Mwanaafrika#03

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crianças de africa children of africa

nº3 • abril 2013 • semestral • Portugal • 4,20€

Como estão as crianças de Angola? mwana afrika

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Conselho Científico Editorial:

Purificação Tavares, Paulo Malo,

Sandra Balseiro, Paulus Gerdes,

Roque Amaro, Maria Rosa Vieira,

António Ortega

Jorge Xavier, Mário Silva, Tomás Ana, António Paulo Castanheira,

Presidente:

Diana Pereira, Teresa Pinto Correia,

N’Ti Afrika

Mara Jorge, Marcolino Moco, Paulo Cardoso, Luaty Beirão, Jorge Jairoce,

Fotografia de Capa: Dinorah-Dinorah, “Menina da Catumbela” Benguela, Angola.

Coordenador:

Rosa Mayunga, Paulo Cardoso, Luis

Sandra Balseiro

Filipe Cardim, Paulo T. Silva, Eugénio Costa Almeida

Direcção : Representação Internacional:

Entidades Parceiras:

Prestígios Many

Agência LUSA, CGC Genetics®, Junta de Freguesia de Santa Clara,

Director Adjunto:

Procer, Malo Clinic, CALBONGD,

João Carlos Silva

Cordão de Leitura, Prestígios Many

Editor:

Impressão e Acabamento:

Ferreira Dias

Procer

Design e Paginação:

Distribuição:

Adriana Fonseca

VASP Média Logistics Park Portugal

Fotojornalismo: Mário Afonso

Fonte tipográfica revista número três: Tramnuntana 1 Pro

Reporter Fotográfica em Afrika:

Vanarchiv - Digital Type Foundry

Nunkui

www.vanarchiv.pt

*todos os artigos são ilustrados com fotografias tiradas em vários locais de

Tiragem:

Angola - direitos reservados à Revista

3000 exemplares

Mwana Afrika Periodicidade: Jornalistas:

Semestral

José Simão, Maria João Carvalho Revista Mwana Afrika

revista mwana afrika • nº3 • abril 2013

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Coordenador de Gabinete de Imagem,

Quinta do Cedro, António Jardim Lote 26,

Marketing e Relações Humanas

5º Dtº, 3000 - 035 Coimbra - Portugal.

Internacionais:

www.revistamwanaafrika.com

N’Ti Afrika,

revista.mwanaafrika@gmail.com

Paula Catela de Miranda

Telm: (0351) 912 117 879

Colaboradores:

Deposito Legal: nº 32948/11

José Carlos, Fátima Patrício,

ISSN: nº 2182-3480

José Simão, Maria João Carvalho,

Inscrição na ERC: nº 126072 (10-05-2011)


Queridos leitores, colaboradores, amigos e equipa, Um ano após o seu lançamento e da sua divulgação nacional e internacional, apostamos numa nova dinâmica na sua estrutura física e de contéudos, mais profissionalizada, sem deixar, contudo, o esplendor que a caracterizou ao nascimento. A Revista Mwana Afrika Número Três trabalhada pela designer e mestranda Adriana Fonseca, sob a orientação criteriosa e por excelência Pedagógica do Professor Paulo T. Silva, ganha novas formas e acolhe o Título em nome das “Crianças de Angola”. Como que num apelo para um Novo Olhar para o futuro, através da inovação do pensamento e das relações interpessoais, contrariando assim a ausência de sustentabilidade do mundo actual, consequência da precaridade de valores e de não assumir-se responsabilidades coerentes e firmes perante a problemática Criança. Nos dias 6 e 7 de Março de 2002 a Imprensa nacional Angolana e a Internacional, deram cobertura e registaram o evento onde as Crianças de Angola e as do mundo, exigiram para que se parasse com a guerra em Angola. Onze, anos depois, elas apelam para que se pare com a miséria, consequência da exploração internacional massiva e arbitrária, dos recursos naturais do seu País, onde por falta de alimentos, água, luz, saúde, educação, condições sanitárias e habitacionais condignas, leva-as a não sobreviverem a certas doenças negligenciadas pelo estado e, pelos organismos internacionais. Queridos(as) amigos(as), continuamos a afirmar, que a concretização deste projecto e o seu desenvolvimento, só tem sido possível graças à dedicação e o apoio de todos vós, e só por isso ele tem crescido e sido acolhido nas mais diversas comunidades africanas e do mundo em geral. A crescente integração da Equipa Técnica e de colaboradores mais diversificados, multi-étnicos dos mais variados Países é a constatação mais evidente do seu crescimento e solidez. A Revista número três é fruto desta determinação da união entre Povos e da vontade de se mudar para melhor, os destinos que vigoram, muitos deles maltraçados, para as Crianças em Afrika e no mundo. Foi com profunda satisfação de toda equipa que informámos oportunamente a todos os nossos Colaboradores e Amigos, do desenvolvimento e preparação da Revista Três, eis-la aí nas bancas, graças ao apoio incondicional de que tivemos o privilégio de receber por parte da Agência Escola IADE, através da integração da Mwana Afrika em Projecto de Mestrado. Estamos profundamente gratos a este gesto sem preço possível, que só as grandes pessoas que fazem a Nobreza das instituições o podem ter. Deixamos aqui o nosso carinhoso apreço a todos os que têm ao longo do primeiro ano de existência da nossa Revista vindo a dar o seu contributo. A nossa designer Adriana Fonseca e mestranda que desenvolveu o imagem da nova Revista Mwana Afrika, a nossa gratidão e votos de sucessos para a sua carreira. Deixamos também um especial e caloroso kandando Angolano, ao Professor Paulo T. Silva que orientou a mestranda, e que acolheu com grande humanismo e atenção a Equipa Mwana Afrika em todas as reuniões necessárias para o seu desenvolvimento, sem a sua determinação não seria possível esta concretização. Um exemplo de Homem Afrikano por excelência, que mantem a sensibilidade da matriz Berço da Humanidade. A todos vós pedimos: continuemos, sejamos persistentes, embora “os ventos” pareçam soprar com tempestades, mas a união entre todos é o remédio que superará todos os obstá-culos. A nossa Revista deixou de ser um bebé e é hoje uma Criança que precisa da nossa maior atenção, ela vingará com a força incorporada dentro dela, vinda de vós, pois, já é uma marca do continente Africano, com apoiantes em todo mundo, e assim estaremos juntos sempre. Desejos de um ano 2013 melhor para todos, o nosso bem haja! A Equipa Mwana Afrika.

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Actualidade

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Artigo Lusa

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A Criança em Afrika, A Criança no Mundo

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Como Estão As Crianças em Angola?

Angola: Corrupção já afecta direitos fundamentais

A Cidade De Deus

CGC Genetics

O Rastreio Pré-Natal

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Ciência e Matemática

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Política e Sociedade

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Estilos de Aprendizagem

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Entrevista

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A Notação De Frações e o Africano Ibn Al-Yasamin

Estado Exterminador Do Poder Local

Ser Visual, Auditivo Ou Cinestésico

Instituto Politécnico, Uma Escola Desenhada a Pensar no Futuro

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Conhecer Afrika A Minha Primeira Palavra

Rubrica d’as Artes

Concurso das Artes Plásticas: Pintura. Mwana Futuro

Cooperativas/Organizações Não Governamentais Para o Desenvolvimento

Unir Povos e Países por uma Escola Intercultural

Juventude em Afrika

Gaby - Um Olhar Sobre uma Nova Geração Incerta

Literatura/História Afrikana e Identidades

A Modernidade, A Questão Racial e a Subalternidade Medicina Tradicional Afrikana. Saúde e Bem-Estar

Reabilitando a Medicina Tradicional Africana. O Caso De Angola Fitoterapia Angolana. Contributo De Dois Cidadãos Angolanos

Rubrica Espanhola

La Reafirmación De Lo Local En La Salud Global

Rubrica N’Ti Afrika

Poemas de Bina e Mauro Abambres

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Como estão as crianças de Angola? por Marcolino Moco

... é apenas um pequeno universo do que se reserva ao futuro das crianças em Angola ... A

ntes de mais, endereço as minhas saudações e felicitações aos promotores do projecto “Revista Mwana Áfrika”, pela sua ousadia e pertinência, a volta de um tema e no contexto do nosso ainda “desorientado” mas sempre esperançoso Continente africano. Também os meus agradecimentos pela oportunidade que me dão de poder trazer para este projecto, alguma contribuição. “Como estão as crianças em Angola?” Como a todas as questões, em sociedades tão complexas e dinâmicas como as de hoje, haveria muitas perspectivas ( e em cada perspectiva diversos ângulos de observação) para responder a essa pergunta concreta. No entanto, condicionado pelo tempo que me sobra para poder debitar alguma contribuição neste sentido, embora possa fazer referências breves a diversos aspectos, vou ater-me essencialmente à perspectiva jurídico-política, campo da minha especialidade no domínio do Direito, assim também área do que tem sido a minha intensa actividade de intervenção cívico-política. Devo começar por afirmar que na vertente do direito formal, em Angola as coisas não vão mal. Como membro das Nações Unidas, o Estado angola assumiu formalmente

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actualidade

os compromissos legais e ético-morais de velar pelos direitos e o bem-estar das crianças angolanas, assinando e ratificando os principais instrumentos internacionais, tais como a Convenção sobre os Direitos das Crianças das Nações Unidas e a Carta Africana sobre Direitos e o Bem-estar da Criança da União Africana. Especialmente desde a adopção do sistema político multipartidário, a partir de 1992, o Estado angolano está munido de todos os principais mecanismos jurídico-legais e institucionais para a protecção das crianças, entre os quais podemos mencionar o sistema ministerial, com vários sectores confluentes na problemática da criança (Ministério da Família e da Mulher, Ministério da Assistência Social, Ministério da Educação e Instituto da Criança). No sistema judicial, apesar de não estar instituído uma jurisdição especializada, conta-se com a existência de juízes e procuradores imbuídos na tarefa de julgamento das crianças. Contudo, por várias razões, muitas crianças em Angola, não muito diferentemente do que se passa um pouco por toda a África, enfrentam inúmeras dificuldades, o que constitui um significativo empecilho para o seu normal


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Por várias razões, muitas crianças em Angola, não muito diferentemente do que se passa um pouco por toda a África, enfrentam inúmeras dificuldades, o que constitui um significativo empecilho para o seu normal e harmonioso caminho para a qualidade de adultos física e psiquicamente aptos e seguros de si próprios. e harmonioso caminho para a qualidade de adultos física e psiquicamente aptos e seguros de si próprios. Aqui, a guerra extraordinariamente prolongada, foi um factor desestabilizador enorme, cujas consequências sobre a situação actual, não podem ser negligenciadas. Desde logo, o facto do direito fundamental à própria vida de adultos e crianças ter sido banalizado durante muitos anos, associa-se à fragilização significativa de diversos valores e princípios harmonizadores da sociedade. Debilitou-se a qualidade da saúde, educação e ensino, baixou a responsabilidade de país em relação aos seus filhos, proliferou o número de crianças abandonadas e instalou-se a prostituição infantil e multiplicaramse as deficiências físicas e psíquicas entre adultos e crianças, onde um número avultado de famílias separadas. Mas se estas referências pertencentes ao passado, poderiam gradualmente ser ultrapassadas com o propalado crescimento económico (que afinal não passa essencialmente do crescimento do preço do único produto facilmente

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exportável - o petróleo - e do facto de se sair abruptamente da compressão bélica) o que mais deve preocupar é a natureza do regime político em que acabamos por desembocar, sem muitos nos apercebermos. Este regime já não é de partido único (que tinha mecanismos de controlo interno) como muitos pensam, na minha opinião erradamente. Muito menos é um regime democrático, como referem as prescrições meramente formais da Constituição e das leis. Sofremos um verdadeiro golpe imperceptível de estado que vai adiar, quem sabe por muito tempo ainda, a esperança de um tratamento mais digno à sociedade e consequentemente às crianças de Angola. Só para dar alguns exemplos, durante as últimas eleições, pejadas de vergonhosas irregularidades, as crianças e seus professores foram várias vezes obrigados a paralisar as aulas para serem mobilizados para enchentes, a favor do chamado “candidato do povo” e seu vencedor antecipado. Na minha condição de advogado social e judicial de populações, não me foi possível,

por exemplo, mesmo aproveitando o período imediatamente anterior à campanha eleitoral, demover a administração do Lubango e o governo provincial da Huila, superiormente orientado por instâncias presidenciais, a evitar o desalojamento ilegal de famílias para zonas que são matas virgens, sem infra-estruturas de nenhum tipo, onde não se pode falar de saúde, ambiente, escola e educação para as crianças. Naturalmente, não pude contar com a utilidade da justiça, toda ela submetida “a ordens superiores”. Este é apenas um pequeno universo do que se reserva ao futuro das crianças em Angola, porque este regime de carácter recente e “atípico”, como a si mesmo se intitula, arrancará agora de pedra e cal, já que pela primeira vez o seu principal titular foi eleito de forma “atípica” e não sei se alguém poderá segurá-lo, com a crise mundial e europeia. Angolanos, temos que continuar a lutar, agora com as armas da paz, para alterarmos o destino das nossas crianças. Que é como quem diz, o destino de Angola.


