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para os meus pais



PROVA FINAL PARA LICENCIATURA EM ARQUITECTURA FAUP, ano lectivo de 2007/2008

VolumeI

...um limite, uma prisão na Memória – entre o isolamento e a reinserção

Trabalho realizado por

Adriano Ricardo dos Santos Reis



Docente acompanhante:

Arquitecto Adalberto Dias Estรกgio realizado entre Setembro de 2006 e Maio de 2007 no Atelier A. sob a responsabilidade do

Arquitecto Joaquim Massena



Lâminas Desenhadas

Lâmina 01_Desenho 00/21 | lugar - situação actual (levantamento cotas e toponimia) [escala 1:2000] Lâmina 02_Desenho 01/21 | implantação e ideia de requalificação urbana envolvente [escala 1:2000] Lâmina 03_Desenho 02/21 | planta do conjunto - piso térreo [escala 1:2000] Lâmina 04_Desenho 03/21 | planta do conjunto - piso 1 [escala 1:2000] Lâmina 05_Desenho 04/21 | perfis do conjunto [escala 1:2000] Lâmina 06_Desenho 05/21 | planta do piso da cave - cota 0.50 [escala 1:350] Lâmina 07_Desenho 06/21 | planta do piso térreo - cota 7.50 [escala 1:350] Lâmina 08_Desenho 07/21 | planta do piso 1 - cota 12.00 [escala 1:350] Lâmina 09_Desenho 08/21 | piso guardas, isolamento, segurança e coberturas [escala 1:350] Lâmina 10_Desenho 09/21 | planta tipo da unidade de reclusão - a partir da cota 23.25

[escala 1:200]

Lâmina 11_Desenho 10/21 | alçados interiores da galeria de distribuição da unidade de reclusão [escala 1:200] Lâmina 12_Desenho 11/21 | corte aa’ - corte longitudinal pelos espaços de trabalho [escala 1:350] Lâmina 13_Desenho 12/21 | corte bb’ - corte transversal pelas celas [escala 1:350] Lâmina 14_Desenho 13/21 | corte cc’ - corte transversal pela escada de serviço [escala 1:350] Lâmina 15_Desenho 14/21 | alçados do edifício de reclusão e comum [escala 1:700] Lâmina 16_Desenho 15/21 | pormenorização do átrio de admissão [escala 1:150] Lâmina 17_Desenho 16/21 | pormenorização da escada [escala 1:25] Lâmina 18_Desenho 17/21 | pormenorização do muro [escala 1:150] Lâmina 19_Desenho 18/21 | pormenorização da cela tipo - planta [escala 1:25] Lâmina 20_Desenho 19/21 | pormenorização da cela tipo - cortes [escala 1:25] Lâmina 21_Desenho 20/21 | pormenorização da porta da cela tipo [escalas 1:15]

Índice

Lâmina 22_Desenho 21/21 | pormenorização da caixilharia tipo [escalas 1:15 e 1:5]

Volume I

...um limite, uma prisão na Memória – entre o isolamento e a reinserção. I.

003

I.1

O nascimento da prisão

005

I.2

Opção temática, objecto, objectivo e metodologia

007

II.

Análise histórica e tipológica

011

III.

O panorama prisional português

053

IV.

Pensar a prisão

097

IV.1 Uma reflexão sobre o projecto

099

IV.2 Os lugares e as motivações

101

IV.3 As motivações para o lugar

105

IV.4 O programa

111

IV.5 A proposta

115

Uma conclusão ou algumas dúvidas?

181

V.

Volume II

Abstract

VI. Bibliografia

189

VII. Proveniência das imagens

197

VIII. Abreviaturas

201

IX. Agradecimentos

203

X.

206

Nota final

Percursos – documentos de trabalho, escritos e desenhados.


...um limite, uma pris茫o na Mem贸ria


Solitário convento onde ninguém 001 A silenciosa cela procurou!1

1

Florbela Espanca “Em Vão” in Sonetos, p. 178


Abstract



...um limite, uma prisรฃo na Memรณria | 004 01_

N. Andry - A Ortopedia ou a Arte de Prevenir e Corrigir, nas crianรงas, as Deformidades do Corpo, 1749


O nascimento da prisão 005 A prisão define um estado de reclusão. No fundo propõe o isolamento de um indivíduo perante o outro, tendo por base um princípio de protecção – da sociedade perante o mal – ou de punição – do recluso devido aos seus actos. Para se perceber o conceito base deste edifício é importante analisar o exemplo do recolher obrigatório numa cidade, acção que procura controlar os seus movimentos internos na tentativa de evitar que a crise atinja um número elevado de cidadãos. Esta atitude era frequente no século XVII, quando uma cidade empestada era fechada ao exterior, não sendo permitida a entrada e/ou a saída desse limite urbano e cada rua e quarteirão era colocado sob vigilância, para desta forma controlar a população, que era obrigada a manter-se fechada em suas casas sob pena de morte. “O olhar está à alerta em toda a parte. Um corpo de milícia considerável […] para vigiar todas as desordens, roubos e pilhagens. […] Todos os dias o síndico passa na rua por que é responsável, pára diante de cada casa, manda colocar todos os moradores às janelas, […] chama cada um por seu nome e informa-se do estado de todos, um por um.”2 Este princípio de vigilância é em tudo semelhante ao princípio de um edifício prisional, ou seja, o cidadão e o doente são físicamente separados, para que cada um receba o tratamento necessário – o primeiro sendo controlado e afastado da doença para assim não a contrair e o segundo sendo tratado no sentido da sua cura. O edifício prisional surge então como um instrumento de reclusão, já que possibilita o controlo do espaço da exclusão e do castigo, onde é imposto um esquema disciplinar rígido ao recluso, possibilitando ao mesmo tempo o seu isolamento perante a sociedade, na tentativa de evitar que este intervenha, prejudique e a contagie de forma negativa.

2

FOUCAULT 1987, p. 163


No entanto, neste âmbito, a disciplina assume um papel fundamental para uma gestão e sucesso do funcionamento interno de um edifício prisional. Michel Foucault no seu livro “Vigiar e Punir – o nascimento da prisão” faz uma síntese sobre as várias formas de disciplinar o corpo e mente do indivíduo, utilizadas na educação, nas actividades militares e laborais e na religião. Na sua dissertação, Foucault descreve operações que passam pela organização e delimitação do espaço através do desenho da cerca; a organização e funcionalidade dos espaços da clausura e da disciplina; a gestão das actividades diárias conseguidas pela organização dos horários e das rotinas; a distribuição das tarefas e obrigações do trabalho individual e colectivo e das complexidades a eles inerentes e fala-nos da importância do poder da vigilância e do poder das regras institucionalizadas. Todo este processo de educação culmina no exame final como síntese de um percurso disciplinador e prova concreta do papel da disciplina enquanto forma positiva de aumentar as capacidades físicas e intelectuais de um indivíduo. O espaço e as tarefas, organizadas e cúmplices, permitem à disciplina que “adestre as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos para uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas […]. A disciplina fabrica indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objectos e como instrumentos de seu exercício. Não é um poder triunfante […], é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada,

...um limite, uma prisão na Memória | 006

mas permanente.”3 É este então o grande objectivo dos espaços prisionais, como reforçou Goffman: “a prisão é um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos, separados da sociedade, por um período de tempo considerável e proporcional ao seu crime, levam em conjunto uma vida fechada e formalmente administrada,”4 pressupondo que o indivíduo, fechado na prisão, edifício que materializa o limite, ponha em prática actividades que lhe são impostas, diariamente, segundo regras e horários rígidos, com o objectivo concreto de construir uma nova realidade social, inerente à reclusão, mas que procura a reeducação do indivíduo e a sua reintegração na sociedade exterior. “A ordem que deve reinar nas cadeias pode contribuir fortemente para regenerar os condenados; os vícios da educação, o contágio dos maus exemplos, a ociosidade originaram crimes. Pois bem, tentemos fechar todas essas fontes de corrupção; que sejam praticadas regras de sã moral nas casas de detenção; que, obrigados a um trabalho de que terminarão gostando, quando dele recolherem o fruto, os condenados contraiam o hábito, o gosto e a necessidade da ocupação; que se dêem respectivamente os exemplos de uma vida laboriosa; ela logo se tornará uma vida pura; logo começarão a lamentar o passado, primeiro sinal avançado de amor pelo dever. A pena de detenção pronunciada pela lei tem principalmente por objectivo corrigir os indivíduos […], prepará-los para retomar o seu lugar na sociedade.”5 Este será então o seu exame final.

Idem, p. 143 3 GONÇALVES 1999, p. 74 4 FOUCAULT 1987, p.197 5


Opção temática, Objecto, Objectivo e Metodologia Esta breve abordagem aos conceitos inerentes ao edifício prisão representa o mote para a breve explicação que irei neste primeiro capítulo, clarificando o porquê do desenvolvimento de um projecto nesta prova final, em alternativa a um trabalho exclusivamente teórico, ao mesmo tempo que procuro introduzir o tema escolhido para este trabalho. O quarto ano de licenciatura, que tive a oportunidade de realizar na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, foi, indiscutivelmente, o ano mais importante do meu percurso académico, aliás, como reforçou o arquitecto Adalberto Dias numa das aulas de Projecto IV: “O quarto ano é quase uma préprofissionalização”, dada a sua proximidade com a real complexidade da fascinante prática do desenho de projecto e a sua conciliação com a história e a teoria da arquitectura. Esta constatação fez-me perceber que, independentemente da forma como a minha actividade profissional se irá desenvolver após a licenciatura, esta prova final iria ter como objectivo o desenho de um projecto, na tentativa de construir uma a reflexão sobre os percursos desenvolvidos ao longo de um projecto, as decisões tomadas, as influências da história e da teoria, as dificuldades encontradas ao longo do processo de trabalho. No fundo a síntese do meu percurso projectual, que seja, simultaneamente, o reflexo de um percurso académico. A escolha do tema foi já uma fase do trabalho inserido nesta prova final, visto que na primeira reunião que tive a oportunidade de realizar com o orientador deste trabalho sugeri um tema que viemos a concluir 007 que não reunia dimensão programática nem histórica para o âmbito da prova final. Este foi no fundo o ponto de partida para um conjunto de reuniões que suscitaram uma investigação de temas relacionados com o projecto de raiz ou de reabilitação e que veio a culminar no tema final desta prova – ...um limite, uma prisão na Memória – entre o isolamento e a reinserção. Este surgiu devido à sua actualidade e pertinência visto estar em discussão, um pouco por toda a Europa, o verdadeiro papel da instituição prisional e das suas funções enquanto edifício, que originou várias acções reformistas das leis prisionais actualmente em função, bem como, e mais relacionado com esta prova, na reabilitação e construção de vários estabelecimentos prisionais. Por outro lado, este programa representa um desafio pela forma como se organiza, já que se inverte o sentido de “público” que um edifício desta dimensão deveria possuir, sendo o seu principal objectivo fechar-se para a cidade, procurando isolar os seus habitantes do exterior e construir uma nova realidade social no seu interior, também ela fechada e controlada. O objectivo desta prova será então a procura da síntese que esta fase académica exige, procurando por um lado continuar a aprender através desta possibilidade de confronto de ideias com o orientador desta prova e, por outro lado, perceber quais são as minhas capacidades enquanto futuro arquitecto. Ao mesmo tempo procuro trazer à discussão um tema actual, levantando novas questões e, simultaneamente, procurando novas soluções através da arquitectura, ela que tem o poder de organizar o espaço e introduzir novos princípios de reabilitação, reinserção e recuperação neste edifício, princípios fundamentais para um funcionamento correcto deste programa, cujo principal objectivo é o de reeducar o recluso e devolvê-lo à sociedade.


...um limite, uma pris茫o na Mem贸ria | 008


A arquitectura prisional é um tema que, infelizmente, não pode ser esquecido, já que “se conhecem todos

6 7

Idem, p. 196 DIAS 1994, p. 5

os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não inútil. E, entretanto, não vemos o que por em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão.”6

Este trabalho irá desenvolver-se em duas partes distintas, uma primeira que suportará um estudo teórico sobre o objecto desta prova e, uma segunda parte, onde se tentará desenvolver uma proposta prática para um edifício prisional a implantar no concelho de Matosinhos. A investigação teórica desta prova final irá ter como objectivo principal a reunião de informação que possibilite um enquadramento histórico-tipológico do edifício prisional, a um nível nacional e internacional, para assegurar uma abordagem mais segura perante o projecto que me proponho realizar como conclusão desta prova. Os textos, imagens e lâminas desenhadas que o compõem surgem associados entre si, não existindo qualquer tipo de imposição na sua leitura, relação ou interpretação. “Leia-se tudo como se queira e se possa, e utilize-se as imagens ou pistas que interessem.”7

009


An谩lise hist贸rica e


tipol贸gica


...um limite, uma pris茫o na Mem贸ria | 012


O tema da arquitectura prisional pode ser dividido em dois grandes momentos históricos: um anterior e 013 outro posterior à Revolução Francesa. No primeiro procurava-se apenas construir o espaço que isolasse o criminoso perante a sociedade, enquanto que no segundo, a que Rui Abrunhosa Gonçalves chama “advento do século XVIII”, existiu uma constante procura de humanizar o sistema penitenciário, esforço reforçado por personagens como John Howard, Montesquieu e Beccaria, que transportaram para este tema um sentido de respeito pelo prisioneiro. Nesta pequena abordagem histórica tentarei sintetizar e relacionar estes dois momentos, evidenciando as suas principais características e diferenças, procurando perceber a evolução do pensamento punitivo e das formas da arquitectura prisional. A história da arquitectura prisional permite perceber as atitudes relacionadas com o crime e com a sua punição, o carácter mais ou menos humano das sociedades e o próprio funcionamento de uma civilização. A referência a um primeiro espaço prisional surge associado ao Antigo Império Egípcio, no livro A vida no antigo Egipto de Dominique Valbelle: “[...] não nos legaram, que se saiba, arquivos respeitantes à população trabalhadora […] apenas os prisioneiros de guerra conservavam, por diversas vezes, a sua imagem simbólica e os seus efectivos gravados na pedra.”8 A personagem do prisioneiro surge associado aos militares capturados em tempo de guerra, bem como trabalhadores e desertores, aos infractores, devedores, ladrões ou criminosos que eram: “[…] encarcerados, após julgamento (que era presidido pelo Faraó), na Grande Prisão e reduzidos a um estado muito próximo da escravatura, pois podiam ser legados por herança, cedidos ou vendidos.”9 Ao longo da civilização egípcia sabe-se que os prisioneiros, foram elementos fundamentais para a construção do Império trabalhando, na sua maioria, como escravos na construção de muitos dos centros habitacionais, como é o caso da capital Mênfis, na edificação das pirâmides e seus complexos funerários ou

8 9

VALBELLE 1988, p. 31 Idem


02a

...um limite, uma prisão na Memória | 014

02b

03a

03b

03c

02a

Sócrates no leito de morte, Jacques-Louis David, 1787

02b

Prisão junto ao ágora de Atenas

03a

destino, de um gladiador derrotado, decidido pelo público Gladiator with Thumbs Down, Jean Leon Gerome, 1872

03b,c e d

Ludi Gladiatóri do Coliseu de Roma

03d


ainda no simples cultivo das terras e na construção e manutenção das redes de rega que possibilitavam a agricultura organizada do Antigo Egipto. Estas são algumas das características do estrato social associado aos prisioneiros e escravos desta civilização, bem como a forma como se organizava o poder legislativo. No entanto, não existem dados suficientes que possibilitem uma descrição fundamentada do espaço dedicado à prisão, a não ser que era um edifício colectivo onde eram encarcerados todos os prisioneiros, sem qualquer estratificação social ou judicial (característica que se vai manter até ao Iluminismo), não sendo possível perceber as suas características formais e estratégia de implantação. O espaço prisional na cultura antiga grega e romana têm, entre si, uma estratégia de implantação semelhante: encontravam-se ambos junto ao centro político, participando na sua organização. No caso grego localizava-se junto ao ágora, como é exemplo a prisão de Atenas, que se constrói próxima dos tribunais atenienses, onde se prevê que tenha estado preso o filósofo Sócrates, antes da sua execução: “Cena: Uma cela, na prisão de Atenas; Sócrates- Admira-me que o guarda da prisão te haja atendido; Críton- Ele já se acostumou comigo, Sócrates, de tanto eu frequentar este lugar.”10 Este espaço assemelha-se às futuras masmorras medievais, sendo construído ao nível da cave e num lugar sombrio e escuro. As aberturas que existiam eram fechadas com gradeamento de ferro e os prisioneiros eram acorrentados para impossibilitar a sua fuga. Em relação ao edifício prisional romano sabe-se, através do tratado de Vitrúvio, que “[...] o tesouro 015 público, a prisão e o palácio da cidade devem estar sobre a Praça de tal forma que a sua dimensão seja proporcionada com a da Praça”. No entanto não existe qualquer referência às características formais desta, mas podemos perceber as preocupações arquitectónicas e urbanísticas a ela associada, possivelmente, pelo seu valor legislativo. Outro espaço cujas características formais são importantes para a percepção do espaço de enclausura romano é aquele dedicado ao fechamento dos escravos e dos gladiadores. As primeiras construções dedicadas a esta função caracterizavam-se por ser autênticos “buracos” no solo, intitulados de ergástulos, que Juan Manuel de Prada descreve como sendo: “[...] cuchitril inmundo donde vivían los esclavos, rebozados en la mugre de sus proprias defecaciones, como bestias aguardan el alivio de la muerte.”11 Estas masmorras destinadas a fechar, conjuntamente, os escravos condenados a trabalhos forçados, situavam-se nas villae romanas e caracterizavam-se por não ter qualquer abertura, maximizando o factor de segurança, sendo a entrada de luz e ar quase inexistente e o seu espaço era de tal forma exíguo que quem nelas se encontrava encarcerado dificilmente conseguia movimentar-se, impossibilitando desta forma qualquer tentativa de fuga. Os gladiadores faziam também parte da classe dos escravos romanos estando, no entanto, condenados a treinar para combater e morrer na arena dos coliseus romanos. Esta comunidade era aprisionada nas chamadas ludi gladiatóri, escolas para gladiadores que se caracterizavam por serem recintos fechados, compostos por alas de celas conjuntas, geralmente com um piso, onde todos eram encerrados de forma colectiva.

10 11

BRUNA 2006 PRADA 2001


...um limite, uma pris찾o na Mem처ria | 016

04b

04a

04a

Mercado de panos, Ypres, 1200

04b

Pallazo del Broletto, Como, 1251

05

Pris찾o ideal, Filarete

05


Apesar de serem escravos, os gladiadores eram tratados com alguma dignidade, pois a sua saúde física era fundamental para um bom desempenho nos combates. Assim, o espaço dedicado ao seu recolhimento era equipado com camas, latrinas e banhos possibilitando adequadas condições para o descanso, a higiene e a alimentação. A ala prisional estava ligada a uma arena de treinos exterior, onde se desenvolviam as rotinas diárias dos vários gladiadores. A Ludus Magnus localizada próxima do Coliseu de Roma , constitui um dos exemplos deste programa e ligava-se directamente às caves deste edifício, localizadas no subsolo da arena. Neste espaço desenvolviamse várias celas, escuras e fechadas para o exterior, utilizadas não só para enclausurar os gladiadores, mas também os prisioneiros, condenados à morte devido a assassinato, traição ou roubo e que eram executados na arena perante o olhar de todos. A referência a estes espaços prisionais volta-se a verificar já na Idade Média, aparecendo associado às masmorras, situadas nas caves dos castelos medievais, que trancavam e privavam de luz o encarcerado e o escondiam perante o povo. Espacialmente, este lugar mostrava-se propício ao enclausuramento pelas mesmas razões manifestadas pelos ergástulos romanos, visto ser praticamente impossível a fuga, pois não existia qualquer tipo de janelas ou portas, isolando o indivíduo perante o exterior. No entanto, o espaço dedicado à prisão parece ganhar de novo importância no final da Idade Média, em pleno século XIII, estando associado, novamente, às instituições que dominavam o poder, ou seja, ao clero e à corte. Assim assiste-se à construção de amplos espaços de encarceramento, junto das abadias, que 017 possibilitavam a reclusão de várias pessoas. Da mesma forma, procura-se associá-los à praça principal da cidade, juntando este espaço com outros programas no seu centro político. Exemplo desta atitude é o mercado de panos de Ypres, construído em 1200, que conciliava no seu interior espaços dedicados aos tribunais, à câmara, à capela, à corte e à prisão; ou o centro político de Como, que juntava na mesma praça o edifício dedicado à administração judicial – Palazzo della Ragione, – os espaços dedicados aos mercados – Loggia degli Ossi – e o Palazzo del Broletto, que data do ano de 1251 e albergava os espaços prisionais procurando reunir num mesmo lugar todos os edifícios e funções dedicadas à cidade. Numa fase final da idade média começaram a construir-se calabouços na cave das torres que pontuavam os castelos ou as muralhas, demonstrando já um certo cuidado com o desenho destes espaços, reflexo das preocupações humanistas que o período renascentista irá transportar para a sociedade: “[…] estas torres eram tan espaciosas que podia ser dividida em dos hileras de seis celdas radials para los presos no bantizados [...].”12 Estes culminaram nos planos propostos por Filarete no seu livro “Treatire” onde descreve uma prisão construída em edifício próprio e isolado, cujas semelhanças com os actuais são evidentes, como é exemplo a sua estrutura quadrangular subdividida em diferentes volumes para possibilitar uma separação e hierarquização dos reclusos e a presença de uma só entrada de forma a reduzir ao máximo os pontos de contacto com o exterior “[...] Tenía una sóla entrada por la via del água. [...] le encerrabam en uno de los cuatro cuadrados, en el que le correspondia segun el delito por el que había sido condenado [...]”13: “cuadrada,de 200 por 200 braccia, rodeada por dos muralhas com un foso entre ellas. Los presos de acuerdo con el tipo de crimen eran destribuidos en celdas; las de las quatro esquinas del edificio mas sinistras eran reservadas para los asesinos, traidores y otros crimenes que geralmente conllevaban la muerte como castigo.”14

PEVSNER 1980, p. 190 - sobre uma construção em Munster 13 FILARETE 1990, p. 339 14 PEVSNER 1980, p. 190 12


...um limite, uma prisão na Memória | 018

06a

06b

06a

Esquema perspéctico de uma Bridwell

06b-c

Cela do Convento de La Tourrete, Lyon, Le Corbusier, 1960

06c


Estes princípios irão ser aplicados em alguns edifícios cujo conceito arquitectónico e programático será importante para a percepção do espaço prisional contemporâneo, como são exemplo as Bridwells inglesas que datam do ano de 1555 e as Zuchthauser holandesas do ano de 1595, representando, ambas, casas de correcção com a finalidade de isolar vadios e mendigos. As primeiras encontravam-se isoladas da malha urbana, descritas como “[...] grandes dormitórios, com janelas e portas gradeadas destinadas a recolher vadios, mulheres levianas e principalmente os inúmeros mendigos que habitavam as ruas das cidades inglesas [...]”15, enquanto que as segundas mostram já uma preocupação, não só no que diz respeito ao isolamento “dos maus frutos da sociedade”, como classifica Foucault, aliás atitude corrente na arquitectura prisional contemporânea, mas também uma preocupação clara de reeducação e humanização. As Zuchthauser eram constituídas por dois corpos paralelos que se destinavam a separar homens e mulheres (atitude só documentada a partir deste período) e que se organizavam à volta de um pátio central para onde se voltavam as salas de trabalho e os quartos individuais percebendo, com isto, uma preocupação ao nível da actividade laboral e ao recolhimento isolado, através duma aproximação à cela conventual utilizada para o isolamento dos internos na procura da introspecção pessoal, do corpo e da alma, e que veio a ter grande importância para os edifícios prisionais posteriores, chegando até aos dias de hoje. Nikolaus Pevsner na sua obra “História de las tipologias arquitectonicas” refere que a Holanda, país de origem das referidas Zuchthauser, representava no século XVI o país mais próspero da Europa, sendo um dos primeiros a recorrer às actividades laborais como meio de reeducação dos moralmente desviados. Estas 019 instituições eram vistas como “[...] mejor equipadas y dirigidos de forma más humana que los correccionales ingleses [...]”16, percebendo-se preocupações no que respeita à salubridade dos espaços, sendo que cada cela estava equipada com um sanitário próprio, bem como no que diz respeito à sobrelotação das celas, que não permitiam um uso que excedesse as três pessoas que, apesar de ultrapassar o número de reclusos para que fora originalmente concebido, representa um grande melhoramento face à forma como eram armazenados os reclusos nas masmorras medievas. No entanto, as preocupações descritas neste último parágrafo no que respeita à punição do criminoso, condenado por lei em consequência de crimes cometidos contra a sociedade, não passará de uma teoria utópica da época renascentista, visto que durante os quatro séculos que separam este período do Iluminismo – do século XV ao século XVIII – os grandes edifícios prisionais construídos destinaram-se apenas a isolar e castigar, desumanamente, os delinquentes, sem qualquer preocupação com a sua reintegração ou direitos humanos, já que “[…] los reos eram encerrados em calabozos, a viente o treinta pies de profundidade e a oscuras [...]”17 como forma de punição máxima, enquanto que todos os outros prisioneiros “…estaban en habitaciones, la mayoria juntos (deudores y crimilales, hombres e mujeres, el joven principiante e el viejo delincuente).”18 O século XVIII irá ser o período histórico em que a luta pela humanização do espaço prisional será mais expressiva devendo-se isso a vários factores, mas todos eles impulsionados pela Revolução Francesa, cujos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade atingirão todas as disciplinas, inclusivé a tratada neste texto. Neste século vale a pena fazer referência a três edifícios: a Cadeia e Tribunal da Relação do Porto, a prisão

LIMA 1960, p. 9 PEVSNER 1980, p. 192 Idem, p. 191 18 Ibidem 15 16 17


07a

...um limite, uma prisão na Memória | 020

07b

07c

07a

Cadeia e Tribunal da Relação do Porto, Eugénio dos Santos e Carvalho, 1797 07b

Prisão de S. Miguel de Roma, Carlo Fontana, 1777

07c

Maison de Force, Gand, Hyppolyte Vilan, 1775 07d Metropolitan Correctional Center, Chicago, Harry Weese, 1975

07d


de S. Miguel de Roma e a Maison de Force em Gand , projectos mais ou menos contemporâneos, que nos possibilitam traçar um retrato deste período de mudança. O primeiro iniciou a sua construção no ano de 1766, sob a coordenação do arquitecto Eugénio dos Santos e Carvalho, cujas características arquitectónicas, disposição programática e implantação ajudam a perceber uma inovação no que diz respeito ao funcionamento interno e relação com a cidade desta tipologia de edifícios. “O visitante desprevenido que hoje circule pelo seu interior sentir-se-á mergulhado num espaço complexo, quase labiríntico, inimaginável para quem do exterior, observa a extrema simplicidade da sua planta trapezoidal.”19 Esta prisão tenta conjugar, da melhor forma, dois programas – o tribunal e a cadeia – demonstrando uma organização interna muito complexa e labiríntica que contrasta com a limpeza e austeridade formal das suas fachadas. A Cadeia e Tribunal da Relação do Porto desempenha um papel expressivamente cívico, não deixando esquecer o poder legislativo perante o povo, “[...] obedecendo à mesma lógica política das execuções públicas ou dos autos de fé, o edifício era bem uma representação exterior do Soberano, ali duplamente simbolizada.”20 Esta multifuncionalidade e presença urbana são dados que tornam este edifício numa das criações arquitectónicas prisionais portuguesas mais interessantes, sendo possível compará-lo, numa escala diferente, ao Metropolitan Correctional Center, da autoria do arquitecto Harry Weese, construído no ano de 1975, que se 021 constrói em pleno centro urbano de Chicago, funcionando como um equipamento público nos seus primeiros nove pisos, estando os restantes dezoito destinados a albergar celas individuais para reclusos condenados e preventivos. Estes edifícios, cuja escala se relaciona com a envolvente urbana, não deixam de se destacar desta, devido à sua imagem austera e imponente. O edifício portuense, no que diz respeito ao seu funcionamento interno e ao ambiente a que os prisioneiros eram sujeitos e porque surge num período de charneira, não difere em nada em relação às prisões anteriormente descritas, sendo os espaços de encarceramento caracterizados pelas suas condições insalubres e pouco ventilados: “Pela cadeia passaram milhares de réus [...] para quem a prisão foi quase sempre verdadeira descida aos infernos. Tal situação denunciada por todos marcou o edifício com um pesado estigma de que nunca lograria libertar-se.”21 A cadeia de S. Miguel, em Roma, do arquitecto Carlo Fontana e a Maison de Force, em Gand, do arquitecto Hippolytte Vilain, representam, por outro lado, inovações quanto às características do espaço. No primeiro caso apresentado, assiste-se à construção de um edifício que tem como objectivo a detenção de menores delinquentes, cujo modelo, em tudo semelhante às já descritas Zuchthauser, introduz uma inovação na construção do espaço, através da adopção da cela rectangular individual adossada à fachada exterior, que possibilitava a iluminação e ventilação natural, estando a galeria de distribuição adossado à fachada que se abria para o pátio interior, que neste caso se constrói coberto para possibilitar o trabalho dos internos durante o dia.

