MPRJ inicia Ação Civil Pública após denúncia da CPI da Saúde de São Pedro da Aldeia

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2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA – NÚCLEO ARARUAMA

EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO PEDRO DA ALDEIA.

Representação nº Investigados: Cláudio Vasques Chumbinho dos Santos, Analice Silva Martins, Moacyr Torres Júnior, Felipe Novaes dos Santos, Vanessa Pinheiro Vidal Matalobos, Márcio Luiz Gomes Pereira, Julio Cesar Félix Alves, Marcos Venicios Rossi, Ernani Amaral Garcia, Rosimere Aguiar Rodrigues Garcia, Isabela Rodrigues Garcia, Marco Antônio Garcia Malheiros, Carlos Henrique Bastos Coelho e Helton Felix Ribeiro

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, através de seu presentante, no uso de suas atribuições legais, vem por meio desta, ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

em face de: 1.

CLÁUDIO VASQUES CHUMBINHO DOS SANTOS, Prefeito da Cidade de São Pedro da Aldeia, com endereço laboral à Rua Marquês da Cruz, nº 61, Centro de São Pedro da Aldeia;

2.

ANALICE SILVA MARTINS, ex-secretária de saúde de São Pedro da Aldeia, residente à Rua Luis Leopoldo Fernandes Pinheiro, nº 514, apto. 404, Centro de Niterói, de;

3.

VANESSA PINHEIRO VIDAL MATALOBOS, ex-secretária de saúde de São Pedro da Aldeia; com endereço laboral à José

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Antônio Sampaio, 83 (Parque Riviera), Cabo Frio, (LifeS’ Medical Clinic, telefone 22 2643 4925 4. MOACYR TORRES JÚNIOR, ex-subsecretário de saúde de São Pedro da Aldeia, residente à Rua C, Ladeia da Aldeia de Itaipu, Itaipu, Niterói; 5. FELIPE NOVAES DOS SANTOS FONSECA, ex-pregoeiro e funcionário comissionado do Município de São Pedro da Aldeia, matrícula nº 18.970, residente à Rua Rodovia RJ 124, km 32, Itatiquara, Araruama 6. NEWS DISTRILAB COMERCIAL CIRÚRGICO LTDA, CNPJ 08.353.205/0001-62, com sede atual na Rua Alda nº, 24, Bento Ribeiro, Rio de Janeiro; 7. MEDICOM RIO FARMA LTDA, CNPJ 39.499.710/0001-43, com sede atual na Avenida Conselheiro Julius Arp, nº 414, fundos, Centro de Nova Friburgo, 8. ULTTRAFARMA

PRODUTOS

MÉDICOS

LTDA,

CNPJ

00.945.806/0001-52, com sede atual na Rua Engenho Novo, nº 78, Bairro Engenho Novo, Rio de Janeiro; 9. MEDICAF MEDICAMENTO, COMERCIAL E CIRURGIA E DESCARTÁVEIS LTDA – ME, CNPJ 05.596.434/0001-10, com sede atual na Avenida Getúlio Vargas, nº 734, Praia Grande, Arraial do Cabo, pela prática e benefício dos seguintes

ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

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1. DA LEGITIMIDADE PASSIVA

Os fatos investigados nos autos dão conta de diversas irregularidades nos procedimentos licitatórios nº 2677, 2692, 2693 e 2689, todos de 2013 e nos respectivos contratos administrativos nº 29, 30, 31 e 32 de 2013, celebrado entre o Município de São Pedro da Aldeia, representado pela ex-secretária de saúde a ré ANALICE SILVA MARTINS e as empresas MEDICOM RIO FARMA LTDA, ULTRAFARMA PRODUTOS MÉDICOS LTDA, NEWS DISTRILAB COMERCIAL CIRURGICO LTDA e MEDICAF MEDICAMENTOS COMERCIAL CIRÚRGICA E DESCARTÁVEIS LTDA, cujo objeto era o fornecimento de medicamentos ao Município de São Pedro da Aldeia.

As referidas sociedades foram beneficiadas com o direcionamento da licitação mediante fraude e com o superfaturamento do preço dos medicamentos. O conluio entre agentes públicos e sociedades empresárias impediu que a municipalidade adquirisse medicamentos em melhores condições.

Do lado do Município, o então subsecretário MOACYR TORRES JÚNIOR deu impulso inicial ao procedimento administrativo solicitando a aquisição de materiais com base em estimativa de preços fraudulenta.

A ex-secretária ANALICE SILVA MARTINS representou, usurpando função pública do Prefeito, o Município de São Pedro na celebração do contrato. Também foi a principal responsável pelo procedimento licitatório e ordenadora de despesa no início da execução do contrato.

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Durante a execução do contrato, ANALICE foi substituída na gestão da secretaria de saúde pela ré VANESSA PINHEIRO VIDAL MATALOBOS, que também participa da fase de execução do contrato, assinando ordens de pagamento (fls. 703 a 708, 710 a 716 MP/RJ 2015.01255482)).