Gostaríamos de ter o que outros meninos e meninas no mundo têm: água, comida, saúde, casa, escola, brinquedos, e trabalho para os nossos pais, para seremos todos felizes. (mwa)

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Angola: corrupção já afecta dir por Agência Lusa ntónio Ventura falava à Lusa à margem da apresentação do esA tudo “A Topografia da Corrupção e da Falta de Transparência em Angola”, que começou a ser elaborado em janeiro de 2010 e apresenta os 10 sinais e caminhos mais visíveis da corrupção em Angola.

Palavras para quê? As consequências são visíveis: degradação social e moral, negligenciando-se o futuro das Novas Gerações! (mwa)

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artigo lusa

De acordo com António Ventura, o documento pretende contribuir para que procuradores, juízes e o Presiden-te do Tribunal de Contas tenham sinais para “estarem atentos e identificar práticas de corrupção e falta de transparência a nível dos gestores públicos”. “Temos a certeza de que o impacto da corrupção na nossa sociedade é cada vez mais forte e já está a afetar até mesmo a proteção dos próprios direitos fundamentais, sobretudo os direitos económicos e sociais, como a educação e a saúde. Não temos outro caminho que não seja o otimismo, não para estancar a corrupção no seu todo, mas para minimizar sobretudo o seu impacto na vida das pessoas”, sublinhou António Ventura.

O presidente da AJPD referiu igualmente que este trabalho de sistematização das várias práticas de corrupção identificadas a nível da administração pública, vem na sequência do programa denominado “Boa Governação, Transparência e Cidadania” da AJPD, cuja intenção é dar o seu contributo à política de tolerância zero anunciada há alguns anos pelo Presidente da República José Eduardo dos Santos.


Luanda, 09 Abril - O nível de corrupção em Angola já afeta os direitos fundamentais, disse hoje à Lusa, em Luanda, o presidente da organização não-governamental Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), que divulgou esta tarde um relatório sobre a corrupção no país.

reitos fundamentais relatório “Infelizmente, daquilo que temos estado a acompanhar, para além da aprovação da Lei da Probidade Pública e algumas medidas administrativas que têm sido tomadas pelo Executivo, não conseguimos ainda vislumbrar que, de facto, o combate à corrupção tenha surtido os seus efeitos”, lamentou. Ao descrever a forma como foi elaborado o trabalho, António Ventura apontou algumas dificuldades na sua realização, como a identificação de exemplos para determinadas práticas, que fez recorrer várias vezes a informações disponíveis em outros relatórios ou na imprensa.

“Sentimo-nos satisfeitos, sobretudo pelo facto de sistematizarmos as práticas, algumas delas até já reconhecidas por autoridades angolanas. Por exemplo uma das coisas que identificámos é que, muitas vezes, há a prática de enriquecimento ilícito através das contratações. Servidores públicos que várias vezes acabam por contratar empresas nas quais eles próprios têm interesses”, apontou. O ativista disse que o relatório é mais um passo do programa que a AJPD está a levar a cabo, salientando que já foi feito há alguns anos o levantamento de toda a legislação - Penal, Civil ou Comercial - que pode ser usada no combate à corrupção em Angola, bem como uma conferência com especialistas para analisar o impacto e formas de combate a esse mal.

“Este ano estamos a publicar este relatório sobre as práticas e obviamente no próximo ano vamos voltar a fazer outros estudos sobre o impacto da corrupção e a sua relação com os direitos humanos em determinados sectores da vida social. Vamos concretizar essas práticas que aqui identificámos, que são dez, no sector concreto da vida social”, concluiu.

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a criança em afrika, a criança no mundo.

A minha mãe levou crianças as costas por brincadeira, por querer imitar os mais velhos, mas sem qualquer responsabilização moral. Na minha infância faço-o porque a mãe teve de ir a zunga e o pai na Candonga. Ainda não há escola para nós! (mwa)

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a criança em afrika, a criança no mundo


A cidade de Deus por Fátima Patrício

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ssisti há dias, numa sessão caseira, à transmissão do filme “A Cidade de Deus”, do realizador brasileiro Fernando Meireles. Realizado em 2002 e candidato aos óscares de Hollywood em várias categorias, narra o quotidiano violento no seio da favela (vulgo musseque ou bairro de lata) mais famosa da cidade do Rio de Janeiro, em que os protagonistas principais são crianças e adolescentes que vivem à margem de uma sociedade dita civilizada. O narrador, Buscapé, é um menino pobre, negro, de apenas onze anos, que vive aterrorizado com a perspectiva de se tornar num bandido a médio prazo, único meio de sobrevivência no meio social onde se movimenta. Ainda assim acalenta o sonho de se tornar num fotógrafo profissional, apesar de todas as vicissitudes do meio social onde se encontra inserido. Com Buscapé embarcamos numa viagem onde nos são apresentados muitos jovens que nunca foram meninos, pequenos marginais que vivem do roubo, da mendicidade, do crime organizado, sem irem à escola nem desfrutarem de uma vida familiar feliz. Crianças que desde cedo aprendem que na selva de cimento em que se movimentam, só (so)brevivem empunhando uma arma e defendendo o seu território pessoal à bala. Arautos da violência do bairro, são temidos como outros bandidos maiores e veículos privilegiados na venda e compra de estupefacientes, mas ainda assim presas fáceis de traficantes sem escrúpulos e polícias sem alma, muitas vezes vendidos ao poder do vil metal. Meninos sem infância. Sem afagos ou reprimendas maternas, ignorantes, que nem sequer vão à escola aprender a ler e a escrever. Familiarizando-se com a crueza e brutalidade da vida assim que deixam as fraldas. A história passa-se numa favela do Rio de Janeiro, como podia passar-se num musseque de Luanda ou num bairro de lata de Lisboa. Crianças sem perspectivas de um futuro risonho.Estamos em tempo de eleições em Angola e há sempre a esperança (re)acesa que os nossos dirigentes políticos se preocupem em elaborar programas de apoio à infância e juventude. È imperioso formar jovens fortes e saudáveis, com direito a uma boa alimentação, cuidados básicos de saúde e à educação. É um investimento caro mas rentável a curto prazo, pois trata-se de futuros recursos humanos de uma Nação que se deseja próspera e feliz.

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cgc genetics

* Distribuição do risco em Rastreio Pré-Natal numa população.


O rastreio Pré-Natal por Purificação Tavares

Dois a três por cento dos bebés nascem com variados problemas de desenvolvimento que podem resultar de alterações dos cromossomas, podem ser herdados dos pais ou ainda serem causados por agentes externos como infecções ou medicamentos. rastreio pré-natal (RPN), é um teste destinado a todas as mulO heres grávidas que permite identificar

Mulheres com risco reduzido

Mulheres com risco aumentado (3 a 5%)

as mulheres com risco aumentado de terem um feto com alterações cromossómicas. O RPN é método de separar duas populações: as grávidas com risco au-mentado e as grávidas com um risco reduzido. O Rastreio Pré-Natal identifica as mulheres grávidas com risco reduzido e risco aumentado. O CGC Genetics® introduziu o Rastreio Pré-Natal em Portugal em 1992, e desde então tem liderado a evolução desta área de saúde materna em Portugal. O CGC Genetics® foi o primeiro laboratório em Portugal a desenvolver o Rastreio do 1º trimestre, o primeiro laboratório a aplicar o método de colheita por picada no dedo e o primeiro a implementar a abordagem do Rastreio Pré-Natal Precoce. No laboratório de Rasteio Pré-Natal do CGC Genetics® são processadas mais de 19.000 amostras para rastreio prénatal por ano e, actualmente, já ultrapassamos os 120.000 testes de Rastreio Pré-Natal.

O Rastreio Pré-Natal aplica-se a todas as grávidas, excepto às que já têm indicação formal para a realização do Diagnóstico Pré-Natal (caso de história familiar de doença genética ou marcadores ecográficos específicos alterados). Trata-se de adicionar ao exame ecográfico os resultados de uma análise bioquímica ao sangue materno cujo resultado calcula o risco de o feto ter trissomia 21. Caso o risco seja elevado está indicado realizar o Diagnóstico Pré-Natal para saber se o bebé tem a doença em causa. Os exames genéticos normalmente realizados durante a gravidez procuram alterações cromossómicas (trissomias); mas podem procurar também doenças do metabolismo, doenças associadas a atraso mental, fibrose quística, síndrome do X-frágil, displasias esqueléticas, craniosinostoses, entre outros. O exame é realizado mediante uma análise laboratorial ao DNA ou aos cromossomas, com o recurso a diversas técnicas de biologia (citogenéticas e/ou moleculares). Tipos de Rastreio Pré-Natal: Existem diferentes tipos de rastreio pré-natal. Os diferentes testes são realizados de acordo com o momento da colheita: o teste com melhor performance é o Rastreio Combinado Precoce, mas na impossibilidade de aplicar o protocolo precoce, a grávida poderá realizar o Rastreio Combinado do 1º Trimestre. Para as grávidas que por algum motivo não tenham conseguido fazer o rastreio do 1º trimestre, existe o Rastreio do 2º Trimestre.

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Ser mãe, mulher, gestora, numa Angola onde os valores tradicionais da nossa identidade são desvalorizados por quem governa, e por quem no exterior impõe regras em nome de uma falsa globalização, é difícil zelar por um desenvolvimento sustentável! Quem são os responsáveis por tudo isso? (mwa)

rastreio combinado rastreio combinado precoce: do 1º trimestre: Realizado entre as 11 semanas + 1 dia e as 13 semanas +6 dias de gravidez, este tipo de rastreio junta a informação de um exame ecográfico com os valores de doseamentos bioquímicos no sangue materno. O exame ecográfico avalia com precisão a idade gestacional e a translucência da nuca. Na amostra de sangue materno são quantificadas duas substâncias que se encontram no sangue de todas as mulheres grávidas: a fracção livre da gonadatrofina coriónica humana (free ß-hCG) e a proteína A do plasma associada à gravidez (PAPP-A). Os resultados dos testes ecográficos e bioquímicos são utilizados para calcular um risco específico para Síndrome de Down. Este rastreio detecta 90 a 92% dos bebés com síndrome de Down, podendo ainda detec-tar outras anomalias.