19 20 21

Ibidem, p. 93 Ibidem, p. 11 Ibidem, p. 207




08a

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08b

08a

08c

09a

Planta do projecto para o Hotel-Dieu, Antoine Petit, 1774 08b-c

Primeiros exemplos da tipologia radial em Portugal: Cadeia de Lisboa, 1885 e Cadeia de Coimbra, 1878, Ricardo Júlio Ferraz 09a-b

A opressão e a violência da reclusão: Conferência sobre os males do alcoolismo no auditório da prisão de Frenes e The Pit, Watwick Gaol, closed in 1797, an ilustration published in 1818

09b


No segundo caso assiste-se à mesma preocupação de criar celas individuais em contacto com o exterior, equipadas com mobiliário indispensável, como uma cama, um armário e uma mesa, agrupadas num edifício cuja escala ultrapassa a do exemplo anterior e cuja forma denuncia já o que se irá passar nos séculos seguintes. Esta prisão foi, possivelmente, o primeiro edifício projectado segundo a tipologia radial, sendo contemporânea do hospital de Dieu do arquitecto Antoine Petit e, cujo projecto, influenciou o traçado deste edifício. A Maison de Force, em planta, assemelha-se a um octógono sendo o seu perímetro constituído pela cerca exterior e por salas colectivas que se adossam a esta, estando os seus vértices ligados por alas de celas a um átrio central. Este esquema construtivo será exemplo para alguns dos edifícios prisionais portugueses, como é o caso do Estabelecimento Prisional de Lisboa e Coimbra. Esta construção, segundo Rodrigues Lima, marca o fim da primeira fase da arquitectura prisional cujo principal objectivo era isolar mendigos e equiparados perante a sociedade, continuando os criminosos a ser alvo de tortura e morte em praça pública e o seu encarceramento feito “[...] normalmente em lugares imundos, não interessando a falta de sanitários, ventilação e iluminação ou mesmo esgotos.”22 A punição, antes da Revolução Francesa, segundo Foucault, é “[...] uma arte quantitativa do sofrimento, já que o corpo do condenado é inicialmente exposto à multidão, percorrendo as principais ruas da cidade [...], até chegar ao cadafalso, onde a morte só sucederá após um considerável período de tortura. É pois no corpo do condenado que se inscreve toda esta cadeia de acontecimentos que deve culminar na confissão do crime e na morte, para que se estabeleça a própria união entre os vértices que compõem a sociedade punitiva desta época: o rei, o povo e o condenado.”23 Com o “advento do século XVIII”, momento fundamental para a reforma 025 de uma multiplicidade de instituições de disciplina, como as escolas ou os quartéis, sendo também fulcral para a reforma da punição penitenciária, “[...] o corpo deixa de ser o eleito da punição, passando esta a actuar sobre a alma do individuo através de um mecanismo reflexivo que o leva a reconsiderar e a corrigir as suas condutas, os seus hábitos, em suma, a sua personalidade [...],”24 passando-se a acreditar que o criminoso é um ser passível de ser corrigido e reeducado. Nesta mudança ideológica foram fundamentais personagens como Montesquieu com o livro De l’Esprit des Lois, ou Beccaria com o texto Dei delitti e delle pene, destacando-se deste grupo John Howard devido à investigação que fez durante os anos de 1773 a 1779, visitando os edifícios prisionais ingleses, onde testemunhou o estado degradante em que estes espaços se encontravam e que culminou na apresentação, ao parlamento inglês, dos seus relatórios State of Prison (1777) e Appendix to the State of Prison (1789), textos fundamentais para a percepção do estado das prisões no século XVIII, onde se podia ler: “[...] (sobre a prisão de Warwick) catorce mujeres, casi afixiadas…yo vi trinta y dos reos encadeados en un calabozo – el encadenamiento de los criminales era todavia frecuente, incluso en lugares donde era casi imposible escapar y no era necessario el encadenamiento. (Sobre a prisão de Stafford) 52 hombres encadenados, lo mismo que las mujeres; (sobre a prisão de Liverpool) todos los hombres com hierros muy pesados, y siete de cada ocho mujeres atadas al suelo mediante cadena. En el extrangero las condiciones no eran mejores [...] en el patio de los hombres um potro donde las mujeres eran atadas cada semana para recibir disciplina. En Francia […] tenían calabozos inimaginables de horribles y espantosos. En Alemania encontramos cámaras de tortura, así como en Francia e Italia, en Ambres, Berna y Chambéry.”25

LIMA 1960, p. 15 GONÇALVES 1999, p. 78 Idem 25 PEVSNER 1980, p. 191 22 23 24


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Bentham

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Grande lida! com mortos!, Goya

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Ilustração de Francisco Providência

As imagens apresentadas reflectem o contraste existente nos dois períodos descritos no texto. Por um lado a gravura de Goya que retrata o cenário de horrores possível de ser visto pelas ruas de Espanha no início do século XIX; por outro, a ilustração de Francisco Providência, alude à reintegração dos reclusos 11a

Prisão de Newgate, Londres, George Dance, 1785

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Projecto de prisão, Aix-de-Provence, Ledoux, 1784

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Esquema panóptico - corte, alçado, planta e perspectiva de uma cela

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Edifícios que derivam da organização de Bentham:

Prisão de Devises, Richard Ingleman, 1817 (c) Presídio Modelo, Cuba (d) Prisão de Joliet, Ilinois (e-f)


Estes contribuíram para denunciar um cenário de horrores ajudando na luta pela humanização do espaço prisional e, assim, transportar um novo conceito para a punição penitenciária e, consequentemente, para o espaço da prisão, procurando impor ao recluso um regime de silêncio, isolamento, reflexão religiosa e trabalho. Rotinas que o fariam repensar a sua conduta passando este a valorizar a vida em sociedade e a importância do trabalho. Textos fundamentais que, como afirmam Maria José Santos e Margarida Coelho: “ […] iriam marcar uma posição de charneira no âmbito do sistema punitivo em uso nos países ocidentais. Só para o fim do século XVIII e início de oitocentos surgirão projectos de cadeias que irão pôr em relevo princípios filantrópicos e higienistas, contemplando já a existência de espaços para trabalho e educação dos reclusos, de áreas amplas para enfermarias e recreio ao ar livre e de estruturas que visam permitir a manutenção de uma correcta salubridade. Volkmar Machado sintetizou estas novas preocupações, quando escreveu: já que há-de haver prisão, deve ela ser ampla, cómoda, salubre; capaz não só de ter seguros, mas também ocupados muitos indivíduos de todas as idades.”26 O novo período da arquitectura prisional surge agora com novos conceitos e preocupações que tornaram possíveis a construção e a evolução de tipologias relacionadas com os edifícios prisionais, que serão estudadas, de forma cuidada, neste capítulo. Assiste-se, desde o século XIX até aos dias de hoje, a evoluções formais e espaciais associadas a características punitivas importantes de referir e abordar de uma forma mais cuidada, indiscutivelmente associadas às novas preocupações enumeradas por Jonh Howard nos finais do século XVIII e que se baseavam: 1. na escolha de lugares adequados, de preferência junto de cursos 027 de água e fora das cidades; 2. a existência de boas condições sanitárias e de ventilação; 3. a construção em edifícios rectangulares ligados entre si de tal forma que o seu conjunto represente um grande rectângulo; 4. uma adequada separação entre os vários tipos de reclusos, segundo a idade e o tipo de crime e por último 5. permitir uma segurança e poder de visão elevada. Apesar de, anteriormente, já se ter experimentado um esquema que virá a ser de extrema importância para a arquitectura prisional do século XIX (tipologia radial) os primeiros edifícios prisionais a surgirem nesta fase de mudança parecem, de certa forma, ignorar esse modelo e assumir uma organização mais clássica e tradicional, inspirada nas composições de Palladio e Giulio Romano, como são os casos dos edifícios prisionais de Aix-en-Provence, construída em 1784, sob a orientação do arquitecto Ledoux ou a prisão de Newgate, de 1785, do arquitecto George Dance. No entanto, é a atitude arquitectónica expressa pelo arquitecto e filósofo Jeremy Bentham, em 1791, que marca o início desta nova fase da arquitectura prisional, introduzindo a tipologia panóptica, ou casa da inspecção, onde propunha, baseado nestes novos princípios de Howard, a construção de um edifício cilíndrico onde as celas, agrupadas em vários pisos se organizavam à volta de uma pátio central coberto, que albergava uma torre de vigia, possibilitando que um só guarda vigiasse de forma eficaz toda a ala prisional. Este edifício, segundo Bentham, propunha que o prisioneiro se sentisse constantemente vigiado e serviria não só para albergar a prisão, mas também hospitais, fábricas ou escolas, dada a facilidade com que era feita a vigilância dos internados, que se encontravam cada um na sua cela, vigiados de frente pelo guarda e impossibilitados de contactarem com os indivíduos que se encontrava fechado nas suas ilhargas.

26

SANTOS 1993, p. 98




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Eastern Penitenciary, Filadélfia, Jonh Haviland, 1817

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Cherry Hill, Filadelfia, John Havilland, 1825

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La Petit Roquete, París, Hyppolyte Lebas, 1830

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Prisão de Moabit, Berlim, Herrmann, 1879

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Cadeia de Lisboa, Ricardo Júlio Ferraz, 1885

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Assim era garantida a ordem e evitadas possíveis tentativas de evasão colectiva, violência ou o risco de contágio de doenças. Porém esta organização circular traduzia-se em graves problemas no que diz respeito à orientação solar e à ventilação, devido a não existir uma hierarquia na orientação dos espaços. O Panopticon nunca chegou a ser concretizado em edifício, mas influenciou a arquitectura prisional que se lhe seguiu, como são exemplo a cadeia de Devizes, construída em 1817 e projectada pelo arquitecto Richard Ingleman caracterizada por ser uma mega-estrutura circular que albergava as celas que, por sua vez, se ligavam, no centro da composição, a uma torre de vigilância ou, num esquema mais complexo, o Presídio Modelo na Isla de la Juventud em Cuba ou a cadeia norte americana de Joliet, edificada em Illinois, onde são construídos, em ambos os casos, blocos de celas expressivamente influenciadas pelo esquema de Bentham formando um conjunto de edifícios celulares, ligados a um pavilhão central que alberga os espaços e os serviços colectivos e dá acesso ao exterior. Este esquema, dada a importância do seu espaço central de vigilância, originou a reutilização e actualização, ao longo do século XIX, da tipologia radial. A Eastern Penitenciary of Filadélfia, construída em 1817 e da autoria do arquitecto John Haviland, constitui um dos primeiros exemplos desta nova fase. Assim como no sistema panóptico as celas se agrupavam à volta de um grande átrio, no sistema radial assiste-se a uma evolução formal e espacial da tipologia de Bentham, onde se procura construir edifícios celulares independentes e de forma rectangular, que albergam um número considerável de celas, também agrupadas em pisos, possibilitando uma separação mais rigorosa entre os reclusos e que convergem para um grande átrio central chamado “hall de vigilância”. Este espaço central alberga ou dá acesso aos serviços administrativos, 031 zonas colectivas e espaços exteriores, que se desenvolvem em pátios limitados pelas alas prisionais e pela cerca exterior, actualizando, desta forma, o modelo da Maison de Force do arquitecto Hippolytte Vilain. Esta tipologia arquitectónica, de que são exemplo os edifícios prisionais de Lisboa e de Coimbra, projectados pelo engenheiro Ricardo Júlio Ferraz, tinha como finalidade infligir ao recluso a sensação de estar a cumprir um castigo, visto todos os percursos passarem pelo grande “hall de vigilância”, garantindo um controlo constante das rotinas dos internados. Para além deste carácter intimidativo, que era prejudicial para as rotinas prisionais, os problemas de insalubridade que surgem em consequência de uma fraca ventilação e iluminação, mantiveram-se, pois continua a não existir uma hierarquia na orientação dos espaços devido a esta disposição radial. Estas estruturas foram todas construídas ao longo do século XIX e pela proporção das suas formas e inserção urbana é possível perceber a importância que estes edifícios desempenhavam, sendo estruturas de uma enorme envergadura chegando a encarcerar cerca de mil reclusos, dimensão que surge em consequência do aumento da cidade e da sua população, devido ao abandono das zonas rurais e da sua consequente afluência para as zonas urbanas industrializadas. Os edifícios aqui referidos encontram-se inseridos nestas malhas urbanas densas, numa relação de proximidade com a cidade, procurando por um lado facilitar o acesso da população a estes espaços, mas por outro lado, desempenhando, como já foi referido com o caso da Cadeia e Tribunal da Relação do Porto, uma função cívica que, através da sua presença e imponência, não deixam esquecer o poder punitivo perante a sociedade.


Por outro lado, e por esta tipologia surgir ainda associada a uma estratégia de enclausura total não existia a necessidade de implantar o edifício fora da cidade e sobre um terreno amplo e propício a actividades exteriores relacionados com o trabalho e o lazer. As suas características formais são uma consequência clara do ambiente social vivido nesta fase da história, sendo que no século XIX “[...] la representation material del poder económico se converte en uno de los principios básicos de la cultura burguesa.[...] La sobrecarga decorativa de la arquitectura [...]”27 é uma actitude corrente, também aplicada nos edifícios prisionais, formalmente semelhantes aos palácios neo-clássicos, caracterizados pelo constante contraste entre formas esguias e outras de características longitudinais, sendo exemplo desta afirmação a Cadeia de Lisboa, uma das primeiras construções da tipologia radial portuguesa, onde, e a título de exemplo, a fachada que contacta com a rua e onde se implanta a entrada, desenha-se de forma horizontal sendo, sucessivamente, pontuada por volumes verticais. Importa perceber que é possível estabelecer comparações formais e funcionais entre os edifícios prisionais e outros com programa distinto deste, mas cuja escala, funcionamento e organização formal encontram várias pontes de comparação. Os edifícios de aquartelamento, por exemplo, construíam uma cerca perimetral de forma a impedir a evasão por parte dos militares, ou os colégios, construídos, na sua maioria, segundo as tipologias legadas pelos conventos, procurando que a supressão da liberdade garantisse a segurança dos

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seus estudantes e o seu isolamento perante os males do exterior; bem como os edifícios hospitalares, sendo possível estabelecer comparações tipológicas bastante claras entre este último e os edifícios prisionais, aliás como afirma Pevsner no início do capítulo dedicado ao estudo das tipologias prisionais: “Los planteamientos de destrbución de un hospital y de una prisón tienen mucho en comúm. En ambos casos la gente está en un lugar donde preferian no estar y en ambos casos se precisa una constante vigilancia.”28 Acredita-se que John Howard se tenha inspirado nestes esquemas hospitalares para criar alguns dos desenhos que incluiu no seu estudo sobre os edifícios prisionais “State of Prisons”: “En 1777 John Howard sacó a la luz su libro sobre las prisiones, que hizo época. Arquitectónicamente lo que el sugería estaba muy cerca de lo que Paris se sugeria para los edificios hospitalarios.”29 O anteriormente referido hospital de Dieu é um exemplo evidente disso mesmo, sendo possível verificar as semelhanças entre este esquema prisional e o hospitalar, na procura de um total controlo e optimização dos percursos. Apesar do contributo decisivo de John Howard para o melhoramento do sistema e do espaço prisional que veio a existir após o século XVIII sabemos que essa melhoria foi gradual e lenta. Com o texto Both sides of the Wall – Auburn Prison30, podemos perceber que o ambiente vivido neste edifício prisional no início do século XIX continuava a privilegiar o estado de opressão e tortura do condenado: “A key factor in Auburn System (Auburn Prison – 1825 – construída no estado norte-americado de Nova Iorque) was complete silence [...], they were strictly forbidden to communicate with each other in any way. Convicts were marched back and forth to the workshops in lockstep. Convicts were required to keep their eyes averted from each other and the keepers, SEGRE 1985, p. 71 27 PEVSNER 1988, p. 190 28 Idem, p. 181 29 <http://www.correctionhistory.org/auburn&osborne> 30 <http://www.correctionhistory.org/auburn&osborne/ brochure1.html> 31

wear humiliating striped uniforms, and engage in constant activity when outside their cells…The goal was to totally isolate each prisoner, while forcing him to work for the prison’s profit. Such a system which violated most basic human nature, could not be maintained without extreme physical cruelty.”31



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Prisão de Auburn, Nova Iorque, 1825 - vista aérea, ala de reclusão e entrada da cela individual

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Prisão de Fresnes, París, M. F. Poussin, 1898

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Hospital de Lariboisière, París, Gauthier, 1854 15c

Bouça (SAAL), Porto, Álvaro Siza, 1975

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Cadeia Comarcã do Porto, Raul Rodrigues Lima, 1974

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Projecto da Cadeia Civil de Lisboa, Adolfo Marques da Silva, 1913

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Prisão de Westchester, Alfred Hopkins, 1916


O espaço prisional continuava, também, a valorizar os aspectos de segurança extrema que conferiam um ambiente punidor e opressivo no interior do edifício: “Inmates at Kingston (Kingston Penitentiary – 1835 – cadeia construída por William Powers em Ontário, Canada) spent their nonworking hours in tiny cells, each measuring 2 by 0.6 meters in size, separated from the neighbouring unit by 0.6 meters thick stone walls which effectively prevented inmate communications which might lead to further moral contamination. These cells, fronted by thick wooden doors, pierced by small barred openings for ventilation and supervision […]. This plan was designed to permit continuous staff supervision of each cell from both the front and rear […]”32 defendendo-se ainda que os edifícios prisionais “[...] han de tener una profunda sombra, entradas cavernosas, inscripciones terroríficas. Pero una vez dentro, debe prevalecer el orden y la limpeza.”33 O período correspondente ao fim do século XIX e início do século XX representa um avanço do ponto de vista da organização arquitectónica prisional bem como da humanização do seu espaço. A tipologia radial que predominou durante a maior parte do século XIX encontra um novo tipo em 1898, que aparece no decorrer desta tendência humanista, quando o arquitecto P. H. Poussin projecta a prisão de Fresnes, nos arredores de Paris, libertando-se do conceito radial para adoptar uma organização reticulada do edifício, semelhante à dos pavilhões do Hospital de Lariboisière construído no ano de 1854 em Paris pelo arquitecto Gauthier, que se organiza através de “[...] un gran pátio central com la administración en uno de sus extremos; la capilla y otras habitaciones en el outro y tres salas en forma de pabellón à cada lado formando ángulo recto com patio y paralelas entre si.”34

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Esta nova composição prisional propunha uma disposição paralela entre as alas destinadas às celas, oficinas e serviços administrativos, que eram ligadas por uma galeria central que se construía perpendicularmente a estas, ficando os espaços exteriores destinados a actividades externas como o trabalho ou o lazer. Com esta atitude surge a chamada tipologia em poste telegráfico ou mais usualmente chamada de espinha ou pente, aliás, muito usada nos projectos habitacionais, onde uma galeria pública e/ou comercial liga os volumes onde estão os vários módulos de habitação, como é exemplo o edifício de habitação colectiva na Bouça, na cidade do Porto e da autoria do arquitecto Álvaro Siza Vieira. Este esquema construtivo atinge uma maior racionalidade e lógica, fortemente influenciada pelos conceitos formais modernistas do princípio do século XX, resolvendo os problemas de ventilação e iluminação, ao mesmo tempo que adquire um aspecto menos severo, quer pela analogia, já referida, com os edifícios de habitação, quer pela fluidez dos seus percursos interiores que conferem uma maior liberdade nas rotinas dos internados. O maior impulsionador desta tipologia foi o arquitecto americano Alfred Hopkins, que seguiu os planos de Poussin depois de contactar com os seus projectos durante a viagem que fez pela Europa em 1914, para construir um conjunto de estabelecimentos prisionais nos Estados Unidos da América de onde se destacam os projectos dos edifícios prisionais de Westchester e Wallkil. Quase simultaneamente, na cidade alemã de Brandemburgo, “[...] perante os graves defeitos verificados numa antiga penitenciária cuja disposição não permitia evitar as constantes revoltas e evasões de presos e consequentemente os protestos por parte da opinião pública”35 surge uma nova forma de projectar o espaço,

<http://www.Canadianencyclopedia.ca/index. cfm?PgNm=TCE&Params=A1ARTA0009130> 33 PEVSNER 1988, p. 194 34 Idem, p. 182 32


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Brandenburgo -1927 16a

Prisão de Brandemburgo, 1927

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Cadeia Central do Norte, Paços de Ferreira, Raul Rodrigues Lima, 1957

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em tudo semelhante à organização programática da tipologia em espinha, mas com uma preocupação maior no que diz respeito à segurança. Assim surge a tipologia concentracionária ou em ferradura, sendo que “[...] este novo partido [...] consiste principalmente na concentração e centralização das celas e das camaratas, de modo a evitar qualquer evasão ou revolta dos reclusos [...]”36 criando uma composição semelhante à utilizada nos hospitais e palácios renascentistas. Tomando como exemplo o Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, inaugurado em 1957 e da autoria do arquitecto Rodrigues Lima, percebemos que os edifícios concebidos para albergar as celas e as camaratas prisionais, em forma de “H”, duas ferraduras justapostas e com três pisos, são colocados no centro da composição manifestando-se como as construções de maior altura. No perímetro exterior são construídos edifícios mais baixos que albergam os serviços comuns cercando as alas celulares e introduzindo uma nova cerca, que duplica a exterior, sendo assim mais fácil “[…] reduzir não só as possibilidades de fuga como também controlar com êxito qualquer revolta por parte dos reclusos.”37 Com esta atitude a cadeia não passa a ter um aspecto mais severo, mantendo a mesma fluidez dos percursos, mas garante, com muita eficácia, a sua capacidade reclusiva. Este período da história correspondeu à maior fase de humanização do espaço e do ambiente prisional, sendo mais expressivo na evolução do seu sistema educacional, das actividades laborais e na humanização e rapidez da execução das penas capitais em vigor na altura. “A regeneração do indivíduo delinquente passa por uma reflexão interna, sendo desejável que o individuo 037 se encontrasse em isolamento para o poder concretizar. No início da segunda metade de Oitocentos, Aires de Gouveia sintetiza essa convicção: O criminoso isolado pode corrigir-se, é provável que se corrija, associado não só não é provável, senão que não pode […] os condenados que aqui cumprem pena estão sujeitos ao regime do isolamento e separação total, tanto de noite como de dia. […] O trabalho é obrigatório, sendo desenvolvido dentro das celas por todos os condenados. Fora das celas é obrigatório o uso de capuz que cobria o rosto dos condenados de modo a que estes não pudessem ser identificados pelos outros presos. Seriam praticados exercícios ao ar livre mantendo sempre os presos a incomunicabilidade. Os serviços religiosos eram feitos a partir de um nicho que tornava impossível que os condenados se pudessem ver uns aos outros […] Martins Rocha (cronista da altura) diz trazer-se da penitenciária a impressão de que este regime mal pode regenerar e muito contribui para o desarranjo mental e para o enfraquecimento do recluso […].”38 “The teachers tried to give lessons on the galleries at night, after the prisoners had worked a 10-hour day. With the prisoner locked behind a latticed door and the teacher outside with a lantern and a Bible, the lessons did not go very far.”39 Este ambiente opressivo aqui descrito e referido várias vezes ao longo deste texto era de certa forma, geral no sistema prisional do fim do século XIX, porém, foi neste período que o sistema assistiu a uma evolução que chegou até aos dias de hoje e que revolucionou a forma como é gerida a vida e o espaço da prisão. Ao longo da evolução formal destes edifícios é possível perceber que vão surgindo espaços, que pela sua dimensão e proporção, estão pensados para actividades relacionadas com o trabalho e com a educação, que se adequam aos conceitos lançados por Hyde de Neuville, ainda no início do século XVIII e que defendiam

LIMA 1960, p. 35 Idem GONÇALVES 1999, p. 103 38 DORES 2003, p. 16, 17 e 18 39 <http://www.correctionhistory.org/auburn&osborne/ brochure1.html> 35 36 37


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Prisão de Auburn - o exercício no exterior realizado de forma opressiva e impositiva

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Prisão de Auburn - a evolução do pensamento punitivo através do ensino e do trabalho 18a

A guilhotina como forma de execução da pena de morte

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a individualização da pena e a possível recuperação do recluso pelo trabalho, passando estas actividades a praticarem-se de forma colectiva aproveitando o esforço individual de cada um, numa gestão de equipa, nunca explorada até este momento. Paralelamente, são introduzidas as actividades extra-muros, possíveis dada a implantação destes edifícios fora dos aglomerados urbanos, junto a terrenos amplos que potenciavam a actividade agrícola. Tomando, novamente, o caso da Prisão de Auburn como exemplo, podemos perceber de que forma o sistema educacional e laboral evoluíram ao longo do século XX: “By 1900, there was a successful program for the Americanization of foreign-born prisoners. The education program was greatly expanded […] a number of programs were introduced in the prison at Auburn. Today, the academic options at Auburn Correctional Facility include Adult Basic Education for non-readers, a pre-high school program, […]. Vocational education programs include computer repair, electrical, barbering, […] the shops at Auburn Prison have made brooms and furniture, metal bed frames, baskets, clothing for inmates, and blankets. In 1920, the license plate shop opened. Today, every license plate in the State of New York is still made behind the walls of Auburn Prison.”40 O Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira é também um dos exemplos desta evolução. Neste desenvolvem-se, actualmente, nos edifícios que constituem todo o perímetro da composição e onde estão desenhados alguns espaços comuns, actividades educacionais e lúdicas, bem como cursos profissionais que continuam a incentivar o trabalho em pequenos grupos visando a construção de uma nova realidade social que procura implementar no indivíduo o prazer do trabalho e o respeito pelo próximo. A pena capital e a forma como esta era executada é outro dado que nos permite perceber uma progressão 039 no valor do recluso e da sua qualidade enquanto ser humano, dizendo Foucault que “os rituais modernos da execução capital dão testemunho de um duplo processo – supressão do espectáculo e anulação da dor.”41 Mais uma vez os princípios que estão na base da Revolução Francesa foram fundamentais para este facto estando presentes na fundação da guilhotina pelo francês Joseph Ignase Guillotin, que reflecte uma preocupação com a condição humana do condenado face ao seu sofrimento no momento da execução, contrariando a tortura e tornando a morte indolor e rápida: “todo o condenado à morte terá a cabeça decepada” – tem estas três significações: uma morte igual para todos […], uma só morte por condenado, obtida de uma só vez e sem recorrer a esses suplícios longos e consequentemente cruéis, […] o castigo unicamente para o condenado, pois a decapitação é a menos infame para a família do criminoso. A guilhotina, utilizada a partir de Março de 1792 é a mecânica adequada a tais princípios. A morte é então reduzida a um acontecimento visível, mas instantâneo.”42 No entanto é de referir que com a Revolução Francesa a guilhotina foi usada de forma sistemática para executar todos e quaisquer suspeitos contra o regime, tornando-se símbolo de crueldade e opressão. No século XIX e, tomando como exemplo, mais uma vez, o edifício prisional de Auburn podemos ler, sobre mais um avanço no sentido da humanização da execução das penas capitais: “Two events that occurred around the same time in the 1880s - a three-times botched hanging in England that received worldwide attention, and the hanging of a pretty young woman in New York State caused a considerable increase in the “anti-gallows movement” […]. In 1886, Gov. David Hill established a Commission […] known as the Death Commission […].

<http: //www.correctionhistory.org /auburn&osborne/ brochure4.html> 41 FOUCAULT 1987, p. 14 42 Idem, p. 16 40


reprodução: Eugéne Delacroix - A Liberdade guiando o Povo



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A cadeira eléctrica como forma de execução da pena de morte, Prisão de Auburn, Nova Iorque 18c

Forma contemporânea de execução da pena de morte, Louisiana State Penitentiary 19a

Prisão de Norfolk, Alfred Hopkins, 1934

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Cadeia de Mulheres, Tires, Raul Rodrigues Lima

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The commission’s final report recommended electrocution as the official method of capital punishment. Instead of each country doing its own executions, the State should build execution chambers in the prisons in Auburn, Sing Sing and Dannemora.”43 Na actualidade a própria cadeira eléctrica encontra-se já ultrapassada sendo que o recluso condenado à morte é hoje acompanhado por um médico até ao momento da sua execução, sendo-lhe administrados sedativos em prol do seu bem estar e com a intenção clara de lhe infligir a menor dor possível. O espaço arquitectónico onde acontecem estas execução reflecte, porém, uma certa vergonha e pudor sobre esta atitude legislativa. Já no edifício prisional de Auburn é descrito que era nas caves, escuras e impenetráveis, que se realizavam as execuções por electrocução, sendo que os actuais corredores da morte americanos, equipados com uma cela apropriada para o condenado passar as suas últimas horas de vida para que, posteriormente, possa ser acompanhado a uma sala, fechada e fria, semelhante a uma enfermaria, onde um grupo de testemunhas assiste à administração da injecção que porá termo à vida do condenado. A pena capital foi abolida na maioria dos países, sobre a justificação da crueldade que transmite e a contrariedade ética a ela associada, como refere Beccaria: “[...] o assassinato que nos é apresentado como um crime horrível, vemo-lo sendo cometido friamente, sem remorsos.”44 Ainda hoje esta situação continua a ser discutida e questionada enquanto punição judicial funcional da contemporaneidade, sendo a União Europeia uma das maiores activistas da sua abolição enquanto que os Estados Unidos da América e uma grande percentagem dos países Asiáticos continuam a ver na sua execução a maior arma contra o crime.

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No ano de 1934 o arquitecto Alfred Hopkins desenvolveu uma proposta inovadora para o edifício prisional norte-americano de Norfolk, onde projectava pavilhões prisionais separados entre si e colocados, de forma ordenada, sobre um vasto terreno, criando assim a tipologia pavilhonar. Esta, dividida em “unidade aberta” para uma maior concentração geográfica dos edifícios e em “unidade livre” para uma maior dispersão geográfica dos mesmos, é destinada a albergar alas prisionais para reclusos de perigosidade mínima. Neste esquema organizacional, o espaço exterior constituido por amplas áreas de cultivo, surge como o elemento unificador de todo o esquema, habitualmente composto por três ou quatro edifícios celulares que possibilitam o agrupamento e isolamento dos reclusos segundo classes. Os outros edifícios albergam os diferentes serviços e zonas comuns, como a portaria, os refeitórios, a administração, zonas de culto e oficinas, como é possível perceber pelo projecto da Cadeia para Mulheres de Tires. O arquitecto Rodrigues Lima escreveu “[…] esse partido arquitectónico em pavilhões, por aquilo que me tem sido dado a observar, será o partido arquitectónico mais indicado no futuro […] aumentando ainda mais as possibilidades de recuperação e regeneração dos reclusos que, os novos estabelecimentos prisionais hão-de forçosamente tender cada vez mais para se transformarem em pequenos agrupamentos pavilhonares, sem aspecto intimidativo, nem ambientes pesados ou deprimentes, onde vivam sob vigilância discreta e depois do trabalho em comum, pequenos núcleos de reclusos agrupados pelo seu temperamento semelhante, suas tendências culturais e religiosas, a maior ou menor possibilidade de regeneração [...]”45 como se verificará na tipologia abordada no fim deste texto.

<http://www.correctionhistory.org/auburn&osborne/ brochure1.html> 44 FOUCAULT 1987, p. 13 45 LIMA 1960, p. 38 43


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Metropolitan Correctional Center, Chicago, Harry Weese, 1975

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Estas três últimas tipologias analisadas – em espinha, concentracionária e pavilhonar – assumem uma estratégia de implantação muito semelhante, preferindo afastarem-se dos aglomerados habitacionais, não intervindo nem impossibilitando o crescimento urbano. Por outro lado, esta estratégia possibilita a utilização de espaços exteriores amplos, de características agrícolas, que permitiam desenvolver actividades laborais extramuros, importantes para a regeneração dos reclusos e para uma maior aproximação à vida em liberdade. Formalmente, verifica-se uma influência muito forte do Movimento Moderno, onde existe uma utilização sistemática do ângulo recto o que facilita a sua implantação e organização. Os materiais construtivos passam a ser o betão e o ferro, influenciando as suas características plásticas, marcadas agora pela repetição e pela modelação das suas formas. “In the last several decades, prison design has moved away from the panopticon and oppressive monoliths like Eastern, attempting through the use of smaller cellblocks to create a “sense of place” within a larger institution. Large-scale, long-range surveillance systems have proved to neither prevent prison riots or aid in rehabilitation, so the “New Generation” movement stresses the interaction of guards with prisoners in these smaller units—a “community policing” approach.”46 A última tipologia a ser abordada é possível analisar-se através do Metropolitan Correctional Center of Chicago do arquitecto Harry Weese, implantado em pleno centro da cidade, segundo uma forma e escala que dialogam com a sua envolvente urbana e que procura materializar esta nova geração de edifícios prisionais 045 de que fala a citação anterior, cujas preocupações não se restringem ao espaço como elemento de simples confinamento, mas também ao lugar da ressocialização e da reintegração. Este edifício encontra-se dividido em dois corpos, um mais baixo que recebe os espaços comuns, as salas de convívio e os refeitórios e outro que se desenvolve em altura, reservando os seus primeiros nove pisos para serviços públicos e administrativos funcionando os restantes dezoito pisos, “[...] como pequenas unidades em que vivem 10 a 12 detidos e onde existem, contiguamente às zonas onde estão instalados os quartos de cada um, espaços de convívio […]”47, que no fundo representam esquemas reduzidos do panóptico de Bentham, ou seja, um conjunto de celas e zonas comuns periféricas que são supervisionadas por um único guarda que se coloca no centro deste espaço triangular. Esta tipologia, denominada de supervisão directa, tem por base um conceito de psicologia ambiental que visa a redução do sobrepovoamento, o aumento da privacidade do recluso e o equilíbrio entre a vigilância e o controlo dos mesmos, de forma a diminuir a taxa de violência e vandalismo no que diz respeito a acções contra terceiros ou contra si mesmo. Este conceito tem nos nossos dias um uso frequente como é possível verificar pelas novas instalações do EP de Paços de Ferreira, do arquitecto Eloy Castro, onde existe a tentativa de dividir a comunidade prisional, de cerca de duzentos reclusos, em unidades distintas. Esta subdivisão é concretizada através da criação de três volumes que encerram no seu interior os espaços necessários para os reclusos dormirem, alimentarem-se e ocuparem os seus tempos livres. Outro exemplo é o Leoben Judicial Complex do arquitecto Josef Hohensinn que, num edifício que surge quase como uma provocação para a arquitectura prisional devido às suas características formais e materiais,

<http://www.stim.com/Stim-x/7.1/Architect/Architect. html> 47 GONÇALVES 1999, p. 106 46


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Judicial Complex, Leoben, Josef Hohensinn, 2004

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constrói pequenas comunidades de quinze reclusos que têm ao seu dispor todos os espaços necessários ao seu quotidiano, podendo viver de forma independente da restante comunidade interna. Actualmente, os edifícios prisionais dificilmente se enquadram numa só tipologia procurando, antes, uma conjugação de características formais e conceptuais, aliás como é exemplo este edifício cujas características volumétricas se inserem na tipologia em espinha, mas cuja organização procura respeitar os conceitos da de supervisão directa. Esta liberdade permite uma maior riqueza formal e funcional que exponencia as potencialidades de todas estas tipologias investigadas e aplicadas ao longo da história da arquitectura prisional. Este texto, por se concentrar na análise e contextualização de um tema que possibilitará a realização de um projecto, não incluiu inúmeros exemplos relacionados com a arquitectura prisional dos países Africanos, Asiáticos ou Sul Americanos, ou de casos relacionados com o encarceramentos, mas não ligados directamente à questão penitenciária como os espaços de aprisionamento dos escravos ou dos mais recentes e inquietantes campos de concentração nazi. No entanto penso ser de todo o interesse enumerar alguns dos casos paradigmáticos relacionados com estes espaços prisionais e desta forma lançar novas pontes relacionadas com este tema. A ocidentalização tipológica da arquitectura prisional influenciou, de uma forma generalizada, todos os países existindo apenas algumas variações que se prendem com princípios culturais ou características físicas dos próprios lugares onde esses edifícios se implantam. Iniciando esta breve e informal abordagem pela Prisão do Tarrafal, na Ilha de Santiago em Cabo Verde, por constituir um caso de estudo directamente relacionado com a arquitectura prisional portuguesa, 047 tendo sido fundada durante o regime da ditadura colonial, com o objectivo de receber presos políticos. Esta estrutura prisional com um só piso e de desenvolvimento horizontal tem grandes semelhanças com a tipologia pavilhonar, dispondo os seus volumes no terreno segundo uma grelha regular, ao mesmo tempo que liberta espaços exteriores de convívio e de trabalho. No entanto, é de salientar o aspecto que torna esta estratégia de construção um exemplo importante e de referência, dado que o espaço exterior é utilizado não só como acesso entre os diferentes volumes, mas também entre os diferentes espaços constituintes desses mesmos volumes. Esta estratégia é utilizada também num dos maiores edifícios prisionais do mundo, que alberga cerca de dez mil reclusos, localizada em Nova Deli na Índia – a Prisão de Tihar. Esta estrutura prisional tem a mesma organização pavilhonar recticulada, envolvida por enormes muros, tirando o mesmo partido dos espaços exterior. Esta estratégia é unicamente possível devido às características climáticas destes países, pois, se por um lado, existe uma economia de meios no que se refere à inexistência de galerias de acesso, por outro, procura-se colocar os espaços de reclusão, quer sejam celas ou espaços de serviço colectivos, em contacto directo com o exterior para assim permitir uma maior ventilação e salubridade dos mesmos. Tanto a Prisão de Tarrafal como de Tihar têm semelhanças formais e organizativas com uma das estruturas prisionais mais inquietantes da contemporaneidade: os campos de concentração Nazi. Estes edifícios seguiam a mesma estratégia dos exemplos referidos anteriormente sendo, no entanto, de salientar que todos os aspectos referidos como positivos e correctamente enquadrados, são aplicados neste caso com o intuito directo de oprimir os prisioneiros ao ponto de os levar à própria morte.