A ré VANESSA ainda solicitou junto ao Banco Bradesco a transferência bancária para pagamentos do contrato de medicamento e subscreveu as notas de empenho de fls. 741 e ss MP/RJ 2015.01255482.

O réu FELIPE NOVAES DOS SANTOS FONSECA, atuou como pregoeiro, presidindo a fase de habilitação e de julgamento das propostas. Solicitou a homologação do certame, com a adjudicação do objeto, apesar das ilegalidades do procedimento e da própria sessão do pregão presencial, como se verá.

Ao atual Prefeito, o réu CLÁUDIO CHUMBINHO, caberia representar o Município na celebração dos contratos 29 a 32 de 2013, na forma do Art. 72, II da Lei Orgânica Municipal, sendo a função indelegável nos termos do Art. 73 da citada Lei Municipal. Ao permitir a celebração do contrato por funcionário sem atribuição, o réu concorreu para prática de atos de improbidade.

A legitimidade para integrar o pólo passivo da ação civil pública é estabelecida nos Arts. 1º a 3º da Lei 8429/92, que dispõem o seguinte:

“Art. 1º. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta, fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios...”

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2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA – NÚCLEO ARARUAMA Art. 2º - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego, ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Art. 3º - As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”.

Assim, os réus CLÁUDIO CHUMBINHO, ANALICE, VANESSA, MOACYR e FELIPE se incluem no Art. 1º, ao passo que as sociedades rés, tendo em vista a fraude, a ilegalidade e o superfaturamento de preços, se beneficiaram pela prática dos atos de improbidade administrativa (Art. 3º LIA), recebendo vantagem de forma ilegal.

2. DA CAUSA DE PEDIR

2.1 Do início das investigações

As investigações tiveram início a partir de representação do Vereador José Antônio Martins Filho, presidente de comissão parlamentar de inquérito instaurada para apurar irregularidades na gestão de recursos da Secretaria de Saúde de São Pedro.

De acordo com a representação “Diante do contido nessa petição e as informações nos respectivos documentos anexos pode concluir que há indícios de fraude nos processos licitatórios 2677/13, processo nº 4395/14, superfaturamento na aquisição de 5


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medicamentos, simulação de entrega dos medicamentos ou peculato, conluio entre as empresas, falsidade ideológica nos documentos, entre outras irregularidades.”

Com

a

representação

vieram

as

cópias

dos

procedimentos

administrativos licitatórios destinados à aquisição de medicamentos pelo Município de São Pedro da Aldeia nos anos de 2013 e 2014. Para melhor apurar os fatos foram instaurados dois inquéritos civis, um para cada ano.

A presente ação tem como causa de pedir atos de improbidade cometidos nos contratos de compras de medicamento de 2013, cujo valor foi de R$ 1.579.103,62 (um milhão, quinhentos e setenta e nove mil, cento e três reais). Os contratos do ano de 2014, cujo valor foi três vezes maior (R$ 4.671.286,00), serão objeto de análise em outra investigação.

Compulsando os autos deste inquérito civil (IC 02-110/2015), depreende-se fortes indícios de fraude e direcionamento do julgamento do pregão. Além disso, os preços de aquisição de grande parte dos remédios estavam acima do: 1. valor pago por outros Municípios do Estado e por hospitais federais no mesmo fármaco; 2. preço máximo de venda ao governo (PMVG) estipulados pela ANVISA, e; 3. próprio orçamento proposto na pesquisa de preço de mercado pelas empresas MEDICOM e NEWS DISTRILAB, ambas vencedoras do pregão.

O processo 2677/13, depois apensados aos 2692, 2693 e 2689, teve início no final de fevereiro de 2013. Os réus MOACYR TORRES JÚNIOR e ANALICE SILVA MARTINS deram início ao procedimento licitatório através de pedido de material. No requerimento tenta-se apresentar uma pesquisa de preço de mercado. 6


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Segundo os subscritores, a fonte de consulta foi a planilha de média de preço estimado.

A planilha com média do preço estimado (fls. 17 a 21 MP/RJ 2015.01255482) foi (deveria ter sido) elaborada com base nas propostas apresentadas pelas empresas MEDICOM RIO FARMA, NEWS DISTRILAB e GENESYS COMERCIAL. As duas primeiras venceram a licitação e a última sequer retirou o edital.

Todavia, essa planilha com média das propostas é datada de 10 de fevereiro de 2013, dia sem expediente administrativo (domingo de carnaval), ao passo que as propostas apresentam datas posteriores. A empresa GENESYS apresentou a sua em 19 de fevereiro (fls. 22 MP/RJ 2015.01255482), a NEWS DISTRILAB o fez no dia 15 de fevereiro (fls. 17 MP/RJ 2015.01255482) e a MEDICOM entregou proposta datada de 18 de fevereiro (fls. 32 MP/RJ 2015.01255482), todas do ano de 2013.