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O Rastreio Combinado Precoce é uma variante do Rastreio Combinado do 1º Trimestre em que a avaliação dos marcadores é feita o mais cedo possível. A colheita de sangue e os doseamentos bioquímicos são realizados entre as 9-11 semanas e os dados ecográficos são obtidos e incluídos para cálculo de risco às 11-12 semanas de gravidez. Esta combinação permite retirar a melhor eficiência de cada um dos marcadores, com uma taxa de detecção de 93 a 97%, permite fornecer o resultado logo após a ecografia e abreviar o processo de planeamento nos casos de risco aumentado. O Rastreio Combinado Precoce tem vindo a aumentar ao longo do tempo pois a possibilidade de saber mais informação sobre o bebé e, o mais cedo possível, é o desejo de qualquer mulher grávida. O rastreio combinado precoce optimiza as taxas de detecção de Síndrome de Down e permite, em muitos casos, ter o diagnóstico pré-natal concluído às 14 semanas de gestação.


resultados do teste de rastreio pré-natal: Reduzido: O risco de o bebé ser portador de trissomia 21, 13/18 é inferior ao valor limite estipulado (cut-off) normalmente o risco de uma mulher com 35 anos. Aumentado: aproximadamente 3 a 5% das mulheres que rea-lizam o rastreio pré-natal tem um resultado de risco aumentado. Neste caso, o risco de o bebé ser portador de trissomia 21, 13/18 é superior ao cut-off. Nestas situações, o médico que acompanha a grávida sugere outros métodos de diagnóstico tais como uma ecografia detalhada ou o diagnóstico pré-natal com amniocentese ou colheita de vilosidades coriónicas para futuras análises genéticas. A maioria dos rastreios com risco aumentado, têm resultados normais no diagnóstico pré-natal.

rastreio combinado do 2º trimestre: Este tipo de rastreio é realizado entre as 14 e 22 semanas de gravidez. É uma alternativa para as grávidas que não realiza-ram o rastreio no 1º trimestre. Nesta altura são quantificadas duas substâncias químicas que se encontram no sangue das grávidas chamadas alfafetoproteína (AFP) e gonadatrofina coriónica humana (ß-hCG). O resultado deste rastreio permite calcular o risco para Síndrome de Down, Trissomia 18 e para Defeitos do Tubo Neural (DTN). O rastreio do 2º trimestre detecta >98% dos bebés com anencefalia, 90% dos casos de espinha bífida e 80% dos casos de Síndrome de Down e Trissomia 18.

Quando foi implementado em Portugal, o rastreio de anomalias numa população normal era um conceito novo. O rastreio pré-natal foi sendo melhorado, atingindo hoje, no 1º trimestre, uma taxa de detecção superior aos 90%, o que contribui notoriamente para a diminuição do número de amniocenteses realizadas, sem perda de eficiência. Na actualidade o CGC Genetics® é certificado pela Fetal Medicine Foundation, organismo de referência internacional, para a realização de Rastreio Pré-Natal em sangue periférico. O Rastreio Pré-Natal é um exemplo da função de rastreios na população normal, seleccionando uma população de risco a que se oferecem testes de diagnóstico, com uma enorme vantagem na redução de custos financeiros e uma melhoria da saúde e bem-estar social. Quanto aos pais, ficam mais descansados por terem evitado problemas futuros!

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A notação de frações e o a 22 w

ciência e matemática


Ibn al-Yasamin significa filho da flor jasmim. A mĂŁe dele, uma belĂ­ssima pessoa, era chamada flor de jasmim.

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por Paulos Gerdes

[reproduzido de Djebbar, 2005, p. 93]

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ientistas do ‘Ocidente’ muçulmano, ou seja, primeiro no Maghreb (Noroeste de África) e depois na Andaluzia (na Península ibérica), desempenharam um papel importante no desenvolvimento da matemática, em particular, do século XI ao século XV. Estes cientistas escreviam na língua árabe. Isto não significa, no entanto, que eles próprios eram árabes. Em geral, eram norte-africanos como, por exemplo, Ibn al-Banna (1256-1321), Uqbani (1320-1408) e Ibn Qunfuh (1339-1407), ou da Andaluzia como o geómetra Al-Mutaman, que foi rei da Zaragossa de 1081

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a 1085. Às vezes, os matemáticos do ‘Ocidente’ muçulmano tinham uma origem diferente, como veremos. Uma contribuição importantíssima do Maghreb medieval para o desenvolvimento internacional da matemática foi a ideia de substituir palavras por símbolos para descrever várias operações aritméticas, como a subtração, a multiplicação e a divisão. A título de exemplo, observe o texto em cima do século XII. Trata-se de um texto escrito na língua árabe e escrito da direita para a esquerda. Pelo contrário,

em Português escreve-se da esquerda para a direita. Mesmo assim, escrito em Árabe, o leitor e a leitora reconhece imediatamente frações como 1/4 e 1/10. É o texto mais antigo, na medida em que sabemos hoje, em que aparece o famoso traço para representar uma fração, com o numerador em cima do traço e o denominador em baixo.Todas as crianças nas escolas angolanas, brasileiras, moçambicanas, portuguesas,... aprendem esta ideia de notação originárias do Norte de África. Quem teve a ideia? Tanto quanto se sabe hoje, o matemático que muito provavelmente


Todas as crianças (...) ..., aprendem esta ideia de notação originárias do Norte de África.

tenha introduzido este símbolo e outros e que possa ter sido o autor do texto referido, chama-se Abdallah Ibn al-Yasamin. Ibn al-Yasamin significa filho da flor de jasmim. A mãe dele, uma belíssima pessoa, era chamada flor de jasmim. A mãe era uma escrava negra, proveniente da África ao sul do deserto Saara. O pai era um norte-africano da população Berbere. Tendo tido um filho com um homem ‘livre’, a mãe, em concordância com a lei da época, ganhou a liberdade. O filho, descrito na época como ‘tão negro como a mãe’, educado inicialmente pela ‘flor de jasmim’,

estudou em Sevilha (Andaluzia) e tornou-se um matemático, jurista e poeta famoso. Como professor, Ibn al-Yasamin teve a ideia didáctica interessante de escrever poemas para facilitar a aprendizagem da matemática por parte dos seus alunos. Durante séculos os seus ‘poemas matemáticos’ foram decorados pelos estudantes. Não se conhecem as razões, talvez pelo seu sucesso como poeta e cientista, ou pelas relações com o poder local real ou pelas posições publicamente assumidas, Ibn al-Yasamin foi assassinado em 1204 em Marrakech nos actuais Marrocos. Crianças em Angola, no Brasil, em Moçambique, em Portugal, em Cabo Verde, em Guiné Bissau e em muitas outras partes do mundo atual aprendem algumas ideias e símbolos originados pelo ‘filho da flor jasmim’ ou do seu tempo e cultura.

Para mais informação sobre Ibn al-Yasamin e a matemática do seu tempo, veja: Djebbar, Ahmed (1997), Ibn alYasamin, in: Selin, Helaine: Encyclopedia Of The History Of Science, Technology, And Medicine In Non-Western Cultures, Kluwer, Dordrecht, páginas 414415; Djebbar, Ahmed (2001), Une Histoire De La Science Arabe, Éditions du Seuil, Paris.; Djebbar, Ahmed (2005), L’algèbre Arabe: Genèse D’un Art, Vuibert, Paris; Gerdes, Paulus & Djebbar, Ahmed (2011), Mathematics in African History and Cultures. An Annotated Bibliography, União Matemática Africana & Lulu, Morrisville NC, EUA; Gerdes, Paulus & Djebbar, Ahmed (2011), History of Mathematics in Africa: AMUCHMA 25 Years, União Matemática Africana & Lulu, Morrisville NC, EUA (2 volumes) (www.lulu.com).

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Estado exterminador do poder local por José Simão, Embaixador do Movimento Internacional Rainha NZinga

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m 2005 o Governo retirou aos Presidentes de Freguesia a meio e a tempo inteiro, a possibilidade de reforma, depois de mais de 6 anos ao serviço da autarquia. Retirou também o apoio à reintegração, que equivalia a 11 meses de compensação. Ainda não satisfeito com este ataque, retirou o subsídio de férias e Natal aos Presidentes de Junta a meio e a tempo inteiro, como se os autarcas locais fossem funcionários públicos, o mesmo não fazendo aos senhores deputados da nação, que continuam a ganhar milhares mensalmente sem qualquer corte troiciano. O ataque exterminador do estado através de leis e decretos leis, veio limitar a três, os mandatos de quem se candidata a presidir às freguesias, o mesmo não fazendo com a eleição do Primeiro Ministro, que se pode candidatar eternamente sem qualquer limitação. Acreditamos que esta lei limitadora se prende com algum desencanto dos políticos de topo, dos quais nenhum teve a confiança do povo para governar Portugal mais de doze anos. Cavaco Silva foi a única excepção que teve essa possibilidade, mas desistiu aos dez anos de mandato. Perante estes desideratos, conclui-se que o país, Portugal, tem vários estados dentro do próprio estado. Não satisfeito com estas limitações, resolveu que teria de haver uma reforma administrativa, diminuindo drasticamente o número de freguesias, mas não soube reformar, mete os pés pelas mãos, chegando mesmo a ter de nomear uma comissão técnica para decidir o que não conseguiu por si próprio. Esta Comissão Técnica tem um orçamento que se aproxima do milhão de euros. É muito desperdício de dinheiro para um país que está a apertar o cinto. Estamos a um ano e tal de novas eleições autárquicas e neste sentido, ainda ninguém sabe como se vai proceder ao acto eleitoral, já que grande parte dos Presidentes de freguesia não se podem voltar a candidatar. Ora, uma freguesia que se vai agregar a outra em qual delas vai decorrer o acto eleitoral? E como se vão processar os cadernos eleitorais. Para maior confusão, como é que se dá novo nome a uma freguesia que já existia, mesmo antes de haver o país de Portugal? Porque é que nesta pseudo reforma administrativa é permitido haver freguesias maiores do que municípios e são muitas. Será que o Governo não teve coragem para mexer na extinção de municípios e virou-se para as freguesias porque julga que elas são o parente pobre da política nacional? Se pensou assim pode ter feito uma má avaliação do poder local. Como se isto não bastasse o Governo vem retirando nos últimos anos, 5% do FFF (Fundo de Financiamento das Freguesias), com esse corte nas dotações, já há freguesias que pagam mais aos seus funcionários do que a totalidade da verba que recebem do estado. Se somarmos a isso as verbas do IVA que as freguesias devolvem ao Estado como consumidor final, esse mesmo estado não transfere mais do que meio por cento do seu orçamento para as freguesias. Pode-se concluir que custa mais ao país o gabinete do primeiro-ministro do que a totalidade das dotações para as mais de 4.500 freguesias. Está lançada a confusão para os governantes que querem fazer reformas sem nexo, apenas para dizer que fizeram reformas. Em próxima oportunidade falarei sobre os cri-térios das dotações do FFF para as freguesias e também de outra confusão maior que se instalou entre os actos censórios e a Carta Administrativa Oficial de Portugal, duas aberrações que envolvem o INE (Instituto Nacional de Estatística e o IGP (Instituto Geográfico Português).

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política e sociedade


É muito desperdício de dinheiro para um país que está a apertar o cinto.