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Prisão do Tarrafal

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Campo de Concentração, Dachau, Alemanha

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Prisão de Caseros, Buenos Aires, 1979

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Importantes de referir ainda são os casos da Cadeia de Caseros, em Buenos Aires na Argentina e a Prisão de Fushu, na cidade japonesa de Tóquio. O primeiro edifício constitui um exemplo magnífico da arquitectura prisional tendo, infelizmente, por base, uma história de opressão e perseguição política. Implantado em 1979 num tecido urbano denso é descrito, sucintamente, desta forma: “Standing 22 stories high, with a footprint shaped like the letter H, new Caseros had over 1,500 cells, and was designed to hold approximately 2,000 prisoners. Cells measured 1.2m × 2.3 m, and each had a bed, a toilet, and a small table and chair, attached to the floor. The building was designed so that no direct sunlight could ever reach a large number of the prisoners. The design of the place was criticized by human rigths groups before the prison was ever opened for not meeting basic standards of humane treatment.”48 Os espaços colectivos dedicados à portaria, ao refeitório e aos gabinetes administrativos são distribuídos no piso térreo, enquanto que a cobertura alberga grande parte das infra-estruturas, os ginásios e uma pequeno auditório. As suas características formais são impressionantes, sendo totalmente construído em betão, elevando-se sobre a cidade, marcando a sua posição enquanto equipamento judicial, mas cuja elegância, depuração e austeridade não ferem a linguagem urbana. Este edifício foi desactivado no ano 2001 e encontra-se, agora, em fase de demolição, sendo de lamentar a perda de um dos edifícios prisionais mais interessantes do século XX. O último caso de referência trata-se do edifício prisional japonês de Fushu, localizado numa das cidades mais desenvolvidadas do mundo, mas que, no entanto, é conhecido não pelas suas caracteríssticas formais e conceptuais inovadoras, mas pela característica opressiva como são administradas as penas neste edifício, 049 que se desenquadram do contexto contemporâneo de uma cidade como Tóquio: “Life in Japanese prison is very hard. Like the Nazi prison camps of WWII. Work is the main focus. The prison population is used as slave labor. The food you receive is barely enough to keep you alive. [...]. There are many cases of frostbite in the winter, heatstroke, and heat exhaustion in the summer [...]. In order to see a doctor, or receive medicine a prisoner must fill out a form and wait for days. Generally, you will not be allowed to see the doctor unless you have a dire emergency. Tuberculosis is prevalent and there are many skin diseases due to the poor sanitation in the shower facilities.”49 Formalmente, este desenvolve-se num só piso, segundo uma organização pavilhonar e implanta-se numa zona urbanamente densa, sendo os seus altos muros e a portaria os únicos elementos visíveis pelo exterior. Ao longo da história da arquitectura apercebemo-nos de uma evidente evolução formal, programática e conceptual destes edifícios, no entanto, existem aspectos que se mantêm ao longo de todos estes séculos, independentemente se estes são implantados fora ou dentro da cidade, construídos em betão ou pedra, pensados para existir no século XIII ou no século XXI, e que visa, fundamentalmente, a forma como o programa é organizado e que Foucault sintetiza muito claramente: “Cada indivíduo no seu lugar, em cada lugar um indivíduo. Evitar as distribuições por grupos; decompor as implantações colectivas; analisar as pluralidades confusas, massivas ou fugidias […] É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; táctica de antidesertação, de antivadiagem, de antiaglomeração. Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras.”50

<http://en.wikipedia.org/wiki/Caseros_Prison> <http:// www.techzonez.com/ forums/showthread. php?t=17023> 50 FOUCAULT 1987, p. 13 48 49


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Quadro sĂ­ntese das tipologias abordadas


No entanto Newer lembra que: “[...] os reclusos, qualquer que seja a sua inclinação anti-social ou violenta,

51

GONÇALVES 1999, p. 79

são sensíveis às condições humanas […] sendo importante para eles serem tratados como seres humanos e não como animais, e isso influência o nível de hostilidades de uma prisão.”51 O espaço prisional intervém de forma decisiva na reintegração ou revolta do recluso, criando as condições espaciais necessárias para o tornar mais ou menos violento e oprimido, ao mesmo tempo que responde à intenção básica de um edifício prisional – impedir a fuga e isolar o recluso, por um tempo determinado e objectivo, perante a sociedade. Esta abordagem que agora concluo visa a construção de um cenário histórico e tipológico que auxilie o desenho de um projecto que não pode, de forma alguma, ignorar a realidade estudada neste texto, tentando absorver as qualidades, ao mesmo tempo que evita as falhas programáticas, formais e conceptuais observadas ao longo da história.

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O panorama


penitenciĂĄrio portuguĂŞs


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Cadeia e Tribunal da Relação do Porto, Eugénio dos Santos, 1797 25

Cadeia Central do Norte, Paços de Ferreira, Raul Rodrigues Lima, 1957 26

Novas Instalações do EP Paços de Ferreira, António Eloy Castro, 2002

26


A arquitectura prisional portuguesa atravessou todos os momentos já referidos, no entanto, para este 055 estudo, importa perceber a situação actual do nosso sistema punitivo e as origens do mesmo tentando, ao mesmo tempo, estabelecer comparações com os objectivos internacionais de punição penitenciária e desta forma traçar linhas direccionais que possibilitem a construção de uma estratégia para a concretização de um projecto que se enquadre neste contexto. Para isso é fundamental estudar a história e o espaço reclusivo português na fase denominada como “advento do século XVIII”, acontecimento decisivo para a humanização e dignificação do espaço da prisão, que até esta data não era mais do que um “[...] local de passagem para o degredo, os trabalhos públicos ou o patíbulo [...]”52, e quais as direcções tomadas ao longo da sua evolução até à contemporaneidade. Para melhor perceber de que forma o Liberalismo influenciou a organização da lei punitiva portuguesa será estudado um dos casos paradigmáticos da arquitectura prisional nacional: a Cadeia e Tribunal da Relação do Porto que possibilitará traçar um retrato do ambiente vivido em Portugal ao longo dos séculos XVIII e XIX. Posteriormente, será importante perceber o contexto do século XX, altura em que se assiste, ao longo do período do Estado Novo, a uma construção massiva de inúmeros edifícios prisionais por todo o país, sendo objecto de estudo o EP de Paços de Ferreira, antiga Cadeia Central do Norte. Numa última fase tentaremos abordar a actualidade do estado penitenciário português, que se iniciou no final da década de 90 do século XX e que deu origem aos princípios prisionais que hoje conhecemos e que orientaram, formal e programaticamente, as Novas Instalações do EP de Paços de Ferreira que servirá como último exemplo neste capítulo . O período que antecede o Liberalismo foi denominado em Portugal por Antigo Regime e caracterizavase por ser extremamente cruel e ineficaz, à imagem do que se passava pelos restantes países europeus,

52

SANTOS 1993, p.12


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Implantação da Cadeia e Tribunal da Relação do Porto


pois deixava “esquecidos nas cadeias muitos réus aguardando decisão dos tribunais, enquanto outros, já sentenciados, esperavam longos períodos até poderem partir para os seus destinos. A deplorável situação das prisões portuguesas acrescia o sofrimento dos réus, agravando-lhes de forma impiedosa as penas que haviam de cumprir.”53 O Liberalismo transportou para a lei punitiva e para os espaços penitenciários um novo conceito de humanismo prisional que possibilitaram uma reforma juridico-criminal das leis e dos espaços prisionais portugueses. Os seus primeiros passos aconteceram no ano de 1778, reinado de D. Maria I, com a criação de órgãos do Estado que trabalhariam os aspectos organizativos e humanitários dos edifícios prisionais portugueses e dos seus reclusos. Sabemos, no entanto, que os verdadeiros passos dados neste sentido aconteceram entre os anos 30 e 50 do século XIX, com a publicação de dois importantes textos dos quais se destaca a História do Sistema Penitenciário na Europa e nos Estados Unidos da América, de Charles Lucas que influenciou esta actividades reformistas. Neste período e dada a situação das cadeias públicas portuguesas que contrariavam os conceitos da Carta Constitucional, no que dizia respeito à existência de edifícios prisionais seguros, limpos e arejados, onde os réus deveriam ser separados segundo a qualidade dos seus crimes é criada a Comissão do Melhoramento das Prisões, que tinha como objectivo promover acções de melhoramento sobre os edifícios mais degradados, o encerramento das cadeias subterrâneas e a execução de obras naquelas que não ofereciam segurança. Dentro destas acções reformistas sabemos, ainda, que o novo Código Penal só será colocado em prática em 1852, já tardiamente em relação aos outros países europeus, bem como a Lei sobre a Reforma das 057 Prisões, aplicado em 1867. Estas datas, contudo, são referências teóricas a acções pontuais e tentativas pouco eficazes de melhoramento do espaço, pois “[...] no alvorecer do século XX, grande parte das cadeias portuguesas encontravam-se numa situação próxima da dos finais do Antigo Regime […] Foi apenas com o Estado Novo que veio a ter lugar a reforma prisional.”54 A Cadeia e Tribunal da Relação do Porto atravessou estes dois séculos de história e constitui um importante exemplo para a percepção dos espaços penitenciários portugueses na altura do liberalismo, a sua evolução e o ambiente neles vivido. “Velha de quatro séculos, a Relação e Casa do Porto foi criada por Filipe II, em 1582 […]. Inseriase esta medida num projecto de descentralização dos tribunais superiores, tornando-se esta cidade, consequentemente, centro de uma vasta região que lhe ficava judicialmente subordinada.”55 Este edifício público teve a sua primeira implantação no morro da Vitória, junto da Porta do Olival, onde permaneceu até aos dias de hoje, mas várias foram as intervenções de recuperação e mesmo reconstrução. Com as revoltas que se fizeram sentir contra o governo espanhol, já em 1632, o edifício é incendiado e parcialmente destruído, sendo que, já no período de independência, em 1643, outro edifício é erguido no mesmo local, com formas mais grandiosas e imponentes, albergando as funções de cadeia e tribunal, numa atitude de extrema força simbólica, destituindo o poder espanhol e implantando o nacional, exactamente no mesmo local. Um século depois este mesmo edifício mostrava-se degradado, ficando o arquitecto Nicolau Nasoni, numa primeira fase, e o arquitecto Eugénio dos Santos e Carvalho, finalmente, encarregue do projecto de um novo edifício para a Cadeia e Tribunal da Relação do Porto.

53 54 55

Idem Ibidem Ibidem, p. 17




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Cadeia e Tribunal da Relação do Porto - piso térreo átrio da cadeia_A. pátio das enxovias_B. enxovias_C. átrio do tribunal_D.

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Cadeia e Tribunal da Relação do Porto - primeiro piso Saleta_E. 28c

Cadeia e Tribunal da Relação do Porto - segundo piso quartos de malta_F. 28d

Alçado pela entrada dos espaços do Tribunal

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Espaço prisional do século XIX habitado (George Cruickshank, Newgate Prison Discipline, 1818 The ugliness of unregulated association in caricature)

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Com implantação no lugar original, agora numa atitude não só simbólica, mas também urbana, tentando articular um território consolidado constituído por uma malha antiga que se estendia até ao Rio Douro e, outro, que correspondia a superfícies planas extra muros que deram suporte à expansão da cidade do Porto. Este local correspondia, já desde a implantação de 1643, a uma zona urbana cuidada e próspera, constituindo o espaço ideal para a transmissão do poder judicial perante o povo, numa relação de proximidade extrema entre o edifício que o simboliza e a população que o respeita. A última construção deste edifício iniciou-se no ano de 1766, estando as suas funções completamente operativas em 1797. Percebe-se com isto que o seu projecto é anterior à “[...] publicação daqueles textos que iriam marcar uma posição de charneira no âmbito do sistema punitivo em uso nos países ocidentais [...]”56 e a análise da organização deste edifício fará perceber as consequências deste facto, mas também o que foi feito no sentido de evitar que os conceitos do Antigo Regime prevalecessem face aos princípios humanistas do Liberalismo. “A Relação é um edifício notável, formado em triângulo, e de uma elevação prodigiosa [...]. Todo ele é repartido em três andares e aberto por cento e três janelas, altas e largas, atracadas por duas ordens de grades de ferro grosso e portas chapeadas do mesmo […].”57 Este edifício prisional caracteriza-se por ter uma planta trapezoidal cuja organização interior contrasta com a simplicidade das suas austeras e simples fachadas. O espaço organiza-se de uma forma sinuosa e labiríntica, tentando conciliar da melhor forma os dois programas que alberga, ou seja, o tribunal e a cadeia. O resultado manifesta-se com espaços demarcados para cada 061 uma das funções, mas que são servidos por uma confusa rede de acessos comuns. Acessos públicos que se cruzam numa malha ilegível procurando conciliar as duas entradas autónomas e de características e funções distintas – uma que pontua a fachada que se volta para a Cordoaria, de serviço à cadeia, mais cerrada, escura e marcada por enormes grades, enquanto que a outra, ampla, iluminada e com altos pés-direitos, denominada, actualmente, por entrada secundária era, na altura da sua construção, a entrada principal e a mais digna dado que pontua a fachada maneirista que dialoga com o Convento de São Bento da Vitória e serve os espaços do Tribunal. A conciliação de todos estes factores obriga que o interior do edifício se transforme num espaço labiríntico ficando a simplicidade conceptual inicial reduzida a uma amálgama de percursos sinuosa. O espaço destinado à cadeia é um exemplo interessante de arquitectura prisional, dado que, se por um lado não se rege por princípios humanistas depositando todo o seu interesse na segurança carcerária, por outro, “[…] as casas da cadeia pública são dispostas por tal ordem que os presos de maior graduação ali vivem isentos da comunicação dos outros presos.”58 Planeado para uma lotação máxima de quinhentos e trinta reclusos, o edifício divide-se então em três pisos sendo que no térreo se localizavam as enxovias, destinadas à plebe e caracterizadas por serem os maiores espaços da cadeia, pouco salubres, sendo o seu acesso feito, originalmente, através do segundo piso, por alçapões, lembrando os ergástulos romanos ou as masmorras medievais. Esta atitude reflecte a preocupação clara com o segurança do espaço prisional, eliminando o elemento porta e impossibilitando desta forma a fuga directa pelo piso térreo. Ibidem, p. 98 – refere-se aos textos State of Prison (1777) e Appendix to the State of Prison (1789) da autoria de Jonh Howard 57 Ibidem, p. 33 58 Ibidem, p. 103 56

No segundo piso encontravam-se os salões e espaços colectivos que se caracterizavam por serem espaços mais arejados, iluminados e salubres, bem como a Saleta destinada às mulheres, e os Quartos


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Átrio dos espaços do Tribunal

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Pátio das enxovias

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Enxovia de Santa Teresa 30f

Saleta

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Quartos de Malta

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dos Corredores, com arejamento e iluminação escassa funcionando, na maior parte das vezes, como celas disciplinares. O último piso organizava os chamados Quartos de Malta, destinados às classes mais altas da sociedade nortenha e onde esteve encarcerado Camilo Castelo Branco. Estes espaços apenas encerravam à noite e possibilitavam a visita da família e amigos ao longo de todo o dia. Apesar deste edifício ter sido construído à imagem dos princípios do Antigo Regime, várias foram as tentativas no sentido da humanização do seu espaço, que possibilitam traçar um retrato da reforma prisional portuguesa ao longo dos séculos XIX e XX. “A existência de um Regulamento tornou-se essencial a partir do advento do Liberalismo, para o qual a prisão passou a desempenhar um papel crucial na administração das penas, esperando-se que ela contribuísse para a extirpação dos vícios e para a emenda dos costumes, para o aumento da moral pública e para o progresso da civilização.”59 Entre a segunda metade do século XIX e o ano de 1974, data que ditou o encerramento desta cadeia, foram inúmeras as intervenções de melhoramento do espaço no sentido da sua humanização, ou por outro lado e já numa fase final, a tomada de consciência da incapacidade do edifício face às novas exigências do sistema penitenciário português. No ano de 1853, um ano após a publicação do Código Penal e, praticamente, um século depois das importantes acções de Howard, escreveu o Procurador Régio Dr. Vicente Luiz da Cunha Freitas, em carta endereçada ao Ministro da Justiça, sobre o estado da Cadeia do Porto: “Não serei exagerado se disser a V. 063 Ex.ª que causa horror entrar naquelas prisões, e fiquei desapontado, vendo que neste século em que vivemos, e em que a civilização tem levado a todas as classes seus benéficos proveitos, existe na segunda capital de um país dotado com instituições liberais um verdadeiro simulacro dessas antigas masmorras dos tempos bárbaros.”60 Assim, as primeiras obras no sentido do melhoramento das condições de vida dos prisioneiros vão ser executadas neste ano, tirando partido da mão-de-obra dos reclusos, que, ao mesmo tempo que ganhavam algum dinheiro para o seu sustento, participavam numa actividade considerada reabilitadora pelo sistema prisional português em vigor na altura. Estas obras basearam-se na criação de uma enfermaria, na repavimentação e revestimento de paredes e tectos e na colocação de vidros em todos os vãos exteriores, inexistentes até esta altura, evitando assim mais mortes em consequência do frio que se fazia sentir nos espaços prisionais. No entanto, as intervenções de maior significado serão realizadas na década de 60 do século XIX, incidindo nas acessibilidades às prisões inferiores e na criação de um espaço exterior para o lazer dos prisioneiros, ambos localizados no saguão central. Criaram-se ainda salas de detenção que pressupunham uma maior hierarquização entre os prisioneiros do sexo feminino, possibilitando, ao mesmo tempo, transformar a Saleta numa prisão de menores evitando, desta forma, que estes se misturassem com os adultos, eliminando as eventuais escolas de crime. Apesar destes significativos melhoramentos, que evidenciam uma preocupação no sentido de actualizar o espaço prisional nacional, é também nesta década que se irá concluir que esta cadeia, com espaços antigos e maioritariamente de encarceramento colectivo, era incapaz de acompanhar a evolução programática do

59 60

Ibidem, p. 104 Ibidem, p. 140


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Cadeia de Lisboa, Ricardo Júlio Ferraz, 1885

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Cadeia Comarcã do Porto, Raul Rodrigues Lima, 1974

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Exterior e envolvente do edifício

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sistema penitenciário português, que exigia a criação de celas individuais para o total isolamento dos réus e a criação de espaços concebidos para o trabalho e para o recreio no exterior. Estas razões levaram a que se tornasse indispensável o projecto de uma nova cadeia para o Porto, sendo que todos os trabalhos de melhoramento físico da Cadeia da Relação, concretizados após esta decisão, visaram apenas a manutenção provisória dos prisioneiros, que irá durar, ironicamente, um século e será um período fastidioso para este edifício e para os seus reclusos, ditando o encerramento definitivo dos seus serviços no ano de 1974. No final do século XIX podia ler-se: “O aspecto exterior do edifício é o de uma masmorra medieval. Há aqui duas prisões para homens e uma para mulheres. Apenas se abre a porta destas prisões e deparamos com a enorme acumulação de detidos. Com a simples inspecção se nota que nenhuma daquelas prisões tem cubagem sequer para um terço daquela gente. O mobiliário é miserável. As latrinas são interiores [...]. A ventilação é péssima.”61 Este declínio vertiginoso da capacidade programática do edifício ao longo do século que separa os anos 60 de oitocentos os anos 70 de novecentos, permite perceber que os ideais penitenciários modernos se encontravam, totalmente, assimilados no território português, se não vejamos: “O edifício é totalmente impróprio para ser convertido em estabelecimento celular. [...] Nesta cadeia estão internados presos de ambos os sexos. Na sala que é espaçosa dormem os presos sem qualquer separação entre as idades, situações jurídico-prisionais, moralidade ou imoralidade diferentes. [...] Não há junto à cadeia, terreno algum que permita qualquer trabalho agrícola. Não há sequer um pátio [o saguão interior oferece um espaço insuficiente para o 065 número de internados] onde os presos possam ter aquele mínimo tempo diário de exercício ao ar livre que a lei prescreve. Não há parlatório62, as visitas falam às grades da prisão.”63 Na continuidade deste pensamento reformista e humanista será criado, no início do século XX, um serviço cuja função era o de construir novos edifícios e/ou adaptar outros já existentes, intitulado Administração e Inspecção Geral das Prisões e Estabelecimentos Prisionais Maiores, bem como a publicação do Regulamento das Cadeias Civis do Continente do Reino e Ilhas Adjacentes que pressupunham a continuidade das actividades preconizadas pelo Código Penal de 1867. Neste sentido foi executado um censo que retratou o estado físico dos exemplares existentes da arquitectura prisional portuguesa e que possibilitou proceder à execução de um plano de intervenção no sentido de melhoramento e construção de novos edifícios, como aconteceu com o Estabelecimento Prisional de Lisboa inaugurado em 1885. No ano de 1905, encontrava-se também em estudo um local apropriado para a implantação da nova cadeia do Porto que deveria ser construída segundo as novas directrizes humanistas no que diz respeito ao: “[...] número e disposição dos compartimentos em anexo, como em orientação, capacidade, segurança e higiene do edifício [...] com espírito moderno, humanitário e científico, que exige que tais estabelecimentos sejam verdadeiras casas de saúde, onde o regime se aplica como um tratamento patológico, e não os antigos Ibidem, p. 156 Nome dado ao espaço onde se realizam os encontro entre visitas e reclusos. 63 SANTOS 1993, p. 169 64 Idem, p. 165 61

ergástulos romanos, ou os in-pace medievos, ou pior ainda, como o caso presente, apuradas academias onde delinquentes vulgares se convertem em incorrigíveis profissionais do crime.”64

62




A Cadeia e Tribunal da Relação do Porto ao longo do século XX irá degradar-se gradualmente, sendo que em 1934 as instalações passam a ser totalmente ocupadas pela cadeia, dado que a permanência do tribunal tinha-se tornado intolerável, obrigando à sua transferência para o Palacete Pereira Machado localizado na Rua Formosa. Em 1964, já dentro de uma estratégia implementada pelo Estado Novo, que abordaremos mais à frente e de forma mais cuidada, começa a ser construído o novo estabelecimento prisional do Porto, localizado em Custóias, segundo o projecto do arquitecto Rodrigues Lima e que substituiu, definitivamente, a Relação no ano de 1974. A título de curiosidade, este edifício, entre o ano de 1987 e 1997, dado o seu avançado estado de ruína, é recuperado e conservado sendo responsáveis pelo projecto os arquitectos Humberto Vieira e Abílio Mourão. Actualmente está nele instalado o Centro Português de Fotografia, cuja recuperação incluiu espaços de exposição e administração, segundo o projecto dos arquitectos Humberto Vieira e Eduardo Souto Moura, executado entre os anos de 1997 e 2005. Este ambiente de tortura descrito pelos espaços prisionais portugueses ao longo dos séculos XVIII e XIX só terá fim com o regime ditaturial, pondo em prática os ideais liberais do princípio do século XIX, através de uma reforma geral da política penitenciária, que constava no Decreto Lei aprovado a 28 de Maio de 1936 e que serviu de base para o projecto dos edifícios a construir em Portugal a partir daquela data. Esta lei estabeleceu o seu regime interno, os seus modelos programáticos em função dos tipos de crime

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e tornou o trabalho obrigatório para todos os presos, qualquer que fosse a pena a cumprir: “[...] o trabalho foi sempre uma escola de virtude e, portanto, um instrumento de regeneração e da recuperação social dos condenados. Deve o trabalho do preso ser remunerado como estímulo e porque é de justiça que o seja.”65 Assim, o espaço prisional passa a ser, definitivamente, encarado como um lugar pedagógico, onde é fundamental a criação de um ambiente de carácter reprovador e intimidativo, mas ao mesmo tempo estimulante, para que o recluso tenha vontade de se regenerar de forma a tornar-se, no futuro, um elemento integrado e participativo da sociedade. O governo implementa, então, um novo conceito penitenciário, adoptando o regime progressivo criado pelo francês Hyde de Neuville, que consistia numa progressiva responsabilização e autonomia do recluso que, numa primeira fase, era isolado em cela e ala individual para ser possível estudar as suas principais características comportamentais; este isolamento era gradualmente eliminado, introduzindo no detido um sentido de vida em comum através do trabalho, da educação, do culto e das refeições; numa fase final, era garantida uma absoluta confiança neste, dentro dos espaços prisionais, procurando prepará-lo para a vida em liberdade. A nova constituição, aprovada em 1933, deu corpo ao Estado Novo que governaria Portugal até ao ano de 1974 e cujas acções reformista, no que diz respeito ao sistema prisional, se iniciaram com o Ministro da Justiça Manuel Rodrigues Júnior, que impôs um conjunto de acções pressupondo a construção de novas cadeias comarcãs e novos tribunais por todo o país, necessidade eminente já denunciada pelo Procurador Professor Beleza dos Santos no início do século XX: ”A cadeia principal [refere-se à Cadeia e Tribunal da Relação do Porto] [...] tem de acorrer à necessidade de uma cidade que tem hoje o triplo da população que Ministério da Justiça 2004B, p. 16 65

tinha quando a cadeia começou a funcionar e a população extra muros também cresceu muito, em dois


concelhos suburbanos, e a cadeia não cresceu. A criminalidade cresce com a população [...].”66 Neste sentido foi fundamental a criação de organismos estatais que gerissem e executassem tais premissas, como foi o caso do Conselho Superior dos Serviços Criminais e a Direcção Geral dos Serviços Prisionais, esta última ainda em funcionamento. Estas instituições ficaram, então, encarregues do internamento e tratamento dos reclusos, transferência e libertação dos mesmos e direcção, administração e construção dos estabelecimentos prisionais e seus anexos, acção que irá, finalmente, por termo às condições de desumanidade em que permaneciam encerrados grande parte dos reclusos. Os novos edifícios prisionais a construir deveriam então seguir a metodologia defendida pelo Estado para a construção dos novos equipamentos portugueses, ou seja, “prever e controlar o processo através da redução da sua complexidade, que implica dividir e classificar para depois determinar relações sistemáticas entre o que se separou.”67 Para esta formalização foi pedido a uma equipa multidisciplinar coordenada pelo arquitecto Cottinelli Telmo, a constituição de um relatório que deveria apresentar o “levantamento da situação existente, apurando as necessidades de obras de restauro, de obras de ampliação ou de construção de novos edifícios. Depois deveria proceder-se à análise comparativa de projectos similares, [...]. Por último, deveria ser definido um programa arquitectónico e elaborado um projecto tipo, que permitisse construir com rapidez e economia o maior número de edifícios.”68 Depois de várias visitas a edifícios prisionais modelares, dos quais se salientou a cadeia moderna de Brandenburgo, o arquitecto Cottinelli apresenta então os vários projectos-tipo segundo uma classificação 069 de cadeias comarcãs69, para penas menores, centrais, para penas maiores, penitenciárias, para regime de segurança máxima, colónias penitenciárias, para detidos com penas de longa duração e especiais, como por exemplo prisão-escola ou prisão-política. Nestes projectos foram caracterizados com rigor todos os espaços prisionais, existindo uma preocupação acentuada no que diz respeito às celas e aos pátios exteriores. Os aspectos construtivos foram, também, cuidadosamente analisados, optando-se pelo uso sistemático do betão e alvenaria de pedra, influência directa das inovações introduzidas pelo Movimento Moderno. A questão da linguagem é descrita pelo arquitecto Cottinelli de forma muito pragmática: “De sabor clássico? De sabor moderno? Nem pensamos nisso. Proporções e equilíbrio. [...] Cadeias comarcãs tornar-se-iam impróprias ou até ridículas se na sua aparência não revelassem o critério de economia que presidiu ao estudo de todas as suas partes e que se traduz nas fachadas por uma grande sobriedade.”70 Este critério arquitectónico será geral a todos os edifícios estatais construídos neste período histórico nacional, sendo os casos mais paradigmáticos os edifícios escolares, onde foi fundamental o contributo dos arquitectos Raúl Lino, Rogério de Azevedo e Januário Godinho, responsáveis pelos projectos-tipo das escolas

SANTOS 1993, p. 169 MONIZ 2005 Idem 69 Importa reflectir sobre o conceito desta tipologia prisional marcadamente portuguesa. Estas cadeias, cujo objectivo era responder a penas de cadeia menores, procuraram seguir o conceito que a Cadeia do Porto e Tribunal da Relação nos deixou, ou seja, estes edifícios não se limitavam a satisfazer funções de reclusão, mas muitos deles procuravam equipar-se com um tribunal. Estes dois programas funcionavam simultaneamente. As cadeias comarcãs foram o último exemplo, na arquitectura prisional portuguesa, a explorar este conceito. 70 MONIZ 2005 71 TOSTÕES, Ana – Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa 66 67 68

primárias, secundárias e liceus, bem como os edifícios dedicados à saúde que contaram com o contributo dos arquitectos Carlos Ramos e Vasco Regaleira, responsáveis pelos projectos-tipo dos hospitais e sanatórios portugueses. No entanto, a questão da linguagem destes edifícios constitui um factor importante no panorama arquitectónico português visto que se insere nos Verdes Anos71 da arquitectura portuguesa, sendo impossível uma descrição tão linear como aquela dada pelo arquitecto Cotinell e que será abordada de forma mais aprofundada posteriormente.


...um limite, uma pris찾o na Mem처ria | 070

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Cadeias comarc찾s de Mangualde, da Horta e de Vimioso, Raul Rodrigues Lima

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Cottinelli Telmo foi substituído em 1939 pelo arquitecto Raul Rodrigues Lima, responsável por grande parte das cadeias portuguesas, algumas das quais ainda em funcionamento, como são exemplo a Cadeia Comarcã do Porto, actual Estabelecimento Prisional de Custóias, o Estabelecimento Prisional do Linhó e a Cadeia Central do Norte que servirá de exemplo para este trabalho, dado ser um dos edifícios de maior dimensão e complexidade programática construído no território português, encerrando em si todo um conjunto de características relativas aos novos conceitos prisionais que foram cuidadosamente tratados pelo arquitecto Rodrigues Lima, que refere: “ [...] na resolução de qualquer destes projectos, [...] procurei sempre ser intérprete dos princípios humanitários e regenerativos que orientam o nosso regime prisional, escolhendo para cada estabelecimento prisional, o partido arquitectónico que me parecia ser o mais conveniente. [...] Antes de elaborar em definitivo qualquer dos projectos, [...] procurei sempre não me esquecer de que uma cadeia é um pequeno mundo fechado dentro do qual vivem seres humanos, que a sociedade afastou temporariamente do seu convívio, procurando regenerá-los através de uma observação constante no trabalho e em todos os movimentos da sua vida na prisão, e que para o conseguir, torna-se necessária em cada Estabelecimento Prisional existir uma completa coordenação dos interesses dos funcionários, dos guardas e dos próprios reclusos [através de um desenho] simples e claro da prisão, [equipada com] instalações higienicamente impecáveis, uma distribuição de compartimentos rigorosamente funcional e um ambiente que permita adivinhar e compreender a existência duma acção verdadeiramente pedagógica.”72 A Cadeia Central do Norte, actual EP de Paços de Ferreira, destinado a condenados de pena maior, ou 071 seja, superior a 6 meses e até dois anos, concluído em 1957, implanta-se num terreno amplo com cerca de quinze mil metros quadrados, em plena Serra da Agrela, a trinta quilómetros da cidade do Porto. Tipologicamente, esta cadeia respeita a tipologia concentracionária existindo a preocupação clara de colocar os edifícios celulares, neste caso em forma de “H” e com três pisos de altura, no centro da composição. Perimetralmente a estes dispõem-se os restantes edifícios, com um ou dois pisos de altura, que albergam os serviços comuns e as oficinas. O conjunto manifesta-se como uma massa quadrangular, que se estende, predominantemente, de forma horizontal e é limitada por dois muros que conformam um espaço intermédio entre o interior e exterior do edifício, facilitando a vigilância e dificultando a fuga. Programaticamente e estratificando o edifício em pisos, é possível perceber que no térreo se distribui a zona prisional localizada, como já foi referido, no centro da composição, procurando concentrar toda a comunidade reclusa no cerne do edifício, dificultando qualquer tentativa de evasão. A administração, o refeitório os balneários comuns e a lavandaria distribuem-se também a esta cota bem como o pavilhão clínico e o pavilhão disciplinar. O primeiro é equipado, neste piso, por gabinetes e enfermarias e o último é composto por celas disciplinares destinadas ao isolamento dos reclusos após a sua chegada, para se proceder à observação da sua personalidade e assim iniciar o já referido regime progressivo ou, em casos de má conduta interna deste, se proceder ao isolamento do mesmo de forma a castigá-lo ou a isolá-lo. Ainda ao nível do piso térreo é organizada a portaria, o único espaço que contacta, de forma directa, com o exterior e onde são fiscalizadas todas as entradas e saídas. Também neste piso distribuem-se as oficinas, o

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LIMA 1960, p. 54


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Implantação da Cadeia Central do Norte (actual EP de Paços de Ferreira)

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Cadeia Central do Norte - piso térreo portaria_A. pátio de admissão_B. espaços administrativos_C. oficinas_D. refeitório_E. cozinhas_F. alas de reclusão_G. pavilhão clínico_H. pavilhão disciplinar_I.

