Sistema Carcerário

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SISTEMA

carcerário

agência nextway


O grau de civilização de uma sociedade pode ser medido pela maneira como tratam seus prisioneiros. - Fiódor Dostoiévski


foto: Unsplash | Fonte: Lex Latin

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introdução


Defasado Insano deturpado Superlotação, rebeliões, fugas, crimes organizados dentro dos presídios, precariedade do sistema de um modo geral, falha no auxílio médico... Isso é o que sabemos que acontece, mas como de fato funciona o Sistema Carcerário e por quê esses problemas ainda existem? Quem nunca ouviu a frase "Agora você já pode ser preso!” quando estava prestes a completar 18 anos? Uma parte da população brasileira passa por esse bordão como uma simples brincadeira, situando-se da responsabilidade dos seus atos. Mas uma outra parte de fato enfrenta a justiça e é preso, onde será inserido no cárcere para pagar pelos seus delitos e assumir as consequências de suas práticas indevidas. O indivíduo que pratica uma infração penal, sendo ele culposo ou doloso, será conduzido a julgamento para determinação de uma pena ou absolvição (ser perdoado), sendo uma consequência garantida pelo Estado de julgamento e aplicação individual de pena seguindo o devido processo penal.

Se declarado culpado é aplicado uma pena privativa de liberdade, onde o indivíduo será separado da sociedade por uma sentença condenatória e terá uma interação restritiva com a sua família, amigos e de contatos que sejam socialmente significativos. Dessa forma, sugestiona que o sujeito venha refletir sobre o seu ato criminoso e, assim, se redimir perante a sociedade, cumprindo a sua punição para que possa percorrer o caminho da readaptação social. Sendo assim, o detento passa a ter um novo panorama da real situação do presídio, onde vive e sofre com a falha do sistema, precisando viver em situações difíceis e que ferem o seu direito como pessoa humana, encontrando a superlotação, falta de infraestrutura, violência, precariedade no sistema de saúde e outros fatores que podem dificultar mais ainda a sua ressocialização e reinserção na sociedade.

Foto: Poco_bw | Getty images


menina negra fora acusada de roubo sob ameaça do chicote | autor: paul harro-harring

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breve histórico do direito penal brasileiro


O Direito Penal Brasileiro obteve a sua origem com base no Direito Penal Português, tendo a sua primeira norma estabelecida após 1830. Diante disso, as leis determinadas e costumes seguidos pelo Brasil tiveram total influência dos portugueses. A legislação portuguesa era acostumada a seguir uma conduta mais severa, e, sendo assim, buscaram tornar as leis nacionais uma forma de manter a população mais civilizada, deu-se início à história cultural do nosso país. Para ficar mais fácil de entender este processo, o histórico do direito penal será dividido em algumas partes breves.

- foi considerado o primeiro Código completo de legislação a surgir na Europa após a Idade Média, tendo sua legislação em vigor por 70 anos após ser substituída por uma nova codificação de leis criadas por D. Manuel. Acabou não sendo praticada no Brasil devido ao surgimento das Ordenações Manuelinas.

Foto: Alanis Matzembacher

ordenações Portuguesas

ordenações manuelitas

Vieram de uma forma fragmentada e sem sistematização, ordenadas pelas leis Afonsinas sob o mandato do Rei D. João I e iniciada pelo Mestre Jurista e corregedor da Corte João Mendes.

Foram editadas por D. Manuel em 1541, mas não foram fixadas ao serem atribuídas de acordo com o magistrado que conduzia ao acusado sob alguma condição social. Apesar de terem vigorado durante as capitanias hereditárias, não constituíram uma fonte de Direito aplicável ao Brasil, permanecendo em vigor até 1603.

foto: retirada da Rede Mundial de Computadores

ordenações afonsinas Foram uma coleção de leis destinadas a regularizar a vida das pessoas que dependiam das autoridades do Reino de Portugal a partir de 1446, durante o reinado de D. Afonso V, rei nascido em Sintra que, com a morte de seu pai, assumiu o trono com seis anos sob a regência de sua mãe e de seu tio D. Pedro, duque de Coimbra. As leis Afonsinas foram uma das primeiras ordenações, durando cerca de 40 anos e -

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Xilogravura das Ordenações Manuelinas | autor: João Pedro Buonhomini, sec. XVI

o império 7 de Setembro de 1822 o Brasil se tornou independente, tornando-se uma das datas mais comemorativas até os tempos atuais. Neste dia, D. Pedro deu início a trajetória do país como uma nação totalmente independente. Brasil Livre, -