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Ser visual, auditivo ou cinestésico por Luís Cardim

A forma de aprendizagem de cada pessoa é absolutamente única. Isso não é de estranhar, pois as funções cerebrais, musculares, de memória e de pensamento, dos próprios sentidos (entre outras) que participam no processo de aprendizagem, são inúmeras e diversas consoante os indivíduos. Cada um aprende, de facto, de maneira absolutamente diferente dos outros o que leva alguns autores a afirmarem que não faz sentido falar-se em estilos de aprendizagem. 28 w

estilos de aprendizagem


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ontudo, a “construção de estilos de aprendizagem” é uma concetualização possível tal como outras noutros ramos científicos: as pedras classificadas na escala de dureza respetiva não existem catalogadas desse modo na natureza. Construiu-se a escala para que os diferentes tipos de rocha possam ser comparados e identificados. Dado que fazer Ciência é isso mesmo, classificar e agrupar, distinguindo, comparando e caracterizando, muitos autores, quer da Pedagogia quer da Andragogia, selecionaram características diversas em relação à forma como diferentes pessoas processam a informação no processo de aprendizagem. Com essas características construíram várias grelhas de aprendizagem. O seu número é tão elevado que o difícil é escolher os que se adaptam mais a cada situação. Ora, uma das concetualizações mais conhecidas é a da distinção de qual dos sentidos assume maior papel naquele processo, sublinhando os sentidos da Visão e da Audição mas também o movimento (Cinestesia). A importância destes estilos de aprendizagem, conhecidos como Visuais, Auditivos e Cinestésicos, está então relacionada com o processamento preferencial dos estímulos que são captados pelos órgãos dos sentidos. Poucas pessoas apresentam uma situação de equilíbrio; na verdade há uma certa “especialização” em torno de um dos hemisférios o qual apresenta uma certa predominância em relação ao outro. Naturalmente que os dois hemisférios funcionam em simultâneo mas, na maioria dos casos, um é notoriamente mais eficaz num certo número de tarefas características. Mas porquê falar-se apenas de visuais, auditivos e (tátilo) cinestésicos? Porque o olfato e o gosto estão mais arredados da aprendizagem formal obrigatória do que os outros sentidos. Assim, na sua comunicação e aprendizagem quotidiana, o indivíduo Visual é aquele que processa a informação preferencialmente através de imagens ou da palavra por si lida. Auditivo é o que preferencialmente comunica (e aprende) através da palavra ouvida ou verbalizada . O Cinestésico usa e aprende bastante mais com o movimento e o tato. Entre estes últimos encontram-se as quatro sub-modalidades: executores que preferem estar sempre com a “mão-na-massa”, fazendo coisas; os que utilizam todo o corpo na atividade a desenvolver; desenhadores que usam o traço para comunicar; escritores que escrevem para comunicar e aprender com mais facilidade. Constata-se que a comunicação é mais fácil e eficiente (verifica-se mais em quantidade e com maior qualidade) se o emissor e o recetor estão em sintonia, se possuem como preferência e com

similar eficácia o(s) mesmo(s) sentido(s). Mas há também outro fator adicional a ter em conta: a satisfação que este processo origina e que estimula e reforça a aprendizagem.

Calcula-se que, atualmente, cerca de metade da população escolar seja Visual, um terço seja cinestésico e um quinto seja auditivo, embora diferentes estudos em diferentes locais mostrem resultados razoavelmente diferentes, certamente consequência fundamental dos diferentes estilos de vida praticados. Na sua atividade, o professor deve conhecer o seu próprio estilo de comunicação preferencial (mais eficaz), bem como os estilos dos alunos, pois isso melhora grandemente a eficácia da comunicação pedagógica. Pela sua parte, os alunos, pelo menos do segundo ciclo em diante, devem fazer um esforço no sentido de conhecer, o melhor possível, qual ou quais as suas formas preferidas e privilegiadas de processar a informação e de a memorizar. Simplisticamente, tendemos a considerar apenas como modalidades de aprendizagem os visuais, os auditivos e os cinestésicos, pelas razões atrás apontadas. Contudo, a receção e o processamento da informação a que acedemos é mais complexa, pois cada um dos grupos tem nuances específicas. Assim, a modalidade dos Visuais divide-se em duas: aqueles que processam mais eficazmente imagens de objetos e os que processam melhor o texto escrito ou impresso, (visualizando-os na mente). Estes grupos necessitam de procedimentos diferentes durante o processo de ensino e aprendizagem. Os primeiros têm frequentemente problemas de leitura (ler e soletrar), pelo que se considera que o método global é o melhor para os alunos da modalidade Visual. As linguagens pictográficas são adequadas a estes alunos, mas não as linguagens abstratas. Este grupo descodifica e memoriza eficazmente gráficos, mapas, quadros de imagens, desenhos, formas, esquemas, organigramas, vídeos, CD-roms e dramatizações; transforma toda a informação a que acede em imagens que pode processar visualmente e actua de acordo com isso ou memoriza-as. Alguns elementos deste grupo pensam inteiramente em imagens – até as suas notas são tiradas com desenhos – o que seria difícil de compreender para aqueles que pensam por palavras. Os “mapas mentais” são técnicas impor-

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para processarem a informação respetiva capazmente. Verbalizar ajuda-os quer no processamento quer na memorização dos conceitos essenciais e das suas relações. Para este tipo de aprendizes, a palavra é decisiva. Além de necessitarem de ouvir a palavra, precisam de falar alto sobre as coisas, pois essa é a sua forma de processar as ideias. Um exemplo típico de mau funcionamento no que respeita a “instruções” escritas é a dificuldade que alguns alunos têm em interpretar as instruções sobre um texto ou um livro determinado, ou, ainda, as perguntas feitas sobre o mesmo. Nestes casos, devem lê-las alto para si próprios. Isso irá seguramente resultar melhor, se se tratar realmente de um auditivo verbalizador. E se as enfatizarem, respeitando a pontuação o resultado será ainda melhor. É apenas quando lê alto as instruções, frequentemente como sugestão feita por um adulto, que o/a aluno/a compreende o que realmente se espera dele. A leitura em voz alta, quanto mais enfática, mais ajuda o próprio a compreender o conteúdo. Estes aprendizes só compreendem bem quando lêem alto para si próprios. Assim, é essencial identificar os alunos com estas características e dizer-lhes para lerem alto para si próprios as instruções, seja para interpretarem um texto seja para compreenderem as perguntas de um teste. Por outro lado, devem ser instados a verbalizar o que aprendem e estudam e os trabalhos que fazem. Estes alunos ganham em estudar em conjunto com outros, dizendo alto o que estão a fazer, como forma de compreenderem e memorizarem melhor. Devem fazê-lo Para além disto, a música pode ajudar quando têm que bastante a sua aprendizagem e memorização, também tomar decisões. Os livros uma vez que alguns necessitam de um ruído gravados ( audio e vídeos interativos) ou programas de fundo para se concentrarem melhor. de computador de carácter pedagógico são igualmente uma possibilidade a Alguns destes alunos sentem-se melhor a ouvir experimentar por estes alunos, mas conseguem os uma gravação do que a assistir a uma aula expositiva ao vivo – pois não se perdem com a informação melhores resultados quando verbalizam as coisas a aprender e/ou a decorar. Os cinestésicos tácteis são visual que tende a perturbá-los – enquanto outros alunos que, nas situações de aprendizagem, consegparecem compreender e memorizar melhor os uem melhor desempenho se existe movimento e conceitos que são ensinados através de histórias contacto físico. Trata-se de uma modalidade de co(as quais fornecem uma estrutura sequencial fixa municação e aprendizagem difícil de compreender e previamente conhecida). Muitas vezes fecham os olhos durante a apresentação de um gráfico para para a maioria das pessoas. Os estudantes que tamborilam ou fazem continuamente rabiscos no papel, poderem concentrar-se melhor na informação que são muitas vezes considerados disruptivos, uma vez ouvem e melhor processam: a auditiva. As rimas que o ruído perturba as aulas, e desenhar figuras ajudam esta modalidade de aprendizes, e a palaenquanto o professor fala, fazem-nos parecer vra ouvida pode em geral ser fonte de ideias e de menos atentos. Estes alunos apreendem melhor a inspiração. Os livros gravados em áudio podem ser igualmente úteis para alguns destes comunicadores informação se puderem mover-se livremente e se lhes for possível tocar nas coisas. Contudo, isto faz que têm dificuldade em se concentrar, quando, parecer que estão distraídos ou desinteressados. lêem um livro em silêncio. Os auditivos verbais A sua energia (não liberta durante horas e horas necessitam de falar e/ou discutir os conteúdos, tantes para este grande grupo dos visuais, uma vez que usa esquemas, imagens em esboço, sublinha de forma sintética relações entre as partes do todo e usa cores além da palavra. Ao usar-se um mapa mental, atinge-se a forma de processamento da informação característica destes comunicadores, através de agrupamentos de informação, organizados com uma lógica predominantemente visual. Os visualizadores da palavra (escrita ou impressa) pensam por palavras. Dito de outro modo, visualizam palavras na sua mente, quando estão a pensar, mas também sempre que as ouvem, quando se lembram delas ou as memorizam. Necessitam de transformar as imagens em palavras, para poderem processá-las de acordo com o seu modo de funcionamento preferencial. Necessitam de a ver escrita, de sublinhála, se possível usando a cor, de fazer uma síntese ou um relatório sobre o tema ou o seu conteúdo para o processarem melhor. Um exemplo é o dos “leitores” que sublinham as palavras ou ideias mais importantes do que lêem com marcadores coloridos. Quanto à modalidade auditiva, o seu material de eleição inclui o som, a música, canções, as aulas expositivas, as conversas e a palavra em geral, assim como informação registada em gravador, estórias contadas em voz alta e a voz do próprio emissor. Inclui duas sub modalidades: os aprendizes ouvintes (que preferem ouvir) e os verbais (que preferem falar).Os auditivos ouvintes habitualmente compreendem e processam melhor a informação se esta lhes é apresentada verbalmente.

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30%

VISUALIZADOR DE IMAGENS

25%

20%

OUVINTE

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15%

SUBDIVISÃO DE V.A.C. // GLOBAL 10ª ECÓNOMIA

VERBALIZADOR

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DESENHADOR

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CORPO

ESCRITOR

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confinados na sala de aula, sem poderem fazer movimento) leva a que sejam frequentemente considerados hiperativos. É necessário conviver com estas características e saber encontrar a forma apropriada para dar sossego à turma, permitindo simultaneamente atividade, discreta mas libertadora de energia e potenciadora de concentração destes alunos. Apontar ou colocar o dedo sob o que estão a ler são outras formas de funcionamento de que os (táticos) cinestésicos se servem para ler e aprender da forma que mais se adequa às suas necessidades. Por vezes, quando os alunos já têm uma certa idade, estas formas não são muito apreciadas pelos professores. Os cinestésicos, quando fazem contas de somar, subtrair, etc., funcionam exatamente como se usassem um ábaco ou uma calculadora, que se apresenta quase como indispensável para eles. Os cinestésicos aprendem melhor, semeando um jardim, do que ouvindo falar sobre ele, e desenhando em vez de visualizar um conteúdo. Precisam de examinar e de tocar nas coisas a três dimensões, de manipular, de usar cores. Ganham em estudar enquanto fazem exercício, uma vez que os seus corpos em movimento lhes permitem pensar e memorizar mais eficazmente. Precisam de intervalos mais frequentes que outros alunos e de se esticarem, espreguiçarem e moverem na sala, para se concentrarem melhor. Não os autorizar a fazerem isto é impedi-los de funcionarem de acordo com as suas características essenciais de comunicação, dificultandolhes a concentração. Há basicamente quatro tipos de cinestésicos tácteis, que se seguem, podendo haver combinações várias dos mesmos: Aprendem fazendo, processam melhor a informação através de actividades que lhes permitem meter as “mãos-na-massa”, tais como construir, montar, separar coisas, trabalhar com materiais de diferentes texturas e manipular objectos; Aprendem com todo o corpo, necessitam de agir, passear ao redor, jogar, fazer exercício, construir, fazer demonstrações ao vivo e movimentar todo o corpo; Aprendem pelo desenho, colorindo e rabiscando; Aprendem escrevendo, por ser a atividade que melhor lhes permite compreender,

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assimilar e memorizar a informação. Estes alunos necessitam menos de tocar e movimentar-se de que os anteriores e assemelham-se bastante aos visuais (que aprendem melhor pelo texto escrito ou digitado e impresso). É escrevendo que traduzem a informação para o formato de que carecem para aprender.