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Cadeia Central do Norte - primeiro piso alas de reclusão_G. pavilhão clínico_H. pavilhão disciplinar_I. sala multiusos_J.

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Cadeia Central do Norte - segundo piso alas de reclusão_G.

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parlatório, as instalações para os guardas e os pátios exteriores com dimensões que possibilitam a prática de desporto e o lazer dos reclusos. No segundo piso, localizam-se os quartos de internamento do pavilhão clínico, um conjunto de celas disciplinares localizadas no pavilhão disciplinar, a capela e salas escolares, localizadas sobre o refeitório e as celas individuais que se estendem pelo “H” central e prolongam para o último piso. Em síntese é possível perceber que somente a zona central, dedicada ao alojamento prisional, possuí três pisos, possibilitando uma melhor exposição à luz e ao ar, sendo que os pavilhões disciplinar e clínico possuem dois pisos e todos os outros edifícios, que albergam as oficinas, administração, chefia, parlatório e serviços comuns, possuem apenas um piso. A boa organização programática e o bom desenho dos espaços são factores predominantes neste edifício. A luz e a ventilação natural pontuam todo o conjunto sendo que as celas individuais, com cerca de dois metros e meio de largura por quatro de profundidade, são dotadas de uma janela que contacta com os pátios exteriores localizando-se a um metro e meio de altura. Estas celas contactam, através de uma porta chapeada com as galerias internas, desenhadas de uma forma panóptica73, que possibilita uma percepção integral de toda a ala prisional facilitando a vigilância e o controlo dos percursos internos, ao mesmo tempo que permite que todos os pisos sejam iluminados zenitalmente. Estas galerias têm neste edifício duas leituras distintas, sendo que por um lado são usadas como um 073 acesso horizontal central, distribuindo os reclusos para as celas que se encontram adossadas às duas fachadas exteriores, como acontece nas alas prisionais nascente e poente; por outro lado, no braço que une estas duas alas referidas anteriormente, constrói-se uma galeria localizada a sul que dá acesso, simultaneamente, às celas adossadas à parede norte e a alguns espaços colectivos do edifício, ou seja, a capela, a escola e o refeitório, que se encontram no centro da composição, em pisos distintos. Esta atitude possibilita que a parede sul fique livre, deixando entrar luz e ar para este acesso horizontal que se desenha mais iluminado, amplo e nobre, constituindo uma artéria fundamental do esquema de acessos interiores do edifício. Por outro lado, quando visitei este edifício em Fevereiro de 2007 tive a oportunidade de verificar que era vontade geral da comunidade prisional a sua transferência para as celas da ala central. Esta vontade surge, segundo uma análise pessoal, associada ao facto de existir nesta, e devido à forma como é organizada, um factor menos opressivo do que aquele que se verifica nas alas nascente e poente, senão vejamos: se por um lado a disposição central da galeria possibilita uma maior rentabilização do espaço, optimizando um acesso que serve duas bandas de celas, aliás, usado de forma frequente na habitação, com exemplos que vão desde as conhecidas “ilhas” portuenses aos grandes edifícios de habitação, por outro lado, esta disposição formal sugere uma intenção de controlo comportamental, como são exemplo as Passage francesas, ou as mais recentes galerias das grandes superfícies comerciais, que organizam ao longo de uma artéria central duas bandas de lojas que procuram captar a atenção dos transeuntes que, ao longo do seu percurso, dificilmente resistem a entrar e comprar os produtos que estas oferecem.

73 Designação que provém da tipologia panóptica e que se refere a uma eficaz e integral vigilância dos espaços.




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Cela tipo da Cadeia de Tires (semelhante à utilizada na Cadeia Central do Norte)

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Desenhos de memória, interpretativos da visita ao EP de Paços de Ferreira (antiga Cadeia Central do Norte) 37a

Ilha portuense na Rua da Constituição

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Galeria de distribuição da Unidade de Habitação de Firminy, Le Corbusier ,1965

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Planta de uma ala de reclusão da prisão de Moabit em Berlim

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Perspectiva dos acessos verticais em duas alas de reclusão.

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Transpondo esta imagem para o edifício prisional é possível perceber de que forma a organização descrita se traduz no funcionamento interno do edifício, dado que o recluso acede ao espaço de dormir tendo como cenário duas bandas de celas cuja repetição transmite uma sensação de ritmo interminável, incutindo neste, um sentimento de castigo constante. Esta organização foi aplicada pela primeira vez na tipologia radial reforçando a ideia que o castigo que o recluso teria de cumprir era, obrigatoriamente, torturante, contribuindo para isso a constante vigilância e a organização celular aqui descrita. As alas de reclusão encontram-se depois ligadas aos principais serviços prisionais, segundo os princípios legados pela Prisão de Brandenburgo procurando uma economia de percursos que evita o atravessamento de zonas descobertas exponenciando, assim, o factor segurança, mas assegurando a manutenção do carácter fluído desses mesmos circuitos. Os principais serviços dedicados ao recluso, dos quais se destacam o refeitório e as oficinas, são desenhados com dimensões que possibilitam a prática de actividades colectivas relacionadas com a educação, o trabalho ou a cultura, onde a luz e a ventilação natural, elementos permanentes no espaço, penetram o espaço através de vãos semelhantes aos utilizados nas celas. Esta economia de desenho traduz-se numa depuração arquitectónica muito expressiva, comum nos edifícios públicos do Estado Novo, e que confere a toda a massa construída uma clareza formal e organizativa que facilita a compreensão de todo o programa e do seu funcionamento, sendo, sempre que possível, eliminados os percursos múltiplos e os espaços inseguros. Se por um lado estas características, bem como a sobriedade cromática e a utilização sistemática do betão, 077 constituem referências indiscutíveis ao Movimento Moderno, existem outras que denunciam o regionalismo característico do modernismo português presente em grande parte dos edifícios públicos encetados pelo Estado Novo: “ [...] É unanimemente aceite que a afirmação da arquitectura do Movimento Moderno e a cultura que ela queria exprimir e afirmar, passava por uma ruptura com o passado. E esse passado era sobretudo um passado recente, oitocentista, pleno de concessões revivalistas e historicistas [...]. Assim numa primeira fase de afirmação do Estado Novo fascizante, a procura historicista e regionalista tende a suspender-se, sobrepondo-se uma crescente utilização de modelos internacionais [...], no entanto, com o final da década de trinta estas experiências tendem a transformar-se, apoiadas na utilização de um vocabulário quer historicista quer regionalista, apostado numa retórica de raiz clássica próxima dos modelos nazis e fascistas da época. Uma monumentalidade simbólica e desejada atemporal [...].”74 A pedra e a telha surgem aplicadas neste edifício com um conceito, marcadamente, saudosista da arquitectura de oitocentos, onde o trabalho de pedreiro surge quase como escultórico e a cobertura inclinada em telha é aplicada de forma sistemática em toda a composição em substituição da cobertura plana ou em borboleta do Movimento Moderno, onde se estimulava a aplicação dos novos materiais industriais como as telhas sintéticas e os asfaltos. É de facto estranho pensar que enquanto em Portugal se continuava a procurar referências na arquitectura do século XIX, em Chicago o edifício do Metropolitan Correctional Center of Chicago encontrava-se em fase de projecto explorando formas e conceitos contemporâneos, o que denuncia o atraso formal e conceptual da arquitectura moderna portuguesa durante o período do Estado Novo.

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COSTA 2001, p. 18, 19 e 20


Este edifício prisional continua em actividade, tendo sido alvo de algumas intervenções no sentido do melhoramento e aumento da capacidade dos seus espaços. Recentemente foi construída uma nova portaria equipada com novos meios tecnológicos que possibilitam um maior controlo das entradas e saídas, e dois pavilhões exteriores que possibilitaram albergar os serviços educativos e de formação profissional. Estas acções, por se focarem na ampliação dos espaços, denunciam também o problema da sobrelotação prisional, que representa uma média actual de cerca de cinco por cento.75 Neste caso específico, o edifício foi projectado para uma lotação máxima de quinhentos reclusos, à razão de um por cela, sendo que existe uma deturpação generalizada dos conceitos originais destes espaços, obrigando a que várias celas deste edifício sejam hoje ocupadas por dois reclusos aumentando a lotação deste edifício para cerca de seiscentos e cinquenta detidos. A arquitectura prisional passou então a fazer-se à imagem da globalidade europeia, obrigando a trabalhos de investigação, eficazmente concretizados pelos arquitectos Cottinelli Telmo e Raul Rodrigues Lima, que culminaram na construção de inúmeros edifícios prisionais, de tal forma que o parque prisional português edificado ao longo do Estado Novo contava, em 1959, com cerca de duzentos e vinte edifícios prisionais, espalhados por todo o território português, inclusivé colónias ultramarinas, e segundo uma estratégia que “[...] visa adquirir o controle de todo o território e de todos os portugueses, criando uma rede complexa que deveria

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garantir a articulação entre o poder local, regional e nacional.”76 Este cenário faz perceber o porquê de quase todo o panorama prisional nacional que hoje conhecemos ser fruto das obras encetadas pelo Estado Novo, ao mesmo tempo que nos desperta uma inquietante sensação de estagnação da arquitectura prisional portuguesa, fazendo perceber a urgência da actual reforma, que se encontra neste momento em curso e que será abordada posteriormente. Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, que implantou um regime democrático no território nacional, importa abordar a primeira atitude reformista relacionada com o tema aqui discutido, “[...] dada com a Reforma Penitenciária de 1979, [que] trata de uma multiplicidade de problemas relacionados com a execução das penas, como, por exemplo, as finalidades da execução, a situação jurídica do recluso, a regulamentação do decurso da vida diária, o trabalho prisional […].”77 No entanto, pouco ou nada se fez no sentido de actualizar ou aumentar, eficazmente, o parque penitenciário legado pelo Estado Novo, procedendo-se apenas, ao longo das décadas de 70, 80 e 90, ao fechamento de pequenas cadeias em mau estado de conservação e à adaptação de alguns equipamentos militares à função de prisão, resultando com isto um aumento da lotação do parque penitenciário de sete mil para cerca de oito mil lugares. Mas este valor, quando comparado com os cerca de treze mil reclusos existentes, actualmente, em Portugal, mostra-se pouco significativo. Neste sentido, Portugal mostrou-se incapaz de acompanhar o crescimento dos reclusos e do desenvolvimento dos conceitos penitenciários do fim de século, podendo mesmo “[...] dizer-se que o modelo do Estado Novo é, nas suas linhas fundamentais, orgânicas, funcionais e doutrinárias, o que actualmente existe no país.”78 Como consequência deste facto, entre as décadas de 70 e 90 do século passado, Portugal Informação retirada do site da DGSP <http://www.dgsp.mj.pt> 75 MONIZ 2005 76 Ministério da Justiça 2004B, p. 19 77 SUBTIL 1999, p. 4 78

foi alvo de graves críticas por parte das organizações dos direitos humanos, sobre a sua conduta no que diz respeito ao tratamento dos reclusos e ao investimento feito no sentido de melhorar as infra-estruturas


prisionais, quer do ponto de vista conceptual quer do ponto de vista físico. Só no ano de 1996 “[...] o Provedor de Justiça tornou-se a primeira entidade política capaz de reflectir sobre o estado das prisões”79, sendo que é possível, a partir desta data, retratar uma nova fase do sistema penitenciário nacional, que culminará na actual reforma e que visa resolver os problemas que advêm das últimas décadas do século XX e da complexidade vivida na contemporaneidade. Para uma percepção integral destas acções penso ser necessário retratar o cenário do nosso sistema penitenciário a partir da década de 80 de novecentos, onde já seria possível sentir acções provenientes da revolução democrática de 1975, para depois culminar com um caso de estudo – as novas instalações do EP de Paços de Ferreira – um dos últimos edifícios construídos no âmbito da arquitectura prisional portuguesa. A implantação de uma democracia, a entrega das colónias ultramarinas e mais tarde a integração na União Europeia e a consequente abertura das fronteiras, revelaram-se como acções determinantes para o actual cenário descrito pela população prisional portuguesa. Nas duas últimas décadas do século passado a densidade populacional portuguesa aumentou significativamente, facto que se deveu ao regresso da população portuguesa residente nas ex-colónias ultramarinas e ao aumento dos movimentos migratórios, o que originou, consequentemente, um crescimento da comunidade reclusa, estabelecida em 5642 reclusos em 1980, em 9389 reclusos em 1985, atingindo um máximo de 14598 em 1999, para estabilizar nos 12670 reclusos, criando o grave problema que enfrentamos actualmente e que se prende com a sobrelotação dos edifícios. Com estes números, Portugal representa o 079 país com a maior taxa de população reclusa da Europa Ocidental, ou seja, cerca de 130 reclusos por 100 mil habitantes, quando a média europeia é de cerca de 90 reclusos por 100 mil habitantes80. Como agravante esta população encerra em si uma maior complexidade psico-social do que aquela que se verificou ao longo do Estado Novo e que se estrutura de indivíduos ”[...] com histórias de vida e enquadramentos sócio-familiares mais desestruturados e evidenciando mais elevados padrões de agressividade e violência. [...] reclusos ligados a grupos e associações criminosas, a actuar sobretudo na área do tráfico de droga [...]”81, a que se somam ainda os reclusos estrangeiros que geram conflitos étnicos, e os reclusos com graves problemas de saúde, muitas das vezes relacionadas com a toxicodependência e/ou a homossexualidade. Após um período de apatia manifestado ao longo da década de 70 até o início da década de 90 do século XX, o governo desenvolveu estratégias no sentido de melhorar e actualizar o sistema penitenciário e o parque prisional português, que foram colocadas em prática a partir do ano de 1996. Dentro destas medidas destacase a publicação dos decretos-lei que visavam a aplicação do trabalho a favor da comunidade, o reforço da formação profissional, da educação e do ensino, bem como a aplicação do controlo electrónico. Actualmente está a ser implementada uma iniciativa comunitária intitulada EQUAL que procura, em conjunto com as Nações Unidas e o Concelho da Europa, evitar a reincidência prisional, através de uma reinserção social e laboral dos reclusos a partir de parcerias exteriores à instituição prisional, que garantam a habitação e o trabalho destes, após o seu regresso à liberdade. Esta iniciativa está em actividade em países como a Suécia, a Alemanha

DORES 2002, p. 3 Dados recolhidos através do Ministério da Justiça no Relatório Final da Comissão de Estudos e Debate da Reforma do Sistema Prisional do ano de 2004 81 MACHADO 2001 79

ou a Holanda, de forma a criar uma rede europeia que possibilite uma maior uniformização da gestão dos estabelecimentos prisionais e uma melhoria das condições humanas dos reclusos, possibilitando o acesso

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ao ensino e/ou ao trabalho, bem como o combate à sobrelotação através da construção de mais e melhores estabelecimentos prisionais. Como conclusão, a referida reforma pretende alertar que: “[...] a condenação de um indivíduo a uma pena de prisão efectiva priva-o da liberdade e sujeita-o a determinadas regras específicas de disciplina, mas não pode acarretar consigo o desrespeito pelos demais direitos do recluso enquanto cidadão, nem colocá-lo em condições de vida desumanas [...]. O sistema prisional não é, nem pode ser, um ghetto, colocado fora das fronteiras da sociedade e das suas principais preocupações, nem pode ser relegado, pela desatenção e desleixo de governantes e governados, para uma condição que o transforme em mero depósito de mulheres e homens cujos direitos fundamentais não sejam plenamente respeitados.”82 É fundamental não esquecer que a reclusão procura a regeneração do indivíduo para uma posterior libertação e regresso à vida em comunidade, que se pretende que seja produtiva e coerente com as regras de conduta inerentes à sociedade. No entanto, e tendo como base a dissertação de António Pedro Dores, é possível perceber que o sistema penitenciário português encerra em si complexidades de difícil resolução, que levaram a que Portugal fosse, em 2003, um dos poucos países da União Europeia condenado por atentados aos direitos humanos dos presos pela Amnistia Internacional e pela Comissão de Direitos do Homem do

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Conselho da Europa. As instituições prisionais, no início desta nova reforma, mostravam-se como um sistema fechado e totalitário, administrado por uma só entidade, que controlava de forma obsessiva a rotina do recluso controlando e/ou prejudicando as suas vidas pessoais e prisionais. Gradualmente, esta administração tem evoluído no sentido da dissolução do seu poder absolutista sendo que, nos dias de hoje, a direcção prisional é repartida por cerca de trinta organismos, públicos e privados, nacionais e internacionais, todos geridos por uma mesma entidade, a Direcção Geral dos Serviços Prisionais, mas com a autonomia suficiente para se fazerem valer dentro do sistema penitenciário. Destas entidades há a destacar a iniciativa comunitária para a prevenção da reincidência prisional EQUAL, já descrita, e o Quadro de Avaliação e Responsabilização (QUAR) promovido pelo Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP) cujo objectivo é garantir e melhorar a segurança no sistema prisional, gerir e incentivar a reinserção dos reclusos e melhorar a qualificação dos funcionários. Contrariamente aos organismos administrativos, o edifício prisional é imutável, permanente e decisivo. O valor formal e conceptual deste assume aqui um papel fundamental para a correcta recuperação do recluso, pois deve ser flexível ao ponto de transmitir uma ideia dual, ou seja, ser um lugar com uma dureza formal capaz de punir por si só, ao mesmo tempo que cria o espaço da reflexão e da introspecção, o lugar conceptualmente Ministério da Justiça 2004B, p. 85 e 86 82 Estão contabilizados apenas os edifícios prisionais existentes e activos no ano de 2008 em Portugal Continental 83 Estes dados provêm da DGSP e podemos concluir, analisando os dados do ano de 2006, que o patrimônio prisional em Portugal Continental diminuiu de 56 edifícios para 47 84

forte onde a pedagogia será o mote para a recuperação do recluso. O património prisional português edificado83 é composto por um total de 47 edifícios, classificados em estabelecimentos centrais [15 edifícios], especiais [5 edifícios] e regionais [27 edifícios], assinalados no mapa em anexo84. A maior parte deste advém da intervenção encetada pelo Estado Novo, sendo que a sua maioria se


encontra ainda em funcionamento e revelam-se como os principais alvos das intervenções de melhoramento impulsionadas pelos “[...] Dec-Lei n.º 46/96, de 14 de Maio e o Dec-Lei n.º 328/98, de 2 de Novembro – a prever mecanismos jurídicos especiais que tornam mais ágeis os procedimentos de recrutamento de pessoal, aquisição de bens e realização de obras.”85 As metas traçadas por estes decretos permitiram “[...] enfrentar os mais graves problemas do sistema: a sobrelotação e a degradação das condições materiais de reclusão. Os aumentos de lotação [...] permitirão a prazo que a lotação atinja cerca de 13.300 lugares [...]. Assim, o problema da sobrelotação está a ser enfrentado com a estratégia definida, permitindo-se criar condições físicas para uma política consistente de

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separação de reclusos e tratamento diferenciado. De igual modo, o problema da degradação das condições materiais de reclusão está em vias de resolução com os vários investimentos previstos para o enfrentar.”86 Estes objectivos resultaram, por um lado, em acções de recuperação e transformação de edifícios já existentes, exemplo dos estabelecimentos de Santarém e Carregueira, ambos antigos presídios militares, o antigo forte de Monsanto, actual edifício prisional de Monsanto e, por outro, na melhoria dos espaços de reclusão destinados à detenção, às actividades diárias dos reclusos e aos cuidados de saúde, através da construção e remodelação das instalações sanitárias, refeitórios, cozinhas, ginásios, oficinas e enfermarias. 38b

Estas intervenções verificam-se de uma forma generalizada em todo o património prisional português, mas a título de exemplo podemos destacar as beneficiações realizadas no Estabelecimento Prisional de Coimbra que remodelou na totalidade uma das alas prisionais – celas, instalações sanitárias e galerias de acesso, e no Estabelecimento Prisional do Linhó, localizado na cidade de Lisboa, onde foi construída uma 081 unidade de saúde e um pavilhão anexo para albergar a unidade escolar e de formação profissional. Por outro lado, optou-se também pelo fechamento e alienação de edifícios prisionais em avançado estado de degradação, na sua maioria cadeias comarcãs localizadas no interior do país87, para se proceder à construção de novos, junto a alguns dos principais estabelecimentos prisionais portuguesas, com o objectivo de aumentar a sua capacidade de lotação aumentando, consequentemente, o parque prisional português com cerca de mais 2000 lugares e, assim, contribuir para a diminuição da sobrelotação do sistema penitenciário português que, apesar de não ultrapassar uma média estabelecida nos cinco porcento, chegava a atingir uma sobrelotação equivalente a cem porcento em alguns edifícios devido às “[...] dificuldades de gestão da população reclusa com que se tem debatido o sistema prisional, sobretudo no que respeita à falta de Estabelecimentos Prisionais para cumprimento de pena, obrigando a que reclusos já condenados tenham de permanecer por mais tempo em EP Regionais.”88 Dos novos edifícios aqui referidos destacam-se as novas instalações dos estabelecimentos prisionais da Carregueira construído em 2002, de Beja edificado 2001 e de Paços de Ferreira, de 2002, este último, objecto de estudo desta prova final, escolhido pela oportunidade que tive de contactar com o autor do projecto, o arquitecto António Eloy Castro, que me falou de todos os conceitos inerentes a este, abordando também os problemas e cuidados a ter quando se desenha um edifício desta natureza. Por ser um dos últimos edifícios prisionais construídos em território português, projectado na fase de transição entre a antiga e a nova reforma

38a

Parque penitenciário activo no ano de 2006 38a

Parque penitenciário activo no ano de 2008 - a cinza encontram-se assinalados os edifícios que não sofreram alteração na sua actividade; a encarnado aqueles que foram desactivados e a azul os construídos ou reabertos neste novo parque penitenciário MACHADO 2001 Idem Os estabelecimentos prisionais regionais de Castelo Branco e São Pedro do sul são exemplo deste facto 88 Ministério da Justiça 2006, p. 14 85

do sistema penitenciário, este estabelecimento prisional constitui em si, um laboratório experimental do programa para os novos a construir a partir daquela data.

86 87




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Implantação as Novas Instalações do EP de Paços de Ferreira

39


A sua análise permitirá traçar linhas estratégicas para a concretização do projecto que me proponho realizar como conclusão desta abordagem teórica, ao mesmo tempo que servirá de mote para a descrição das iniciativas promovidas pela nova reforma, em vigor desde o ano de 2005. As novas instalações do EP de Paços de Ferreira implantam-se a sudeste da antiga Cadeia Central do Norte, num terreno com uma pendente acentuada no sentido poente-nascente, o que tornou imperativa a subdivisão do edifício em seis volumes, numa composição pavilhonar, organizados segundo plataformas que vencem as diferentes cotas. Todo o terreno é cercado por um muro de sete metros de altura e seiscentos de perímetro, que forma um quadrado e é dotado, nos seus vértices, por torres de vigia. Este equipamento prisional pode ser descrito em dois conjuntos de edifícios distintos, que organizam uma quase prisão dentro de outra, ou seja, um primeiro conjunto composto pelos volumes correspondentes às áreas colectivas e de serviço que contactam entre si através de pátios e se encontram envolvidos pelo muro exterior, e um segundo composto pelos edifícios de reclusão que se encontram fechados dentro de uma segunda cerca, sendo dotados de espaços exteriores independentes que servem cada um dos volumes. Estes dois conjuntos de edifícios contactam entre si através de uma galeria que controla todos os percursos dos reclusos. Os edifícios que compõem o primeiro conjunto mencionado são a portaria, a ala comum e a cisterna, esta última construída para armazenar e servir água ao antigo e ao novo edifício prisional. A portaria, à semelhança do que acontece com o edifício projectado pelo arquitecto Rodrigues Lima, é o único volume que contacta 085 com o exterior e tem como função controlar as entradas e saídas, quer de viaturas quer de visitantes, para além de organizar no seu interior o gabinete para o guarda de serviço, os depósitos de encomendas e sala de espera das visitas. A ala comum constitui o edifício mais complexo de todo o conjunto, já que encerra no seu interior as diferentes áreas do parlatório, espaços para a formação dos reclusos, áreas administrativas e para a permanência do corpo de guardas, bem como algumas zonas de serviço e a garagem. Este edifício organizado em três pisos recebe, na cave, a garagem destinada aos veículos do corpo de guardas e administração, os diferentes equipamentos de controlo infra-estrutural do edifício e as celas disciplinares. No piso térreo encontram-se organizados o parlatório, as salas para os advogados e os quartos para encontros íntimos; uma área administrativa composta pelos vários gabinetes e por uma secção de atendimento ao recluso e, finalmente, uma área de permanência do corpo de guardas, composta por balneários colectivos e zona de cacifos. As áreas reservadas aos reclusos e ao corpo de guardas prolongam-se para o primeiro piso, onde se organizam as salas de formação e a biblioteca destinada aos detidos e as camaratas e quartos individuais destinados aos guardas, sendo que estas duas áreas se encontram rigorosamente separadas e são servidas por acessos verticais e horizontais, independentes. O segundo conjunto de edifícios é composto pelas três alas prisionais, que se organizam em três pisos, segundo uma disposição formal e funcional idêntica. No térreo são incorporados todos os espaços necessários à rotina diária do recluso, ou seja, salas de trabalho, de convívio e o refeitório, onde um só guarda, que se encontra no gabinete de chefe de ala, controla os movimentos no interior destes espaços, bem como os


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O N M

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Implantação das Novas Instalações do EP de Paços de Ferreira - esquema volumétrico da implantação

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NIEP de Paços de Ferreira - volumétrico da cave estacionamento privado_A. celas disciplinares_B. manutenção_C.

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NIEP de Paços de Ferreira - esquema do piso térreo portaria_D. sala de espera_E. salas de convívio para guardas_F. parlatório_G. galeria de distribuição exterior_H. cisterna_I. gabinete de guarda_J. salas de convívio e trabalho_K. cantina_L.

O

40d

NIEP de Paços de Ferreira - esquema do primeiro piso alojamento para guardas_M. secção pedagógica_N. ala de celas_O. 40e

NIEP de Paços de Ferreira - esquema do primeiro piso ala de celas_O.

40e


acessos dos reclusos à galeria exterior que permite o contacto com o sector comum das novas instalações prisionais de Paços de Ferreira. Nos pisos superiores organizam-se as celas duplas e individuais, albergando um total de setenta e dois reclusos por edifício. Cada uma destas alas é servida com um espaço exterior independente equipado com áreas para a prática do desporto e para o lazer ao ar-livre, sendo que a comunicação entre os reclusos que habitam cada uma delas é impossibilitada, garantindo uma estratificação e hierarquização em grupos, aproximando funcionalmente este edifício ao Metropolitan Correctional Centre of Chicago. Este esquema organizacional possibilita controlar esta comunidade de uma forma mais rigorosa, evitando possíveis revoltas conjuntas e garante um maior grau de relacionamento entre o recluso e o corpo de guardas defendendo um dos principais objectivos do tratamento penitenciário contemporâneo: a humanização e individualização das penas através “[…] de princípios da psicologia ambiental – redução do sobrepovoamento, aumento da privacidade, um equilibrio entre a necessidade de vigilância e o controlo dos reclusos e a apropriação de territórios próprios a estes e ao pessoal de vigilância.”89 Sabemos, no entanto, que esta premissa conceptual não se encontra em funcionamento, existindo uma distribuição dos reclusos tendo como objectivo a ocupação quantitativa e não a estratificação qualitativa, em consequência da sobrelotação que ainda se verifica e que é fundamental eliminar para se proceder a uma maior preocupação com a potencialidade reinserciva da prisão. A oportunidade que me foi dada de falar com o arquitecto Eloy Castro permitiu-me perceber as diferentes 087 fases do projecto, ao mesmo tempo que o entendimento dos espaços e a organização formal dos diferentes volumes se tornou muito mais clara. O programa deste edifício foi elaborado ao longo do próprio projecto, dado não existir na altura (ano de 1998) uma ideia concreta, por parte da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, sobre o que deveria ser um estabelecimento prisional contemporâneo. Em consequência, este edifício assemelha-se, formal e funcionalmente, à maioria dos estabelecimentos prisionais portugueses legados pelo Estado Novo. Esta tendência foi quebrada uma única vez pelo arquitecto Cottinelli Telmo em 1943 na Colónia Penitenciária de Alcoentre, onde foi projectada uma torre, marcadamente influenciada pela linguagem moderna, onde se destaca a sua proporção cuidada, a eliminação de qualquer elemento decorativo ou alusivo aos tradicionalismos portugueses, bem como o uso sistemático de um mesmo vão, fazendo com que este edifício constitua um dos exemplos de arquitectura penitenciária mais arrojados e modernos construídos em território português. Esta torre é envolvida por edifícios de dois pisos, que albergam os serviços administrativos e comuns, libertando, desta forma, no seu interior, um pátio onde pousa esta torre de oito pisos que alberga um conjunto de celas para trezentos reclusos. Retomando a descrição das Novas Instalações do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, podemos dizer que o edifício é construído através de uma conjugação de elementos pré-fabricados de betão (todas as paredes interiores e exteriores) e uma estrutura metálica. Para isto foi imperativo proceder-se a uma modelação rigorosa do edifício em módulos de dois metros, sendo que esta métrica se manifesta na fachada através de linhas verticais que percorrem todo o edifício e enquadram as aberturas, também elas iguais entre

89

GONÇALVES 1999, p. 105


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Cadeia de Alcoentre - Torre central que alberga as celas, Cottinelli Telmo 42 e 43

Cantonal Penitencier, Sion, Nunatak , 1998

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Sistema construtivo constituido por elementos préfabricados em betão 42b

Rigidez da modelação que o sistema constutivo impõem em toda a composição

43a

Cela inividual tipo semelhante à utilizada construída nas Novas Instalações do EP de Paços de Ferreira

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Composição das alas de reclusão - predominância das celas individuais

43b


si, independentemente do espaço que servem. Esta atitude conferiu ao edifício uma clareza e austeridade formal enorme, permitindo que este se relacione de uma forma harmoniosa com o edifício da antiga Cadeia Central do Norte. No entanto, é no tratamento da cela, nas características dos espaços interiores, na organização dos percursos e no conceito funcional, que encontramos uma atitude mais experimental e cuja abordagem se torna importante para este trabalho, pois alerta para algumas das preocupações inerentes à segurança que estes edifícios têm de garantir e para a humanização e dignificação dos espaços destinados à reclusão, hoje, uma preocupação generalizada para todos os países da comunidade europeia. Neste edifício recorreu-se ao uso das celas individual e colectiva, neste caso especifico destinada a albergar dois reclusos, consequência que advém desta incerteza programática inicial, dado que, hoje se aplica, unicamente, a individual, sendo que a colectiva surge apenas como excepção, como são exemplo as alas prisionais da Penitencier Cantonal, que em cada ala deste edifício organiza vinte e quatro dormitórios individuais e apenas três colectivos que só funcionam em caso de emergência ou quando a própria estratégia de reinserção exige que recluso esteja acompanhado no seu espaço de dormir. No caso de estudo em análise cada ala de reclusão suporta vinte e oito celas colectivas e apenas dezasseis celas individuais contrariando os conceitos actuais. A cela individual, cuja área corresponde a cerca de metade da cela colectiva, é acedida pela galeria de distribuição, através de uma porta de ferro e no seu interior é servida por uma janela que contacta com o 089 exterior, sendo fechada pela caixilharia e pelo gradeamento. O espaço de dormir é composto por uma cama fixa, construída em betão pré-fabricado e por um lavatório de aço inox localizado junto à porta. A instalação sanitária, também organizada no seu interior, inclui uma base de chuveiro e uma sanita, ambos em aço inox, mas não responde aos princípios comuns da privacidade, permitindo que o guarda consiga ver o seu interior, tendo uma percepção total da cela através da galeria de acesso, conseguindo desta forma evitar possíveis ataques e tentativas de fuga por parte do recluso. O uso de materiais que possam ser transformados em armas é evitado, encontrando-se embutidas, por isso, todas as canalizações e reduzida ao mínimo indispensável a utilização de vidros ou espelhos, procurando a sua substituição por acrílicos inquebráveis ou aços polidos. Os espaços interiores da ala de reclusão foram cuidadosamente organizados para satisfazerem as exigências relativas à segurança, existindo uma preocupação de reduzir os pontos de contacto com o exterior a uma única porta, constantemente vigiada, localizada no piso térreo de cada ala de reclusão e em contacto directo com a galeria de acesso aos espaços colectivos. Este gesto de redução ao mínimo possibilita, por um lado, a redução do pessoal vigilante e, por outro, permite que o recluso percorra, livremente, todos os espaços da ala de reclusão, compostos pelo refeitório, salas de convívio e de trabalho e armazéns para lixos e roupas sujas, sem qualquer sensação de vigilância permanente, podendo tirar partido quer destes espaços quer dos individuais. No desenho dos percursos da ala prisional tentou-se conjugar esta preocupação relativa à segurança com uma optimização e rentabilização do espaço. Assim, no piso térreo, a galeria de acesso que surge adossada