- após gritar Independência às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, rompendo sua filiação com Portugal. Qual o motivo das causas do rompimento? Essa ruptura aconteceu após sofrer desgastes com os fazendeiros, lavradores e os criadores de gado que eram considerados da elite. Mas o que tem a ver com a história do direito penal? O Brasil, depois de conseguir sua independência, não teve como redigir todas as Ordenações novamente por força da lei do dia 20 de Outubro de 1823, após determinações de que seriam conservadas as Ordenações Filipinas para que, a partir daí, pudesse surgir um código totalmente nacional. No dia 16 de Dezembro de 1830, o D. Pedro I sancionou o Código Criminal do Brasil por total influência da Escola Clássica que fixaram o livre arbítrio e a moral.

Escravizados e livres condenados pela Justiça do Império | Fonte: Biblioteca Nacional

a república Em 1888 foi decretado o fim da escravidão no Brasil, um grande impacto na legislação penal. Sendo assim, o Governo provisório de Deodoro junto do Ministro Campos Salles alegaram a criação de um novo Código. Mas, diante a composição em curto prazo de tempo, ao apresentar a ideia para Escola Clássica foi observado que estava composto de vários erros e, ao se notar na legislação, surgiram outras mais excêntricas. Com isso, foi necessário criar um único documento reunindo todas as legislações que foram designadas ao desembargador da época, Vicente Piragibe, que, através de um decreto, foi revogado pelo atual Código Penal Brasileiro. Em 1984, os princípios básicos foram totalmente reformados, permitindo novos conceitos de elevação do sistema de cumprimento de penas, repressão, novas alternativas e prestação de serviços à comunidade.

abolição da escravatura | autor: François-Auguste Biard

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foto: Mario Tama | Getty Images

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o sistema carcerário em infográficos 1. raio-x do sistema carcerário 2. Perfil dos detentos encarcerados 3. Mães e filhos do cárcere


raio-x do sistema carcerario Monitor da Violência - dados até junho de 2021

os detentos em números 682.1 mil

Estão em regime semiaberto ou fechado

58.5 mil

Estão em regime aberto

5.0 mil

Estão presos em delegacias

1.2 mil

Estão em alguma medida de segurança ou internação

746.8 mil pessoas com alguma privação de liberdade

Déficit de 241.6 mil vagas

54.9% acima da capacidade


presos provisórios Os presos provisórios são as pessoas que foram presas sem terem o direito a um julgamento. Sem condenação.

217.7 mil 31.9% do total de presos são provisórios

maior número de provisórios

49.4%

maior

superpopulação

196.2% acima

maior população carcerária

211.875


perfil dos detentos encarcerados departamento penitenciário nacional - dados de julho a dezembro de 2021

crimes que mais prendem no país 5.21% 7.62%

Contra o patrimônio Drogas (Lei 6.368/76 e 11.343/06) 14.44%

39.96%

Contra a pessoa Legislação específica Contra a dignidade sexual

26.41%

Feminino 1.090

masculino

614

35.431 51.689

6.071

3.179

270.604 96.774

188.910 14.715


em relação à faixa etária 8.26% 1.57%

18 a 24 anos

19.78%

8.38%

25 a 29 anos 30 a 34 anos 35 a 45 anos

21.95%

46 a 60 anos

21.96%

Mais de 60 anos Sem informação 18.07%

em relação à raça/cor 0.92%

0.19%

Preta ou parda

32.89%

Branca

66%

Amarela Indígena

Feminino

masculino 354.292

16.431

176.437 8.358 214

50

4.974

1.034


em relação à escolaridade 8%

Não concluíram o ensino médio Não concluíram o ensino fundamental São analfabetos

70%

Não chega a 1% aqueles que ingressaram ou tenham um diploma do ensino superior

92%

EM RELAÇÃO AO GÊNERO 640.089 mil 95.43% do total

30.625 mil 4.57% do total

portadores de necessidades especiais DEFICIÊNCIA

feminino

Masculino

auditiva

10

365

Física

42

2.454

Intelectual

138

2.901

visual

26

636

Múltiplas

3

197


mães e filhos do cárcere a população invisível A escassez de dados prejudica a compreensão da complexa realidade da população prisional feminina. Portanto, com as informações disponíveis é possível ter uma ideia da gravidade da situação. Sendo assim, pôde-se concluir atráves de uma extensa pesquisa que há:

85

lactantes

62%

São solteiras

159

grávidas/ parturientes

990

bebês e crianças

Este número evidencia que a maioria das mulheres foi abandonada por seus parceiros e precisou assumir o papel da criação sozinha. Na maior parte dos casos, são as únicas guardiãs de seus filhos e, com a dificuldade de empregos formais no país, recorreram ao tráfico de drogas.