Denota-se daí que a média foi calculada lastreada em números que não existiam, o que indica crimes de falsidade ideológica, fraude a licitação (Art. 90 lei 8666/93) e dar causa a vantagem ilegal pelo adjudicatário (Art.92 lei 8666/83).

E nem essa estimativa fraudulenta foi considerada pelos agentes públicos no julgamento das propostas. Aliás, no pregão presencial, onde foram julgadas as propostas também há indícios de outra declaração ideologicamente falsa.

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Na ata de reunião presidida pelo pregoeiro e réu na presente ação FELIPE NOVAES DOS SANTOS FONSECA consta que no dia 30 de abril de 2013 compareceram na sala de reunião da prefeitura, dentre outros, a empresa “Medicom Rio Farma Ltda, representada pelo Senhor Marcos Venicios Rossi” (fls. 119 MP/RJ 2015.01258254),

único

representante

dessa

empresa no

processo

licitatório

respeitando-se a previsão ítem 3.3 do edital. Ocorre que a assinatura que consta da ata não pertence a Marcos Venicios, conforme se depreende da análise de cópia da CNH acostada às fls. 137 do MP/RJ 2015.01255482.

Mas não é só, outras evidências de montagem de processo e direcionamento da licitação, como a retirada de edital pela empresa ré ULTRAFARMA por pessoa sem procuração (fls. 124 e 152 MP/RJ 2015.01255482), autenticação de documento expedido em data posterior ao ato (fls. 167 MP/RJ 201501255482).

Nem a fraudada estimativa de preços de mercado foi observada pelos réus na execução dos contratos administrativos 29, 30, 31 e 32 de 2013.

Além do superfaturamento dos preços que será demonstrada adiante, a compra de alguns medicamentos foi feita por valores superiores às estimativas apresentadas pelas empresas. A título de exemplo, a empresa MEDICOM apresentou orçamento do remédio NIFEDINA RETARD 20MG ao Município no valor unitário de R$ 0,23 (vinte e três centavos). Anote-se que esse valor já supera os R$ 0,07 (sete centavos) pagos no mesmo fármaco pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) em 12.000 comprimidos.

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Esse mesmo medicamento foi fornecido à municipalidade pelo valor também unitário de R$ 0,34 (trinta e quatro centavos) pela mesma empresa, a MEDICOM RIO FARMA. O sobrepreço em relação ao orçamento chega ao valor de R$ 33.000,00 e R$ 81.000,00 em relação ao valor unitário pago pelo INCA (v. Art. 15, V Lei 8.666/93).

Já a empresa NEWS DISTRILAB orçou o xarope AMBROXOL CLORIDRATO 6MG/ML no valor unitário de R$ 2,23 (dois reais e vinte e três centavos), mas forneceu o medicamento por R$ 2,44 (dois reais e quarenta e quatro centavos). A empresa também forneceu outros medicamentos por valores superiores ao orçamento como o ALBENAZOL, AMOXICILINA, FENORBARBITAL e NEOMICINA.

Como se demonstrará, o superfaturamento, nem de longe, foi o único vício nos contratos administrativos que estão sendo impugnados. Passa-se a analisar as ilegalidades do ajuste, não se podendo perder de vista que ação violadora do dever de legalidade e honestidade constitui ato de improbidade administrativa.

2.2 Da violação ao princípio da legalidade - Art. 11 “caput” da Lei 8429/92.

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer

ação ou omissão que viole os deveres de

honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento...”

Conduta que viola o princípio da legalidade constitui ato de improbidade administrativa, vejamos os dispositivos legais desrespeitados pelos 9


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réus no contrato de compras de medicamentos do ano de 2013 em São Pedro da Aldeia.

a. Dos Arts. 72, II c/c 73 da Lei Orgânica Municipal

Art. 72- Compete ao Prefeito Municipal, entre outras atribuições (...) II- representar o Município de São Pedro da Aldeia em Juízo e fora dele (...)

Art. 73- O Prefeito Municipal poderá delegar, por Decreto, a seus auxiliares, as funções administrativas previstas nos incisos IX, XV e XXIV do artigo 72 desta Lei Orgânica.

Apesar da expressa vedação legal, a representação do Município na celebração dos contratos 29, 30, 31 e 32 de 2013 se deu pela então Secretaria de Saúde, a ré ANALICE, sendo certo que a função caberia ao Prefeito Municipal, o réu CLÁUDIO CHUMBINHO.