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Galeria semelhante à construída no edifício em análise (ala reclusiva na prisão de Bristol inaugurada em 1964) 44b

Esquema de acessibilidades horizontais caracterizadas pela luz e a amplitude espacial (Prisão de Woodhill - ala de reclusão conformada segundo um prisma triângular. Duas das suas faces recebe as celas enquanto que a última deixa a luz natural entrar, através de um plano de vidro. 45

Parlatório na prisão de Belmarsh, Londres

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Esquema dos percursos de acesso ao parlatório: visita assinalada a azul; o recluso a encarnado

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à parede poente, recebendo os acessos verticais, passa a ser central nos pisos superiores, dando acesso às celas que se encontram adossadas às duas fachadas, rentabilizando ao máximo o seu uso. Esta atitude tem as mesmas consequências negativas que se verificam nas antigas instalações prisionais de Paços de Ferreira, com a agravante que esta galeria central é totalmente encerrada impossibilitando o uso de clarabóias para a sua iluminação permitindo apenas a entrada de luz através das aberturas que pontuam os acessos verticais e os topos do volume. Importa ainda destacar a forma como foram projectados alguns dos percursos deste edifício, nomeadamente, os que correspondem aos movimentos de entrada e saída das visitas, que se verifica entre o exterior e o parlatório, e o mesmo percurso, mas para os reclusos, manifestado entre as alas de reclusão e o referido espaço de encontro. O parlatório corresponde ao espaço mais próximo da liberdade para o recluso e, ao mesmo tempo, o mais próximo da reclusão para a visita. Este facto verifica-se não só pela sua posição, que se encontra organizado no volume mais central de todo o edifício, mas também porque corresponde ao único lugar onde o recluso pode contactar com as pessoas que lhe lembram e o ligam à vida em liberdade. Assim o parlatório corresponde ao “lugar entre” uma realidade e outra e por isso é necessária uma atenção redobrada na concepção do seu desenho para evitar possíveis tentativas de fuga, troca de objectos ou acessos de violência. De forma a perceber como se processa este momento de encontro dentro do edifício prisional, tentarei descrever os percursos destas duas personagens em simultâneo. Através do esquema em anexo é possível 091 perceber que a visita após passar pelo átrio da portaria, onde é revistada, aguarda na sala de espera a altura correcta para se dirigir ao parlatório. A sua chamada para este espaço é efectuada depois da chegada do recluso, que sairá da sua ala de reclusão percorrendo a galeria exterior, sendo revistado antes de ser conduzido a uma mesa localizada no interior deste espaço. Após este momento a visita continua o seu percurso, que é feito através do pátio exterior, de serviço à portaria, e que dá acesso ao átrio do pavilhão comum, onde um guarda a encaminhará para a respectiva mesa do parlatório. No fim do período de encontro o recluso é reencaminhado para o seu espaço de isolamento passando, novamente, pelos gabinetes de revista para eliminar qualquer hipótese de troca de objectos entre este e o seu familiar. A visita por sua vez só poderá sair do parlatório quando o recluso estiver devidamente instalado na cela, mas desta vez percorrendo uma galeria que serpenteia ao longo de trinta metros, possibilitando que durante todo este tempo haja uma verificação da correcta instalação do prisioneiro ao seu espaço de reclusão. Após uma nova revista no átrio da portaria, o visitante terá autorização para abandonar a prisão. O edifício prisional aqui descrito entrou em funcionamento no ano de 2003, um ano após a sua conclusão, e corresponde a uma das últimas acções encetadas pela antiga reforma, que terminou no ano de 2005 para dar lugar à actual, cujos principais objectivos passarei a descrever de forma a destacar aqueles que mais interessam no sentido da renovação e actualização do parque penitenciário português90. Não existe qualquer elemento fotográfico que ajude a caracterizar os espaços das novas e antigas instalações do EP de Paços de Ferreira dado que a DGSP não permitiu a sua publicação –documentos nas páginas 51, 52, 53 e 54 do Volume II 90

“[…] A proposta de lei que agora se apresenta assume-se como um momento fundador de uma nova atitude face ao sistema prisional português, pretendendo assegurar consensualmente a consagração normativa


de princípios e de regras que, uma vez concretizados, […] permitirão assegurar uma melhoria acentuada da situação das prisões portuguesas e do nível de reinserção social dos reclusos. […] Nestes termos, e após amplo debate, a presente proposta de lei estabelece os objectivos e princípios gerais que devem pautar a reforma do sistema prisional. […] Consagra-se o princípio da necessidade de ampla renovação do parque penitenciário português, bem como da instituição de adequados mecanismos de acompanhamento da reforma e de avaliação do sistema.”91 Ao mesmo tempo que procura dar continuidade à reforma anterior, no que respeita à melhoria das condições de habitabilidade dos edifícios prisionais existentes e a um tratamento cada vez mais humanizado do recluso, esta nova reforma também propõe a renovação do parque penitenciário, na tentativa de resolver o grave problema da sobrelotação. Uma estratégia que sugere a construção de edifícios prisionais segundo um programa arquitectónico delineado ao nível dos países da união europeia92, bem equipados e localizados. Visa-se, desta forma, “[...] assegurar uma melhoria acentuada da situação das prisões portuguesas e do nível de reinserção social dos reclusos [...]”93, bem como a classificação dos “[...] estabelecimentos a construir de novo ou em substituição dos existentes, dos que serão objecto de obras de grande reparação, modernização ou melhoramento, e dos que serão oportunamente extintos ou, quando tal se justifique, mantidos para intervenções especializadas.”94

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Assim os estabelecimentos prisionais portugueses são os responsáveis pela execução das penas jurídicas e devem garantir a dignificação da vida dos reclusos através da satisfação das necessidades básicas do seu quotidiano, no que se refere à saúde, ao lazer e ao trabalho, bem como garantir a segurança de todos os intervenientes da vida prisional – reclusos, funcionários e visitantes – e das próprias instalações. O edifício prisional deve possibilitar a: “[…] organização da população prisional em unidades e grupos diferenciados, de modo a estruturar uma vida interna de plena ocupação” e a “[…] promoção de formas de vida diária dos reclusos pautadas por critérios normativos quanto a regras de higiene e saúde, cumprimento de horários, princípios de socialização, motivação para o trabalho e aquisição de saberes e competências, visando a sua auto-responsabilização.”95 Quanto à sua classificação, os edifícios prisionais são organizados tendo em conta o seu nível de segurança e o grau de complexidade da sua gestão, sendo que esta classificação está condicionada pelas valências que o estabelecimento é capaz de responder, como são exemplo a separação entre sexos, a resposta a diferentes graus de segurança e/ou durabilidade das penas a cumprir pelos reclusos. Um edifício é tão ou mais complexo quantas mais forem as valências a que responde, dado que a sua organização deverá ser feita por módulos diferenciados e independentes, geridos por um mesmo organismo. Relativamente aos novos edifícios prisionais a construir é possível mencionar, com certeza, a sua Ministério da Justiça 2004A, p. 4 91 Informação recolhida junto da equipa responsável pelos projectos prisionais do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-estruturas da Justiça 92 Ministério da Justiça 2004A, p. 4 93 Idem, p. 34 94 Idem, p. 19 95 <http://sic.aeiou.pt/online/noticias/pais/20080627-dez+no vas+prisoes+e+requalificacao.html> 96

localização e a estratégia para a sua implantação, dado que “o Ministro da Justiça, Alberto Costa, [...] apresentou a reforma do parque prisional, que inclui um conjunto de investimentos a iniciar já este ano (2008) e que se prolongarão até 2013 [...], garantindo o reforço da segurança, da melhoria das condições de reclusão e a racionalização de recursos humanos e financeiros.”96


Os estabelecimentos prisionais a construir localizar-se-ão em Almeirim (Lisboa), Angra do Heroísmo, Grândola, Castelo Branco, Coimbra, Alentejo Norte, Norte Litoral, Leiria, Algarve, Ponta Delgada sendo ainda reabilitados e ampliados os edifícios localizados em Alcoentre (aumento de capacidade para 300 reclusos), São José do Campo (aumento de capacidade para 300 reclusos) e Izeda (aumento de capacidade para 150 reclusos). Os lugares de implantação irão, certamente, respeitar os conceitos descritos pelo artigo 13.º do Anteprojecto da Proposta de Lei-Quadro da Reforma do Sistema Prisional, que exigem que estes novos edifícios se localizem em áreas que garantam um fácil acesso aos equipamentos públicos de justiça e de saúde, bem como a proximidade aos principais eixos viários de forma a facilitarem a comunicação entre estabelecimentos prisionais, o acesso a centros urbanos para o alojamento do pessoal penitenciário e ainda o fácil e rápido acesso das visitas ao edifício. Sabemos ainda que o novo mapa penitenciário propõe a localização dos novos edifícios prisionais fora dos grandes centros urbanos prevendo, por isso, o encerramento de alguns destes, que se localizam nas zonas mais densas das cidades para assim libertar espaços com importância do ponto de vista urbano97. Paralelamente, proceder-se-á também ao fechamento daqueles que se mostrem em avançado estado de degradação e/ou cuja dimensão e características formais sejam desadequadas às novas premissas desta reforma, como são exemplo os estabelecimentos prisionais de Portimão, Coimbra, Pinheiro da Cruz, Santarém e Lisboa, estes dois últimos já em fase de negociação para uma possível privatização e reconversão 093 programática. Com esta acção prevê-se que o mapa penitenciário a constituir por esta reforma conte com trinta e dois estabelecimentos prisionais, com maiores e melhores condições de reclusão do que os cerca de cinquenta edifícios prisionais activos em Portugal no ano de 2008. No que se refere ao programa arquitectónico para estes edifícios não foi possível aceder a nenhuma informação oficial sobre este assunto. No entanto sabemos que este existe, contrariamente ao que sucedeu na reforma anterior, e que está a ser aplicado no desenho do novo estabelecimento prisional de Lisboa, substituto do actual Estabelecimento Prisional desta cidade, cuja lotação deverá chegar aos mil e duzentos reclusos respondendo, simultaneamente, a várias valências de reclusão98. A evolução histórica, conceptual, formal e funcional da prisão, a sua contextualização do ponto de vista internacional e a aproximação ao território prisional português, tornou possível construir uma plataforma informativa para o projecto que me proponho realizar nesta prova final, sendo esta análise fundamental para perceber a forma como estes se implantam, se organizam, de que espaços necessitam e como se relacionam. Perceber o conceito e lógica dos seus acessos, as suas medidas, os seus materiais e de que forma a unidade mínima – a cela – se relaciona com o todo. Uma análise que me fez perceber que a arquitectura prisional foi, desde sempre, um tema relegado para segundo plano, dado o seu interesse do ponto de vista social e financeiro ser quase inexistente, sendo, no entanto, possível verificar que a luta pela dignificação das condições do recluso esteve sempre presente ao longo da evolução destes edifícios.

Informação recolhida em <http://rtp1.rtp.pt/index. php?article=264247&visual=16> 98 Informação recolhida através do Eng. Ferreira Pinto, responsável pelo referido projecto 97


...um limite, uma pris茫o na Mem贸ria | 094


Penso que isto se deve a uma consciencialização gradual que estas vantagens são indirectas. Gosto de pensar num edifício prisional como uma escola cuja complexidade é maior, bem como o são os desafios para educar os alunos que a frequentam. É indiscutível que será vantajoso, social e financeiramente, retirar e reeducar os delinquentes que, de uma forma sistemática, ferem aqueles que apenas tentam viver segundo as regras de uma sociedade, redireccionando essas mentes no sentido do bem. Assim é importante dizer, como ponto de partida, que este projecto tem por um lado a intenção de dar continuidade ao que tem vindo a ser feito em Portugal e ao que está proposto pela nova reforma do sistema prisional, mas, por outro, irá procurar ser também um laboratório experimental para novos conceitos que possam intervir na arquitectura prisional, no sentido da sua humanização e da sua importância enquanto lugar fundamental para a reinserção do recluso.

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Pensar a


pris達o


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Os sonhos e as expectativas expressas nos esquissos de três arquitectos

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Uma reflexão sobre o projecto 099 Lugar, programa, sensibilidade e sonho. Estes são, para mim, os factores que se encontram inerentes ao processo projectual. Através do trabalho e da investigação o arquitecto encontrará no lugar todas as circunstâncias99 que irão condicionar o projecto, indicar onde implantar e como orientar os volumes. No programa estão os espaços a organizar que, posteriormente, deverão responder de forma eficaz à função atribuída ao edifício. A todos estes elementos junta-se um último: os sonhos do utilizador100 que o arquitecto terá de interpretar e materializar no desenho e na obra. Todos os edifícios, desde o simples abrigo até ao mais complexo equipamento, na sua fase de projecto, atravessam este processo, fundamental para criar a “forma justa, a forma correcta, a forma que realiza com eficiência e beleza a síntese entre o necessário e o possível, tendo em atenção que essa forma vai ter uma vida, vai constituir circunstância.”101 A opção de projectar um edifício prisional surgiu no sentido de procurar uma alternativa ao actual panorama penitenciário português, cujas principais intervenções se limitam a pequenas e limitadas acções de reabilitação e/ou ampliação, ao mesmo tempo que se insiste no agrupamento de grandes comunidades reclusivas e não na hierarquização e separação das mesmas. Este cenário verifica-se nas novas instalações prisionais de Paços de Ferreira, onde cada um dos volumes dedicados à reclusão se encontra lotado, encerrando cerca de setenta reclusos, agrupados sem qualquer conceito hierárquico, visto não existir espaço para se proceder a esta premissa, descontextualizando assim o seu conceito inicial. Para esta premissa ser possível, tanto a escolha do lugar como a constituição do programa foram realizados em função de um objectivo base, que passa pela intenção de criar um edifício cujas características

TÁVORA 1996, p. 75 Utilizador poderá ser o cliente ou o público alvo desse edifício 101 TÁVORA 1996, p. 75 99

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permitam potenciar o processo de reestruturação da personalidade do recluso, para assim possibilitar o seu retorno à vida em liberdade como um indivíduo íntegro. A abordagem teórica apresentada anteriormente bem como o contacto com personalidades ligadas ao contexto prisional102 fizeram-me perceber que é fundamental consciencializarmo-nos que não basta encerrarmos os malfeitores, durante um longo período de tempo, sem qualquer interesse em lhes transmitir uma vontade de se reestruturarem, antes permitindo que neles desperte uma maior revolta e vontade de se orientarem pelo mal, e então, após este processo de enfatização da criminalidade, devolvê-los à sociedade. No documentário “Doing Time, Doing Vipassana”103 é dito: “O corpo de guardas foi treinado segundo o tradicional método da opressão: isolamento e castigo. Eles acreditavam que se o prisioneiro sofresse na prisão não voltaria a cometer crimes após a sua libertação com medo de ser devolvido a este inferno. Mas eles estavam enganados, pois na prisão de Thiar (Índia), os reclusos estavam a especializar-se no crime e não a libertar-se dele”. Este cenário deve ser evitado e corrigido, pois torna os estabelecimentos prisionais num dos piores investimentos de um país, visto ser em si um edifício estagnado e pouco explorado do ponto de vista público. Importa perceber que a sua principal função é impossibilitar o crime, mas, ao mesmo tempo, reabilitar o criminoso. Se estas premissas não forem cumpridas o edifício prisional será um fracasso. Assim, o objectivo deste projecto será encontrar a justa medida entre o castigo e a pedagogia que os

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espaços de um edifício prisional têm de conseguir transmitir: “There has to be an appropriete balance between the requirements of security and the adverse consequences of an over-opressive atmosphere, whish can lead to a hostile from the inmates and a negative response from the public”104, bem como ”[…] good prision design allows good relationships to develop between staff and prisioners, provides space and opportunity for a full range of activities, and offers decent working and living conditions.”105 Será este o fio condutor deste projecto: criar um edifício cujas características físicas e conceptuais permitam que o recluso tenha consciência que está a ser punido em consequência das suas acções, mas sinta, simultaneamente, que no espaço reclusivo pode reestruturar a sua conduta e obter a vontade necessária para se reintegrar na sociedade.

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Os sonhos e as expectativas expressas nos esquissos de dois estudantes de arquitectura

Dr.ª Paula Vicente (DGSP), arquitecto António Eloy Castro 102 ARIEL 1997 103 FAIRWEATHER 2003, p. 47 104 Idem, p. XIII 105

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Os lugares e as motivações Ao longo da minha experiência projectual na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, o lugar onde projectar mostrou-se sempre como um dado adquirido, facultado e escolhido pelos docentes da disciplina de Projecto, em conformidade com um programa preestabelecido. O facto de realizar como prova final de licenciatura um projecto prático possibilita-me agora, e pela primeira vez, reflectir sobre a escolha do lugar, preocupando-me com a sua dimensão e localização, e de que forma estas características podem potenciar o funcionamento do edifício a projectar. A partir da abordagem teórica que desenvolvi foi-me possível estudar as duas atitudes mais significativas tomadas relativamente à implantação dos edifícios prisionais ao longo da história, ou seja, de forma integrada ou isolada em relação aos centros urbanos. Sendo a prova final uma oportunidade de síntese, onde é fundamental explorar todos os caminhos e direcções possíveis, de forma a atingir conclusões mais vastas e ricas, optei por não me limitar à investigação de lugares fora dos centros urbanos, como defende o Ministério da Justiça106, procurando antes que o lugar fosse escolhido segundo os dois critérios manifestados ao longo da história, mas com objectivos e conceitos concordantes com o contexto temporal contemporâneo. Após algumas abordagens ao lugar, que se alargavam de uma forma geral ao território português, houve uma preocupação em concentrar essa procura em cidades com uma proximidade do Porto, da sua Zona Metropolitana e/ou Distrito Judicial, aproveitando esta oportunidade para projectar um estabelecimento prisional que integre e enriqueça, quantitativa e qualitativamente, a rede de edifícios penitenciários que servem o norte do país, cuja taxa de reclusos, por habitante, representa a segunda maior107.

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A esta vontade acrescentou-se também a preocupação de respeitar alguns dos condicionantes relativos à implantação. A dimensão do lugar deverá possibilitar o desenho de um edifício, cuja área bruta de construção se balize entre os sete e os dez mil metros quadrados, satisfazendo ainda questões relacionadas com a criação de grandes espaços exteriores dedicados ao lazer e ao desporto. A sua localização deverá ainda possibilitar o acesso a boas redes viárias, que facilitem a deslocação, não só por parte do corpo de guardas e funcionários, mas também por parte das visitas, bem como o contacto entre os reclusos, os seus advogados e as instâncias judiciais a que estes estão obrigatoriamente associados, como os tribunais e os centros policiais. Estes condicionantes foram ponderados em ambos os critérios de escolha dos lugares. A vontade de projectar um edifício prisional numa área urbana central surgiu através do contacto que tive com o Metropolitan Correctional Center of Chicago, onde se salienta a sua total integração na malha e na morfologia da cidade. Este edifício, para além de comportar uma função penitenciária, suporta também um conjunto de serviços judiciais e administrativos ligados ao funcionamento da cidade. Através deste exemplo foi possível idealizar um estabelecimento prisional que poderia também suportar valências dedicadas à justiça – tribunais ou divisões administrativas – e aos departamentos ligados à Universidade, direccionados ao estudo do Direito e à investigação relacionada com a Psicologia e a Psiquiatria, incentivando e facilitando o acesso aos estágios que se praticam, actualmente, nestes estabelecimentos. Assim o principal objectivo seria criar um espaço vivo, tentando evitar o actual cenário dos edifícios prisionais portugueses e internacionais, fechados no interior dos seus grandes muros, correspondendo a um investimento massivo por parte do Estado e cuja potencialidade pública se encontra pouco explorada.

Dados recolhidos em Anteprojecto da Proposta de Lei-Quadro da Reforma do Sistema Prisional 107 Os estabelecimentos prisionais do Distrito Judicial do Porto recebem cerca de 3000 dos 12670 reclusos portugueses, unicamente ultrapassados pelo Distrito Judicial de Lisboa – dados recolhidos no site da DGSP <www.dgsp.mj.pt> 106


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Arquitecto Harry Weese (1915-1998)

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Metropolitan Correctional Center, Chicago, 1975

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Ortofotomapas dos terrenos localizados em Bessa Leite, Francos e na Constituição


No entanto, é de salientar o esforço por parte da Direcção Geral dos Serviços Prisionais que procurou fomentar novas dinâmicas público-privadas para, desta forma, explorar a mão-de-obra disponibilizada pelos reclusos, retirando desta acção vantagens económicas tanto para este como para o próprio sistema prisional: “O objectivo é, explicou o responsável Rui Sá Gomes (antigo director da DGSP), criar trabalho, dar formação, permitir empregabilidade. Vamos tentar que as prisões possam elas próprias funcionar como prestadores de serviços a terceiros. [...] Porque é que um estabelecimento prisional não pode ser encarado como uma empresa, rentável para bem do recluso e do próprio sistema?”108 Estas acções, contudo, continuam a interpretar a prisão como um edifício fechado, não existindo em Portugal qualquer estabelecimento prisional, construído ou em estado de projecto, que procure uma dimensão programática de equipamento público, que enriqueça a cidade e não se feche perante esta109. Os três terrenos escolhidos, segundo este critério, localizam-se na cidade do Porto, junto das denominadas novas centralidades urbanas, procurando que o edifício prisional funcione como dinamizador desses lugares e redefina urbanisticamente os seus espaços envolventes. Assim os lugares abordados localizam-se em Bessa Leite, junto à Avenida da Boavista e do Pólo II da Universidade do Porto; em Francos, junto da avenida AEP e na Constituição, junto do Hospital da Prelada e encontram-se sucintamente ilustrados nas imagens e descritos nas páginas 41, 42 e 43 do volume II desta prova. A procura de um lugar periférico, isolado dos grandes centros urbanos, partiu dos princípios inerentes a um dos edifícios contemporâneos que me acompanhou e influenciou ao longo de quase todo o meu percurso académico: o convento de La Tourrete. De uma forma sucinta, pretendia-se que este edifício permitisse “Alojar 103 no silêncio homens de oração e de estudo e construir-lhes uma igreja.”110 Assim o arquitecto Le Corbusier ergueu um edifício sobre um terreno isolado, junto da pequena vila de Eveux-sur-Arbesle, em Lyon, rodeado por uma floresta densa, cuja pendente permitiu que este se elevasse fazendo com que uma das suas fachadas captassem todo o horizonte, voltando para esta paisagem alguns dos dormitórios, a sala de convívio comum, o refeitório e o capítulo. O silêncio daquele lugar e o horizonte por ele oferecido transformaram-se na casa dos homens que pretendiam encontrar a disciplina através da religião. As fronteiras que separam os conceitos de um convento e os de uma prisão são ténues. Num convento os seus habitantes vivem por vontade própria, segundo regras rígidas, num ambiente de clausura, procurando a disciplina nos espaços que o constituem, com o objectivo de “[...] eliminate the private and all the material distractions to encourage and enrich the spiritual life. A plain cell and minimal possessions encouraged meditation on the transcendent, [...] and from the solitude of the plain cell the monk came to this communal life in a setting of magnificent and soaring architecture, embellished with the finest of crafts of present and past times.”111 Um edifício prisional deverá também, através das suas características arquitectónicas e da sua correcta in Público 18 Setembro de 2006, p. 20 Esta afirmação baseia-se nas informações acessíveis sobre este assunto, que se limitam àquelas que foram mencionadas ao longo desta prova, sendo de relembrar que se encontra em fase de projecto uma prisão para Lisboa, a implantar junto do Estabelecimento Prisional do Linhó, mas cujo funcionamento e programa me foi impossível consultar por questões de sigilo 110 BOESIGER 1994, p. 122 111 FAIRWEATHER 2003, p. 9 108

gestão, permitir que essa disciplina seja administrada aos homens que nela se vêem obrigados a habitar, possibilitando-lhes construir princípios de reestruturação e de reinserção, sendo fundamental que o lugar, como um dos elementos principais do projecto, reúna as condições necessárias para que tal objectivo seja alcançado.

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Arquitecto Le Courbusier (1887-1965)

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Convento de La Tourrete, Lyon, 1960

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Fotografias e ortofotomapas do terreno localizado na Praia da Memória, Matosinhos 52d-e

Fotografias e ortofotomapas do terreno localizado na Praia de Silvalde, Espinho


O conceito aqui enunciado possibilitou criar o segundo critério aplicado na escolha do lugar. Em síntese, o objectivo seria agora a procura de um lugar com uma relação mais íntima com a sua envolvente. A esta vontade juntou-se a intenção de consciencializar o recluso que o estado de reclusão constitui o limite e o fim do seu percurso enquanto elemento marginal à sociedade, sendo o lugar de implantação o primeiro indício que o único caminho a seguir será o da reabilitação. A prisão e o lugar onde esta se implanta fariam assim perceber, através das suas características formais e conceptuais, que “não basta punir (...). É possível – e desejável – ensinar aqueles homens e mulheres que haviam cometido crimes, que a separação forçada que a prisão impunha poderia ser o suporte para a aprendizagem de novas formas de viver na sociedade. Nascia assim a perspectiva segundo a qual a prisão poderia fornecer modelos de formação do comportamento.”112 A opção foi procurar uma proximidade ao mar, com o objectivo de tirar partido da situação de território limite, ao mesmo tempo que a linha do horizonte, por ele oferecida, proporcionaria o ambiente de reflexão necessário para a reestruturação do recluso. Assim os lugares localizam-se junto às praias de Silvalde, em Espinho, e da Memória, em Matosinhos, e estão também ilustrados nas imagens sendo que as suas principais características, vantagens e desvantagens se encontram descritas nas páginas 44, 45, 46, 47 e 48 do volume II desta prova final.

As motivações para o lugar “I drew the road, I drew the horizont, I noticed the orientation of the sun and sniffed the topography. I 105 decided where to build because that ain’t not been decided at all. In choosing the site I’ve committed either a criminal or a worthwhile act.”113 A escolha do lugar representa uma das atitudes decisivas de todo o processo de trabalho, pois será um dado fundamental do projecto. Será a primeira pista a seguir na formalização do edifício, pois nele encontrarei a envolvente a respeitar, a topografia a ler, os limites a redesenhar. O primeiro passo foi decidir qual dos dois critérios abordados seguir. Em discussão com o orientador desta prova cheguei à conclusão que implantar num lugar afastado da cidade seria a melhor opção para este exercício, dado que a intenção de criar um edifício prisional urbano, por muito que o projecto procurasse abrilo para a cidade, nunca poderia ignorar os seus espaços reclusivos, caracterizados pelos altos e imponentes muros, agressivos, certamente, para as ruas e construções que pontuam os lugares urbanos enunciados. É certo que o nosso território é todo construído por estes elementos limitrofes, lineares e austeros, na sua maioria construídos em granito, no entanto, o receio de causar mais uma cicatriz na cidade fez-nos abandonar a ideia. A escolha do lugar reduzia-se agora aos terrenos localizados nas praias de Silvalde e da Memória. Estes dois territórios, apesar de responderem ambos ao mesmo critério, são caracteristicamente distintos. Numa análise prospectiva poderíamos afirmar que as características morfológicas do terreno localizado em Espinho, pela sua ampla dimensão, pendente quase plana e envolvente marcada por edifícios militares poderia ser o lugar ideal para este exercício, possibilitando um projecto de traço largo e ancorado a um possível zonamento militar. No entanto, a Praia da Memória foi, desde o início, o lugar ideal para este exercício.

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GONÇALVES 2000, p. 17 COPANS 2005


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Fotos do lugar de implantação

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Execução dos Mártires da Pátria por ordem de D. Miguel

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Desembarque dos Liberais na Praia do Pampelido (actual Praia da Memória)

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Obelisco da Memória (ao desembarque dos Liberais)

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“Adriano, conheço um lugar óptimo para implantares a tua prisão. Fica perto do Cabo do Mundo, ali em Matosinhos”. A Sofia esteve certa desde o início. Rapidamente recolhi informação gráfica para poder discutir com o orientador desta prova a possibilidade de implantar naquele lugar. O meu conhecimento sobre a sua história era nulo e a minha vontade foi frustrada. Este sentimento levou-me a investigar todos os lugares apresentados anteriormente, investigação decisiva para esta escolha final uma vez que a procura, que fora outrora, somente gráfica, passara, depois desta reunião, a ser também histórica, urbana e principalmente interpretativa. O lugar da Memória levou-me à memória do lugar. Esta praia, outrora chamada “dos Ladrões” devido às “[...] tradições de pilhagem costeira aos navios em perigo, [...]”114 foi cenário de um momento histórico importantíssimo e que motivou decisivamente esta escolha. Nesta praia desembarcou a armada de D. Pedro IV, cujo objectivo era libertar o povo português da governação absolutista de D. Miguel, que a “[...]11 de Julho (1828) é considerado sucessor legítimo e entronizado em Cortes à moda antiga, iniciando o “terror miguelista”, através de devassas e prisões por simples delação. A tradição liberal estima que quase um terço da população portuguesa tenha sido perseguida pelo miguelismo. [...] Em 1831, contavam-se 139 execuções e, pelo menos, 1500 deportados.”115 “No dia 8 de Julho de 1832, a armada de D. Pedro IV aproxima-se em busca de um bom local para desembarcar. Rumavam a norte, ao Mindelo, mas alguns naturais da região que vinham a bordo alertaram para a existência de uma praia a sul com condições para aportar. [...] Cerca de 7500 homens a quem chamaram de 107 Exército Libertador pisavam o areal pouco depois para se dirigirem ao Porto.”116 “A ocupação da cidade do Porto surge aos liberais como um ponto de partida para a ocupação e restauração da Carta. [...] No dia 9 de Julho, o exército liberal entra na cidade. Iria manter-se cerradamente cercado pelo grosso do enorme exército nacional até ao Verão de 1833. [...] O cerco do Porto opunha dois adversários infinitamente desiguais. [...] A anarquia que reinava no exército foi suportada por D. Pedro, a ponte de, pouco a pouco, a cidade lhe reconhecer coragem e decisão, associando-se a uma causa que não tinha querido fazer sua. [...] Dos “bravos do Mindelo” restavam 6 mil. Os sitiantes, quando o general Beaumont resolveu levantar, eram 35 mil. Por essa altura, já a cidade se decidira por D. Pedro, pela Carta e pelo Liberalismo.”117 “Oito anos depois, a filha de D. Pedro IV dirige-se ao local [Praia dos Ladrões], onde lança a primeira pedra de um monumento que perpetuou o acontecimento. O obelisco da memória do desembarque continua na praia que ganhou o nome de Memória.”118 O momento aqui descrito foi decisivo para a evolução do pensamento humanista português, impulsionando muitas das acções reformistas referidas na descrição do edifício da Cadeia e Tribunal da Relação do Porto e que marcaram, no fundo, o arranque do sistema penitenciário do nosso país. Este facto associado às características morfológicas do lugar, à relação ampla e franca que este estabelece com o horizonte e com o mar e à amplitude de um lugar fragmentado, urbanisticamente disperso e difuso, possibilitaram que fosse PACHECO 1986, p. 153 RAMOS 1994, p. 468 SCHRECK 2006, p. 25 117 RAMOS 1994, p. 469 e 472 118 SCHRECK 2006, p. 25 114

crescendo uma sensação de conforto em relação à escolha da Memória para a implantação do edifício prisional que proponho como exercício nesta prova final.

115 116


Av. D. Pedro IV

Rua do Facho

Rua do Conde Vila Fl么r

Rua da Mem贸ria

Rua da Mexilhoeira

ALADI

Envolvente


Temas, mat茅rias e materiais

Obelisco da Mem贸ria


Programa Base

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Receio, no entanto, que exista uma interpretação errada em relação a esta escolha. De facto a nossa história, infelizmente, ensina-nos que este lugar seria ideal para um programa ligado à habitação de luxo e nunca para um edifício público, muito menos ligado à arquitectura prisional. Mas, de facto, este lugar representa muito mais, e é bom ter esta oportunidade de sonhar e desenhar um edifício segundo os seus verdadeiros princípios conceptuais, com traços desligados de qualquer tipo de especulação e pressão externas.