As pessoas não se comportam apenas e sempre na mesma modalidade de comunicação, havendo inúmeras combinações possíveis que resultam das suas ligações cerebrais, do estilo de vida que mantêm, do conteúdo do que têm que aprender, sem esquecer uma parte hereditária significativa Os “nativos digitais” desenvolvem o visual intensamente, até pelo número de horas que passam diariamente em frente a écrans, mas por vezes também desenvolvem uma agitação permanente resultante do ritmo intenso das suas actividades, nas quais se incluem o envio e recepção de SMS frequentes, enquanto fazem os trabalhos de casa ou vêm televisão. Assim, cada aluno desenvolve padrões de comunicação diversos uns dos outros, mas que é preciso conhecer para decidir como atuar. Só assim se saberá quais os limites de comportamento aceitáveis face às suas necessidades e em que medida são justificados. A aluna que fez o curso de medicina, estudando a fazer crochet enquanto uma colega lia alto os textos essenciais do curso é um bom exemplo da combinação de uma visualizadora da palavra que lê para compreender e se concentrar, de uma auditiva e cinestésica táctil que memoriza ouvindo a voz alta e desenvolvendo a sua própria atividade física e intelectual. Uma simbiose perfeita de competências complementares potencia melhores resultados para as partes envolvidas. Uma escola para todos aprenderem mais e melhor. Os curricula e as aulas

em geral foram desenhadas, na maioria dos casos, para os auditivos. Contudo, já não é esse o aluno tipo mais frequente na escola, representa apenas cerca de 20 a 30%, no melhor dos casos. Uma escola para todos implica diferentes meios de comunicação, recursos enriquecidos com as várias modalidades de comunicação pedagógica, considerar ainda uma certa percentagem de situações com música, ritmo e rima; implica a mostra de quadros e gráficos sugestivos e fáceis de interpretar, assim como a vivência e o processamento saudável de sentimentos, emoções, ação e actividade física no espaço e tempo escolares. Há necessidade de se descolar dos métodos e processos usados na comunicação pedagógica com as gerações do passado, como a dos baby boomers, mais homogénea, pois cada nativo digital tem uma experiência única que se deve ter em conta. Nenhuma modalidade de aprendizagem é inferior ou superior a outra e todas são necessárias ao bom aproveitamento dos alunos e ao funcionamento da escola. Mas isso exige uma mudança consciente e intencional no sentido de permitir que, logo desde os primeiros anos de escolaridade, as opções educativas respeitem as modalidades de comunicação entretanto definidas, mais ou menos, espontaneamente e pelos alunos. Dicas para ajudar: Observe atentamente os resultados da avaliação de cada uma das modalidades (VAC...) para cada um dos seus estudantes; Tente agrupar os estudantes com afinidades. Isso facilitará o seu trabalho e o deles; Escolha atividades específicas para diferentes modalidades de comunicação pedagógica e experimente-as com os seus alunos; Permita aos alunos a escolha de alternativas sugeridas por si; Ensine os seus alunos a conhecerem as suas modalidades de comunicação e de aprendizagem preferidas, para que eles possam escolher a melhor forma de aprender e memorizar cada tema; Ensine igualmente os seus alunos a conhecerem os seus pontos fortes e fracos no que respeita ao funcionamento do processo de memorização de cada um. Assim podem utilizar os seus pontos fortes em seu benefício e compensar os fracos.


É necessário conviver com estas características e saber encontrar a forma apropriada para dar sossego à turma, permitindo simultaneamente atividade, discreta mas libertadora de energia e potenciadora de concentração destes alunos.

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Instituto PolitĂŠcnico, uma escola desenhada a pensar no futuro

Prof. Rui Antunes Presidente do Instituto PolitĂŠcnico de Coimbra

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entrevista


Todos sabemos que o futuro de qualquer País depende da qualificação dos seus cidadãos.

zQuem é o Professor Rui Antunes? E desde quando Dirige o Instituto Politécnico? Sou Presidente do Politécnico de Coimbra desde 30 de Julho de 2009. zFormação/Profissão/ “Pai”? Tenho um doutoramento em Psicologia Social e sou Professor na Escola Superior de Educação de Coimbra. zÉ Professor. O que lecciona? Atendendo às minhas funções de presidente, apenas estou a leccionar a disciplina de Sondagens e Estudos de Opinião, no curso de comunicação Organizacional da ESEC. zInstituto Politécnico - temos a ideia de uma instituição pensada a longo prazo, uma vez que começou a ser idealizada nos anos de 1980 e só uma dezena de anos mais tarde veio a concretizar-se, a que se deveu este longo tempo de espera? A rede do Ensino Politécnico foi criada em 1979 através do Decreto-Lei 513-T. Neste documento enunciaramse os princípios orientadores deste tipo de ensino e a intenção de criar um Instituto Politécnico em cada distrito. Foi também definido um calendário ra a criação dos diversos Institutos. O Politécnico de Coimbra não foi criado de raiz, uma vez que resultou da trans-

formação do magistério primário e da escola normal de educadores de infância em escola superior de educação (ESEC), da transformação da escola de regentes agrícolas em escola superior agrária (ESAC) e da integração dos Institutos superiores de engenharia (ISEC) e de contabilidade e administração (ISCAC). Este processo só se concluiu em 1989. zÉ conhecida já naquela altura a dinâmica do Professor Assis Pacheco, um dos dedicados Representantes da ex-Escola Técnica de Saúde de Lisboa, na orientação de alguns alunos Africanos, no sentido de optarem por uma Escola que lhes desse a curto prazo uma Profissão, prosseguindo no entanto a formação enquanto trabalhavam. Acha que a preocupação do Professor Assis Pacheco, teria também a ver com a necessidade de África reunir quadros qualificados a curto prazo, no sentido de substituir aos que tinham deixado África em definitivo, por ocasião das independências? Penso que sim. Todos sabemos que o futuro de qualquer País depende da qualificação dos seus cidadãos. Os Países africanos passaram por períodos conturbados onde a prioridade foi dada à guerra, mas começa a ser evi-

dente que está a surgir um movimento, cada vez mais consistente, no sentido de apostar fortemente nessa formação e qualificação. O desenvolvimento a que esses Países ambicionam, só será viável se essa aposta tiver sucesso e os seus responsáveis políticos tiverem cada vez mais consciência disso. zA maioria das sociedades Euro peias fizeram-se economicamente formando e capacitando os seus cidadãos em Escolas e Institutos profissionais, esta também foi a aposta do politécnico? O principal objectivo para a criação da rede do ensino superior politécnico foi o de aumentar o número de estudantes que acediam e concluíam uma formação superior. Para concretizar este objectivo foram tomadas duas decisões importantes: criar uma rede de estabelecimentos de ensino superior espalhada por todo o País e passar a exigir que algumas profissões que até aí eram exercidas por profissionais habilitados com cursos médios fossem exercidas por diplomados com o grau de bacharel. É assim que se criam institutos politécnicos em quase todos os distritos do território nacional e se integram nesses institutos as escolas de ensino médio já existentes, transformando-as em escolas superiores. Esta natureza regional e essencialmente ligada à formação de estudantes habilitados para o exercício

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de uma profissão, foi desde sempre a matriz essencial dos Politécnicos. zRecordamos que as Universidades não aceitavam, nessa época, que a sua missão fosse a de formar para o exercício de uma profissão especifica. O modelo de formação bi-etápica preconizado naquela altura foi o que vingou? O modelo de formação bi-etápica só surgiu mais tarde com a alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo que permitiu aos politécnicos conceder o grau de licenciado através de uma formação que associava um bacharelato a uma licenciatura. Os estudantes só podiam ingressar numa licenciatura depois de concluir um bacharelato na mesma área ou em área afim.

O maior interesse deste modelo era o facto de os estudantes poderem seguir percursos diferentes após a conclusão do mesmo bacharelato. Esta característica dava bastante flexibilidade à formação e ajustava-se bastante bem aos diferentes interesses e motivações dos nossos estudantes. Este modelo foi bastante interessante e, de certa forma, é o que agora vigora na relação existente entre a licenciatura e o mestrado. zSabemos que o Politécnico tem Escolas em que muitos dos seus Cursos são reconhecidos como sendo os melhores da Europa, como por exemplo o Curso de Análises Clínicas e de Saúde Pública da ESTES de Coimbra. Quantas Escolas tem o Politécnico e em que especialidades? O Politécnico de Coimbra tem seis escolas: cinco em Coimbra – escola su-

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entrevista

perior agrária (ESAC), escola superior de Educação (ESEC), escola superior de tecnologia da saúde (ESTESC), instituto superior de contabilidade e administração (ISCAC) e instituto superior de engenharia (ISEC) –, e uma em Oliveira do Hospital – escola superior de tecnologia e gestão (ESTGOH). zA Fundação da ESTES de Coimbra tem um Historial interessante de Docentes que deixaram a sua marca como pedagogos, e que a tornam de alguma forma uma Escola de referência nacional e Internacional, citamos alguns dos nomes como os dos Professores Chorão de Aguiar, Odete dos Santos Isabel, Ana Pacheco, Dário Costa, Celene Sargento, Olga Cravo, Graça Ralha, Ermida, Simões de Carvalho, Sardinha Alface, Freitas Tavares, são nomes que alguns alunos Africanos citam como exemplo de Bons Pedagogos, que com o seu conhecimento e a forma como tratavam os seus alunos, marcaram a vida profissional de muitos deles. O Senhor Professor que explicação tira destes exemplos? Não tive oportunidade de conhecer pessoalmente nenhum destes professores. São no entanto nomes que estão associados à afirmação das profissões ligadas às tecnologias de diagnóstico e terapêutica e à criação das escolas superiores nesta área. zComo pioneiros que foram marcaram toda uma geração que se reviu nos seus esforços e no empenho que colocaram na concretização daqueles objectivos. Conseguiram com o seu entusiasmo e motivação, nomeadamente na actividade de formação de profissionais da

saúde, contagiar de forma positiva todos aqueles que com eles lidaram. Qual a mais valia para a Escola resultante do comportamento dos seus Professores sob o ponto de vista da relação com os alunos, ético e humano? Uma escola é aquilo que forem os seus professores. Nós não queremos que o politécnico seja apenas um local onde se acede a informação e se aprendem técnicas.

É importante que os nossos estudantes tenham oportunidade de crescer como cidadãos e pessoas. Como já alguém disse, alguns dos maiores horrores da II Guerra Mundial foram cometidos por engenheiros e médicos das melhores universidades alemãs. Algo falhou na formação daqueles estudantes. Não foi nos conhecimentos e técnicas da profissão, mas na sua formação como pessoas e cidadãos. Uma escola, seja de que nível for, não pode descurar a formação ética e cívica dos seus estudantes e para isso é fundamental que os seus professores sejam também eles bons exemplos de cidadania. zEm termos da qualificação Profissional temos conhecimento de que Alunos Africanos formados na ESTES de Coimbra asseguram profissionalmente Serviços de saúde em instituições de Portugal, Inglaterra, Alemanha, Angola, Moçambique, pode-se dizer que o Politécnico capacita Profissionais para o mundo inteiro? Hoje mais do que nunca a formação profissional deve ser feita com a perspectiva de que os estudantes devem poder exercer essa profissão em qualquer parte do mundo. Por


razões históricas e culturais temos muitos estudantes provenientes de países africanos de expressão portuguesa, mas também temos muitos dos nossos diplomados portugueses a procurar outros países, nomeadamente na Europa e África, para exercer a sua profissão.