Nítida

a

omissão

do

Chefe

do

Poder

Executivo

CLÁUDIO

CHUMBINHO ao permitir que funcionário subordinado sem atribuição o substituísse na representação do Município. ANALICE, de forma livre e consciente, usurpou a função indelegável.

b. Do Art. 15 da Lei 8666/93

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

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2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA – NÚCLEO ARARUAMA I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas; II - ser processadas através de sistema de registro de preços; III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado; IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade; V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública. § 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado

Como já mencionado, as empresas rés MEDICOM, NEWS DISTRILAB, ULTRAFARMA e MEDICAF forneceram fármacos ao Município de São Pedro por preço superior ao máximo permitido pela ANVISA. Os valores também estão bem acima do Banco de Preços em Saúde, disponível no site do Ministério da Saúde, que reúne informações de compras públicas e privadas de medicamentos e produtos para saúde.

O sistema BPS vem amparado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que em seu Art. 48, caput e II c/c Art. 48-A, I, prevê a disponibilização a qualquer cidadão de todas as despesas da Administração Pública da União, Estados e Municípios.

O citado Art. 15 da Lei 8666/93 já exigia, antes mesmo da instituição do BPS, que as compras realizadas pela administração, dentre outras coisas, deveriam 11


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ser balizadas por preços praticados no âmbito de órgãos e entidades públicas, além de ser precedida por “ampla pesquisa de mercado”.

A norma, por óbvio, visa impedir o desperdício de dinheiro público em contratações superfaturadas, muitas vezes celebradas apenas para formalizar relação jurídica preexistente entre colaborador extraoficial de campanha e político eleito.

No presente caso, os contratos superfaturados só tiveram vigência a partir de maio de 2013, não havendo notícias até então de sobra de remédios da gestão anterior (2009 a 2012) e nem de falta de medicamentos nas unidades de saúde de São Pedro da Aldeia no início do ano de 2013.

Ressalte-se que na compra de medicamentos no ano de 2013 nem a pesquisa de preços fraudada, como já mencionado, foi observado pelos agentes públicos ANALICE,

VANESSA, MOACYR e FELIPE, uma vez que as empresa

MEDICOM e a NEWS DISTRILAB forneceram medicamentos ao Município por preços superiores ao próprio orçamento.

c. Do Art. 40, X da Lei 8.666/93

Art. 40 – O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série manual, o nome da repartição interessada e de seu setor (...) e indicará obrigatoriamente o seguinte: X – o critério de aceitabilidade de preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos..

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O Art. 40, X da Lei 8666/93, aplicável aos pregões eletrônicos por força do Art. 9º da Lei 10520/02, veda a fixação de preços mínimos no edital. Todavia, ao mencionar a proposta de preço, o edital estabelece:

“ 6.2 - Não será admitida cotação inferior à quantidade prevista neste Edital”

Nota-se que os agentes públicos que representaram o Município nos contratos administrativos apenas se preocuparam em estabelecer preços mínimos de compras, não havendo nenhuma previsão ou preocupação com preços máximos, superfaturados.

d. Do Art. 67, §1º c/c Art. 73, II, “a” e “b” da Lei 8666/93.

“Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada

por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. § 1o O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados. Art. 73. Executado o contrato, o seu objeto será recebido: (...) II - em se tratando de compras ou de locação de equipamentos: a) provisoriamente, para efeito de posterior verificação da conformidade do material com a especificação;

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2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA – NÚCLEO ARARUAMA b) definitivamente, após a verificação da qualidade e quantidade do material e conseqüente aceitação.

Analisando a execução dos contratos administrativos nº 29 a 32 de 2013, vislumbra-se a inobservância da regra disposta acima. Não houve nomeação de servidor público efetivo para acompanhar e fiscalizar a execução contratual e nem preocupação com recebimento provisório, que visa justamente impedir a entrega de medicamentos em quantidade inferior à contratada.

Com efeito, é impossível identificar, dentro do processo administrativo, o agente público que teria recebido os medicamentos. As notas fiscais eletrônicas emitidas nas compras de medicamentos da MEDICOM apresentam, no campo “identificação e assinatura do recebedor”, apenas o nome RODOLFO (fls. 546 a 557 MP/RJ 2015.01255482).

Já nas notas fiscais eletrônicas referente às compras da empresa NEWS DISTRILAB acostadas às fls. 558 e 645 do MP/RJ 2015.01255482, nos valores respectivamente de R$ 152.102,50 e R$ 124.038,00, bem como nas notas eletrônicas dos medicamentos fornecidos pela MEDICAF (fls. 640 MP/RJ 2015.01255482), no valor de R$ 150.190,00, não há qualquer indicação do agente público que teria recebido os fármacos.