Mulheres que possuem filhos

53%

uma diferença gritante entre: 74%

Homens que declararam não ter filhos

parte do problema fica perceptível quando: 74% das unidades prisionais são destinadas aos homens

16% das unidades possuem celas para gestantes

16% são mistas

7% são femininas

14% berçários ou centros materno infantil

3% creches

A maioria esmagadora das unidades são destinadas aos homens, ou seja, a estrutura para acolher uma mulher, ainda mais uma mulher gestante, é praticamente inexistente, incluindo também o acesso escasso ao serviços de saúde essenciais para garantir a qualidade de vida da mulher gestante e do feto.

faixa etária dos filhos em cárcere 84 39 0 a 6 meses

52 61

6 meses a 1 anos 1 a 2 anos 2 a 3 anos Mais de 3 anos

754


Presos na penitenciária de Alcaçuz, região metropolitana de Natal, palco de rebelião com 26 mortes | Foto: Andressa Anholete/AFP

a crise

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Foto: Gláucio Dettmar/CNJ

É notória para toda a sociedade que o atual Sistema Carcerário Brasileiro vive uma crise, que padece por diversas falhas. Dentre elas, um dos principais fatores é a falta de infraestrutura, que acarreta vários outros tal como a falta de saneamento, de privacidade, superlotação das unidades, violência sexual, escassez no atendimento médico etc. A proposta do Sistema Carcerário Brasileiro se perdeu, é uma “Máquina quebrada”, assim descrita pelo ex-detento ‘Emanuel Silva’. E a cada dia aumenta o número de pessoas sem algum tipo de liberdade. Mas por que existem tantas pessoas sendo presas e como isso é visto?

- Mesmo que uma parcela da sociedade ainda clame para que o policial ‘resolva os problemas’ ("tem que matar mesmo", "bandido bom é bandido morto"), o próprio Militar entende que ele não é um super herói que vai acabar com a criminalidade".

O policial civil, que para preservar a sua identidade será identificado como ‘PM Nascimento’, quando indagado respondeu que “a quantidade de pessoas presas, muitas vezes é ato vinculado. Se eu encontrar um criminoso em flagrante, meu dever é prender ele e levar à Justiça. Do contrário, eu respondo pelo crime de prevaricação”. Mas relatou que “existia a ideia de que o policial deveria ser um ‘justiceiro’ da sociedade e que tinha a ‘missão’ de punir. Isso é falso e cada vez mais essa 'subcultura' tem diminuído. -

A maior perturbação de tudo isso é o descaso e humilhação que essas pessoas sofrem, “A prisão é um ambiente marcado pela negligência, pelo controle, pelo racismo estrutural e institucional”, contou o ex-agente penitenciário Hussam Hage. Essa comunidade prisional tem seus direitos básicos violados, sendo exposto a circunstâncias precárias, encontram inúmeros problemas, como: celas lotadas, sujas e com umidade, rebeliões em massa, fugas, falta de assistência básica à saúde, ficando suscetíveis a doenças, etc.

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infraestrutura É comum ver em propagandas eleitorais presídios com espaços sobrando dentro das celas, paredes sem infiltrações, pátios relativamente limpos, sem sujeiras, bichos ou esgoto exposto ao ar livre. Mas a falta de infraestrutura nos presídios é alarmante, sendo um dos principais fatores que ocasionam um carrossel de problemas significativos para o convívio normativo dos detentos.

As unidades prisionais recebem o triplo de pessoas que suportam a sua capacidade, sem ao menos apresentar uma estrutura adequada para comportá-las e muito menos condições básicas de higiene, circulação de ar, água limpa e potável, energia elétrica e saneamento básico e, por consequência, coloca os detentos em situação de vulnerabilidade para contrair diversas doenças.

Um local sem estruturas fica suscetível a tudo. “Eles esperam o momento certo para agirem, para tentarem fuga ou até mesmo uma rebelião. Neste momento não importa se há disponível alguém, qualquer um vira uma vítima. Eles agem de forma coordenada a fim de causarem maior dano. Já passei por alguns desses distúrbios e garanto que não há sensação pior para se presenciar, entre elas, presenciei mortes brutais e homicídios” descreveu o Hussam Hage.