O programa O programa para este projecto foi construído tendo como base as novas instalações do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, da autoria do arquitecto António Eloy Castro, um dos últimos estabelecimentos prisionais edificados em território português e cuja análise foi fundamental para o balizamento das áreas de construção, bem como para a percepção dos espaços necessários ao bom funcionamento de um edifício deste tipo. O cruzamento deste programa com o de outros dois edifícios, a Penitencier Cantonal e o Leoben Judicial Complex, ambos construídos fora do território português e à luz dos actuais conceitos prisionais europeus, propiciou a criação de um programa que não esqueceu os conceitos e preocupações registadas ao longo da análise histórica e tipológica redigida ao longo deste trabalho, prevendo, por isso, um edifício prisional que irá incidir fortemente no aspecto reinsercivo e pedagógico da reclusão. O programa divide-se assim em três grandes grupos: a zona de entrada, constituída pelas portarias, que 111 possibilitam a transição entre o exterior e o interior, responsáveis pelo controlo dos movimentos de entrada e saída das visitas e dos funcionários do edifício prisional; uma zona comum que contabiliza os espaços que, de certa forma, confundem as duas realidades que compõem estes espaços – a liberdade e a reclusão. Nesta zona estão previstos os espaços de encontro entre visitante e recluso, os espaços administrativos e uma sala polivalente direccionada para o desporto e para actividades relacionadas com o lazer e a cultura. Finalmente, surge a zona de reclusão, onde estão incluídos todos os espaços, individuais e colectivos, dedicados ao trabalho e ao lazer do recluso. Um conjunto de espaços exteriores junta-se aos enunciados anteriormente e terão como objectivo a realização de actividades ao ar livre, pensados para serem um complemento a todas as previstas para os espaços interiores. A este conjunto de programas está associada uma complexa rede de acessos que controla e hierarquiza, as relações entre eles. Assim, é necessário prever que as portarias se encontrem em relação directa com o exterior e com os espaços dedicados à admissão dos reclusos e à entrada e saída das visitas e dos funcionários do próprio estabelecimento prisional. Importa também garantir que os espaços comuns, como o parlatório, a sala polivalente e a secção administrativa sejam servidos por redes de acessos distintas que garantam que os percursos dos reclusos e dos visitantes não se cruzem. Na zona de reclusão estão previstos espaços dedicados unicamente aos reclusos, onde a principal preocupação se prende com a hierarquização e controlo dos percursos que estes realizam no seu interior. Por isso, mais do que duplicar acessos é preciso subdividi-los, através de sucessivas interrupções que garantam que o indivíduo seja supervisionado diversas vezes ao longo do percurso que realiza entre os espaços.


Organigrama

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Paralelamente a estas zonas, será fundamental prever os espaços dedicados ao corpo de guardas, que permitam o alojamento destes e a instalação dos equipamentos que controlam electrónica e visualmente o edifício. A sua localização deverá ser estratégica, garantindo um controlo visual satisfatório de todos os espaços exteriores do e ao edifício, bem como um eficaz e rápido acesso aos espaços de reclusão por forma a impedir qualquer tipo de revolta ou conflito entre reclusos. Este conjunto de espaços, que procuram dar corpo a um estabelecimento prisional de segurança mínima para duzentos reclusos constituiu o ponto de partida para o projecto deste edifício, sendo fundamental não esquecer que o bom-senso e a sensibilidade, de que falei no início deste capítulo, e o contacto com entidades directamente relacionadas com a reclusão, foram fundamentais para o desenho desta prisão na Praia da Memória.

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Esquisso conceptual da implantação

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A proposta 115 “Antes de elaborar em definitivo qualquer dos projectos, [...] procurei sempre não me esquecer que uma cadeia é um pequeno mundo fechado dentro do qual vivem seres humanos, que a sociedade afastou temporariamente do seu convívio, procurando regenerá-los através de uma observação constante no trabalho e em todos os movimentos da sua vida na prisão, e que, para o conseguir, torna-se necessário, em cada Estabelecimento Prisional, existir uma completa coordenação dos interesses dos funcionários, dos guardas e dos próprios reclusos [através de um desenho] simples e claro da prisão, [equipada com] instalações higienicamente impecáveis, uma distribuição de compartimentos rigorosamente funcional e um ambiente que permita adivinhar e compreender a existência duma acção verdadeiramente pedagógica.”119 Após reunidos os elementos fundamentais ao desenvolvimento de um trabalho desta natureza, ou seja, um lugar, um programa e uma resumida, mas exaustiva análise histórica e tipológica sobre o tema da arquitectura prisional, interessa-me falar agora sobre o resultado final deste projecto, concentrando-me no(s) percurso(s) e conceitos que estiveram na sua base e nas características formais e espaciais que resultaram do seu desenho. Com esta última análise procuro encontrar uma síntese sobre o meu processo de trabalho, um exercício de abstracção em que analiso a forma como vejo e penso a arquitectura neste momento final da licenciatura em arquitectura. A primeira dúvida que sobreveio prendia-se com a imagem que um edifício prisional deveria transmitir. Desta surgiu um infindável conjunto de outras. Deverá ele ser imponente ou não? A imponência, por preconceito ou vontade, tinha-se tornado desde o início uma premissa. Sendo assim, deverá esta ser traduzida pela altura do edifício, pela sua massa construída, pelo seu material ou por todos estes factores? Deverá estar diluído e integrado na envolvente ou não? Qual a sua materialidade?

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LIMA 1960, p. 54


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Representação do volume em altura [primeira reunião de trabalho]


Ao longo do meu percurso académico, tive a oportunidade de projectar em contextos muito distintos. Foi um aprendizado importantíssimo. Com estas experiências percebi que na cidade histórica tudo é contexto e deve ser respeitado, desde a cota do passeio pré-existente até aos enfiamentos visuais e perspectivas criadas pelos diversos planos. Na periferia o desafio é encontrar o que respeitar. Será a morfologia do terreno? Certamente que sim, mas também as construções cujo valor urbano, histórico, formal e conceptual importa prolongar para a proposta. No entanto, uma mesma lição fica destas experiências: o lugar é um instrumento a interpretar, a ler e a respeitar para no final o transformar de forma cuidada. A visita ao lugar e o entusiástico caminhar pelas suas ruas e pela horizontalidade da sua praia. O choque com a verticalidade, embora deselegante e desproporcional, do Obelisco da Memória que pousa sobre a duna mais alta. A mancha extensa de habitações unifamiliares que dificilmente ultrapassam os três pisos de altura. A terra remexida pela azáfama das máquinas agrícolas, o som do vento e do mar e a amplitude do lugar, ajudaram-me a encontrar as respostas à pergunta inicial, feita agora de forma concreta: qual deverá ser a imagem deste edifício prisional? Influenciado, conscientemente ou não, pela abordagem teórica que realizei como arranque desta prova final, porque “imaginar significa recordar aquilo que a memória escreveu dentro de nós e pô-la em confronto com as exigências e as condições”120, percebi que, com este edifício, poderia estabelecer um diálogo com as características formais que resultaram da implantação daquele monumento que pontua as areias da Praia da 117 Memória. O desenho deu origem a uma massa horizontal extensa, limitada pelos muros deste edifício que, no fundo, definiram os novos limites deste lugar, encostando-se e relacionando-se com a envolvente. Com esta atitude procurou resolverem-se alguns problemas urbanos do lugar e dar continuidade a traçados já existentes e, a meu ver, a respeitar, no sentido de se conseguir uma implantação coerente e urbanamente equilibrada. Em oposição, foi criado um edifício vertical que se destaca da horizontalidade dos muros criando um momento que procura relacionar-se com o mar e com o lugar, não pela sua cércia, não pela sua massa construída, mas pelo justo diálogo com a linha do horizonte criada pelo oceano que se estende à sua frente. Nunca ao longo do meu percurso académico a estratégia de implantação foi conseguida tão rapidamente. Nunca as palavras do arquitecto Adalberto Dias fizeram tanto sentido: “Para além da beleza e da clareza de poder dizer ou comentar algo de outra forma, a metáfora é um meio de tornar inteligível, e de saber o que é inteligível: o facto de poder afirmar (ou desenhar) algo de outro modo que não a primeira maneira ou outra, usando ou combinando outras palavras (ou formas), velhas ou novas, envolve necessariamente um mecanismo de transformação ou transferência de sentidos, o deslocamento de conceitos, de formas121 [...] poderemos afirmar que a ideia imediata é sinónimo de estabilidade, de adequação, de Academismo – do reflexo de um real; e ideia justa sinónimo de ruptura, de progresso, de Vanguarda – do real de um reflexo.”122 O sentimento de satisfação não se instalou nas discussões que realizei ao longo desta prova final, sendo que as metáforas foram sempre fundamentais para abrir novos caminhos, procurar a ideia justa e perceber que

120 121 122

VIEIRA 1998, p. 10 DIAS 1993, p. 12 Idem, p. 16


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Terreno de implantação (recinto desportivo existente)

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Vista da cota mais alta do terreno

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Rua Conde de Vila Flor

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Avenida de D. Pedro IV 59e

Aglomerado residêncial da Travessa da Mexilhoeira

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Espaço público que serve a Praia da Memória

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Evolução da implantação [primeira proposta]

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a arquitectura faz-se fazendo, experimentando, em desenho e/ou em volumetria, num movimento dinâmico, deambulando pelas várias dimensões do projecto, ao nível do olhar do observador ou na abstracção da perspectiva aérea, no esquisso menos perceptível até ao detalhe. Faz-se do respirar daquilo que nos envolve e que os antes de nós fizeram, não numa relação mimética, mas na busca de uma nova interpretação. A estratégia de implantação evoluiu para um diálogo entre proposta e envolvente123. Das visitas ao terreno algumas convicções ficaram. Existem duas direcções naquele lugar que derivam de pré-existências totalmente consolidadas, desinteressantes do ponto de vista arquitectónico, mas fundamentais para a proposta, dado que ajudaram a desenhar os seus limites nascente e poente. O muro poente desenha-se então segundo o alinhamento do edifício da ALADI124 de forma a dar continuidade à frente urbana da Avenida D. Pedro IV, enquanto que o nascente alinha-se pelas habitações unifamiliares dispostas ao longo da Rua Conde Vila Flor, que se prolonga agora para um novo acesso proposto no tardoz deste muro e que liga a Rua do Facho à Rua da Mexilhoeira. Desta forma, o edifício surge como um nó que une duas malhas urbanas deste território e completa o conjunto urbano onde se insere a ALADI e as habitações que se desenvolvem na sua envolvente. Os limites norte e sul são de uma leitura mais complexa tendo sido trabalhados até à fase de entrega da proposta. Numa das visitas que fiz ao terreno e enquanto fotografava, perante alguns olhares desconfiados, os edifícios que se estendem ao longo da Travessa da Mexilhoeira, senti que me encontrava num ghetto sendo que todas as suas ruas constituíam vias sem saída. Percebi com isto que o desenho do edifício prisional 119 poderia ajudar a requalificar aquele conjunto habitacional.

Assim o limite norte desenhava-se, numa fase inicial, com uma via pedonal que ligava a Rua da Mexilhoeira à Avenida D. Pedro IV, definida a norte pelas habitações pré-existentes e a sul pelo muro do edifício prisional. Fiquei com a sensação que este percurso seria de certa forma opressor devido à força que a volumetria exercia sobre o espaço urbano.

Assim este limite acabou por evoluir para um espaço público aberto à cidade com um passeio à cota alta e um estacionamento automóvel à cota baixa, que serve simultaneamente o equipamento proposto, o préexistente, as habitações e a praia. O muro afastou-se deixando a envolvente respirar, materializando assim o limite norte. O muro a sul relaciona-se com o espaço que se desenvolve a poente e junto à praia125. Apesar do seu carácter formal pobre, procurei que este se aproximasse o mais possível deste estacionamento público, de forma a prolongá-lo para nascente e a enquadrá-lo com o recinto desportivo proposto neste projecto e que surge em substituição daquele que existe, actualmente, neste lugar, mas que se encontra degradado e abandonado. O projecto procurou não se limitar ao desenho do edifício, mas requalificar também a envolvente próxima, equipando-a com espaços públicos que transformem o lugar, funcionem como geradores de actividades. Assim, no território que se desenvolve no tardoz do edifício, é desenhado um espaço público ajardinado que

Ver Lâmina 1 – Desenho 00/21 | lugar - situação actual (levantamento cotas e toponimia) [escala 1:2000] 124 Associação Lavrense de Apoio ao Diminuído Intelectual 125 Ver página 50 do Volume II desta prova - Plano de ordenamento da orla costeira_Plano da Praia da Memória 123


Discuss천es sobre o muro

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serve toda esta zona residencial, limitado a poente pelo muro do edifício prisional e a nascente por uma frente de habitações unifamiliares que procura fechar o conjunto habitacional que se distribui ao longo da rua do Facho. Estas intervenções procuraram completar e enriquecer o território, garantindo, ao mesmo tempo, a implantação justa deste equipamento. A interpretação do lugar conduziu ao desenho de um conjunto geométrico forte, de compridos e altos muros que definem os limites do edifício. Ainda me lembro da primeira conversa de orientação sobre este lugar e o receio que resultava do impacto que uma volumetria desta natureza poderia ter sobre este território, marcadamente habitacional e difuso. De facto, é assustador o conflito de escalas que existe entre a proposta e a envolvente, no entanto, a contenção no desenho e a sua constante relação com a escala envolvente possibilitou o desenvolvimento equilibrado do projecto. O muro foi fundamental para a materialização desta premissa, devido aos diálogos que estabelece entre proposta e pré-existência, mas também pela sua escala e tratamento formal. Todas as cercas que tive a oportunidade de estudar, ao longo deste trabalho, construíam-se opacas, onde o único contacto entre interior e exterior se materializava com a entrada. Os edifícios prisionais, em consequência de uma procura intensa pela segurança, tendem para uma certa obsessão formal. Basta analisarmos o caso do Panopticon de Bentham, onde todas as celas convergem para um único ponto central, um olho que tudo vê e controla. Nada mais obsessivo. Pelos princípios conceptuais do edifício e pelas características da envolvente, houve a preocupação 121 de não desenhar um muro tão obsessivo, pobre de funcionalidade e de tratamento formal. Este elemento, paradigma da segurança e do limite, acabou por encerrar em si uma função fundamental para a rede de percursos deste edifício.

O duplo muro, que surge em Portugal com a tipologia concentracionária, aparece, numa fase inicial, associado a diversos planos de betão que criavam os percursos de cargas e descargas e de manutenção, evoluindo posteriormente para um elemento linear, maciço e espesso, que limitava toda a construção.

Numa fase final optou-se por escavar esta espessura criando galerias a duas cotas, que funcionam simultaneamente como mangas de evacuação do corpo de guardas, e caminhos de ronda, à imagem dos percursos de vigilância das antigas muralhas, que permitem que um guarda percorra todo o perímetro do edifício, salvaguardando a sua segurança e integridade. Esta espessura possibilitou também que o tratamento formal do muro não se limitasse à sua opacidade, antes permitisse que vários vãos fossem abertos, pontuando as suas fachadas, criando contactos visuais entre interior reclusivo e exterior público. Sobre as proporções destes vãos penso ser importante referir o edifício que desenvolvi para a disciplina de Projecto II, sob a orientação do arquitecto Daniel Oliveira, onde tive a oportunidade de desenhar um muro que propunha a continuidade da cerca do antigo Convento de Santo António da Cidade que se converteu, como tantos outros espalhados pelo território português, na actual Biblioteca Municipal do Porto.




Evolução do muro

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Este construir-se-ia em alvenaria de pedra, procurando referências na materialidade da ruína. Quando, ao longo desse projecto, introduzi o estudo do vão, que neste caso seriam portas que garantiam as relações entre interior e exterior, percebi que as suas proporções teriam de se relacionar com as características estruturais do material do muro. Seria anti-natura propor aberturas com um grande desenvolvimento horizontal, sabendo de antemão que o granito não responde de forma eficaz à tracção, o que me levou a concluir que a solução estava nas proporções dos vãos das fachadas que constituem o centro histórico do Porto, cujas janelas e portas tendem para a verticalidade, na tentativa de diminuir a padieira a estruturar, mas conseguirem, ao mesmo tempo, captar o máximo de luz natural. No muro que desenhei para este edifício prisional optei por utilizar o betão-armado. Um material mais flexível que me possibilitou um desenho mais abstracto, menos preso a preocupações estruturais, onde a proporção dos vãos varia de forma a adaptar-se à leitura integral do alçado e a resolver as relações entre interior/exterior, muro/edifício e viragem de fachadas. Por outro lado, houve a preocupação de não incluir neste muro arames-farpados ou outro tipo de materiais utilizados com o intuito de desencorajar a fuga e que perturbam o desenho e a continuidade deste elemento. No documentário “Megastructures – North Branch Correctional Center Institution”126, é retratado um edifício prisional norte-americano, construído no ano de 2007, onde se encontra construída uma cerca semelhante às utilizadas nos campos de concentração nazi. Este limite, totalmente construído em rede e revestido com um arame-farpado especialmente desenvolvido pelos serviços de segurança daquele país, elimina qualquer 125 impulso de fuga por parte dos reclusos, que se sentem engaiolados dentro do espaço prisional, não se conseguindo abstrair da realidade reclusiva. O desenho que proponho tentou afastar-se deste cenário criando, no entanto, alguns mecanismos, relacionados com a sua geometria e com os seus acabamentos, que procuram substituir os elementos usualmente aplicados nestas estruturas. Assim, o muro com cerca de dez metros de altura, desenha-se pelo interior ligeiramente inclinado, sendo que a base é mais estreita que o topo, dificultando a subida deste muro. Para reforçar este mecanismo, duas cantoneiras equipadas com sensores de movimento, são colocadas nas transições entre o coroamento e as paredes interior e exterior do muro, de forma a alertar o corpo de guardas no caso de existirem tentativas de fuga ou de invasão do edifício. O lugar, enquanto instrumento e suporte indicou-me o caminho para desenhar os limites a definir. O passo seguinte seria encontrar a entrada do edifício. O primeiro esquisso que desenhei para este projecto propunha, de uma forma quase espontânea, a implantação da portaria na Avenida D. Pedro IV, associada a uma praça pública que se relacionava com a praia e o monumento que a pontua. Essa foi uma vontade que resistiu durante todo o projecto e cuja proposta surge como um espaço equilibrado e proporcional, baptizado como Praça da Memória, e que ajuda a marcar a transição entre proposto e pré-existente, prestando a merecida vénia ao obelisco, símbolo da liberdade, que repousa na praia. A posição da entrada foi, contudo, algo muito discutido ao longo do processo de trabalho. Na investigação que realizei, não tive oportunidade de contactar com nenhum edifício prisional que explorasse o tema das duas

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BARNES 2007


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As entradas

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Pesquisas sobre a organização do programa

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entradas, dado ser muito difícil controlar as transições entre interior e exterior e impossibilitar a fuga, levando a uma diminuição dos pontos de ruptura no muro, reduzindo ao mínimo os pontos a controlar. No entanto, neste edifício surgiu a possibilidade de criar duas entradas distintas, com distintos valores e funções. Se era quase indiscutível que uma delas, destinada às visitas, seria implantada em relação directa com o espaço público que se relaciona com a praia, a localização daquela cuja função estava ligada ao funcionamento interno do próprio edifício, – cargas e descargas, admissão de reclusos, entrada e saída de pessoal interno – foi desde o início uma dúvida. A solução foi encontrada através do seu desenho nos pontos estratégicos da proposta, o que obrigou a uma adaptação constante da mesma, conseguida através de uma ginástica projectual muito importante para o processo de trabalho, onde as discussões de crítica foram fundamentais para o controlo das muitas derrapagens que surgiram ao longo do projecto. A entrada, que posso chamar de serviço, e que no fundo será mais frequentemente usada, encontrou o seu lugar no ponto mais a norte da proposta e na cota mais alta. “É conhecido, através da historiografia, que em terreno de pendente e sempre que possível, o acesso privilegiado, em todos os sentidos é a cota alta: protege-se melhor o lugar, articulam-se mais eficazmente a sucessão de espaços, hierarquizam-se e racionalizam-se os seus percursos.”127 Este corresponde ao vértice criado pelo encontro dos muros norte e nascente, que afunilam para este ponto, reduzindo progressivamente a sua altura de forma a ganhar uma escala mais próxima da habitação que surge ali isolada, ao mesmo tempo que possibilita que a Rua da Mexilhoeira, de características marcadamente habitacionais mantenha a sua leitura.

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Num exercício de abstracção e pensando em esquema posso afirmar que as duas entradas formam um eixo que define a posição dos dois corpos que compõem a volumetria e albergam a totalidade do programa. A simplicidade desta explicação não traduz a dificuldade inerente ao processo projectual, dado que o percurso para encontrar a posição certa e a proporção confortável destes dois volumes, constituiu o maior desafio deste trabalho.

Na primeira proposta que desenhei para este edifício, o programa diluía-se de uma forma aparentemente anárquica por todo o território, ocupando a sua totalidade, através da conformação de uma massa horizontal. Um edifício em altura albergava as celas e rematava todo este movimento. Aliás, o desenho deste volume em altura, aparece quase como um vício nos esquissos que desenvolvi ao longo do projecto. Foi sempre este o caminho escolhido, o modelo a seguir, tão bem defendido pelos edifícios de Chicago e Buenos Aires128.

Esta anarquia inicial transformou-se, depois de uma interpretação do valor dos espaços que compõem o programa, em dois volumes que albergariam a zona comum e a de reclusão, ou seja, um de características mais públicas e outro dedicado, unicamente, ao fechamento da comunidade reclusa. Iniciou-se, desta forma, uma fase de experimentação cujo objectivo foi explorar todas as hipóteses de organização que possibilitassem que o programa funcionasse de forma eficaz, garantindo que as exigências de segurança fossem respeitadas, ao mesmo tempo que não colocariam em causa o correcto e equilibrado desenho do edifício.

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DIAS 1994, p. 37 Ver páginas 44 e 48


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Terceira abordagem [primeiro passo para a estabilização da proposta]

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O átrio das vistas

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Depois de muitas experiências, surgiu uma particularmente importante. É incrível encontrar no contraditório as soluções para o problema. Quando o verdadeiramente fundamental assume um papel secundário e o superficial parece sugerir a solução, a crítica construtiva de um olhar distante e conhecedor assume um papel fundamental no processo de trabalho. Afinal, projectar é isso mesmo, foi o arquitecto Siza que nos ensinou: ”Falo com muitas pessoas [...] Inicio assim um “aprendizado” durante um certo período enquanto o desenho avança a partir de hipóteses, críticas e, consequentemente, resposta às críticas. Todo o processo segue substancialmente este processo. [...] só assim é possível atingir um aperfeiçoamento, na realização, que alcance a poesia.”129 A maior derrapagem do processo de trabalho aconteceu quando decidi inverter todo o conceito do projecto. O volume da zona comum, que sempre tendeu a diluir-se com o muro e a afastar-se da rua para formar praça, assumia agora um papel preponderante. Ele pousava sobre o muro, elevando-se cerca de três pisos em relação a este, fazia rua, voltando a sua fachada de maior dimensão para esta e passava a dominar toda a implantação. Por outro lado, o volume das celas recuava e obrigava que o programa dedicado às rotinas colectivas aparecesse enterrado, permitindo-lhe respirar, quando este estava a ser totalmente abafado pelo primeiro. Um infinito de contradições. No entanto, foram elas que me abriram a porta para a solução que apresento nesta prova final. 129

A opção foi retomar o caminho natural do projecto. O volume que alberga a zona comum dilui-se com o muro, assumindo a sua altura e materialidade e afasta-se da rua posicionando-se perpendicularmente a esta, fazendo com que um dos seus lados menores defina um dos limites da Praça da Memória. O volume reclusivo parece pousar sobre o muro e volta a fazer rua, aproximando um dos seus topos da Avenida de D. Pedro IV, continuando a exigir que os espaços colectivos de reclusão permaneçam enterrados, para assim ser possível o seu respirar enquanto elemento dominante de toda a composição. Estes volumes não se tocam. No espaço entre surge o átrio, em vidro, e uma árvore que remata visualmente os movimentos de entrada. Esta portaria controla as visitas, ao mesmo tempo que permite a transição dos reclusos entre os espaços reclusivos e comuns. Duas realidades que não se podem cruzar, mas cuja relação sempre foi uma vontade. O desnivelamento permitiu que o cruzamento físico desaparecesse, mas que o visual existisse. A forma como o programa foi interpretado e materializado permitiu que este edifício prisional introduzisse um conceito que procura dar corpo à ideia proposta pela Dr.ª Paula Vicente, colaboradora da DGSP, que sugeriu “[...] transformar a prisão num espaço o mais possível próximo da vida em liberdade, [pois] pareceme interessante que a prisão do futuro dê respostas diversificadas e que evitem o efeito nefasto da cultura prisional.”130 Por isso é possível pensar que o volume que alberga a zona comum possa funcionar como um pavilhão de desportos ou centro de congressos, bastando para isso encerrar a portaria e abrir as portas que compõem

VIEIRA 1998, p. 141 E-mail enviado pela Dr.ª Paula Vicente a 29 de Janeiro de 2008 – ver página 59 do Volume II 129 130


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Implantação [proposta final]

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O parlatório

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o pórtico que desenha o limite nascente da praça pública que se abre para a praia, passando esta a funcionar como entrada. É certo que esta intenção levantaria problemas complexos de segurança que teriam de ser assegurados antes e depois de um uso exclusivamente público destes espaços. Seria fundamental, no momento que precede a entrada do público, garantir que todos os pontos de contacto com o edifício reclusivo se encontrariam encerrados e que, após o seu uso, não fossem deixados para trás, intencionalmente ou não, objectos que pudessem pôr em risco a integridade da comunidade reclusiva. A introdução deste conceito pode revelar-se utópico ou demasiado poético, dada a dificuldade inerente a este controlo. No entanto, esta parece ser a oportunidade ideal para o trazer à discussão e propor uma primeira abordagem à sua investigação. Agora que a volumetria se encontra estabilizada penso ser importante discutir a distribuição e funcionamento do programa. Iniciando esta descrição/exposição pelos espaços comuns, posso afirmar que o principal tema, ao longo do seu desenho, caracterizou-se pelo controlo do cruzamento entre recluso e visita e cuja principal preocupação foi “[...] anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa.”131 A sala de espera foi a primeira a ser equacionada, na tentativa que esta originasse todos os movimentos do visitante dentro do volume. Assim, a este espaço, localizado no piso térreo, estão ligados uma galeria e um conjunto de acessos verticais: o primeiro que possibilita o acesso às bancadas da sala polivalente e aos espaços administrativos e o segundo que garante a acessibilidade, por um lado à cave, onde se dispõem os sanitários públicos, os balneários o ginásio e, por outro, ao primeiro piso onde se encontra o parlatório.

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Este último espaço é, para mim, um lugar fundamental no interior do edifício, dado possibilitar ao recluso o contacto com os seus familiares e amigos, figuras importantes para a sua recuperação e retorno à vida em liberdade. Este facto originou a vontade de o relacionar com a cidade e mais concretamente com a praia e o monumento que imortaliza o liberalismo português, dotando este espaço de um forte simbolismo e tornando-o, mais do que um espaço de encontro, um lugar dedicado à liberdade. Assim, o parlatório assumiu quase sempre a mesma posição, ao longo das diferentes transformações que a volumetria sofreu, garantindo sempre que esta premissa fosse cumprida e que resultou, finalmente, num espaço amplo, organizado em open space, através de mesas distribuídas uniformemente pelo espaço e separadas entre si por painéis fixos ao chão que garantem a privacidade do recluso e dos seus familiares em relação aos que se sentam na sua envolvente. Uma fachada de vidro permitiu materializar a desejada relação entre o interior e o exterior. O objectivo é captar, expressivamente, aquela paisagem, permitindo que a imagem do oceano que banha a Praia da Memória, bem como a luz de poente, invadam o espaço e participem nas conversas travadas entre estas duas pessoas que se encontram: uma livre, a outra presa, num momento belo e memorável no lugar do encontro. O acesso do recluso a este espaço faz-se através de um passadiço que possibilita a relação visual com a portaria das visitas. Deste piso, o recluso pode aceder, descendo, aos espaços administrativos localizados no piso térreo, ou aos balneários, sala polivalente e ginásio que se encontram no piso da cave. Os reclusos e as visitas cruzam-se apenas nos espaços dedicados a essa função. A duplicação dos acessos tornou-se inevitável tornando a premissa da separação dos percursos possível.

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FOUCAULT 1987, p. 13


Volumetria

Relaçþes com a envolvente


Edifícios de reclusão


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A cela [esquissos da primeira abordagem]


Este volume comum encontra-se ligado ao de reclusão pelo átrio das visitas, cuja distribuição do programa será mais legível através de uma leitura do particular para o geral, numa descrição de espaços que se sucedem partindo da unidade mínima de reclusão – a cela – para um conjunto de espaços colectivos, direccionados para o trabalho e para o lazer. “Em qualquer cadeia, a cela será sempre o elemento base [...], representará sempre, para o homem ou mulher que se encontre privado de liberdade, o seu quarto de dormir e a sua sala de estar e, quando o cumprimento da pena o exija, também a sala de refeições e a casa de trabalho ou de estudo.”132 No primeiro desenho de cela que desenvolvi, surgiram algumas convicções: a cela seria individual dada a exigência da actual reforma, mas principalmente porque acredito que o isolamento é a mais adequada forma para a reclusão do individuo, eliminando qualquer hipótese de agressões, físicas ou psicológicas, entre os reclusos dado que “[...] dormitories are a disaster because they deprive people of privacy and invariably foster intimidation, bullying, extortion, blackmail and disruption of the kind that can lead to riots.”133 Ao mesmo tempo, percebi que esta célula constituiria o laboratório de projecto ideal para explorar os conceitos de espaço mínimo herdados do Movimento Moderno, pois o que se pretendia era um espaço dormitório economicamente controlado que possibilitasse a sua repetição exaustiva.

Na primeira abordagem à cela, procurei que, ao longo de um espaço afunilado, se desenvolvessem todas as funções necessárias ao seu bom funcionamento. Um espaço exterior individual, uma zona de leitura e 135 de dormir e um sanitário apareciam já desenhados de forma convicta. Ao mesmo tempo existia a vontade de imaginar a cela como uma unidade dupla, com tentativas sucessivas de fundir espaços, ao ponto de pensar que algumas das paredes divisórias pudessem ser amovíveis, permitindo que esta cela individual se transformasse em dupla, tornando este espaço mais flexível. Mais uma vez as metáforas foram fundamentais. Aprender através do diálogo é a forma mais fascinante que conheço e que nesta prova final foi indubitavelmente importantíssima. A clareza das respostas é total como também são as soluções que resultam da simples troca de palavras ou as dúvidas da incisiva provocação. Com a primeira proposta que apresentei para a cela estava a caminhar no sentido da opressão, quando era o caminho oposto que pretendia que este projecto respeitasse. O espaço útil reduzia-se a um mero corredor de setenta centímetros de largura que se desenvolvia ao longo dos cerca de cinco metros de comprimento da cela, não criando qualquer tipo de espaço estável que possibilitasse o desenvolvimento de actividades ligadas ao trabalho, ao estudo e ao lazer.

Este é, sem dúvida, o elemento base de um edifício prisional, como o é a cela de recolhimento num convento ou o quarto num hotel e, perante o seu desenho, conseguimos perceber qual o conceito do próprio edifício prisional. A minha primeira proposta para este dormitório fez-me perceber esta afirmação e transportoume para a visita que realizei ao EP de Paços de Ferreira onde tive a oportunidade de entrar num destes espaços.