Hoje os jovens já encaram a possibilidade de se deslocarem para outros países para completar a sua formação ou para exercerem a sua profissão de uma forma muito mais abrangente do que no passado e as instituições de ensino superior têm de se adaptar a essa realidade. zAcha que Bolonha foi uma opção inteligente, para a estratégia inicialmente traçada pelo Politécnico na formação dos seus educandos? Será que Bolonha forma, capacita e qualifica suficientemente para uma vida activa na sociedade? Na sua opinião qual foi a estratégia da implementação de Bolonha em concreto? Aquilo que se designa por processo de Bolonha foi mais uma imposição das circunstâncias do que uma opção. De facto, não chegou a haver uma discussão alargada sobre o modelo e aquilo que vingou foi a necessidade de estar em sintonia com o resto da Europa. A reforma de Bolonha tinha uma componente pedagógica muito interessante que nunca se concretizou. O poder político apenas viu nesta reforma uma oportunidade de reduzir a

duração dos cursos e consequentemente diminuir os custos do ensino superior, sem atender a que o modelo pedagógico subjacente implicava mais custos. Este modelo pedagógico tem ainda implícito uma forte componente de autonomia e responsabilização dos estudantes que não é culturalmente muito bem aceite em Portugal. De uma forma geral os portugueses preferem programas mais estruturados e fechados, orientações mais precisas sobre o que está certo e errado, o que se pode fazer ou não. Para a maioria estudar continua a ser estar numa aula e ensinar continua a ser dar aulas. Ora, sem mudar esta componente pedagógica, os cursos limitaram-se a ficar mais pequenos. Se professores a alunos fazem o mesmo que faziam antes, e em menos tempo, então a reforma de Bolonha não pode dar certo. De facto hoje já começa a ser aceite que a licenciatura não é suficiente e que os estudantes para obterem um formação aceitável devem fazer também um mestrado. Voltámos às formações de 4 a 5 anos que existiam antes de Bolonha. Ou seja, mesmo naquilo que foi a única mudança imposta pelo processo de Bolonha – a duração das formações - já arranjámos maneira de “dar a volta”. zO insucesso Escolar no Ensino Superior também é uma realidade partilhada por professores, familiares e alunos, muitas vezes relacionado a idade e também a desmotivação dos alunos. Que fórmula usaria para acabar com o insucesso escolar no Ensino Superior? O insucesso escolar pode ter origem em muitos de factores. Uma parte significativa tem a ver com insuficiente preparação dos estudantes para frequentarem determinadas disciplinas que pode ser combatida

por uma melhor preparação no ensino secundário, por formação suplementar durante o curso ou, noutros casos, com a reorganização curricular dos cursos de forma a tornar a sucessão das disciplinas mais racional. Há também uma parte considerável de insucesso que se deve à falta de preparação pedagógica dos docentes do ensino superior. No Politécnico de Coimbra criámos um centro – o CINEP - que tem por objectivo disponibilizar recursos pedagógicos para os docentes que queiram aprofundar a sua formação pedagógica e criar uma espaço de análise e discussão da sua prática pedagógica com colegas que têm as mesmas preocupações.

Outra variável a ter em consideração é a motivação dos estudantes para a formação que frequentam. O sistema de acesso ao ensino superior leva a que muitos estudantes ingressem em cursos que não são a sua primeira escolha, o que tem implicações na sua motivação. Este é, também, um factor não negligenciável de insucesso escolar. Talvez fosse interessante haver um ano zero em que os estudantes pudessem assistir a aulas e a vivenciar durante algumas semanas a cultura institucional em vários cursos e instituições diferentes. Penso que isso os ajudaria a fazer escolhas mais fundamentadas. zSabemos que as Escolas do Politécnico já formam Mestrados. Em que áreas? Sim. Neste momento o Politécnico de Coimbra tem mestrados em todas as áreas em que faz formação ao nível da licenciatura. Já temos, inclusivamente mais cursos de mestrado do que licenciaturas.

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zComo encara os Mestrados actuais em que a maioria dos alunos fazem-no sem nunca terem tido uma experiência profissional, o que lhe apraz dizer sobre isso? Em termos ideais seria mais interessante que os estudantes tivessem uma experiência profissional antes de frequentarem um mestrado. Isso torná-los-ia muito mais maduros e conscientes das suas necessidades de formação. Há, no entanto, a consciência quer por parte de alunos quer de empregadores, de que uma licenciatura não permite o nível de especialização que é cada vez mais exigido para ingressar no mercado de trabalho, pelo que os estudantes optam cada vez mais, por obter essa especialização logo após a licenciatura. O actual nível de desemprego também favorece esta tendência para fazer o mestrado no seguimento directo da licenciatura, não só porque o estudante não arranja emprego, mas porque o mestrado poderá dar-lhe vantagem em obter esse emprego num mundo cada vez mais competitivo. zPara quando a oferta na formação de Doutoramentos numa Escola como o Instituto Politécnico, com um longo historial e trabalho demonstrado em Portugal, quer nas relações de Cooperação com outros Países e em especial os de África? Infelizmente a legislação actual restringe administrativamente a possibilidade de concessão do grau de doutor às universidades. Pensamos que esta situação terá que mudar a curto prazo e que a possibilidade de concessão do grau de doutor deve estar associada ao preenchimento de requisitos de qualificação do corpo docente e de investigação da instituição que dá o grau e não ao facto de se tratar de

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O politécnico de Coimbra tem participado em inúmeros projectos de cooperação na área do ensino superior em Cabo Verde, Angola e Moçambique. Penso que foram experiências proveitosas para esses países mas também para o Politécnico de Coimbra e para os professores que nela participaram.


uma universidade ou politécnico. As mudanças que se registaram no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior e no Estatuto da carreira promovem uma aproximação entre o estatuto das universidades e o dos politécnicos que se traduzirá mais tarde ou mais cedo na possibilidade de os actuais Politécnicos darem o titulo de doutor. zO mundo está em completa mudança, como encara o futuro de Portugal no contexto Europeu e nas relações com África, numa altura que os cidadãos de ambos os continentes estão cada vez mais críticos em relação ao comportamento de certos governantes? As dinâmicas sociais da actualidade, exigem dos seus autores e em especial a quem dirige as instituições públicas, por um lado a abrangência na forma de actuar, enquanto que por outro lado obrigam a que se esteja atento à ética comportamental, parecendo tentar compor e reabilitar hábitos ora esquecidos. zAcha que o mundo vivencia uma fase de perdas de valores, ou os cidadãos aprenderam o verdadeiro sentido de cidadania e passaram a estar mais atentos a conduta de quem dirige as instituições? Penso que ambos os factores têm influência. Há cada vez mais uma ausência de espírito de missão no exercício de funções públicas e um maior sentido crítico por parte dos cidadãos. Não estou totalmente convencido de que o sentido crítico dos cidadãos tenha origem numa maior consciência ética e cívica ou seja apenas uma manifestação de egoísmo e egocentrismo, simétrica àquela que exibem muitos dos titulares dos cargos públicos que são criticados.

zSente que tem cumprido com a sua obrigação de Bom Cidadão, Professor e Pedagogo ou apenas o de um Bom Gestor do Politécnico? Tento fazer o melhor que sei, orientando-me pelos valores que considero fundamentais, fazendo aos outros aquilo que gostaria que fizessem comigo e tentando cumprir aquilo a que me comprometo. zEsta entrevista vai ser publicada numa Revista Africana que trata assuntos diversos e em especial os da Criança Africana, que relações tem com África e desde quando? Eu nasci e vivi em Angola até aos 15 anos. Os meus pais também nasceram em Angola.

Tenho um interesse especial por tudo o que diga respeito a África e acompanho com agrado o empenho que Angola está a colocar na educação. zActualmente é hábito solicitar-se aos concorrentes na apresentação de curriculum para empregos, se é voluntário ou activista em áreas de cariz social. O Mwana Afrika pergunta ao Senhor Professor: é ou já foi voluntário Humanitário? Qual a importância desta experiência para quem o faz e para a sociedade? O Politécnico de Coimbra considera importante que os seus estudantes e docentes se envolvam em acções de voluntariado. Temos inclusivamete um programa de voluntariado – IPSER - que já congrega muitas dezenas de estudantes em acções de voluntariado.

zSabemos que esteve em Moçambique recentemente, pode falarmos em duas linhas os objectivos que o levaram a visitar terras de N’gungunhana? Estivemos em Moçambique para participar no encontro das Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) e para estabelecer e aprofundar relações de parceria com instituições de ensino superior moçambicanas. zAgora que sabemos que nasceu em África - Angola, como Professor do Ensino Superior, Dirigente, e com a experiência adquirida ao longo dos anos em Portugal, como encara o Futuro de África e da Criança em África? Como Professor qual tem sido o seu contributo para o desenvolvimento de África? O politécnico de Coimbra tem participado em inúmeros projectos de cooperação na área do ensino superior em Cabo Verde, Angola e Moçambique. Penso que foram experiências proveitosas para esses países, mas também para o Politécnico de Coimbra e para os professores que nela participaram. Pensamos que há muitas possibilidades de parceria entre o Politécnico de Coimbra e os países africanos de expressão portuguesa, não apenas na área da formação, mas também ao nível de projectos de desenvolvimento. zPara finalizar, um desejo para a Revista Mwana Afrika e o que ela poderá esperar de si, em prol das Crianças de África? Desejo os maiores sucessos à Mwana Afrika na concretização da sua nobre missão. Eu e o Politécnico de Coimbra estaremos sempre disponíveis para apoiar projectos em que a nossa participação possa fazer a diferença.

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A caminho da cidade do Huambo, um grupo de crianças aproxima-se do meu carro, curiosos. O olhar desta menina prendeu-me a atenção...

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Eterna apaixonada pelo continente africano, descobre e tenta mostrar ao mundo o modo de vida das gentes e a cultura do grande continente.


Mulher Mucubal – grupo cultural do sul de Angola, na província do Namibe. As mulheres mucubais são conhecidas pela sua beleza extrema e porte elegante.

Dina de Fraga Esteves e Sousa Pimentel é conhecida como dinorah-dinorah no mundo da fotografia. Nascida no meio do oceano Atlântico, na junção tripla das placas tectónicas eurasiática, americana e africana, numa das belas ilhas dos Açores. Estudou Biologia e Geologia, Educação e Pedagogia, e um pouco de música. A sua paixão pela fotografia começou em Moçambique, onde obteve as suas primeiras fotos, com uma câmara muito simples, em 2009. Mais tarde, em Lisboa, Portugal, fez formação e participou em vários workshops de fotografia, tendo sido aluna de fotógrafos de renome como Bernardo Coelho e António Lopes. Eterna apaixonada pelo continente africano, descobre e tenta mostrar ao mundo o modo de vida das gentes e a cultura do grande continente. Atualmente, residente em Angola, trabalha como coordenadora científico-pedagógica num projeto de educação pela Cooperação Portuguesa, conciliando assim a fotografia com a educação. Diz que não faz “fotografia de moda”, mas retratos de almas... www.dinorah-dinorah.jimdo.com . www.facebook.com/pages/dinorah-dinorah-Photography

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A caminho da praia da Caota, Benguela – menino a repousar nas ruínas de uma antiga casa colonial.


No centro da cidade de Benguela, um menino aproxima-se do meu carro e pede-me dinheiro. Digo-lhe que naquele dia não tenho. Ele fica em silêncio e vê que seguro uma câmara fotográfica e pede: “tira só foto, madrinha!”.

No Biópio, sob a barragem, na província de Benguela, Angola.