Complexo penitenciário de Bangu, Rio de Janeiro. Fonte: 61 | Foto: Francisco Proner

superlotação No Brasil, prevalece a teoria de que quanto mais pessoas são presas, “melhor fica”, assim se trilha um caminho ideal para a sociedade. A superlotação é resultado do número elevado de presos, ocasionando assim, um dos maiores e mais graves problemas do Sistema Carcerário. Foi no início do século XIX que os transtornos com a superlotação surgiram, na qual as cadeias do Rio de Janeiro atingiram a sua capacidade máxima, levando o Código Penal em 1980 a tomar algumas providências de correção em virtude da aparição da situação de superlotação.

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Hoje o cenário encontrado ainda é de cadeias lotadas, “celas que deveriam ficar 8 presos, tinham entre 25 e 30, fica claro que estamos em um barril de pólvoras”, relatou Hussam Hage. Nesse cenário, a perspectiva que os detentos têm é de frequentes humilhações, sendo sujeitados a dormirem no chão de suas celas, em um amontoado de pessoas, florescendo assim, os casos de violência e abusos sexuais, tornando a hora de dormir muitas vezes um momento de desespero e medo. E por consequência, o sistema acaba transformando os sujeitos ainda piores do que quando entraram no presídio, pois o resultado -


- do desrespeito ao direito básico de uma pessoa é ódio e revolta. Ao questionar Maria do Socorro sobre o atual estado de seu sobrinho após o cumprimemto de sua pena e quais foram os danos causados, Maria relatou que durante o tempo em que Adriano estava preso sofreu humilhações e violência. “Ele contou pra mim uma vez que jogaram mangueiradas de água fria nele e deixava ele com as roupas molhadas. Batiam nele e o Adriano ficou com problemas mentais, né? Ele tem esquizofrenia por toda a violência que sofreu lá dentro enquanto estava preso.” Posto isto, as declarações deixam claro que as unidades prisionais têm necessidade de atenção e, feito isso, poderia -

- proporcionar com qualidade o mínimo de existência aos detentos. Para que então, seja capaz de se quebrar o ciclo de um ambiente de violência.

Presos do CPP em Palmas dormem amontoados no chão e até no banheiro das celas. Fonte: G1 | Foto: efensoria Pública do Tocantins

a precariedade na saúde Como sabemos a saúde pública é um direito de todos, mas já parou para pensar como deve ser o atendimento de dentro da prisão? O Ministério da Saúde tem um documento com informações e uma apresentação do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, em uma edição de 2005 com mais de 3 mil exemplares. Neste arquivo, é possível ver uma breve introdução sobre o Sistema Único de Saúde que tem diversas ações e serviços com a principal finalidade de promover a qualidade no atendimento para toda a população brasileira, garantido o acesso a todos com a imagem de “a saúde é um direito de todos e um dever do estado”. Segundo o próprio Ministério da Saúde, é de conhecimento de todos que o atendimento médico decorrente de confinamentos não tenha a devida atenção necessária, não tendo ações de -

- saúde que pudessem dar acesso às pessoas presas de forma integral. Diante desse reconhecimento de que o sistema é falho, o próprio Ministério da Saúde em apoio às ações integradas junto ao Ministério da Justiça elaborou um sistema de atendimento penitenciário desenvolvido dentro dos princípios do Sistema de Saúde Único (SUS). Mas será que isso de fato existe e acontece? “O atendimento dentro da prisão se você perguntar se é um bom atendimento depende da unidade prisional, tem unidade que o diretor e funcionários dão muita atenção na saúde física do detento e tem lugar que não! Tem lugar que você tem que brigar, por exemplo Pinheiros II, Pinheiro III que é CDP, Franco da Rocha, 018, Venceslau, Presidente Prudente, Club Paulista, Mirandópolis, Pracinha, 018 mais ou menos na área do 014. Ribeirão Preto, Campinas, Sorocaba, essas regiões eles dão muita atenção, então depende -

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- da unidade prisional e do diretor”, segundo o ex-detento ‘Emanuel Silva’. Infelizmente as prestações de serviços dentro das unidades prisionais são totalmente limitadas e precárias. Segundo a revista Exame, dados apontaram que cerca de 40% da maioria das unidades não possuem espaço o suficiente e especificamente para os atendimentos médicos, além de contar apenas com um profissional médico para 870 pessoas encarceradas. Eles alegam que para a logística e remanejamento dos detentos até uma Unidade Básica de Saúde, necessita de uma escolta policial e isso logicamente gera toda uma estrutura e mobilização, além de monitoramento e movimentação por parte dos agentes, o que nem sempre tem disponibilidades para esse tipo de prestação de serviços. Diante da Lei de Execução Penal (LEP) de n° 7.210/1984 em que se destaca, os presos têm direito à saúde, um direito social. Mas infelizmente quando se observa a legislação, o sistema carcerário segue uma direção totalmen-