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LIMA 1960, p. 152 FAIRWEATHER 2003, p. 38


O ambiente era assustador. A cela era cinicamente parecida com um quarto, mas sem o ser, dado não existir qualquer garantia da privacidade do recluso. O sol do fim de tarde encontrava-se já oculto pelos muros exteriores, sendo a iluminação feita por uma simples lâmpada. A poente dispunha-se uma zona sanitária, totalmente exposta, organizada por uma sanita e um lavatório cerâmico, por onde se espalhavam os objectos de higiene pessoal dos dois reclusos que habitavam aquela cela. Ao fundo, uma janela com grades pelo interior, estabelecia uma difícil relação visual com o pátio exterior. A cama, dupla e em beliche, construída em tubulares de ferro sem qualquer acabamento, encostava-se à parede poente no alinhamento do sanitário. Em consequência de uma construção precária, a humidade havia já invadido todas as paredes, que o lambrim cerâmico escondia, mas que o reboco deixava transparecer. Daquela visita ficou a ideia que uma acção de reabilitação interessante, já experimentada em alguns edifícios britânicos como a Belmarsh Prison, seria a substituição integral do mobiliário e a requalificação dos acabamentos das celas no sentido de tornar o espaço mais humano e acolhedor. Por outro lado, quando observamos as celas do Penitencier Cantonal ou do Leoben Judicial Complex, caracterizadas pelos seus acabamentos cuidados, onde a luz natural é o elemento primordial na iluminação do espaço, percebemos o desequilíbrio que existe entre estes dois exemplos internacionais e o português. É certo que as suas datas de construção são muito distintas134, mas, no entanto, a sua função e contexto são

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exactamente os mesmos. São ambas celas prisionais em funcionamento. Resta-nos pensar sobre isso. Acredito que a opressão deriva do desenho do espaço sendo o exemplo das Super Max norteamericanas o paradigma deste facto e exemplo importante para a percepção desta afirmação. Caracterizadas por isolarem individualmente os seus reclusos durante as vinte e quatro horas diárias, estes edifícios prisionais não correspondem aos conceitos penitenciários europeus. No entanto, penso ser importante transcrever uma pequena passagem onde é descrito o ambiente vivido num destes edifícios, para, desta forma, perceber as atrocidades que a sociedade contemporânea ainda pratica: “Your cell measures three meters by just over three and a half. It is made of poured concrete with a steel door – no bars, just a lot of small holes, smaller than the tip of a little finger, punched through it. […]. There is a well-protected fluorescent light and a light switch. At night the light can not be turn of entirely; it gives out a continuous dim light, bright enough for the guards to peer in. When you are allowed into the exercise yard for an hour, you will find out that you are alone in a concrete square, somewhat larger than your cell, with a small grating high in the corner of the roof through which you can see the sky […], the exercise yard has no exercise equipment whatsoever in it, but some prisoners are now being allowed to have tough rubber handballs to throw against the yard walls.”135 Esta descrição torna-se ainda mais assustadora quando percebemos que o recluso é impedido de contactar com o exterior e de ter em sua posse qualquer tipo de objecto pessoal. Inevitavelmente, o passo que os separa da loucura é muito curto. No documentário “Prison Nation”136 é relatado que um recluso, poucas horas após ter sido libertado de um destes estabelecimentos assassinou, sem hesitar, um policia em plena rua. EP Paços de Ferreira (1957); Penitencier Cantonal (1998); Leoben Judicial Complex (2004) 134 FAIRWEATHER 2003, p. 100 135 National Geographic Television 2000 136

O cenário aqui descrito afasta-se muito daquele que se pretende discutir com esta prova, mas é importante perceber que o desenho do espaço reclusivo e a forma como este é administrado são factores


fundamentais para a reabilitação do recluso e para a sua desejada reintegração. É, no fundo, esse o objectivo enunciado pelo Ministério da Justiça Português: “Os serviços prisionais visam garantir a execução das penas e medidas privativas da liberdade, contribuindo para a defesa da ordem e paz social, através da manutenção da segurança da comunidade e da criação de condições que permitam aos reclusos conduzir a sua vida de forma socialmente responsável sem praticar crimes. Para a prossecução dos objectivos fixados, é reconhecido o carácter essencial das relações interpessoais no meio prisional e da formação e qualidade de desempenho dos intervenientes e, em especial, do pessoal penitenciário.”137

Do desenho mais descontraído que caracterizou a primeira proposta, passei para um traço mais preocupado e atento, procurando nunca esquecer que as decisões tomadas na concretização da cela seriam fundamentais para a criação de um espaço reinsercivo e, simultaneamente, repreensivo, onde a privacidade e o conforto lumínico e térmico seriam totalmente satisfeitos, não esquecendo que este castigo é fundamental, pois representa o primeiro passo para a reabilitação. Depois de algumas experimentações menos conseguidas, surgiu a ideia de exponenciar a multiplicidade do espaço através de uma cela em duplex, na qual os espaços dedicados às funções diárias se distribuíam ao nível do piso de acesso, possibilitando que a zona de dormir fosse instalada numa mezzanine, de uso exclusivo do recluso. Esta atitude possibilitou a criação de um espaço de lazer, em pé-direito duplo, junto à fachada e que nesta fase ainda se prolongava para uma varanda individual. A entrada materializava-se numa posição oposta a este, onde era criada uma antecâmara que funcionava, simultaneamente, como 137 lugar de trabalho individual e átrio de vigilância, onde o guarda conseguia controlar todo o interior da cela. Esta primeira ideia conduziu a uma investigação ao nível do desenho do espaço que procurava resolver os principais problemas funcionais e formais que resultavam desta opção e se prendiam com o factor vigilância e com a leitura fragmentada do espaço, ambos provocados pelo desnivelamento necessário para a criação do duplex. O primeiro passo foi tentar resolver o problema da vigilância, através da criação de superfícies transparentes, ao mesmo tempo que se tentava reduzir a altura dos pés-direitos anulando os ângulos mortos de visão. A transparência, por lógica, só poderia ser conseguida com a aplicação do vidro ou do acrílico, que teriam de resistir a tentativas de destruição por parte do recluso, obrigando à utilização de espessuras expressivas, o que seria extremamente dispendioso, para além de dificultar o seu manuseamento em obra. A outra opção passaria pela utilização de grades o que inviabilizaria o conforto térmico do dormitório, dado este ficar completamente aberto para a galeria que permite o contacto entre todas as células. Para além desse factor funcional negativo, surge um problema que se prende com o conceito da própria grade. Esta opção faria lembrar as celas que Raul Rodrigues Lima chama de interiores, muito utilizadas na América do Norte com uma aspecto semelhante a uma “[...] jaula”138, existindo um “[...] devassamento total da vida do recluso, fazendo-lhe desaparecer toda e qualquer parcela de vergonha moral que pudesse ter.”139

137 138 139

Minitério da Justiça 2004A, p. 4 LIMA 1960, p. 151 Idem


A cela em duplex

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Quando decidi desenvolver uma cela em duplex percebi que esta não poderia ultrapassar os quinze metros quadrados. Desse objectivo surgiu a ideia de retomar o espaço afunilado da primeira que desenvolvi, mas agora desenhado com maior preocupação e procurando que essa tensão no espaço dirigisse e acelerasse o olhar do recluso no sentido da varanda enfatizando a relação do interior com a paisagem. Ao longo do processo e reuniões de trabalho, percebi que a laje da “mezzanine”, qualquer que fosse a sua posição, destruía esta união visual, para além de criar um excesso de elementos na composição do espaço reclusivo, cuja relação se mostrava difícil e pouco perceptível. Optei por procurar outra direcção para o desenho deste dormitório.

Os quartos desenvolvidos pelo arquitecto Le Corbusier para o Convento de La Tourrete e para as suas Unidades de Habitação foram decisivos para a interpretação do espaço mínimo. De facto, percebemos que existe uma preocupação em reduzir os objectos ao estritamente necessário. Um lavatório materializa a zona de serviço, enquanto que a zona de dormir e estudo são constituídas por um armário, uma cama e uma secretária, colocadas em perfeita sintonia, deixando de ser apenas peças de mobiliário para passarem a ser objectos arquitectónicos, tão importantes como uma parede ou uma porta na organização e limitação do seu interior. Arestas bem definidas e volumes simples definem estes espaços. Por um lado, a cela de recolhimento, com cinco metros e noventa e oito de profundidade, um metro e oitenta e dois de largura e dois metros 139 e vinte e seis de altura. Por outro, o quarto individual do módulo de habitação, aproximadamente com a mesma altura, com uma profundidade de oito metros e oitenta e largura de dois metros e dez. Proporções modulor que procuram, no primeiro caso, construir o espaço da meditação e da contemplação em isolamento e, no segundo, o espaço económico e repetível da sociedade moderna. Tudo organizado segundo um “[...] jogo sábio, correcto e magnífico dos volumes [...] sob a luz.”140 A percepção e interpretação destes espaços ajudaram-me a desenvolver a cela que proponho nesta prova final. Um rectângulo de seis metros e sessenta por dois metros e dez define a área da cela individual, cuja altura é de quatro metros. Um outro, com dois metros e dez por um metro e noventa e cinco, de pé-direito mais baixo, junta-se a este e constitui o espaço de trabalho individual, servido com uma pequena estante em betão, fixa à parede. Este espaço continua a servir como antecâmara de segurança, através da duplicação da porta, sendo que a que separa o espaço de trabalho do interior da cela se encontra incorporada numa grade, garantindo a transparência, enquanto que a porta que dá acesso ao exterior da cela é totalmente opaca e encerra em si um momento importante para este projecto. “[...] Lês portes occupent une place centrale. [...] elles y sont omniprésentes. [...] Qu’elle soit sophistiquée ou archaique, em bois ou metal, peint ou brute, l’essentiel réside dans sa serrure. Une serrure démeserée. [...] A l’extérieur, la porte délimite l’espace du chez soi; en prison, c’est le dehors qu’elle borne, celui de l’exclusion du champ social. La porte ne protège pas l’individu incarcéré, mais en protège la société, et en premier lieu, les surveillants. Elle ne peut abriter un espace intime puisqu’elle est transpercée en son centre par un œilleton qui, à l’inverse de ceux dont sont ornés nos portes d’appartement, fonctionne de l’extérieur.“141

140 BALTANÁS 2005, p. 134 - “L’árchitecture est le jeu savant, correct et magnifique des volumes assemblés sous la lumière” 141 PERNOT 2004, p. 11




A porta

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O desenho que desenvolvi para este elemento procura contrariar o conceito distorcido de que nos fala Pernot. Tentei que ele respondesse de forma eficaz aos aspectos funcionais da vigilância e segurança, mas que ao mesmo tempo garantisse a privacidade do recluso através de uma composição equilibrada e pouco opressiva. A porta, estruturada com tubulares de aço, é revestida, pelo interior, com uma chapa de aço escovado que procura relacionar-se com o betão aparente do interior da cela e, pelo exterior, com três folhas de MDF, que se fixam também nesses prumos de aço. Os elementos de segurança que a compõem, como fechaduras e trincos, são desenhados de forma a ficarem ocultos, evitando uma excessiva referência ao encarceramento, aludindo antes à imagem comum da porta, pontuada apenas com um puxador. Uma das folhas do revestimento exterior dá corpo a um postigo que possibilita a vigilância do interior da cela, mas que contraria os tradicionais óculos, de dimensões reduzidas, que pontuam a maioria das portas dos edifícios prisionais portugueses, aludindo a uma prática pouco sincera, marcada por um certo voyerismo, dado que o recluso não se apercebe de que está a ser observado pelo guarda. Na porta que proponho procurei que a dimensão deste postigo permitisse que o guarda visse o recluso, mas que o contrário também acontecesse, eliminando desta forma uma prática pouco digna de vigilância desumana e opressiva. Na organização do espaço da cela a opção foi optimizar todas as experiências realizadas até aquele momento, procurando que “[...] o aspecto de uma reduzida unidade habitacional, onde a exiguidade de espaço expressa pelo mínimo humanamente racional, fosse compensada pelo máximo aproveitamento do mesmo [...].”142 Desta forma a largura da cela, medida mínima legada por Le Corbusier, possibilitou-me criar, ao longo 143 de uma das paredes, todos os elementos necessários ao funcionamento deste espaço, que ocupam uma faixa com setenta centímetros, garantindo um espaço de circulação confortável com um metro e quarenta de largura, onde o recluso pode caminhar livre de qualquer obstáculo. Esta faixa de serviço é composta por uma zona de sanitário, constituída por uma base de chuveiro que permite “[...] um banho, em temperatura adequada ao clima”143; uma sanita e um lavatório, que constituem uma peça pré-fabricada em betão devidamente revestida a aço, garantindo a higiene destes objectos; um armário e uma mesa pré-fabricados em betão compõem a zona de arrumos e de estudo. Todos estes objectos se relacionam e enquadram num pórtico de betão que serve de suporte às infra-estruturas eléctricas, possibilitando que a iluminação da cela se encontre oculta no seu capeamento e seja feita de forma indirecta, difusa, criando um ambiente mais quente e confortável. A zona de dormir corresponde ao último espaço e é desenhado segundo um quadrado de dois metros e dez, permitindo que o recluso organize e desloque livremente uma cadeira, uma mesa-de-cabeceira e uma cama, construídas em madeira maciça, respondendo da melhor forma às suas rotinas diárias. Estes objectos pousam sobre um pavimento betuminoso polido, comum a todo o edifício, onde se encontram incorporadas as infra-estruturas necessárias ao aquecimento e arrefecimento da cela. A opção de localizar o espaço de dormir neste ponto, bem como de o servir com o mobiliário enunciado, surgiu na sequência de uma reunião que realizei com o arquitecto Adalberto Dias, onde foram discutidos a importância do espaço doméstico, a sua escala e o processo desenvolvido na sua apropriação. “O canto é muito importante. Quando escolhes uma mesa num restaurante, procuras o lugar mais escondido, da mesma

142 143

LIMA 1960, p. 155 COYLE 1998, p. 55


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Discuss천es sobre o sentido de privacidade [o canto]


forma que quando escolhes a posição para te deitares numa cama, preferes que a tua cabeça esteja voltada para um canto. Só assim te sentirás protegido e confortável.”144 Estas palavras foram fundamentais para o seu desenho, que se organiza no ponto mais afastado do olhar vigilante do guarda, num espaço limitado por três paredes: a da fachada e as duas laterais. Todas elas têm características distintas: a lateral, ao longo da qual se distribuem as zonas de sanitário, arrumos e leitura, é acabada, como todo o interior da cela, em betão aparente; a oposta é rebocada e pintada de cor branca, constituindo um acabamento de excepção que permite ao recluso criar um ambiente pessoal e único nesta cela tipo através da apropriação desta face lateral. A parede da fachada constitui o remate da cela e recebe as duas janelas que pontuam o interior deste espaço, e que surgem em substituição da varanda que resistiu ao longo do processo de trabalho, mas que fora neste momento abandonada. Altas e estreitas, estas janelas procuram que a sua leitura constitua um desenho equilibrado e proporcional, possibilitando não só a iluminação natural do interior, mas também o controlo e enquadramento da paisagem, ao mesmo tempo que o seu desenho contribua para a equilibrada composição do alçado. “The beauty of creation can only be fully appreciated when measured by man.”145 É indiscutível que a forma como o arquitecto Siza enquadra a paisagem através de uma janela, a enfatiza de forma absolutamente grandiosa, pois ela torna-se um elemento arquitectónico que participa do espaço. Uma imagem que se altera com as estações, com o clima e com as agressões humanas e que, involuntariamente, transforma o espaço. Sei-o porque percorri durante sete anos os espaços da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e todos os dias eles foram uma escola para mim.

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“Vivi numa casa antiga, que dispunha de uma grande varanda aberta sobre a cidade [...]. Ao fim do primeiro mês da minha estadia naquela casa, não podendo deslocar-me para além da varanda, comecei a odiar a paisagem, que a partir daí se tornou absessiva. Senti assim sempre e cada vez mais a necessidade de uma ligação, entre interior e o exterior, não imediata e total, como fora nas origens, nas ambições e na prática da arquitectura do movimento moderno.”146 Ao longo do meu percurso académico optei sempre por desenhar os alçados através de grandes vãos de vidro ancorados na estrutura ou panos cegos interrompidos por outros transparentes, numa leitura de negativo positivo, com grandes influências na arquitectura de Mies van der Rohe e seus seguidores. Conforme já referi, a utilização de grandes vãos de vidro num edifício prisional é muito polémica, dado que os materiais quebráveis podem transformar-se facilmente em armas brancas, mas não deixo de confessar que foram várias as tentativas de criar grandes vãos de vidro, principalmente nos topos do edifício, que permitissem uma relação franca com a paisagem, mas que foram abandonadas, progressivamente, por questões relacionadas com a segurança e com o conceito do próprio projecto. A opção foi pontuar cada cela com duas janelas com um tratamento formal distinto. Uma, do canto mais protegido, tem as suas ombreiras truncadas que aceleram a perspectiva no sentido do exterior possibilitando que o recluso descanse confortavelmente os seus braços sobre a soleira de ardósia negra e observe o exterior. Por outro lado, este desenho permite que a luz que entra no espaço seja mais difusa e diluída, criando gradações lumínicas nos planos que constituem a cabeceira da cama, garantindo um ambiente mais acolhedor e quente.

Interpretação da reunião realizada a 8 de Maio de 2007 145 COPANS 2005 146 VIEIRA 1998, p. 45 144




Discuss천es sobre o sistema construtivo

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O outro é um vão estável, tradicional, de faces regulares, onde a luz será mais direccionada e intensa e que remata o percurso de circulação que se desenvolve ao longo de toda a cela. A dimensão destes dois vãos é semelhante, tendo, pelo interior, dois metros e trinta e cinco de altura por trinta e seis centímetros de largura, enquanto que, pelo exterior, as suas dimensões são menores, ou seja, dois metros e vinte e oito de altura e vinte centímetros de largura. Estas medidas surgem devido à conjugação do desenho da caixilharia com o conceito formal e construtivo do edifício. O betão aparente pelo interior foi uma opção quase de base no desenho deste, estando muito ligado à sua durabilidade e resistência, mas, principalmente, pela sua crueza e essência, onde o próprio material estrutural é também acabamento, aludindo a uma economia de meios, a uma contenção no desenho, ao respeito de uma métrica que ao mesmo tempo é regra de projecto e que cria uma certa tensão formal, característica do ambiente punitivo. Porém, a luz, o jogo dos planos e a amplitude dos espaços criam o lugar da reabilitação, que está acima de qualquer castigo. Mais difícil foi equacionar um acabamento exterior que se relacionasse com a envolvente e que respondesse de forma eficaz à formalização de um acabamento exterior que garantisse o conforto térmico e a impermeabilização. As habitações envolventes caracterizam-se por uma construção pouco interessante, de episódios isolados, sem qualquer relação entre si. Desta forma, como a Praia da Memória foi fundamental para a organização da volumetria, foi também nas suas características que procurei a solução para o revestimento exterior do edifício. 149 Observo, por um lado, a água, imensa e infinita, única. Por outro, a pedra, crua ou trabalhada, sólida ou desgastada. Nasceu, assim, a vontade que esta volumetria, alta e em relação directa com o mar, constituísse uma unidade, densa e verdadeira, em diálogo com as cores e materiais desta praia. A solução foi desenhar uma parede dupla de betão que ficaria aparente e seria pigmentado na tentativa de aproximar a sua cor aos tons que caracterizam a envolvente.

A construção desta parede levou a várias discussões e a uma pesquisa fundamental no sentido de perceber o funcionamento deste sistema construtivo, que resultaram no desenho de propostas que passavam por uma cofragem perdida que se encontraria entre o pano interior e o exterior de betão e que funcionaria ao mesmo tempo como revestimento térmico (cuja construção seria impossível dado o seu custo), até ao desenho de uma parede exterior de betão que se ancorava à armadura da parede interior (resultando daí graves problemas estruturais, que se prendiam com o suporte da parede e com a sua estabilização vertical).

Optei, finalmente, por ancorá-la à estrutura, como se se tratasse de uma parede de tijolo maciço, aumentando e redimensionando os elementos de suporte. Assim, alinhada pela face inferior das lajes, é desenhada uma cantoneira de aço que no fundo suporta, piso a piso, esta parede, enquanto tirantes embutidos no betão garantem a sua estabilização vertical. Esta parede reveste todo o edifício e as suas características e tons prolongam-se para o muro e para o volume onde se desenvolvem os espaços comuns.


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74a

74a-b

A caixilharia [evolução do detalhe]

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A leitura do vão exterior surge na continuidade deste conceito, pois existiu a intenção que as janelas não fossem mais do que buracos que perfuram sucessivamente estas paredes espessas, garantindo que os alçados do edifício fossem materializados à imagem das fachadas do Metropolitan Correctional Center de Chicago.147 Contrariamente ao que tinha sido proposto em fases de trabalho anteriores, onde o vão surgia em posições distintas em relação à estereotomia e ao interior do espaço, na tentativa de criar um alçado dinâmico e instável através do movimento gerado por estas deslocações sucessivas, no desenho final o vão surge no centro da estereotomia da fachada, estabilizando ao máximo o sistema construtivo, através de uma contenção de desenho, garantindo, também, o dinamismo da fachada sul, conseguido agora pela repetição obsessiva desta abertura. Em oposição, a fachada norte é desenhada de forma mais rígida: as janelas, semelhantes às anteriores, surgem nas juntas da cofragem, criando a sensação que a parede é cega, dado que, o desequilíbrio entre a reduzida dimensão do vão e o grande desenvolvimento do plano de betão, assim o permite criando um alçado austero que se relaciona com a Praça da Memória. O facto da área da abertura ser maior no interior e menor no exterior possibilitou esconder a caixilharia, uma vez que o pano exterior de betão se sobrepõe a esta, criando a ilusão de que não existe. Desta forma, o volume parece ser reduzido à essência da sua estrutura, sendo uma referência formal o tratamento da janela na Pousada de Santa Maria do Bouro, onde o arquitecto Souto Moura procura esconder o caixilho na tentativa de, pelo exterior, imortalizar a imagem da ruína deste mosteiro.

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Por outro lado, tentei também anular a tradicional grade que pontua, de uma forma generalizada, os vãos exteriores dos edifícios prisionais portugueses. Procurei seguir o conceito aplicado pelo arquitecto Rodrigues Lima na cela da Cadeia Penitenciária de Alcoentre, fazendo com que esta se dilua num sistema de “[...] persianas comandadas, permitindo uma insolação variável consoante as necessidades de cada recluso.”148 Através do desenho proposto, o recluso apenas tem a percepção de um prumo, construído em varão de aço de vinte milímetros de diâmetro, que se desloca para uma das ilhargas da janela, desobstruindo o contacto visual com o horizonte. Simultaneamente, uma chapa de aço materializa uma portada exterior que procura controlar a entrada de luz no interior da cela e que se estrutura neste prumo que funciona como um pivô de rotação. Ainda tenho dúvidas sobre esta solução, porque receio que a largura da janela não seja suficiente para uma captação expressiva da paisagem exterior. Houve, porém, a intenção de resolver o vão no menor número de gestos e que todos eles se encontrassem relacionados, respondendo, simultaneamente, aos problemas relacionados com a segurança, a relação visual com o exterior e com o controlo da iluminação natural. Pensei que “[…] na concepção dos aspectos físicos da segurança, é preciso encontrar um equilíbrio entre a melhor forma de se alcançar o nível de segurança necessário e a necessidade de se respeitar a dignidade do indivíduo preso. É possível, por exemplo, usar projectos arquitectónicos que atendem à necessidade de segurança em janelas de celas e dormitórios ao mesmo tempo em que se observam as normas de acesso a luz natural e ar fresco”149, e que a janela ”[...] constitui mais do que um luxo para o recluso e que essa ausência de contacto com o mundo exterior provoca inquietação e depressão. Em situações de isolamento e monotonia uma janela torna-se uma necessidade.”150

Ver página 102 LIMA 1960, p. 158 COYLE 1998, p. 80 150 FAIRWEATHER 2003, p. 43 – “[...] more than a luxury for the incarcerated and that lack of contact with the outside world heightens stress and depression. In restricted and monotonous situations, a view out becomes a necessity” 147 148 149




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75a

75a-b

Discussões sobre a cela

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A cela [proposta final]

75b

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Em conclusão, procurei que a cela fosse, sobretudo, um lugar de meditação e de introspecção através do isolamento, onde a crueza dos materiais, a relação entre os planos e o contacto visual com o mundo exterior constituíssem a realidade da reclusão, o lugar da consciencialização da culpa, condicionante fundamental para a reeducação progressiva e construtiva deste indivíduo. O esquema da cela individual foi pensado, contudo, como um sistema duplo, rigidamente ancorado a uma rede infra-estrutural que serve todo o edifício. Na parede que divide as duas celas, organizadas simetricamente, é desenhada uma conduta vertical cuja dimensão possibilita a instalação das redes de drenagem e de abastecimento de água. Paralelamente, é criada, no espaço de trabalho individual que as pontua, uma caixa falsa que permite a condução horizontal das redes infra-estruturais por todo o piso, onde se organiza a unidade de reclusão e cuja função é agrupar e relacionar um conjunto de celas e espaços dedicados ao trabalho e ao lazer, permitindo dividir a comunidade interna em pequenos grupos de vinte e quatro reclusos, seguindo, desta forma, as premissas de Leslie Fairweather: “The lowest figures suggested are 12-20 inmates, with the claim that small units achive more spontaneity, support and autonomy, and allow closer personal relationships to develop between inmates and officers.”151 Esta ideia surgiu da análise que desenvolvi sobre o Metropolitan Correctional Center em Chicago, onde, em cada piso, são agrupados cerca de doze reclusos, cujas rotinas e comportamentos são melhor e mais facilmente controlados. Simultaneamente, a oportunidade que tive de conversar com o arquitecto António Eloy Castro possibilitou-me contactar com esta realidade, proveniente da tipologia de supervisão directa e que 155 propõe uma hierarquização dos reclusos em função das suas características comportamentais ou tipologia de pena a cumprir. Ao mesmo tempo, percebi que seria importante contrariar a tendência que existiu ao longo da história, de não misturar programas, hierarquizando, absolutamente, a distribuição dos reclusos. De facto, quando analisamos um edifício prisional de tipologia radial, conseguimos perceber que existem alas destinadas exclusivamente às celas, aos espaços colectivos e administrativos, ocupando cada uma delas um lugar determinado e único. Esta rigidez organizacional pressupõe, também, uma certa obsessão funcional, criando espaços que são, por si só e pelas suas características formais, extremamente opressivos. A unidade de reclusão desenhada possibilita o agrupamento e a relação das celas com os espaços de trabalho e de convívio graças a uma rede de acessos que garante o controlo dos percursos interiores e garante a ligação desta aos restantes espaços do edifício. No seu desenho tive a intenção de evitar esta obsessão organizativa e eliminar a sensação que a ala prisional do EP de Paços de Ferreira, da autoria do arquitecto Rodrigues Lima, impõe sobre aqueles que caminham nas suas galerias de distribuição. O afunilamento característico desses acessos horizontais deu lugar a uma diluição do espaço, conseguida através das características formais e multifuncionais do desenho deste espaço. Se, por um lado, a opção de ancorar as celas à fachada norte e os espaços de trabalho à fachada oposta foi sendo constantemente trabalhada, a decisão de desenvolver, finalmente, um conceito oposto a este surgiu em consequência da consciencilização que os espaços de isolamento teriam de responder de forma mais rigorosa às questões do conforto térmico, dado ser nestes que o reclusos passa a maior parte do seu tempo.

151

Idem, p. 37


piso de coberturas

piso doze_unidade de segurança

piso onze_isolamento de reclusos e manutenção

piso três a dez_unidade de reclusão tipo

piso dois_alojamento de guardas

piso um_espaços empresariais, controlo de reclusos e parlatório

piso térreo_espaços empresariais, átrio do edifício, admissão, sala de visitas e administração

piso cave_espaços colectivos e sala polivalente



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Unidade de reclusão [percurso e proposta final]


As celas individuais surgem, então, ao longo da fachada sul do edifício, tirando partido desta orientação solar, e contactam entre si por uma galeria que permite também o acesso aos espaços de trabalho que se distribuem ao longo da fachada norte. A ideia para o desenho deste piso partiu de uma organização semelhante àquela legada pelas tipologias estudadas, ou seja, uma galeria, que se desenha no seu eixo e relaciona todos os espaços da unidade de reclusão. Ao percorrer esta galeria no sentido nascente/poente, o recluso apercebe-se de que a ilharga esquerda desenvolve-se segundo uma fachada contínua, constituída por um lambrim de MDF, que engloba as portas das celas e os painéis amovíveis que possibilitam o acesso às condutas infra-estruturais. Sobre esse desenvolve-se um plano contínuo de betão, que se prolonga para o tecto, e é rematado pelo pano interior da fachada norte, dado que os espaços colectivos de trabalho, direccionados para actividades laborais conjuntas, praticadas por grupos de três a cinco reclusos, são organizados através de paredes que não tocam o tecto. Desta forma, o alçado destes espaços surge do desenho alternado de planos opacos, de betão, e transparentes, em grade, que permitem a iluminação natural da galeria, através das janelas que pontuam a fachada norte, criando uma descompressão espacial que alude às organizações em open space e contraria a rigidez do espaço reclusivo. A iluminação artificial foi também desenhada de forma cuidada, procurando contrariar a construção de tectos falsos, em rede ou em grade, que protegessem a iluminária de possíveis ataques por parte dos reclusos, com o intuito de as destruir ou utilizar como armas de arremesso ou de corte. Nos espaços de trabalho, a iluminação surge, então, desenhada no coroamento das paredes divisórias, enquanto que a da galeria de 159 distribuição é instalada numa sanca disposta no topo e ao longo da fachada das celas, sendo devidamente protegida por uma grade pivotante que impossibilita a destruição das lâmpadas, mas garante a linearidade da laje do tecto.

O remate poente desta galeria é conseguido através de uma janela que constitui a única relação visual directa com o mar, mas que nem sempre se desenvolveu desta forma. Numa fase inicial do projecto os topos do edifício desenhavam-se totalmente em vidro, à imagem da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, dos arquitectos Aires Mateus. No entanto, com a consciencilização progressiva de que o vidro deve ser aplicado de forma controlada num edifício desta natureza, o volume fechou-se sobre si mesmo tornando-se denso e imponente.

O topo poente é então pontuado por três janelas sobrepostas. Uma desenha-se no remate da galeria de distribuição e permite olhar para o saguão que se organiza no piso térreo segundo um pé-direito que abrange a altura total da volumetria. Imagino que a luz vertical que invade este espaço irá reflectir nos seus planos revestidos com azulejo artesanal, originando diferentes ambientes lumínicos que recriarão o espaço interior da galeria de distribuição. Esta janela encontra-se alinhada por outras duas aberturas que furam as paredes deste topo e possibilitam o prolongamento do olhar para o exterior, bem como o controlo da paisagem, enfatizada pela aceleração da perspectiva, através desta sucessão de planos, que enquadram a imagem do mar e do horizonte que, ao ser observada, se torna única e memorável.


Junto a esta fachada surge um conjunto de acessos verticais, de dimensões controladas e que funcionam como escada e elevador de serviço, em complementaridade a um outro, principal e localizado a nascente. Junto destes surge um vestíbulo que cria uma descontinuidade na leitura da unidade reclusiva, permitindo o acesso a uma sala de convívio comum que ocupa este topo do edifício e, simultaneamente, a relação visual com o átrio que serve o piso térreo do edifício e cuja altura liga visualmente todos os pisos. A sala, que propõe actividades ligadas ao lazer, funciona a dois pisos permitindo que o corpo de guardas junte a população de duas comunidades reclusivas distintas, mas de características semelhantes, experimentando uma progressiva libertação dos percursos dos próprios reclusos e aumentando a complexidade das relações diárias entre eles. Estas unidades de reclusão distribuem-se desde o terceiro até ao décimo primeiro piso, libertando o segundo piso e a cobertura para a organização dos programas dedicados aos guardas, que parecem abraçar e limitar aqueles dedicados ao isolamento prisional.

Contudo esta estratégia surgiu já numa fase final da proposta, dado que, muito influenciado pelo conceito aplicado nas novas instalações do EP de Paços de Ferreira, procurei sempre que os programas

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destinados aos guardas se localizassem junto aos espaços comuns. No entanto, com o desenvolvimento da proposta, percebi que estes funcionariam mais eficazmente se fossem organizados perto dos espaços de reclusão uma vez que os percursos de vigilância seriam facilitados e optimizados.

Assim, a unidade de alojamento do corpo de guardas organiza-se no segundo piso do edifício, seguindo um esquema semelhante ao utilizado na organização das unidades de reclusão, onde são criados espaços para alojamento em camaratas e em quartos individuais, que se localizam ao longo da fachada sul e se abrem, através de portas de vidro, para uma varanda que ocupa todo o desenvolvimento deste piso. Na fachada norte é desenhada uma sala de convívio e o refeitório; a nascente distribuem-se alguns gabinetes administrativos, uma sala de reuniões e um depósito de armas. A zona de manutenção e as unidades de isolamento e segurança surgem nos últimos pisos do edifício: a primeira ocupa o topo nascente e possibilita a instalação de todos os equipamentos relacionados com a refrigeração ou o aquecimento de ar e água, enquanto que as restantes surgem no topo oposto e em pisos distintos. A unidade de isolamento destina-se a albergar reclusos que, por um mau comportamento ou adaptação, são forçados a integrar um espaço segregado do restante edifício, constituído por quatro celas individuais, mas que não pressupõem o isolamento total do indivíduo, antes uma diminuição da comunidade reclusa a que este se associa garantindo um maior controlo da sua conduta. Esta unidade é servida por duas salas colectivas que comunicam com um pátio, destinado aos reclusos, que permite actividades ao ar-livre.