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A minha primeira palavra

por Mara Jorge

Um povo culto é um P povo livre; um povo selvagem é um povo escravo; e um povo superficialmente instruído é um povo ingovernável. (Angel Ganivet)

rovavelmente poucos de nós ainda se lembram da primeira letra do alfabeto que aprenderam a escrever. Mas certamente muitos lembram-se das primeiras vezes em que foram capazes de decifrar os contornos de uma palavra. Os nossos peitos se encheram de coragem, arregalamos bem os olhos para não vacilar, e sílaba por sílaba, soletramos a palavra tendo sempre o cuidado de repeti-la sem gaguejar para que ficasse bem claro para quem nos estivesse a ouvir que conseguimos ler a nossa primeira palavra! Se consegue ler estas palavras (e eu sei que consegue caso contrário já teria desistido de tentar ler estas frases), certamente consegue ressentir a mesma emoção… Para que não se sinta só, deixe-me dizer-lhe que eu também a estou a ressentir neste momento e tenho os olhos que brilham e os dedos trémulos só de pensar. A pergunta que lhe quero fazer agora é: a quantas pessoas já ajudou para que conseguissem um dia ler a sua “primeira palavra”? Quantas pessoas já aprenderam a ler e a escrever com os seus ensinamentos ou pelo menos com a sua ajuda? Se ainda não o fez, não se culpabilize, diga-se apenas que “ainda vou a tempo”. Na verdade é um dever do Estado estabelecer um sistema escolar público e gratuito, e garantir que todos os seus cidadãos recebam uma instrução adequada ao longo de suas vidas, para que não tenham de depender de outros olhos e outros cérebros para lerem e escreverem aquilo que eles deveriam ser capazes de ler e escrever. Infelizmente, as estatísticas e a própria convivência com pessoas de camadas mais populares do nosso continente africano nos provam que, aqueles que deveriam assegurar os nossos interesses ao nível das instituições do Estado têm

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falhado na sua tarefa. As nossas crianças vão à escola mas não sabem ler nem escrever, e incrivelmente, alguns conseguem mesmo chegar à universidade nestas condições. Camaradas, a situação é alarmante! Por isso chamo a sua atenção caro leitor, pois o Estado não é apenas composto por um Governo, legisladores, e administrações. O Estado também somos nós, cidadãos, eleitores enfim, Nação. Não

Num País produtor de petróleo e de recursos diversas como Angola, não é já permissível que as mulheres tenham de se deslocar ao rio com as suas crianças, para lavarem a roupa e utensílios de casa. Muitos destes rios estão poluídos e contaminados, sendo a via mais rápida para infecções como a cólera, paludismo , entre outras. Nalgumas regiões de Angola, os rios não servem apenas para a higiene, também é usada água para cozinhar e beber, na falta de água potável! (mwa)

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aceitemos que outros venham vendar os nossos olhos, nós os letrados, e cegar os olhos das nossas crianças “mal letradas”. Não nos esqueçamos de que estas crianças de hoje serão os professores de amanhã, e que quem aprende mal, ensinará mal. Como disse um grande homem, a quem aproveitamos para enviar as nossas saudações pelo seu aniversário, “a educação é o grande motor do desenvolvimen-


to pessoal. É através dela que a filha de um camponês se pode tornar uma médica, que o filho de um mineiro se pode tornar o director da mina, que uma criança de peões de fazenda pode se tornar o presidente de um país”. (Nelson Mandela). Entenda que quando lhe falo de saber ler e escrever não me refiro apenas a simples acção de soletrar, mas também, e principalmente, à aquisição de conhecimento

e desenvolvimento do intelecto. Aqui vai o meu desafio para si: dedique uma parte do seu tempo a ensinar alguém a ler e a escrever. Vá mesmo mais longe e ensine até aqueles mais velhos que não tiveram oportunidade de ir à escola. Faça isso e verá que enorme satisfação terá quando o seu ensinando correr até si, com um sorriso de orelha a orelha e lhe disser: « li a minha primeira palavra!».

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Se tivĂŠssemos em casa este bem precioso (ĂĄgua), talvez tratasse das responsabilidades familiares com mais pudor. Angola sempre a crescer, com casas evolutivas!... (mwa)

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Concurso Das Artes Plásticas modalidade de pintura

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Objectivos: zMwana Afrika promove este concurso no âmbito das ideias da constituição do projecto revista mwana afrika, no sentido da criação, desenvolvimento de acções que possam apoiar e surtir efeitos, a curto prazo, no desenvolvimento solidário e sustentável das sociedades africanas com vista a salvaguardar um futuro melhor para as novas gerações; zAjudar a descobrir e a incentivar a essência das artes no mundo infantil, de modo a que o seu crescimento possa partilhar formas e cores que sustentem a sua estrutura como pessoas humanas, e que lhes ajude a fortalecer a personalidade crítica, solidária, questionando através do que pintam as realidades sociais, a forma da educação que lhes é dada, a partilha social com o adulto próximo, nas sociedades onde estão inseridas, bem como a que lhes é proporcionada no lar onde estão acolhidas. Destinatários: zPoderão concorrer crianças dos 6 (seis) aos 12 (doze) anos de idade; zPara participação no concurso todas as crianças deverão apresentar na sua candidatura uma declaração de autorização dos pais, ou do seu responsável legal; zAs obras a concurso deverão ser em tamanho A4, pintados a óleo, guache, aguarela ou outro material; zCada artista poderá apresentar para concurso duas obras no máximo, acompanhadas da respectiva ficha e uma fotografia de cada obra; zNa ficha deverá constar o material e técnicas utilizadas; zAs obras a concurso deverão ser devidamente embaladas, identificadas com uma fotografia da obra e do artista, o nome do autor e do seu responsável maior, morada, local,

país, telefone, mail (caso tenham), e endereçadas registadas, para: Revista Mwana Afrika, Quinta do Cedro, António Jardim Lote 26, 5º Dtº 3000 - 035 Coimbra-Portugal. zSerá confirmada a recepção das obras, por mail, no prazo de 48 horas após expirar o prazo de candidatura, e também no site da Revista Mwana Afrika; zA Ficha de candidatura estará disponível no site da revista; zDeverá enviar em anexo a declaração cuja minuta estará disponível no site da revista, em como cede direitos de imagens da obra à revista mwana afrika com objectivos humanitários a favor das crianças em Afrika; zA direcção da revista Mwana Afrika, mal receba a obras para concurso passará a ter direitos de autoria sobre a obra, podendo fotografá-la, reproduzi-la em postais ou outra forma, devidamente numeradas, com vista a recolha de fundos a favor das crianças em África, amealhadas em conta a ser divulgada brevemente e gerida por um júri composto por entidades e personalidades idóneas de vários países, salvaguardando qualquer tipo de corrupção; zO júri do concurso e os responsáveis da revista mwana afrika, não se responsabilizam pelo extravio ou estrago de obras por indevido acondicionamento. Constituição do Júri: zPara acompanhamento do concurso e avaliação das obras, será constituído, um júri composto por artistas plásticos especialistas nas várias modalidades das artes plásticas, do continente africano e de Portugal, de um representante legal da revista, e futuramente serão convidados a integrar o Júri do


concurso, artistas de outros países de África e de outros continentes; zO júri é composto pelos artistas, cujo curriculo estará patente no site da revista, integrando o respectivo regulamento; zOs júris doarão previamente e a título humanitário, uma obra da sua autoria a favor da criança africana para ser leiloada e recolhidos fundos para o efeito; zA representação do júri neste concurso não é remunerada a favor da criança africana. zSão Membros do Júri: Mário Silva [Portugal] Presidente do Júri Etona - Tomás Ana [Angola] António Paulo Castanheira [Portugal] Qualidade dos Prémios: zSerão atribuidos o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Prémios; zAos três vencedores do concurso será atribuido um prémio oferecido pelas Papelarias Marciano, patrocinador oficial deste concurso; 1º Prémio: Tintas a óleo Oil Colour - Easel Set Winton 2º Prémio: Tintas a Gouache Classic Gouache Studio - Carand’ache 3º Prémio: Tintas a acrílico Acrylic Colour - Art Set Galeria zApós análise e Avaliação de todas as obras concorrentes e anúncio dos vencedores, a Revista Mwana Afrika organizará uma exposição em local a comunicar, para celebração da entrega dos prémios; zO Júri, para além dos prémios acima mencionados, poderá propor a entrega

de Prémio “Menção Honrosa” à obra que acharem de relevância; zOs resultados do concurso serão divulgados nos órgãos de comunicação Internacionais e na página online da Revista Mwana Afrika. Prazo Legal do Concurso: zA recepção das obras decorrerá no prazo de 4 meses a partir de Maio de 2013 até 2 de Outubro de 2013 zNão cabe recurso à decisão do Júri. zOs casos omissos serão resolvidos pela Revista Mwana Afrika; zTodas as obras a concurso poderão ser utilizadas para fotografias, postais para divulgação do concurso e actividades inerentes ao projecto da criança de Afrika e do mundo, nesta fase, e em projectos futuros, não sendo por isso necessário a comunicação da sua utilização aos autores; zA Mwana Afrika, a Prestígios Many, LDA-Angola e o júri deste concurso não têm a obrigação de efectuar qualquer pagamento no âmbito deste concurso; zEm qualquer publicidade que se faça das obras entregues à Mwana Afrika constará sempre a identificação do autor; zA Prestigios Many e a Direcção do Mwana Afrika são os únicos e exclusivos responsáveis pela organização do concurso e das respectivas exposições, sendo assim detentora de todos os direitos de conteúdos, nos mais diversificados moldes, bem como dos patrocínios e apoios; zCabe à direcção Mwana Afrika e à representação da Prestígios Many, LDA-Angola, discutir, analisar com o júri a melhor dinâmica dos Concursos por si promovidos, atendendo sempre à especificidade do concurso e à vulnerabilidade dos cidadãos a quem

está dirigido. Desta forma atenderemos sempre e apelaremos ao respeito incondicional dos direitos morais, físicos, intelectuais e sociais da criança, de acordo com os estatutos das entidades responsáveis por este concurso, e das personalidades que, com dignidade, disponibilizaram a apoiar. Disposições Finais e Transitórias: zA apresentação das obras a concurso dita a aceitação na íntegra do presente regulamento; zO não cumprimento das Regras deste regulamento dita a exclusão do concorrente; (Todos os direitos são reservados à Revista Mwana Afrika e Prestigios-Many, LDA Angola.) Contactos: ze.mail revista.mwana.afrika@gmail.com prestigiosmany@gmail.com zTelem: 0351912117879 Afrika/Portugal Este concurso conta com o apoio de: Papelaria Marciano zAv. Fernão Magalhães, 165 -3000, 176 Coimbra zRua Sá Nogueira, Ajuda, 1300-664 Lisboa zRua Quinta Almargem 14 B, 1300-448 Lisboa

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Unir Povos e Países por uma Escola Intercultural Em 2002, através da Conferência “Olhares Sobre a Educação em Angola e a Exposição Itinerante “O Triângulo das Artes”, estivemos com as Crianças de Angola, suas Famílias e Representantes institucionais, a pedir ao Governo e às Comunidades Internacionais, pelo fim da guerra e pela sua urgente e definitiva Paz. Passados onze anos, continuamos com as Crianças de Angola, a pedir pelo desenvolvimento económico e social do País com vista à dignificação de todos os seus Povos e em especial a da Criança, com a devida protecção e cuidados Materno-infantis que se consubstanciam em: alimentação, educação, saúde, orientação, respeito e amor), elas são o FUTURO da Nação Angolana, que também, tal como outras de outros continentes, fazem parte do Património mundial, que deve ter o cuidado maior dos adultos. Porque nos envolvemos neste Projecto Voluntário? Porque Somos Positivos e Vencedores zAcreditamos nos objectivos que nos uniram a este Projecto; zAcreditamos que é possível melhorar os nossos actos através da Solidariedade, Respeito e Partilha, contribuindo assim por um Mundo melhor, mais Humano, Desenvolvido e de Paz; zPela experiência colectiva ao longo dos anos, pela Luta, Perseverança e Força de Vencer; zPela Responsabilidade que todos temos em ser adultos de hoje e pela vontade de deixarmos um Legado de Valores Superiores para as Futuras Gerações; zAcreditamos na DIVERSIDADE E UNIÃO entre os Povos e na capacidade que têm de Mudar a actual trajectória Mundial de guerras, miséria, corrupção, ambição desmedida, violência, destruição da natureza; zPorque é nossa convicção de que o nosso investimento na Educação, Ensino, Integração, Amor, Solidariedade e Paz, sem constrangimentos, surtirá efeitos nos vários domínios da VIDA, e será um grande contributo para o Equilíbrio da Humanidade. “O desenvolvimento sustentável é definido como o conceito das gerações atuais que não põe em causa a satisfação das gerações futuras” (Amaro Rogério, Economista/Prof./Dt. - ISCTE-IUL). Fotografias: Conferência Olhares Sobre a Educação, 6 e 7 de Março de 2002, Angola Cooperativa-ONGD – Instituto da Criança de Angola (INAC), Governo de Angola Relembrar a Missão da PAZ exigida pelas Crianças de Angola e do mundo (Afrika, América Ásia, Europa) - Missão difícil, mas que foi possível. Para que haja memória e se inscreva na História de Afrika.