- te diferente do que se é estabelecido, existem várias irregularidades não só no sistema de saúde, mas na infraestrutura, alimentação, transporte entre outros assuntos já destacados. O âmbito da assistência de saúde nas unidades prisionais é totalmente precário por não oferecer recursos de boa qualidade. Essas condições são altamente prejudiciais para que ocorra transmissão de doenças, como tuberculose, pneumonia, enfermidades como hepatite e doenças sexualmente transmissíveis como AIDS e HIV são comuns. Em um estudo publicado pelo Ministério da Saúde em 2009, destacou-se que a estimativa do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV e AIDS entre as pessoas privadas é mais alta que a população em geral. O confinamento dessas pessoas e a má qualidade de assistência médica são fatores que aumentam a sua vulnerabilidade. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e o Ministério da Justiça, não existem dados gerais que apontem sobre o número de detentos infectados por HIV.

falta de higiene e de assistência são responsáveis por 61% das mortes no sistema penitenciário brasileiro. Detentos vivem com ratos, baratas e morcegos | Fonte: O Globo

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Circuito de segurança flagra policiais penais agredindo detento, no Complexo Penitenciário da Papuda, no DF | (fonte: 61)

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o princípio da dignidade da pessoa humana


A condição humana é um requisito único e exclusivo, isso porque todo ser humano tem tem uma uma dignidade dignidade,e sendo sendo este um dos princípios essenciais da constituição. No Inciso III do 1° Art, a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

e aqueles que já saíram é essencial para que eles possam se recuperar e se reestabelecer novamente para o convívio em meio a sociedade.

Hussam Hage contou que o ambiente prisional é um "total abandono, não existem avanços, a massa carcerária agoniza em nossas cadeias, presídios, penitenciárias, entre outras, acredite; poderiam ser chamadas tranquilamente de masmorras. O ambiente da prisão é problemático por si só e há toda uma invisibilidade sobre o que acontece nesse espaço. Existe um tabu relacionado a um certo moralismo de não querer entender ou discutir o punitivismo que existe". É válido citar que o Art. 5 XLIX, da Constituição Federal (Brasil, 1988), assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, porém, na prática ela é constantemente anulada, afinal, poderia se pensar que em função de serem autores dos mais diversos crimes eles devem ser punidos de forma, muitas vezes, desumanas. “Este é um típico pensamento que deve ser repudiado, vez que a dignidade da pessoa humana é qualidade intrínseca a todas as pessoas, independentemente de o indivíduo ser autor de um delito, ou seja, a dignidade de todas as pessoas, mesmo daquelas que cometem as ações mais indignas e infames, não poderá ser objeto de desconsideração”. (SARLET, 2001) Perante o desrespeito e a falta de dignidade dos detentos, ainda que tenham a sua liberdade privada para o cumprimento de sua sanção, o trabalho de ressocialização e reintegração tanto para aqueles que ainda executam as suas penas

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Detento mostra marcas da agressão feitas por agentes da ForçaTarefa em penitenciária no Pará Fonte: G1 | Foto: Ministério Público Federal

Desnudamento de presos no complexo de alcaçuz são constantes. Posição denominada de "procedimento" pela Sejuc consiste em tortura postural | Fonte: 61


Foto: Jefferson Botega | Agencia RBS

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a ressocialização e a inserção na sociedade 1. objetivos da ressocialização 2. a realidade sobre a inclusão do preso


O projeto de ressocialização do preso foi desenvolvido com a intenção de ajudar a reintroduzir o recluso na sociedade, após quebrar regras sociais. Com o intuito de reeducar e promover qualidade de vida ao ex-detento, ajudando a restaurar a dignidade da pessoa e recuperar a sua autoestima.

- ainda mais à convivência na sociedade, criando habilidades e experiências que o ajudem a encontrar um emprego de forma mais rápida e qualificada, além de proporcionar a redução de sua pena.