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Sobre este piso desenvolve-se a unidade de segurança onde estão organizados os dispositivos


electrónicos, como câmara ou sensores de movimento, estrategicamente distribuídos pelo edifício e que garantem a vigilância de todos os espaços. Desta sala é possível aceder-se a uma galeria exterior que se encontra desenhada sobre o pátio da unidade de isolamento e que permite, a partir de um rasgo horizontal, o controlo visual dos pátios de desporto e de trabalho, organizados ao nível do piso térreo. Esta abertura, que ocupa a quase totalidade da fachada sul, bem como aquela que surge associada à varanda dos espaços de dormir da unidade de guardas fazem com que este alçado, caracterizado pela repetição sucessiva do mesmo vão, sofra uma excepção e reforce o seu dinamismo e movimento. Todos estes espaços encontram-se servidos por uma rede independente de acessos, que se localiza nos topos deste volume e que, em conjunto, possibilitam, caso ocorram revoltas internas por parte da comunidade reclusa, a evacuação para as supra citadas galerias, que se constroem na espessura do muro e conduzem à portaria de serviço, permitindo a rápida saída para o exterior. Os programas descritos anteriormente dão corpo ao volume reclusivo que se encontra ligado verticalmente aos programas colectivos que se organizam nos pisos inferiores. Se, numa fase de trabalho inicial, o volume que os materializa surgia ao nível do piso térreo distribuindo as várias funções por alas e galerias que se diluíam pelos pátios exteriores do edifício prisional, numa fase de amadurecimento da proposta, surgiu a ideia de o desenvolver em cave por duas razões fundamentais: por um lado pretendia-se que a volumetria do edifício, que alberga as celas, respirasse livremente, de forma a relacionar-se apenas com a envolvente e com o muro e, por outro, permitir que estes espaços sirvam, em simultâneo, a totalidade da comunidade reclusa. 161 Por estes motivos procedeu-se, de certa forma, à sua medievalização, não no que respeita ao seu desenho pobre e desumano, mas à sua capacidade de dificultar a fuga, conseguida através do desnivelamento em relação ao piso térreo, que possibilitou também uma maior liberdade no uso dos diferentes espaços. No desenho deste piso referenciei-me, de forma quase espontânea, ao conceito organizacional dos conventos e à evolução que este sofreu com o Convento de La Tourrete, da autoria do arquitecto Le Corbusier. O convento tradicional, ensinou-nos a história, organizava-se de forma a limitar um pátio e construir um claustro, espaço coberto, mas exterior, que ao mesmo tempo que possibilitava o acesso aos diferentes programas, criava um percurso contínuo, circular, que era lugar de reflexão e meditação. Le Corbusier optou por desenhá-lo na cobertura do edifício, numa relação sincera entre divino e profano, céu e terra, enquanto que os acessos horizontais, construídos ao nível do piso térreo, libertam-se das fachadas, formam uma cruz no centro da composição e ligam os quatro principais espaços do convento – a entrada, a igreja, o refeitório e a sala do capítulo. Ligações rápidas e funcionais, rígidas e geométricas, mais ligadas à sua função do que ao seu simbolismo.

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No projecto que exponho, esta volumetria desenha-se segundo quatro alas que albergam os diferentes espaços colectivos e limitam um pátio. Percebi (através desta análise às acessibilidades conventuais) que projectar as galerias no perímetro exterior deste piso permitir-me-ia iluminar naturalmente todos os programas, ao mesmo tempo que conseguia, no cruzamentos dos quatro braços que o compõem, delimitar átrios distintos que controlariam o acesso aos diferentes espaços interiores e exterior.

78 e 79

Salas de convívio da unidade de reclusão e piso da cobertura [proposta final]




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Discussões sobre a organização dos espaços colectivos de reclusão

80a


Na ala norte é desenhado o refeitório, organizado por uma cozinha, equipada com zonas de preparação, confecção e lavagem, que se ligam ao cais de cargas e descargas, espaço que também serve a sala polivalente, e que é acedido por uma rampa que se localiza a norte, adossada ao muro limitrofe. A cozinha, espaço onde serão preparadas as três refeições do dia, comunica com um balcão, ao longo do qual se desenvolvem zonas de self-service, de cafetaria e de recepção de pratos sujos. No corpo a sul é desenhada uma sala de convívio comum destinada ao lazer, onde se organizam espaços de vídeo, de música, de leitura e de jogo. Estes dois espaços relacionam-se, de forma franca, com o pátio através de dois planos transparentes construídos com uma caixilharia robusta e com um vidro de espessura expressiva, pensada para ser quase indestrutível. Este espaço exterior central é direccionado para o lazer, onde a imaginação do recluso dita o limite das actividades, sendo que no seu desenho houve apenas a preocupação de garantir a existência de espaços cobertos, devidamente pavimentados, que possibilitem a permanência dos reclusos ao ar livre nos dias chuvosos, ao mesmo tempo que o pavimento em relva do espaço central permite a prática de desporto ou o descanso, em dias soalheiros. As restantes alas permitem organizar programas e actividades de excepção. Assim, a poente, é desenhada a secção hospitalar, onde estão previstos todos os gabinetes dedicados às especialidades médicas bem como uma enfermaria com cerca de dez camas e uma sala de armazenagem e administração de fármacos. A nascente organiza-se a secção pedagógica, procurando a luz intensa e duradoura do sol poente, 165 que iluminaria uma biblioteca, uma sala de professores e três salas de ensino e/ou formação profissional com capacidade para cerca de noventa reclusos. Os espaços colectivos são servidos por duas galerias que se distribuem ao longo destas últimas alas referidas criando a ligação entre os quatro átrios que se desenham neste piso, que definem uma lógica de acessos que garantem que o recluso entre e saia por pontos opostos, evitando percursos de retorno que conduzissem ao cruzamento dos movimentos.

Esta lógica foi estudada desde o início do projecto, levando a esquemas semelhantes aos aplicados no desenho de cantinas ou refeitórios, que se desenvolviam ao longo de rampas e galerias, que não se cruzavam, mas cujo desenho sempre se mostrou complexo e inapropriado; a solução, que agora exponho, foi sendo testada ao longo da fase final do processo e possibilitou a hierarquização desejada dos percursos sem um desenvolvimento excessivo dos mesmos.

Os átrios que se localizam a sul possibilitam o acesso a duas escadas de emergência que acedem ao exterior e que se encontram integradas, ao nível do piso térreo, num volume que se dilui com o muro que envolve o edifício e que divide e organiza os dois pátios desenhados a esta cota. Neste corpo são organizados diferentes espaços de apoio, como os balneários que servem o pátio de desporto ao ar livre, de relação directa o volume reclusivo, enquanto que os armazéns se associam ao pátio de trabalho, destinado à

80b


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Discussões sobre a organização dos espaços de trabalho para exploração empresarial

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Espaços de trabalho para exploração empresarial [proposta final]

81a


exploração agrícola e localizado no extremo sul da composição. Este último espaço destina-se a actividades que incentivem a formação profissional do recluso, e que, ao mesmo tempo, facilitem a produção de alimentos que poderiam ser utilizados pela própria comunidade interna. Entre a cave e o terceiro piso do edifício reclusivo, desenvolve-se um conjunto de espaços empresariais que seriam administradas por entidades exteriores à realidade prisional que possam admitir também população livre para desta forma transformar a prisão num espaço o mais possível próximo da vida em liberdade. Desta forma, é criado um conjunto de armazéns no piso térreo, que apoiam os espaços multifuncionais que se localizam a sul, com uma dimensão ampla e pé-direito que corresponde à altura do muro, e que surgem em alternativa às salas menores que se desenvolvem no primeiro piso e ao longo do muro que materializa a fachada norte. Estas empresas poderiam integrar actividades que formassem profissionalmente aqueles reclusos cuja conduta fosse exemplar e que mostrassem uma sincera vontade de se recuperarem, garantindo-lhes, desta forma, um emprego, uma vez em liberdade. Esta acção seria uma contribuição fundamental para a sua reintegração, dado que o indivíduo preso nunca estará devidamente reinserido, se não tiver uma habitação própria e um trabalho que o sustente e motive. Os acessos que pontuam todo o edifício reclusivo servem também estes espaços de trabalho, que se

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encontram limitados pelos átrios nascente e poente, ambos desenhados no piso térreo. O primeiro contacta com o saguão, um espaço limitado por quatro planos verticais que conduzem o olhar para cima, enquadrando o céu na sua cobertura. Este espaço que, sendo exterior é também interior, marca a transição entre o edifício e os pátios que se desenvolvem no intra-muros desta prisão.

O segundo corresponde ao átrio do edifício, cujo desenho foi sucessivamente afinado ao longo do processo de trabalho. Numa fase inicial este ocupava a área total deste topo servindo, unicamente, como átrio de admissão. Contudo as críticas construtivas do orientador deste trabalho fizeram-me perceber que a dimensão e o desenho que eu estava a procurar para este vestíbulo deveria traduzir-se num espaço com maior importância conceptual e funcional, objectivo a que eu procurei dar resposta até à fase final do projecto e que tentarei expor da melhor forma na última passagem deste texto expositivo/explicativo.

Quando visitei o EP de Paços de Ferreira tive a oportunidade de constatar como se desenvolve a admissão do recluso. A sua entrada é feita no interior de um veículo celular da policia, totalmente encerrado, que, após passar a portaria se dirige a um dos pátios que integra o conjunto deste estabelecimento. Já no exterior o recluso é conduzido a um átrio, no fundo, o primeiro espaço com que este contacta no interior do edifício e cujo tratamento, ao nível dos materiais, dos planos ou da luz, não se diferencia do restante edifício.

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Discussões sobre átrio e percurso de admissão


Ao desenvolver este projecto senti que este seu primeiro momento reclusivo, bem como aquele que diz respeito à sua libertação, deveriam ser marcados por um espaço que lhe faça recordar para sempre aqueles episódios. Que lhe marque a memória.

Esta ideia evoluiu para uma vontade de distinguir o espaço de admissão do de libertação, marcando um percurso com entrada num ponto e saída noutro, contrário, como pólos opostos. De um lado, a reclusão; do outro, a liberdade. Com a progressão do desenho percebi que seria interessante materializar estes momentos distintos no mesmo lugar. Coincidentes no espaço, mas opostos no significado. Imaginei que, no momento de entrada, a interpretação que o recluso teria deste átrio seria em tudo distinta do seu olhar no momento de libertação. No princípio, este tinha significado amargura e tristeza, mas agora era sinónimo de esperança. Foi assim que eu me imaginei, se estivesse no seu lugar. Não existe melhor forma de projectar.

O desenho final procurou sintetizar estas duas premissas, sendo que as portas que materializam a entrada em reclusão e a saída em liberdade são distintas, opostas, desenhadas nas duas portarias que pontuam o projecto, mas é no átrio do edifício de reclusão que estes dois movimentos se cruzam. Um espaço que pela sua forma, proporção e luz procura enriquecer estes dois episódios. A entrada do recluso faz-se pela portaria de serviço. Ainda dentro do veículo celular o recluso é direccionado para o pátio de admissão, localizado a poente do edifício reclusivo e totalmente isolado ao 171 exterior. Este volume, que alberga as celas, projecta-se, em consola, sobre este espaço exterior, protegendo o acesso à admissão. O recluso, já fora do veículo, dirige-se para o interior do edifício, conseguindo visualizar toda esta justaposição de planos e volumes. A entrada no átrio de admissão faz-se por uma fachada transparente que constitui a porta para esta antecâmara, tensa, apertada, mas alta. Na penumbra de uma grade posicionada no primeiro piso, localiza-se a unidade de segurança que possibilita controlar o acesso dos reclusos ao parlatório. A relação visual entre estes dois espaços é garantida. Um representa a cisão com o exterior, o outro, a vontade de contactar com as pessoas que o ligam à sua vida em liberdade. Após ser revistado e de ter depositado os seus bens pessoais no balcão de entrada, o indivíduo acede a uma pequena instalação sanitária/enfermaria, onde lhe serão prestados os primeiros cuidados de higiene e de saúde e que se materializa segundo um volume de betão que interrompe o muro exterior, marcando desta forma a entrada no edifício. O recluso é depois conduzido ao átrio do edifício, espaço que antecede o seu acesso à unidade de reclusão, destinada a albergar actividades relacionadas com o lazer e com o trabalho e onde se encontra a sua cela, paradigma do isolamento que será um dormitório, uma habitação. Fria e impessoal, no início, mas progressivamente humanizada e transformada, para ser finalmente sua. Uma porta em grade encontra-se à sua frente. Antes de a atravessar, o seu olhar tenderá para uma galeria extensa e alta que se encontra a norte. Irá percorrê-la, quando for libertado, no entanto é um espaço que faz parte do seu primeiro momento de reclusão.




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Ao entrar no átrio perceberá que este é construído em betão, deixado aparente e a sua altura corresponde à total do edifício. Quando visitei o baptistério da Igreja que o arquitecto Siza projectou para Marco de Canaveses, a minha primeira reacção foi olhar para cima, tal é a força daquele espaço vertical. Acredito que a vontade do recluso, ao entrar neste vestíbulo, será também essa, encontrando uma clarabóia que rasga a laje de cobertura e que se desenha segundo um prisma irregular que contraria a sua rigidez geométrica e que, voltada a oeste, procura banhá-lo com a luz de poente. Depois de baixar o olhar o recluso visualizará o plano que se encontra à sua frente, totalmente construído em betão, sendo apenas pontuado pela porta que dá acesso aos espaços de trabalho. Pela sua ilharga esquerda, entra a luz intensa de sul, através de uma porta e de um rasgo em vidro: o primeiro faculta o acesso ao pátio exterior, enquanto que o segundo separa o volume do muro. Progressivamente, o recluso terá de se voltar para norte, no sentido dos acessos verticais. A nascente surgirá outro plano de betão onde se encontra a porta que este acabara de atravessar. Ligeiramente acima, projecta-se, em consola, um pequeno púlpito que serve de ponto de vigilância e que é acedido através da unidade de segurança localizada no primeiro piso. Sob a galeria que dá acesso a este espaço, localiza-se a entrada do elevador e uma porta de betão que abre para a escada principal. Voltará, involuntariamente, a olhar para cima, de forma a visualizar uma fachada totalmente revestida com barras de aço, que deixam transparecer os átrios das diferentes unidades de reclusão, que se dispõem verticalmente neste volume. Esta será última imagem que o recluso fixará neste espaço que reúne, sintetiza e simboliza todas as características do edifício. O betão, como material sistematicamente utilizado no desenho do sistema 175 construtivo e dos acabamentos; a grade, como elemento físico da reclusão e, finalmente, a amplitude espacial, característica que marca a maioria dos espaços, desde a cela até às salas de convívio, na tentativa de proporcionar as condições humanamente desejáveis a uma vida em reclusão, digna e construtiva. O seu último passo será entrar no elevador ou na escada que o conduzirão à sua unidade e à sua cela. Espaços onde o recluso irá habitar, trabalhar, estudar e descansar para que, depois de um processo que se pretende que seja construtivo e progressivo, este possa voltar a ser um cidadão livre. O percurso que antecede este momento, ou seja, o da libertação, está desenhado, como já foi referido, de forma a ser também marcado por este átrio, que fez parte da sua vida em reclusão, mas é agora experimentando pela última vez. Acredito que a sua luz vertical, a sua amplitude espacial e a frieza dos seus materiais ficarão marcados na memória deste indivíduo. Conduzido pelo guarda para a porta que atravessou no momento da sua detenção, o recluso entra novamente no espaço de admissão e dirige-se para a galeria que se desenvolve no tardoz do volume de betão que se desenha neste espaço. É uma galeria estreita e escura, alta e fria, pontuada por duas portas sucessivas. A primeira em grade, evitando possíveis tentativas de fuga, mas marcando, principalmente, a última barreira reclusiva a ultrapassar. A segunda, em vidro, correspondente à única entrada de luz deste extenso corredor e que permite o acesso à portaria das visitas. Aqui, o guarda devolver-lhe-á os seus bens pessoais para, posteriormente, este abandonar o edifício e aceder à Praça da Memória desenhada a poente, em diálogo com a Avenida de D. Pedro IV e com a praia. Esta imagem que sempre fez parte dos momentos

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que passou com a sua família e amigos no parlatório, ainda em reclusão, é cenário do seu primeiro momento

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em liberdade.

Átrio do edifício [proposta final] Fotografia da maquete a olhar de baixo para cima 83b

Fotografia da maquete a olhar de cima para baixo


Proposta final para o edifício

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O último passo será afastar-se, deixando para trás um período certamente difícil, mas que os espaços previstos neste projecto procuraram que fosse regenerativo e enriquecedor, marcado pela educação e pela formação pessoal e profissional, pelo lazer e pelo desporto. Acima de tudo, um percurso regenerativo guiado pela introspecção e pela meditação onde a cela desempenhou um papel fundamental ao garantir a intimidade, o conforto e o silêncio.

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foto: Luis Lebreiro



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O momento que procede ao final de um projecto caracteriza-se sempre por algum desconforto. Ao longo deste percurso académico surgiram dúvidas sobre as opções tomadas, por mais seguro que o trabalho estivesse. O exercício que agora concluo não foi excepção e penso ser este o momento correcto para falar um pouco sobre as dúvidas que ficaram e os ensinamentos que dele resultaram. Desenhar um edifício prisional foi, desde o principio, um desafio, como o foram todos os projectos que tive oportunidade de realizar. Mas este tinha um significado diferente: era um programa sobre o qual nunca tinha pensado e representava o último que eu iria desenvolver enquanto aluno de arquitectura. Toda a análise que desenvolvi foi com um olhar prospectivo, sempre na tentativa de encontrar pistas que ajudassem a perceber a forma como um edifício desta natureza funciona, qual a lógica dos seus acessos, o conceito dos seus espaços, quais as suas tipologias e de que forma integra e dialoga com o território. Paralelamente, perceber qual o significado destes espaços para o recluso e como podem ajudar na sua reabilitação e reintegração. O processo de trabalho foi definitivamente fundamental para o resultado final, pois permitiu-me perceber este programa e as complexidades que o acompanham, para depois ter a capacidade de desenhar um projecto e discutir sobre ele.

Mas, como referi, algumas dúvidas ficaram após a conclusão deste trabalho.

Uma conclusão ou algumas dúvidas?


O edifício prisional em altura foi algo que desde o princípio me fascinou, pela sua complexidade, elegância, referências modernistas e por constituir um modelo pouco explorado, especificamente em território português. A partir do momento em que percebi que seria possível prever uma volumetria desta natureza no lugar que escolhemos para implantar, procurei desenvolver um edifício que, sendo uma excepção, não esqueceria as referências e ensinamentos do passado, procurando antes evitar os erros que dele resultaram. Criar um edifício em altura possibilitou, numa leitura que os modernistas nos ensinaram, libertar o terreno e criar amplos pátios, reduzindo o conjunto a uma só volumetria que se relaciona com a envolvente e se estrutura no muro. Por outro lado esta opção possibilitou concentrar o programa, evitando, desta forma, uma dispersão generalizada de volumes pelo território, ligados por longos percursos que dificultam e prolongam as relações internas do mesmo. Esta atitude garante, ainda, as relações visuais entre o interior dos espaços de isolamento individual e o mundo exterior, contrariamente ao que acontece na maioria dos edifícios prisionais portugueses, onde estas se limitam ao pátio e ao muro que o define. Importa referir, contudo, que todo o desenho nasceu da análise que desenvolvi no início do trabalho e que foi significativamente marcada por edifícios prisionais de organização pavilhonar e que dificilmente ultrapassam os três pisos de altura. O objectivo foi transferir, reinterpretar e adaptar esses conceitos ao projecto na procura de uma evolução tipológica do edifício prisional. No entanto, o impacto que esta volumetria exerce

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sobre o território ainda cria algum desconforto, mas tenho consciência que esta se afasta adequadamente da envolvente, deixando-a respirar, ao mesmo tempo que foi nesta que o muro procurou o seu desenho e limites, nunca esquecendo que o território foi, desde o primeiro esquisso, a referência para o conjunto. Da mesma forma, a abordagem ao espaço mínimo pareceu-me desde o princípio evidente, procurando que a menor área possibilitasse o maior número de espaços que, no entanto, não seriam lesados do ponto de vista do conforto e da função. Esta premissa mostra-se ainda mais interessante quando se percebe que estas áreas mínimas são servidas por amplos espaços colectivos que procuram dinamizar a vida em comunidade, garantindo uma progressiva adaptação a uma realidade social, controlada e limitada pela correcção. A cela, exemplo paradigmático deste conceito, representou a hipótese de investigar e estudar alguns exemplos onde esta procura foi determinante. O resultado final parece equilibrado, com proporções e dimensões confortáveis, que possibilitariam o desenvolvimento de todas as actividades relacionadas com o isolamento, ou seja, higiene pessoal, descanso, estudo e/ou trabalho. Mas é impossível não pensar que este espaço distorce realmente o conceito comum do quarto de dormir, que é parte integrante do nosso quotidiano. A vontade foi não ocultar este facto, antes afirmar essa distorção procurando torná-la o mais confortável possível, mas recusando fingir que não existe. Receio que não tenha sido a opção mais correcta e confesso que o conhecimento que tenho a propósito deste assunto resume-se a textos que li, a conversas que encetei e a conclusões que alcancei ao longo desta prova final, mas não consigo afirmar com segurança que este foi o caminho acertado. Posso, todavia, referir que este derivou da interpretação inversa que realizei sobre conceitos que são aplicados no desenho das celas que estudei. Todas elas, penso que, sem excepção, são desenhadas segundo os princípios que orientam a organização de um quarto para uma residência de estudantes ou mesmo para uma habitação. Esta atitude


procura aproximar os habitáculos do recluso daqueles que fizeram parte da sua vida em liberdade, na tentativa de reduzir a dificuldade deste, em se adaptar ao ambiente prisional. O desenho, quer ao nível da cela quer ao nível dos espaços colectivos, procurou associá-los, formalmente, ao ambiente em reclusão, sendo marcados pela dureza e natureza dos materiais de acabamento e dos espaços e, que a sua relação com o mundo exterior, fosse ao nível do seu uso, que não seria limitativo nem opressivo, reduzindo ao estritamente necessário o controlo dos movimentos. Esta premissa no desenho da cela procura construir uma realidade efémera, associada a um período que terá um momento inicial – a detenção – e um momento final – a libertação. Esta premissa foi conseguida através da organização criteriosa dos vários espaços da cela e do desenho cuidado dos elementos que os compõem, desde as peças do sanitário até ao mobiliário, desde a porta até à janela. Mais do que desejar que o recluso veja na cela um vulgar quarto de dormir, procuro que ele, uma vez em liberdade, não associe a cela a nenhum espaço que faça parte do seu quotidiano. A cela é uma cela. O quarto é um quarto. Acredito que a reclusão deve permanecer na memória de cada indivíduo que a experimenta, mas não deverá nunca assombrá-lo na sua vida em liberdade. O desenho do muro foi outro momento fundamental para este projecto. Assim como a cerca num convento ou a muralha numa cidade, também o muro num edifício prisional existe para limitar um lugar, definir um interior e um exterior e organizar os vários espaços que o compõem. Numa fase inicial, houve uma interpretação deste elemento, no sentido de perceber se existiria a possibilidade de o eliminar da composição ou se, através 183 do desnivelamento dos pátios, este poderia ser escondido. Esta investigação fez-me perceber que o muro não existe somente para evitar os movimentos de fuga, mas também para impedir a invasão dos espaços reclusivos. Neste sentido o muro tornou-se absolutamente fundamental, transformando-se no elemento que dialoga com as pré-existências e, cuja horizontalidade, contrasta com o alto edifício que pousa sobre ele. A dificuldade e as dúvidas surgiram na sua formalização. Por este definir a linha que limita o espaço público do de reclusão, o muro representa a última barreira a ultrapassar, em caso de fuga e exigindo que o seu tratamento, do ponto de vista da segurança, seja extremamente delicado e cuidado. Nos exemplos que estudei, este formaliza-se sempre através de uma adição de elementos pouco relacionados entre si que procuram impossibilitar e desencorajar as tentativas de fuga. Contrariamente, na proposta que desenvolvi, procurei criar mecanismos que se diluíssem com o desenho desta cerca e que respondessem de forma eficaz à função desta barreira. O muro surge, então, como um elemento contínuo, onde existiu a necessidade de eliminar as tradicionais redes ou arames-farpados, para que o betão, o reboco e o aço, geometricamente conjugados, procurassem materializar um limite difícil de ultrapassar. É certo que os elementos que evitei usar seriam, sem dúvida, eficazes na concretização dessa premissa, no entanto, procurei que o desenho não fosse fragilizado por uma adição de elementos que contrastariam com toda a composição, desenhada segundo uma unidade que resulta nos espaços de reclusão.


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Mais do que projectar um edifício prisional, esta prova representa a solidificação de um aprendizado progressivo e que, devido a uma orientação incisiva e por vontade própria, culminou neste projecto, que procura ser a síntese de um percurso que construiu um conjunto de saberes importantíssimos para o arranque da actividade profissional que me proponho agora iniciar. O projecto cresceu e transformou-se através de um processo contínuo, onde foram fundamentais o trabalho individual e as reuniões com o arquitecto Adalberto Dias. Mais do que a orientação do desenho foi a orientação de um percurso: o âmbito da prova final, a escolha do tema, a investigação do lugar e do programa, a implantação, a concretização dos espaços, o sistema construtivo, o detalhe. Assuntos discutidos com rigor, sempre na procura da solução certa, da forma justa, nunca esquecendo o contexto em que vivemos, as influências que outros têm sobre nós e de que forma se manifestam no nosso trabalho.

Foi uma lição de vida onde o desenho representou, mais uma vez, um aliado na concretização do projecto, na definição deste limite, desta prisão na Memória.

(Footnotes)


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15a-b_ 15c_ 15d-f, 16a-b_ 17a-d_ 18a_ 18b_ 18c_ 19a-b_ 19c_ 20a_ 20c-d_ 20e-j_ 21a-b_ 21c_ 22a,b,c,e_ 22d_ 23, 24_ 25_ 26_ 27_ 28a-c_ 28d_ 29_ 30a_ 30b, d_ 30c, e, f_ 31a_ 31b_ 32_ 33a-b_ 33c_ 34a-c_ 35a_ 35b-d, 36a_ 36b, 37a_ 37b_ 37c_ 37d_ 37e_ 38a-b_ 39_ 40a-e_ 41_ 42-43_ 44a-b, 45_ 46_ 47a_ 47b_ 47c_ 48a_ 48b_ 49a_ 49b-d_ 50a-c_ 51a_ 51b-d_ 52a, b, d_ 52c, e_ 53a-d_ 54a-b_ 54c,55,56, 57_

PEVSNER 1980, p. 202, 185 FERNANDES 2003, p. 133 LIMA 1960, p. 74, 30, 31, 36, 84 http://www.correctionhistory.org http://www.historiadomundo.com.br/imagens/guilhotina.jpg http://www.correctionhistory.org ROSS 2007 LIMA 1960, p. 41, 92 www.olhares .pt GONÇALVES 2000, p. 106 http://lh5.ggpht.com Hohensinn Architektur http://historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/2004_02.html http://www.punditguy.com http://answers.com/topic/caseros-prison http://www.clarin.com Adriano Reis LIMA 1960, p. 83 Adriano Reis Adriano Reis CUNHA 2005, p. 37 SANTOS 1993, p. 35 EVANS 1982, p. 334 Adriano Reis SEREN 2006, p. 45 Adriano Reis LIMA 1960, p. 21 Adriano Reis LIMA 1960, p. 74 Adriano Reis Sofia Gaspar LIMA 1960, ps. 65, 66, 70 Google Earth LIMA 1960, ps. 84, 85, 86,168 Adriano Reis José Álvaro GEIST 1982 EVANS 1982, p. 374 Nuno Antunes Adriano Reis Google Earth Adriano Reis LIMA 1960, p. 127 Nunatak Architects FAIRWEATHER 2003, p. 27 e Plate 1, Plate 3 Adriano Reis VIEIRA 1998 BOTEY 2005 NEVES 2005 Adriano Reis Sofia Gaspar http://academics.triton.edu http://www.reciprocityfailure.com Google Earth BOESIGER 2005 José Álvaro Adriano Reis Google Earth Adriano Reis RAMOS 1994, p. 458, 459 Adriano Reis


Arquitecto Adalberto Dias Adriano Reis Arquitecto Adalberto Dias Adriano Reis Arquitecto Adalberto Dias Adriano Reis Arquitecto Adalberto Dias Adriano Reis Arquitecto Adalberto Dias Adriano Reis Arquitecto Adalberto Dias Adriano Reis Arquitecto Adalberto Dias Adriano Reis Arquitecto Adalberto Dias

_58 _59, 60 _61 _62 _63 _64, 65 _66 _67,68,69,70 _71, 72, 73, 74a _74b,75a _75b _76, 77, 78, 79, 80a _80b _81, 82, 83, 84, 85 _86

Índices Rui Lebreiro in www.olhares.pt Páginas centrais de imagens Nuno Antunes Tiago Tavares in olhares.pt Nuno Antunes TUR 1992, p. 204 QUINTAS 2002, p. 98 Nuno Antunes Nuno Antunes Nuno Antunes Adriano Reis PERNOT 2004 Adriano Reis ROSS 2007 Arquitecto Adalberto Dias GILI 1998, p. 53 Adriano Reis José Álvaro Nuno Antunes Manuela Reis Sofia Gaspar Adriano Reis SEREN 2006, p. 110

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200


Abreviaturas Associação Lavrense de Apoio ao Diminuido Intelectual

ALADI

Direcção Geral dos Serviços Prisionais

DGSP

Estabelecimento Prisional Iniciativa Comunitária para a Prevenção da Reincidência Prisional

EP EQUAL

Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

FAUP

Instituto de Gestão Financeira e Infra-Estruturas da Justiça

IGFIJ

Quadro de Avaliação e Responsabilização Radio Televisão Portuguesa Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho na Administração Pública

QUAR RTP SIADAP


202


A minha gratidão é para todos aqueles que possibilitaram e ajudaram na realização desta prova final ao arquitecto Adalberto Dias pela orientação incisiva, pela disponibilidade, rigor, conhecimento e intusiasmo constante aos arquitectos Joaquim Massena, Filipe Massena e ao Diogo Massena pela oportunidade de estagiar no Atelier A. e pelas discussões sempre entusiastas e motivantes sobre arte e arquitectura ao Luis Candeias e à direcção do EP de Paços de Ferreira pela oportunidade de visita ao arquitecto António Eloy Castro pelas conversas elucidativas sobre o programa prisional à doutora Paula Vicente pela ajuda contínua ao atelier Nunatak e Hohensin Architekture pela informação gráfica prontamente disponibilizada ao fotógrafo Nuno Antunes pelas magníficas imagens ao meu irmão Jorge pelo apoio na hora mais difícil ao Ricardo, Márcia, Telmo, José Álvaro, Diogo, Sílvia e Mariana pela amizade à D.na Maria José e ao Rui pelo delicioso café do meio da tarde, pela companhia e pelos bons momentos ao Sr. Gaspar por ter disponibilizado o escritório para imprimir este sem número de lâminas à Finha pelo carinho, pela companhia e pela paciência aos meus irmãos e família por serem sempre um ombro amigo

e, finalmente, aos meus pais, pelo seu sacrifício, pelo seu amor e por acreditarem em mim

Agradecimentos




...um limite, uma prisão na Memória | 206

Sinto que sou pequeno! Os mestres, as grandes obras de arquitectura que me rodeiam e as conversas que tive oportunidade de realizar com o orientador desta prova fizeram-me perceber o quão pequeno sou. Mas esta sensação é para mim absolutamente fundamental para querer ser maior. Esta sensação de insegurança e dúvida perante o que faço é no fundo o mote para o estudo e para a investigação. Como devo reagir quando, os mestres que me rodeiam, colocam, sistematicamente, em causa o que fazem sem qualquer pudor em admitir as suas dúvidas e incertezas? Estou certo que este é um caminho possível para o conhecimento. Não terão sido essas dúvidas e incertezas, esse gosto pelo contraditório, que levaram Le Courbusier a admitir que a Villa Savoye era o Movimento Moderno para, aproximadamente, 30 anos depois construir a Chapelle Notre Dame du Haut, em Ronchamp? Penso que é esta falta de certezas, esta liberdade de dogmas formais e conceptuais, “[...] os gestos contraditórios, as desconcertantes, seminais expressões de uma contínua e multifacetada pesquisa, paralela aos conformismos e aos manifestos”, como refere Siza, que permitem que o arquitecto evolua. Lembro a única aula do arquitecto Fernando Távora que tive oportunidade de assistir. Afirmava ele: “Não devem temer as incertezas, eu ainda as tenho! Estou neste momento a terminar aquela que será, provavelmente, a última obra da minha vida, uma habitação unifamiliar e ainda não sei se a garagem está bem resolvida.” Percebo que a ideia, inerente à disciplina de Projecto, de conduzir o aluno às certezas sobre o seu trabalho, obriga a um exercício mental que este o domine. Percebo essa atitude agora que penso nela, mas ficome pela incerteza. Por estas dúvidas e pela liberdade de poder discuti-las com todos os que me rodeiam. Assim chegarei às certezas. Quantas vezes nesta prova eu fui ensinado pela incerteza? Pelo sentimento desconfortável de não dominar um assunto e ter a necessidade de investigar para perceber o que estava a desenvolver. A arquitectura é também conhecimento. É fundamental conhecer o que é e o que foi, mas que permanece.


Esta sensação foi para mim, neste trabalho, mais do que em qualquer outro, uma ferramenta fundamental. Será uma ferramenta fundamental na minha vida. Foram os mestres que mo ensinaram.

Nota final



Volume I

PROVA FINAL PARA LICENCIATURA EM ARQUITECTURA

...um limite, uma prisão na Memória | entre o isolamento e a reinserção

Adriano Ricardo dos Santos Reis



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