De acordo com relatório GATE/SAÚDE do MP/RJ datado de 26 de outubro de 2015, após análise técnica às unidades hospitalares municipais de São Pedro da Aldeia foi constatado que:

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“Não havia controle informatizado de estoques e lotes, sendo que os dados eram lançados em um livro de registro, que dependia de uma funcionária para o seu emprego e entendimento.” (fls. 03 do relatório)

O funcionário Luiz Gonzaga Sorrentino, responsável pelo almoxarifado, que atesta o recebimento dos medicamentos elencados nas notas fiscais de fls. 646 a 651, declarou ao Ministério Público “que algumas vezes o depoente checava a nota fiscal e o material que estava sendo entregue e percebia que o número de medicamentos que deveria ser entregues não correspondiam ao que efetivamente teria chegado naquela remessa” (...) “que se recorda que já houve situação em que pediram pro depoente atestar o recebimento de medicamentos que não foram entregues”.

Sobre a fiscalização da execução contratual, Marçal Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição, editora Dialética, pág. 560)

aduz:

“O dispositivo deve ser interpretado no sentido de que a fiscalização pela Administração não é mera faculdade assegurada a ela.”.

Para dissimular a fiscalização, a municipalidade apresenta modelo de “atestado de execução de contrato”, onde o suposto fiscal apenas a preenche marcando X na coluna “sim” ou “não”. Apesar disso, não há nenhuma disposição nos contratos nomeando fiscal da execução contratual.

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A única cláusula contratual que dispõe sobre a fiscalização refere-se a rescisão contratual. De acordo com a norma, o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar o contrato é cause de rescisão do pacto.

Para tentar sanar a ilegalidade, durante a execução do contrato e depois de substituir a ré ANALICE no cargo de secretária de saúde, a ré VANESSA MATALOBOS assina ofício endereçado ao então subsecretário de saúde Sr. Paulo Rozaes Júnior com o seguinte teor:

“Atendendo a determinação do TCE-RJ, à partir de 09 de maio de 2013, ficará sob a fiscalização e acompanhamento de V. Sa. o seguinte processo de nº 2677/13, oriundo do contrato de aquisição de medicamentos da farmácia básica (...) Isto posto V. Sa. deverá atestar a nota fiscal referente aos serviços prestados” (fls. 751 MP/RJ 2015.01255482)

Algumas observações merecem ser tecidas.

A primeira é que o ofício, que só foi juntado ao processo administrativo após alguns “atestados de fiscalização” subscrito pelo destinatário do mesmo, Sr. Paulo Rozaes Júnior, não foi datado.

Além disso, na data mencionada como suposto início da fiscalização, dia 09 de maio de 2013, a ré VANESSA não teria competência para determinar fiscalização nem nomear fiscal de contrato. Explica-se, dia 09 de maio de 2013 os 16


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contratos 29, 30, 31 e 32 de 2013 foram celebrados pela a ré ANALICE SILVA MARTINS, secretária de saúde e representante do Município. VANESSA MATALOBOS não tinha competência para atuar no procedimento em maio de 2013. Tal fato corrobora ainda mais a ausência de fiscalização idônea da execução do contrato.

Não passa despercebido também o primeiro “atestado de execução do contrato” subscrito pelo Sr. Paulo Rozaes Júnior referentes aos processos 2677/13 e 2989/13. O suposto “gestor/fiscal” do contrato atesta que

“...os serviços/fornecimento, constante na medição, referente ao período de 09 à 27/05/2013 e respectiva fatura, referentes ao contrato nº 31/2013, firmado entre a Secretaria Municipal de Saúde e a empresa News Distrilab Comercial e Cirúrgico Ltda foram executados de acordo com as especificações contratuais pactuadas entre as partes e dentro do padrão de qualidade aceito pela Administração” (fls. 700 MP/RJ 2015.01255482).

Entretanto, o atestado foi elaborado dia 09 de maio de 2013, data da celebração dos contratos 29 a 32 de 2013. Sendo impossível a fiscalização da execução do contrato na data de sua celebração, é ideologicamente falsa a declaração.

Também é mais um forte indício de fraude à licitação através de montagem do processo licitatório.

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A liberação da verba pública sem a devida fiscalização contratual e sem qualquer comprovação de que o serviço foi prestado em consonância com o interesse público é ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da legalidade e da eficiência e que também causa danos ao erário. Mas não é só.

e. Dos Arts. 70, caput, CRFB e 3º, XVII, da LC 63/90 – Do princípio da economicidade

CRFB - Art. 70. “A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.”

LC 63/90 - Art. 3º. “Compete, também, ao Tribunal de Contas: (...) XVIII - verificar a legalidade, legitimidade e economicidade das despesas, ou receitas, decorrentes de atos de aprovação de licitação, de contratos ou de instrumentos assemelhados...”