Atualmente existem diversos programas voltados para a reintegração de detentos enquanto estão dentro da prisão ou, até mesmo, quando eles cumprem suas penas e precisam voltar a conviver em sociedade. Um dos principais conceitos da ressocialização é que a pena seja cumprida em caráter educativo, mostrando que, caso o detento tenha uma chance aqui do lado de fora, ele não precisará precisarácometer cometeratos atoscrimininosos criminosos e retornar ao presídio. para retornar ao presí Além de ajudar os presos em reintrodução na sociedade, uma das ideias é que o projeto pudesse ajudar na superlotação do presídios. O objetivo da reeducação e ressocialização é fazer com que tenham uma visão completamente diferente da qual é oferecida dentro das unidades prisionais, como violências e torturas físicas e psicológicas. Além de reintegrar essas pessoas na sociedade, muitas unidades prisionais oferecem trabalhos e cursos para aqueles que desejam se especializar em alguma profissão, o que, em tese, abre portas para essas pessoas que são neglicenciadas e esquecidas. Desta forma, eles são reeducados para se adequarem às leis e condições para conseguir conviver em sociedade novamente. Para isso, são estabelecidas datas em que o detento possa sair para trabalhar e estudar fora do regime com horário de saída e retorno intimado pela unidade prisional ao qual cumpre sua pena. Com isso, ele tende a se ajustar -

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Presos em sala de aula em presídio no interior de Minas Gerais Fonte: Agência Senado | Autor: Omar Freire

Sendo assim, assim, o projeto visa estimular a pessoa privada de liberdade ou que já a conquistou a seguir uma vida normal. Para quem já está afastado dos muros que cercam as penitenciárias, o intuito é que também tenham mais espaço. O decreto federal nº 9.450/2018 garante que algumas empresas contratem expresidiários, em alguns casos, até exigem uma porcentagem mínima de contratados nesta posição dentro da empresa. A PNAT, como é chamada, ainda assegura que o detento tenha igualdade no trabalho, garantido transporte, alimentação e os mesmos direitos de um funcionário comum.


O sistema carcerário contém inúmeras dificuldades, muitas delas nem sempre são notadas. O preconceito (ou préconceito) com as pessoas que foram privadas de suas liberdades ainda é imenso. A sociedade rejeita a ideia de entender quais são as dificuldades enfrentadas por um ex-presidiário ao sair dos muros que cercam os presídios. A dificuldade de ser um ex-presidiário, é o preconceito. Toda vez que puxarem o seu nome é diferente, é com base no preconceito.

O severo tratamento dado a essa parte da população dificulta ainda mais o processo de reintrodução social, fazendo o ex-presidiário tem dificuldades em encontrar emprego ou fazer parte da sociedade novamente. Maria do Socorro, tia do ex-presidiário Adriano, relatou que seu sobrinho “nunca teve chance de arrumar um trabalho decente, ele só faz bicos”, isso por conta do seu transtornado histórico de dependência química e porque ele já foi preso.

- precisam e merecem uma segunda chance - e o sistema penitenciário piora a situação ao invés de ajudar.” - Declarou o 'PM Nascimento'. De acordo com um estudo publicado pela plataforma do G1, estima-se que cerca de 18,5% dos presos trabalham no Brasil. Enquanto isso, a porcentagem de ex-presidiários que estudam é ainda menor, beirando 12,6%. Evidenciando, assim, que nem a própria Constituição Federal assegura o direito aos aspectos básicos de uma cidadão, como o trabalho e a educação que, segundo a mesma, são "direitos de todos e dever do Estado" para "toda pessoa, sem qualquer distinção" (Art. 205° e Art. 7°).

Pensando nisso, a ressocialização é muito importante para quem esteve recluso por muito tempo, possibilitando que o ex-presidiário possa levar uma vida normal, retornando ao mercado de trabalho, a comunidade e conquistando outros aspectos importantes que darão uma boa qualidade de vida para quem já prestou contas diante da justiça. “Já abordei ex-detentos e pessoas em regime semiaberto ou aberto. Em geral, são indivíduos que não querem voltar ao sistema devido à precariedade e superlotação. Infelizmente os presídios não ressocializa ninguém. E nem tem interesse político para mudar essa realidade. Tem muita gente que errou e vai continuar errando, não vai mudar. Mas têm muitas pessoas que realmente -

Presos descobrem prazer pela leitura em projeto na penitenciária de Araraquara, SP. Na foto, debatem sobre o livro lido no último mês. Fonte: G1 | Autor: Fabio Rogrigues

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as dificuldades no mercado de trabalho

Uma questão bastante levantada com a criação da Política Nacional de Trabalho no âmbito do sistema prisional é a chance da criação de oportunidades para os ex-presidiários que buscam empregos para reconstruir a sua vida. Entretanto, não é tão fácil quanto parece ser na lei. Enquanto a mesma Política garante que as empresas precisam ter uma quantidade mínima de funcionários que estejam em ressocialização, na prática os expresidiários encontram inúmeras dificuldades para a conquista de um emprego e de seu sustento, além do início de uma vida nova, diferente e digna.

