado a ansiedade e a preocupações, pode ter efeitos significativos no nosso bem-estar, nas nossas rotinas e no nosso desenvolvimento, sendo este o grupo de problemas que surgem com maior frequência nas consultas de saúde mental infantil. De outro prisma, com frequência, situações e contextos seguros são evitados ou enfrentados com grande nervosismo, fazendo a criança perder situações agradáveis ou potenciadoras do seu crescimento adequado. Para lidarmos melhor com o medo, temos, primeiro, de o conhecer um pouco melhor. O medo manifesta-se através de três respostas: as cognitivas (os nossos pensamentos), as fisiológicas (aumento do ritmo cardíaco, sudorese, náuseas, alterações no ritmo de respiração, sensações de falta de ar, calafrios, tonturas, etc.) e as comportamentais (enfrentar, fugir, evitar, esconder). Quanto aos pensamentos, o medo e a ansiedade vêm associados a pensamentos de preocupação, a hipervigilância, a perceções antecipatórias de ameaça, a avaliações negativas, a ruminações de fuga e a preocupações frequentes, até com os próprios sintomas físicos do medo ou da ansiedade. Então, a pessoa ansiosa tem tendência para prestar atenção a informação mais negativa, antecipando danos e dificuldades, mesmo quando estes não são prováveis. Os mais ansiosos e inseguros são indivíduos que antecipam catástrofes e que se percebem incapazes para encarar e ultrapassar problemas/perigos/dificuldades. Muitas vezes, de um evento negativo surgem generalizações, como são exemplo os alunos que, por terem uma negativa num teste, criam a regra de que não vão ser capazes de tirar boas notas nas próximas avaliações. Noutras situações, a informação é tratada de forma seletiva, sendo que, em 10 testes, um aluno tem uma negativa e 9 positivas e acaba por valorizar mais a negativa, negligenciando o sucesso, o que o faz prever dificuldades. Como estamos a ver, os medos são muitas vezes enganadores e alimentados por pensamentos irrealistas que, normalmente, surgem de modo automático. Quando tentamos perceber a etiologia do Medo, ou seja, a origem e as causas do medo, percebemos que este é explicado pela conjugação de fatores biológicos e genéticos com outros ambientais (modelos, experiências, aprendizagens).

É aqui que entra o papel dos pais e da família. Os pais são modelos, partilham informação, controlam e restringem a conduta e as rotinas dos seus filhos. Os pais mais ansiosos são, normalmente, modelos de ansiedade e de medo, verbalizam medos e preocupações, informam sobre expectativas negativas e modelam reações ansiosas e de esquiva que podem ser observadas e aprendidas pelos filhos. Estes pais, normalmente, partilham, de forma excessiva, informações de preocupação: "tem cuidado", "tem cuidado", "tem cuidado"... De outro prisma, são pais que, por receio, restringem e controlam em demasia o que não facilita o normal enfrentamento de medos, nem facilita o desenvolvimento da autonomia e independência. Assim, estes pais limitam as oportunidades de desenvolvimento, prejudicam a noção de autoeficácia e retiram autonomia. Em sentido contrário, temos pais que revelam um défice de envolvimento no desenvolvimento dos seus filhos, o que, por vezes, resulta em excessiva autonomia, sem que a criança esteja preparada para tais desafios, o que leva a insucesso, dúvidas e, consequentemente, a ansiedade, assim como pode proporcionar uma falta de confiança nas figuras de referência, o que, naturalmente, levará a insegurança. Em sentido contrário, pais atentos e presentes, mas patrocinadores da responsabilidade e da autonomia, pais que têm cuidados e que ajudam com conta, peso e medida, favorecendo o natural enfrentamento de medos transitórios, costumam contribuir para crianças mais seguras, confiantes e tranquilas. Então, para crianças e jovens mais seguros e confiantes, devemos: - Ser modelos adequados perante medos e preocupações; - Promover a autonomia e a responsabilidade de modo equilibrado e tendo presente a idade da criança ou do jovem; - Incentivar as crianças a falarem sobre o medo. Ao falar, o objeto do medo fica menos assustador, podemos banalizar o medo e tranquilizar a criança, fazendo perguntas que a levem a perceber que não existe perigo e que a façam ver que em outras situações semelhantes nada acontece; - Fazer ver a importância de se enfrentarem os medos falsos; - Expor a criança, quando preparada, a desafios, aprendizagens e novos contextos; - Facilitar, sem forçar, a exposição da criança aos objetos de medo; - Tranquilizar a criança quando esta tem de enfrentar situações ansiogénicas (escuro, ficar na escola sem os pais, apresentar trabalhos, realizar testes, participar em atividades desportivas ou outras...); - Racionalizar o medo, mostrando que os medos "irracionais", apesar de desagradáveis, não são fonte de perigo e que devem ser enfrentados; - Reforçar, elogiando as situações em que as crianças enfrentam o medo, enaltecendo, também, o caso de nada lhes ter acontecido, ao contrário do que o medo lhes "dizia", através dos pensamentos; - Desenhar um plano, com a participação da criança, para enfrentar o medo. O facto de a criança participar na elaboração do plano dá-lhe uma noção de controlo da situação, o que contribui para a sua segurança.

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Ainda assim, importa dizer que, quando uma criança revela medos com muita frequência e intensidade, causando-lhe mal-estar acrescido e prejudicando as suas rotinas, esta deve ser alvo de uma avaliação/ intervenção psicológica que garanta a melhoria da sua noção de segurança e o seu ajustamento emocional, o que contribuirá para um desenvolvimento mais saudável. Para o efeito, já sabe que pode contar com os psicólogos do nosso Agrupamento.