O princípio da economicidade se vincula à idéia de obtenção do melhor resultado estratégico possível na alocação de recursos financeiros, econômicos e/ou patrimoniais em um dado cenário socioeconômico

Ricardo Lobo Torres (in O Tribunal de Contas e o controle da legalidade, 18


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2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA – NÚCLEO ARARUAMA economicidade e legitimidade’’. Rio de Janeiro, Revista do TCE/RJ, nº 22, jul/1991, pp. 37/44.)

afirma que o ‘‘conceito de economicidade, originário da linguagem dos economistas, corresponde, no discurso jurídico, ao de justiça.” Corresponde a ‘‘eficiência na gestão financeira e na execução orçamentária, consubstanciada na minimização de custos e gastos públicos e na maximização da receita e da arrecadação’’. Por derradeiro, conclui que é, ‘‘sobretudo, a justa adequação e equilíbrio entre as duas vertentes das finanças públicas.’’.

Discorrendo sobre o princípio da economicidade, Marçal Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição, editora Dialética, pág. 54) ensina que:

“A Administração Pública está obrigada a gerir os recursos financeiros do modo mais razoável. O princípio da economicidade pode reputar-se também como extensão do princípio da moralidade. Significa que os recursos públicos deverão ser administrados segundo regras éticas, com integral respeito à probidade (...) Mas a economicidade significa, ainda mais, o dever de eficiência. Não bastam honestidade e boas intenções para validação de atos administrativos. A economicidade impõe a adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos.”.

No presente caso, os recursos públicos foram dispendidos após licitação fraudada, por preços superfaturados e sem a devida preocupação dos agentes públicos com a efetiva entrega dos medicamentos.

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f. Das normas incriminadoras. Art. 299 do Código Penal, Arts. 90 e 92 da Lei 8666/93

Lei 8.666/93 Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.

Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei.

Código Penal Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte

As condutas praticadas de forma livre, voluntária e consciente pelos réus da presente ação civil pública se subsumam, em tese, também às normas penais incriminadoras prevista na própria lei de licitações. 20


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Conforme exposto, o direcionamento de licitação mediante consistente montagem de processo, inserções de declarações falsas como a simulação de pesquisa de preço de mercado, associado a especial fim de agir caracterizado pelo intuito de obter vantagem para si ou para outrem é vedado pela norma penal especial.

Dar causa a vantagem ilegal pelo adjudicatário através da celebração de contratos superfaturados também se adequa tipicamente, em tese, ao crime previsto no Art. 92 da Lei 8666/93.

Do mesmo modo, fazer inserir declaração falsa atestando que determinado contrato foi executado e fiscalizado de forma correta em data anterior ao início da execução somado ao especial fim de agir consubstanciado em simular fiscalização, caracteriza, em tese, crime de falsidade ideológica.

Mesmo raciocínio se pode ter na simulação de presença de representante de empresa em pregão presencial, questão já combatida anteriormente.

Houve, desta forma, grave violação ao dever de legalidade previsto no Art. 11 da LIA. Além disso, vejamos as previsões dos Art. 10, II, V, VIII e IX da Lei 8429/92 sobre atos de improbidade que lesam o erário.

2.3 Do Art. 10, incisos V, VIII, XI e XII da Lei 8429/92

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, 21


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2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA – NÚCLEO ARARUAMA desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e, notadamente...: V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;... VIII – frustrar a licitude de processo licitatório... XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para sua aplicação irregular; XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente.”.

As condutas praticadas pelos réus da presente ação civil pública se amoldam em todos os incisos mencionados.

Agindo com consciência e vontade, os réus CLÁUDIO CHUMBINHO, ANALICE, MOACYR, FELIPE e VANESSA: 1. permitiram que o Município adquirisse bem por preço superior ao de mercado; 2. ignoraram a regra da economicidade; 3. frustraram a licitude do processo licitatório, e; 4. liberaram verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes.

Do mesmo modo, houve facilitação para o enriquecimento sem causa das pessoas jurídicas rés da presente ação civil, sendo elas beneficiadas com atos de improbidade.

As sociedades, através dos órgãos de administração e representação convencional, concorreram de forma efetiva para a vantagem ilegal, durante o procedimento licitatório, retirando o edital, fazendo propostas, entregando documentação de habilitação e participando do pregão presencial nº 02/13. 22


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Os valores pagos pelo Município na aquisição de quase a totalidade dos fármacos é bem superior ao preço do fornecimento dos mesmos medicamentos ao Ministério da Saúde, aos órgãos e hospitais da União e a Municípios do Estado que registram suas compras no banco de preços de saúde, de acordo com a lei nacional de acesso à informação (12527/11).

Utilizando como exemplo apenas os remédios nifedipina retard 20mg, fluoxetina 20mg, cloridrato de sertralina 50mg, captopril 25mg e soro fisiológico (cloreto de sódio) 0,9%, bolsa 500ml, vislumbra-se sobrepreço de R$ 233.200,00 (duzentos e trinta e três mil e duzentos reais). No total, em 75 medicamentos o superfaturamento em relação ao banco de preços em saúde atinge o valor de R$ 508.856,00 (quinhentos e oito mil reis, oitocentos e cinquenta e seis reais).