Ninguém quer dar oportunidades para quem sai desse tipo de lugar. É o que diz a prima de Adriano, Silvana. Ela também conta que sempre desistem de dar a vaga do emprego ao seu primo quando, durante entrevista, descobrem que ele é ex-presidiário. Tudo isso devido à suspeita de que ele possa agir de forma errônea, fazendo algo ilegal. A desconfiança é uma das principais causas para isso, afinal, o preconceito enraizado da sociedade faz acreditar que a pessoa não mereça uma segunda chance e será sempre um risco. “A dificuldade enorme de conseguir emprego, a dificuldade muito grande, porque as pessoas te vêem com maus olhos quando sabe que você cumpriu pena e até pra você trabalhar em um lugar você fica -

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"As pessoas não acreditam que a gente está disposto a se recuperar. Acham que a gente pensa em roubar de novo." (Fonte: G1 / Autor: Daigo Oliva)

- meio cismado porque se acontece um roubo ou alguma coisa com certeza vão acusar você então é muito difícil do expresidiário arrumar um emprego, mas é possível também”, conta 'Emanuel Silva'. Por isso que os números de presos ressocializados são tão baixos. Falta oportunidades para conseguir um bom emprego. O mínimo que surge para eles são subempregos, um tipo de emprego não qualificado, na maioria das vezes sem contrato empregatício e que mal dá para oobásico sobrevivência. sobrevivêncTodas Todas as básicodede sobrevivência. Todas dificuldades de inclusão somadas ao essas dificuldades de inclusão somadas ambiente sujo, violento e desumano dos ao ambiente sujo, violento e desumano presídios só só iráirá levar dos presídios levaraoaoaumento aumento da criminalidade e da população carcerária


A Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará, através da Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso (Cispe) leva o artesanato para os presídios através do projeto “Arte em Cadeia” | fonte: governo do estado do ceará

quais soluções podem ser apresentadas

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Diante de uma realidade distante da grande maioria da população, que não imagina o quão escassa é a situação do Sistema Carcerário Brasileiro, é possível abordar diversos temas que abrange inúmeras irregularidades e, talvez o pior delas: o esquecimento desse sistema. Será que existe uma opção de melhoria? Um segundo plano, um projeto que pense nessa minoria?

Portanto, não é tão simples. Hussam Hage conta que o problema começa devido “a falta de interesse para resolver a questão carcerária, parte, primeiro das autoridades públicas, tanto do executivo, judiciário ou do legislativo” em razão da falta de lucratividade aos poderes políticos. Muitos projetos para construir novas unidades prisionais são desenvolvidos com o intuito de melhorar o sistema carcerário, mas, por não ser politicamente bem visto pela população que, sistematicamente sente medo de ter a sua segurança colocada em risco, são deixados de lado e esquecidos. No Maranhão, o Conselho Nacional de Justiça trabalha, junto aos poderes, para a existência de uma Central de Regulação de Vagas, um projeto de implementação que tem como objetivo organizar a superlotação dos presídios. Todavia, será mesmo uma saída para o sistema conseguir controlar as prisões?

Projeto põe detentos do semiaberto para trabalhar e se profissionalizar cuidando de cães e gatos abandonados em presídios em SP, com o objetivo de ressocialização. (Fonte: O Vale | Autor: Caique Toledo)

Felizmente, a resposta é sim. Existem várias alternativas para resolver esses problemas. De acordo com o especialista Jonatas Oliveira, advogado criminalista, o primeiro passo seria acabar com a superlotação e investir na construção de mais presídios. "Temos uma população carcerária muito grande e poucos presídios e o primeiro passo é dar um pouco de dignidade nessa questão". Após isso, destinar verbas para projetos e campanhas que incentivem e apoiem os estudos e trabalhos dentro do presídio. "A educação é a base de tudo. Então já que nós pecamos na educação de base, já que o 'cara' caiu dentro de um presídio, vamos tentar agora recuperar um pouco dessa dignidade humana dele agora, na educação dentro do presídio mesmo".

