Revista Conceitos | nº 19 | Dezembro 2013

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ma psitacismo lógico é um funcionamento literal que está abaixo da Arte combinatória de Leibnitz que, por sua vez, faz surgir um novo sentido, um resultado inesperado. O que releva Chaslin nessa linguagem de papagaio, é que existe, segundo ele, uma linguagem puramente automática. Pode-se supor então que ele adota uma perspectiva mecanicista. No entanto, o interesse que ele concede ao “mecanismo psicológico das operações da matemática pura”27 orientam seu olhar para uma outra direção. Com efeito, o psitacismo é um termo recoberto pelo de discordância entre a função literária e o sentido. O psitacismo se manifesta no domínio da patologia como uma disfunção do ato da palavra, mas no domínio da lógica simbólica ele é da ordem da invenção matemática, a forma anterior ao sentido. O ENIGMA DO OBJETO MATEMÁTICO Um antigo desejo, uma preocupação que ele julga intempestiva, porque “não compreendida por ninguém”28 leva Chaslin a querer conhecer a natureza exata das operações matemáticas. Essa reflexão, de longa data, vai levar à publicação, pouco antes de sua morte, de alguns artigos e uma obra sobre as matemáticas29. A intenção confessa é de examinar “o que se pode tirar, do ponto de vista psicológico das definições que foram dadas à ciência matemática”30. Ele espera atualizar “o raciocínio procurando nas fórmulas abstratas da lógica as operações realmente feitas pela mente”, compreender o modelo do funcionamento normal, e assim poder encontrar “a fórmula rigorosa exprimindo o funcionamento concreto da mente”31. O estudo do modo operatório da matemática forneceria então um modelo ideal de pura racionalidade que ele espera encontrar na figura do matemático. Assim como Edmond Goblot32, uma de suas principais referências, ele aproxima a lógica à psicologia. Seu interesse pelas matemáticas e pela clínica convergem aqui apesar de seus aspectos aparentemente distintos. Elas são, na

verdade, as duas faces de um mesmo problema, dois campos de investigação que focalizam um real enigmático recoberto pela noção de psitacismo. O pensamento matemático de vanguarda, o qual ele se confronta, interpela-o pela estranheza do que pode ser seu “conteúdo real”. Ele conclui: “psicologicamente (...) a representação, nesse caso, é puramente constituída pelos símbolos e o jogo desses símbolos, com esse sentimento especial de “compreender” que acompanha as palavras familiares. O matemático que se dedica à análise se ampara inteiramente sobre esses símbolos e esquece sua significação de operações intelectuais efetuadas primitivamente sobre as coleções concretas dos objetos. Conduzido por essa tendência natural, ele não mais se inquieta em saber se esses símbolos representam verdadeiramente qualquer operação real.”33 Assim, como o louco, o matemático luta contra o conteúdo vazio da letra; existe ali o emprego de uma linguagem fora de sentido. No entanto, P. Chaslin não faz uma aproximação explicita entre as duas. Ele só fez uma referência discreta, por um lado, quando evoca a crença dos matemáticos nos “seres matemáticos” 34, tais como os cantorianos que acreditavam no infinito atual e nos transfinitos e, por outro lado, quando ele faz referência ao sentimento de estranheza compartilhado entre o matemático e o psicastênico. A respeito desta crença dos matemáticos, P. Chaslin, assim como Louis Rougier, retoma o que ele chama de “sentimento de objetividade” ou “sentimento de estranheza”, que ele considera próximo do sentimento do “mistério místico”35. Ele questiona esta forma de crença do matemático em “seres matemáticos” e se pergunta como funciona esse pensamento simbólico. P. Chaslin, empirista, critica esses matemáticos que acreditam nos objetos que fabricam. É o que L. Rougier chama o processo psicológico, que resulta no realismo em matemática36, oferecendo-lhe um ponto de apoio consistente. As interrogações de P. Chaslin, Pierre Bou-

26.Cotard L., op. cit., p. 13. 27.Chaslin P., “Algumas palavras sobre a ideia de limite matemático considerado do ponto de vista psicológico”, op. cit., p. 673-694. 28.Chaslin P., Ensaio sobre o mecanismo psicológico das operações de matemática pura, op. cit., p. 6. 29.Cf. artigos e obras supra-citadas. 30.Lantéri-Laura G., Gros M., op. cit., p. 104. 31.Chaslin P., « “O raciocínio por recorrência e o rigor em matemática do ponto de vista psicológico”, op. cit., p. 120. 32.Goblot E., Traité de logique (NT: Tratado de logica), Paris, Armand Colin, 1941. 33.Chaslin P., “Ensaio sobre o mecanismo psicológico das operações de matemática pura”, op. cit., p. 79. 34.Ibid., p. 80. 35.Ibid., p. 240. 144

Conceitos - N. 19, Vol. 2 (Dez. 2013)

ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN


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