Visto isso, passa-se a análise do elemento subjetivo da conduta de cada um dos legitimados passivos.

2.4 Do elemento volitivo (dolo ou culpa).

Os réus ANALICE, MOACYR, VANESSA e FELIPE, agentes públicos, deram início e prosseguimento ao procedimento licitatório, bem como a execução do contrato. Todos agiram voluntariamente e com consciência das gritantes irregularidades da contratação, como ausência de pesquisa idônea de preços e estimativa de quantidade, fraude documental e o superfaturamento.

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Ao fazer o pedido de material, os réus ANALICE e MOACYR usaram como “fonte de consulta” uma planilha com média de preços realizada dias antes da apresentação do orçamento pelas 3 empresas, sendo que duas delas venceram a licitação e venderam medicamentos ao Município por valor superior ao orçado.

A ré VANESSA, de forma livre e consciente, criou espécie de “fiscalização retroativa”, ao determinar, em data não precisa, que o subsecretário Paulo Rozaes Júnior fiscalizasse o contrato a partir de 09 de maio de 2013, data anterior a sua gestão na secretaria de saúde, dia da celebração do contrato e também da “efetiva” fiscalização retroativa.

Nesta mesma data o funcionário Paulo Rozaes Júnior insere declaração ideologicamente falsa em documento público ao atestar o fornecimento de medicamento usando como referência período futuro (09 a 27 de maio de 2013).

O réu FELIPE, pregoeiro nomeado, presidiu o pregão presencial e insere declaração falsa na ata ao narrar a presença de representante de empresa cuja assinatura não corresponde a nenhuma constante do ato. Também existiram claras irregularidades na documentação de identidade e representação das participantes. Apesar disso, o pregão foi validado e o objeto foi adjudicado.

Citando mais uma vez Marçal Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição, editora Dialética, pág. 54):

“A economicidade consiste em considerar a atividade administrativa sob prisma econômico. Como os recursos públicos são escassos, é imperioso que 24


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sua utilização produza os melhores resultados econômicos, do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Há dever de eficiência gerencial que recai sobre o agente público. Ele tem o dever de buscar todas as informações pertinentes ao problema enfrentado.”.

Nem de longe o dever de eficiência gerencial foi observado pelos gestores da res publica.

O desrespeito à norma de organização do Município e a inobservância de qualquer cautela na gestão da coisa pública configura, respectivamente, ação e omissão culposa do réu CLÁUDIO CHUMBINHO, principal ordenador das despesas pública e que deveria ser o único representante do Município na celebração de contratos, havendo grave violação do dever objetivo de cuidado.

As verbas referentes ao superfaturamento do contrato poderiam ser empregadas, por exemplo, na aquisição de geladeiras para armazenamento de medicamentos no setor de Farmácia, na criação de UTI, UI neonatal ou de centro cirúrgico.

Interessante

destacar

que

os

réus

CLÁUDIO

CHUMBINHO,

VANESSA, ANALICE, MOACYR e FELIPE, gestores e funcionários públicos do Município de São Pedro da Aldeia tem plena ciência da notória deficiência do sistema público de saúde municipal. Apesar disso, praticaram atos de improbidade administrativa impedindo que a despesa pública fosse realmente direcionada às reais necessidades da população, recolhedora de tributos.

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Nessa esteira, ressalte-se que o único centro cirúrgico do Município de São Pedro da Aldeia se situa dentro do hospital Missão de São Pedro (ou Maternidade da Aldeia - CNPJ 32103673/0001-63), que não pertence a rede pública municipal e notoriamente só possui condições para receber pequenas cirurgias e cesarianas.

A carência do sistema de saúde pública de São Pedro da Aldeia foi constatada em recente (outubro 2015) fiscalização técnica do Ministério Público Estadual nas unidades de saúde da municipalidade. As deficiências estão bem delineadas no relatório, apesar de, nem de longe, serem exaustivas. (v. relatório do Grupo de Apoio Técnico Especializado – GATE, realizado no bojo do IC 004/2007)

No documento, os médicos da equipe técnica do “parquet” consignaram que o “Município de São Pedro da Aldeia não tem atendido à legislação competente, no que concerne à adequação dos equipamentos, estrutura, gestão, instalações e recursos humanos das unidades de tratamento hospitalar municipal, como já apontado nos relatos do COREN e CREMERJ e da vigilância e nas vistorias do MP...”.

Ao que parece o descumprimento da lei e o descaso com erário é costume dos réus gestores da saúde pública de São Pedro da Aldeia.

As empresas MEDICOM, NEWS DISTRILAB, ULTRAFARMA e MEDICAF, que atuam através dos órgãos de administração e representantes, tinham plena consciência da fraude licitatória, da venda superfaturada, em alguns casos em relação ao próprio orçamento, e agiram voluntariamente visando o lucro, o 26


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enriquecimento sem causa em prejuízo aos cofres públicos. Houve, sem dúvida, dolo de aproveitamento da prática de ato de improbidade administrativa.