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Outra solução, adotada por países como o Reino Unidos, seria manter reservadas unidades prisionais somente para pessoas consideradas altamente perigosas, que oferecem grandes riscos à sociedade. Mas, ao entrevistar pessoas que vivenciaram o sistema prisional, essas opções não seriam totalmente uma forma de melhoria, porque seria necessário, inicialmente, começar com uma estruturação de dentro para fora, pensando inicialmente no ‘Ser Humano’.

O que seria algo apaziguador que favoreceria o preso, escola dentro dos presídios tem, mas nem todos os presos estudam, isso deveria ser algo obrigatório, porque além de diminuir a pena, a pessoa que não é instruída vai passar a ter cultura, então ela vai enxergar a vida com outro ponto de vista, não vai achar que o crime é tudo.


Ainda de acordo com Jonatas Oliveira, o advogado diz que a população carcerária não é um público que atrai muitos votos pois não tem um retorno político. “Muitas vezes um político tem projetos de lei onde ele pensa em construir presídios e a população fica com medo, por exemplo uma população de uma cidade X quando fica sabendo que vai ser construído algum presídio naquela região. As pessoas ficam com medo, acabam se afastando e fica marcado o político, o partido, o projeto de lei que foi criado naquela questão que é a localidade. Então é mais por falta de não ter rentabilidade de votos, de não ser politicamente bem visto pelo população”.

Segundo especialistas citados por uma matéria do Carta Capital, eles apontaram que o acesso à educação e trabalho dentro dos presídios seriam uma das principais formas eficazes de combater a reincidência no crime. Mas infelizmente por falta de investimentos destinados pelo Estado, apenas 11% dos presos atendem essa porcentagem e somente 25% dos presos conseguem atender trabalhos internos e externos.

Então se tem trabalho, tem escola, onde são obrigados a trabalhar e obrigados a estudar mudaria muita coisa. Sendo assim, fica nítido que existem várias alternativas para que o Sistema Carcerário Brasileiro melhore, mesmo que as condições financeiras para se criar novos presídios e suprir as suas necessidades de espaço e manutenção nunca sejam suficientes. Ainda se mantém a virtude de que a instrução ao ensino seja a melhor opção, lhes permitindo ter acesso a cultura, sendo abastecidos de conhecimento através de leitura, torna-os seres melhores.

“Um recluso sem livros e canetas já na vida é um homem morto”

- Alfred Bernhard Nobel

(Fonte: G1 / Autor: Fabio Rogrigues)

As palavras de Alfred Nobel, químico e inventor sueco responsável pelo aperfeiçoa-mento de uma substância que daria origem a Dinamite e o famoso Prêmio Nobel, nos permite formular uma análise crítica sobre o atual sistema carcerário brasileiro e, perante esse aspecto, cabe observarmos os impactos que isso pode causar em nossa sociedade pela concepção de um conceito jornalístico chamado de “Teoria do Espelho”. Essa teoria busca compreender se o jornalismo de fato reflete a realidade, é como um reflexo de uma cidade que está às margens de um rio, fluído e objetivo, onde todos têm a mesma visão do real, sendo evidenciado e separado o palpável da opinião. Trazendo a verdade que está diante dos olhos da sociedade, mas que ninguém tem coragem de ver. Essa abordagem ao tema, só remete o quão escasso é o nosso sistema prisional, revelando o que uma parcela da nossa sociedade vive, e é esquecida. Está claro que o sistema que deveria ter o compromisso pela reeducação e reinserção do cidadão na sociedade após cumprimento da sua sanção, se isenta da sua responsabilidade e os deixa a ‘deus-dará’. Filósofos como Pitágoras já diziam que era melhor educar ainda na juventude para que na sua mocidade não tivessem que ser castigados. Mas se ainda sim, essas pessoas não tivessem a oportunidade de receber acesso ao estudo e a cultura quando crianças, nunca seria tarde para começar. Uma parcela da população, pela sua fatídica situação financeira não tem acesso a uma boa educação, muitos precisam largar os estudos ainda jovens para ajudar no sustento da família. A falta de oportunidades e a descabida influência levam jovens e crianças para uma vida de tropeços e enganos sendo levados ao crime. Sendo assim, quando é fornecido ao detento a oportunidade de estudar e ter acesso a cultura, adquirindo conhecimento, novas experiências e entendendo que não existe a necessidade de continuar cometendo crimes para viver, a sociedade passa a acreditar nesse cidadão, permitindo que ele volte a conviver socialmente, seguindo a sua vida regularmente.

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