3. CONCLUSÃO

Face ao exposto, conclui-se que:

. os réus são partes legítimas para demanda nos termos dos Arts. 1º a 3º da Lei 8429/92; . os réus praticaram, concorreram e foram beneficiados pela prática de

ato

de

improbidade

administrativa

consistente

no

superfaturamento de compra de medicamentos, na frustração de procedimento licitatório e na liberação de verba pública sem a observância das normas cabíveis; . os atos se amoldam às previsões do Art. 10, V, VIII, XI e XII e 11, caput e I da Lei 8429/92; . todos agiram de forma livre e voluntária, possuindo plena consciência das irregularidades e superfaturamento, estando presente também na conduta dos réus o dolo de aproveitamento, consistente na vontade livre de enriquecer ilicitamente em detrimento do erário; . os atos de improbidade administrativa praticados pelos réus causaram danos ao erário no valor de R$ 210.413,57 (duzentos e dez mil, quatrocentos e treze reais);

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4. DA INDISPONIBILIDADE DE BENS (Art. 7º da Lei 8429/92)

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do

indiciado. Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Com base no dispositivo acima citado, tendo o ato praticado causado lesão ao erário no valor de R$ 210.413,57 (duzentos e dez mil, quatrocentos e treze reais conforme os elementos de investigação colhidos em sede de inquérito civil (fumus boni iuris), necessária se faz a medida cautelar de INDISPONIBILIDADE DE BENS dos réus Cláudio Vasques Chumbinho dos Santos, A nalice Silva Martins, Moacyr Torres Júnior, Felipe Novaes dos Santos, Vanessa Pinheiro Vidal Matalobos, Márcio Luiz Gomes Pereira, Julio Cesar Félix Alves, Marcos Venicios Rossi, Ernani Amaral Garcia, Rosimere Aguiar Rodrigues Garcia, Isabela Rodrigues Garcia, Marco Antônio Garcia Malheiros, Carlos Henrique Bastos Coelho e Helton Felix Ribeiro para garantia da devolução aos cofres públicos desse valor integrante do patrimônio público liberado ao arrepio da legislação (periculum in mora). Para efetivação da medida em caso de deferimento, requer-se, desde já a comunicação aos órgãos de praxe.

5. DA BUSCA E APREENSÃO DE DOCUMENTOS

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Como narrado acima, as fraudes e ilegalidades na compra de medicamentos foram realizadas através dos procedimentos administrativos 2677, 2689, 2692 e 2693/2013 e também do 4395/14.

Assim, REQUER o MP a BUSCA E APREENSÃO DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS 2677/2013, 2689/13, 2692/2013 e 2693/13 na Rua Marquês da Cruz, nº 61 e 143, Centro de São Pedro, sedes, respectivamente, da Prefeitura Municipal e da Controladoria Geral do Município, bem como na Avenida Getúlio Vargas, nº 354 Centro, sede da Secretaria de Saúde do Município.

6. DO PEDIDO

Tendo em vista a prática de ato de improbidade administrativa, requer o Ministério Público:

6.1.

A notificação dos réus para apresentarem manifestação por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do Art. 17, §7º Lei 8429/92;

6.2.

Em caso de recebimento da inicial, a citação dos réus (v. Arts. 17, §3º Lei 8429/92 c/c 6º, §3º da Lei 4717/65)

para oferecimento de resposta

no prazo legal, sob pena de revelia; 6.3.

O deferimento da BUSCA e APREENSÃO DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS 2677/2013, 2689/13, 2692/2013 e 2693/13;

6.4.

O deferimento da liminar de indisponibilidade de bens dos réus, tendo em vista a presença dos requisitos legais;

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6.5.

A procedência do pedido para condenar os réus Cláudio Vasques Chumbinho dos Santos, Analice Silva Martins, Moacyr Torres Júnior, Felipe Novaes dos Santos, Vanessa Pinheiro Vidal Matalobos, MEDICOM, NEWS DISTRILAB, ULTRAFARMA e MEDICAF pela prática e benefício de atos de improbidades administrativa às seguintes sanções: - ressarcimento integral do dano, ou seja, R$ 508.856,00 (quinhentos e oito mil reais, oitocentos e cinquenta e seis reais), com a devida atualização monetária; - multa civil de até duas vezes o valor do dano - perda da função pública; - suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos;

6.5

A condenação dos réus no ônus da sucumbência, a serem revertidos ao Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral de Justiça, nos termos da Resolução PGJ/RJ nº 671/95

Em provas, protesta-se pelo depoimento pessoal dos réus e produção de prova documental superveniente.

Dá-se a causa o valor de R$ 210.413,57 (duzentos e dez mil, quatrocentos e treze reais).

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