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Cooperativas/Organizações Não Governamentais Para o Desenvolvimento


Colecção particular da Cooperativa Escola Afro - Luso - Brasileira 10. Mátria saudações na cruz de Eleutério Sanches - Angola. Técnica: tempera.

Gabinete de Marketing da CALBONGD. Fotografia: Impressões e Soluções Design Gráfico: Impressões e Soluções

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Colecção particular da Cooperativa Escola Afro - Luso - Brasileira 10. Mátria saudações na cruz de Eleutério Sanches - Angola. Técnica: tempera.

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Colecção particular da Cooperativa Escola Afro - Luso - Brasileira 10. Mátria saudações na cruz de Eleutério Sanches - Angola. Técnica: tempera.

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Gaby: um olhar sobre uma nova geração incerta por Diana Pereira e Luaty Beirão

Em Março de 2011, havia uma criança como tantas outras que ficam no Largo 1º de Maio no centro da cidade de Luanda que particularmente me chamou atenção no dia do meu grande envolvimento neste Movimento.

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nquanto estávamos sentados de costas para a imagem do primeiro presidente da república, ficávamos virados para estrada, para um dos semáforos deste largo. Éramos menos de meia dúzia de pessoas num protesto contra a violação da liberdade de expressão que quase sempre se viveu no nosso país, sendo disso flagrante exemplo a primeira manifestação convocada contra a ditadura de JES no dia 7 de Março de 2011, que acabou com


os participantes e repórteres detidos por uma noite sem acusação formada, sendo depois alegado como pretexto que seria uma forma de proteger os manifestantes de uma agressão anunciada por um grupo de contra-manifestantes que se aproximava do local. Na verdade, essa foi a versão que saíu para os media veiculada pelo porta-voz da PN, porque sabíamos bem que muitos passaram a noite a serem psicologicamente torturados com perguntas

como “Quem vos mandou?”. Mas voltando àquele pequeno e simbólico protesto, onde ficávamos 1 hora por dia com uma fita-cola na boca sentados no Largo 1º de Maio, despertou a curiosidade de muitos e também foi motivo de alerta e vigilância para outros, pois depois de dois dias do protesto diário, já filmavam duma maneira muito de bófia e nada discreta e conduziam-nos até casa se fosse preciso.Mas mais do que a atenção dos que não

nos queriam ver ali, foi a atenção das crianças que com muita curiosidade e risos, se foram aproximando, empurrando, umas às outras para ver quem perguntava primeiro.Chegou perto uma menina de aproximadamente 7 ou 8 anos, de cabelo muito curto mal aparado, bochechas redondas, uma roupa acastanhada e, de alguma maneira, faltandolhe pedaços. Ria-se como se fosse a cena mais cómica no momento, mas tinha no rosto uma pitada de

timidez, por isso fiquei sem saber se realmente achava graça ou seria da vergonha de se aproximar. A primeira pergunta foi: “Ele é teu marido?”. Estava ao lado de um dos meus companheiros e eu respondi que não. Logo a seguir veio a real pergunta para a graça no momento: “E isso na vossa boca é o quê?” E respondemos que era fita cola. Como já era de se esperar, ela se aproximava mais, e veio a pergunta mais difícil de responder àquela menina: “E estão com fita-

As crianças são o produto de algumas partes de tudo aquilo que os rodeia.

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O (a) senhor (a) Deputado (a) tem algo de novo para dizer aos meus Pais, é que há trinta anos que esperam por água e luz em casa, e os meus ouvidos sofrem com o barulho dos geradores!

-cola na boca porquê?” Como explicar a uma criança de rua de 8 anos o que é um protesto, o que é liberdade de expressão, o que é a violação a esse direito, o que é a opressão? Ficámos sem saber o que responder de imediato, e ficámos sem saber se era realmente obrigatório responder só para nos furtarmos de tão difícil tarefa, mas o nosso dever e propósito com o protesto nunca foi ficar em silêncio, mas sim responder e esclarecer as pessoas que a democracia que vivemos não é real, que as pessoas deviam ter a liberdade de falar sobre isso e sobre outros assuntos, tais como a ditadura de JES, que as pessoas no nosso país viviam amordaçadas, com receio de falar a verdade, pagando a ousadia com perseguições, ameaças, desemprego ou uma reprovação social da elite, caso falassem. E mais uma vez, que palavras usar para aquela criança naquele momento? Aproveitei e disse simplesmente: “é porque não nos deixam falar do que queremos” disse essas palavras com pouca fé que ela percebesse e a espera de outra pergunta mais complicada ainda, porque assim fazem as crianças. Mas o que veio a seguir foi surpreendente para os poucos companheiros presentes no protesto: “Também quero uma”. E ela ria, falava com a cabeça a balançar para os lados e o corpo num vai e vem para nós. Passou-nos logo pela cabeça ela não ter percebido o grande propósito nem a grandiosidade das suas palavras e a primeira reacção que tivemos foi dizer: “- Não é para brincar”, e ela num sorriso de brincar, com as outras crianças à volta a partilharem do que parecia a mesma brincadeira disse: “Tá bem”. Pegou na fita-cola e correu como se fosse exibir um troféu

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às outras crianças de rua, ao que todas elas se metiam rindo como se fossemos parte da brincadeira. Como é alegre a inocência das crianças. Voltou para perto de nós e trouxe um menino mais pequeno que chamou de irmão, pedindo uma fita-cola para ele também. Fizeram daquilo brincadeira com um cola e descola na boca mas acabámos por deixar que assim fosse. Conversámos com eles e ficámos a saber que o nome da menina (depois de ter dado vários nomes que os amigos ao lado desmentiam) era Gaby, que era órfã de mãe e o pai era um pedinte paralítico que ficava no semáforo, ali mesmo no 1º de Maio (essa informação viemos a saber depois de 3 meses com a Gaby). Ao longo do protesto contínuo que durou duas semanas, tínhamos a companhia das crianças do 1º de Maio, muitas, a maior parte delas, não eram desabrigadas, mas passavam lá o dia enquanto os pais pediam nas ruas. No segundo dia em que vimos a Gaby, notámos que ela tinha um corte profundo e muito infectado no pulso, disse que a mãe (provavelmente madrasta) tinha feito e, pelo que percebemos, a intenção foi castigá-la por tirar algo que não lhe pertencia. Esse é mais um dos dilemas que as crianças angolanas de classe pobre sofrem, as acusações de roubos ou ainda, as mais graves, de feitiçaria. São as causas comuns de crianças mutiladas ou espancadas pelos próprios familiares. Para qualquer

fenómeno, ou desaparecimento de algum objecto acerca do qual não conseguem chegar pelo raciocínio lógico, acusam sempre os membros mais fracos dentro da família, crianças e idosos, e esses têm sido as vitimas constantes das violências como foi a nossa companheira Gaby, que com ingenuidade e no meio de brincadeira com os amigo,s esteve presente em muitas manifestações que decorreram no seu local de recreio diário, no 1º de Maio. As crianças angolanas são muito parecidas com a Gaby, há muitas delas nas ruas e órfãs de pai e/ou mãe, mas mesmo aquelas que estão dentro de suas casas, nos seus bairros ou em alguns condomínios de luxo, partilham de algumas características que conseguimos observar e sentir na camada dos baixinhos desta terra que lhes oferece tanto, e tão pouco ao mesmo tempo. As crianças são o produto de algumas partes de tudo aquilo que os rodeia. No geral, é imitando daquilo que vêem e sentem bem ou mal, que as crianças vão aprendendo a fazer parte de uma sociedade e se vão tornando, cada vez mais, iguais a ela. A sociedade angolana acorda e dorme num individualismo em que cada um faz o que pode para ganhar o seu pão. As brincadeiras de “Pensando” nas crianças carregando essa semelhança aos jovens angolanos, por outro lado dá para pensar que podem ser os adultos que ganham a ingenuidade, a maneira

Como explicar a uma criança de rua de 8 anos o que é um protesto, o que é liberdade de expressão e a violação a esse direito? O que é a opressão?


de levar na brincadeira e o conformismo das crianças. E nessa época de eleição, ainda os jovens brincam muito de “treinadores de bancada”, brincadeira de debate sobre o tema polémico “Eleições em África”, onde todos defendem com unhas e dentes as cores dos seus partidos, ou ainda conscientemente conseguem notar as falhas do regime e como a ditadura nos está a ser imposta por mais 5 anos. Mas tudo parece brincadeira quando parte desses jovens ainda ficam, no faz de conta, e não passam do debate na cozinha de casa com ou na esquina da rua com os amigos mais próximos, porque em público ou na comunicação social a maioria não se quer pronunciar, por saber que não há uma

liberdade de expressão sem retaliações ou ameaças. Somos jovens e queremos todos falar sobre o assunto, mas a um passo seguinte que nos tira da zona de “play ground” para o campo sério que é eleger o novo Presidente da República de Angola e fazê-lo democraticamente, com justiça e clareza num processo difícil de controlar mas possível de fiscalizar se todo e cada um, fizer a sua parte. E assim se forma um ciclo, estes jovens adultos brincando de crianças faladoras, e estas crianças agindo como adultos conformados. Mas não é de maneira alguma sobre elas que recai a culpa, pois elas vivem sem saber porque é que que isso lhes acontece. E para nós, as crianças nas ruas e fora delas, aumentam com a má

distribuição de riquezas do nosso país, com a corrupção, o nepotismo que tira a oportunidade de emprego a muitos, pelo paupérrimo investimento em educação e saúde e por outros crimes do regime na governação do Estado angolano. Continuaram elas sem perceber o jogo dos adultos, brincando à roda, à barra de lenço, às pedrinhas, com o arco de ferro, carrinhos de lata ou arame e a bola de trapo e nós jovens, com a esperança de um futuro melhor para as nossas, estas e todas as crianças angolanas.

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A modernidade, a questão por Jorge Jairoce

Pretende-se trazer aqui uma reflexão sobre a modernidade e os seus efeitos na história da humanidade, particularmente no que se relaciona com a questão da desvalorização da raça negra, a sua subalternidade e a imposição da violência epistémica sobre outros povos e culturas pelo Ocidente.

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literatura, história afrikana e identidades


o racial e a subalternidade significado da modernidade na história: A

questão do conhecimento impôs-se no cenário moderno a partir das incertezas presentes no século XVI em consequência do declínio do modo de vida feudal. Para isso contribuíram fatores como a retomada da vida urbana, o incremento do comércio como forma de produção de riqueza, a constituição dos Estados Modernos, as Grandes Navegações e a descoberta de novos povos, a invenção da imprensa, a Reforma (e a contra-reforma) religiosa e, por fim, o surgimento da física matemática. Costuma-se situar o início da modernidade com o pensamento de Descartes, o fundador do funcionalismo moderno. Ele propôs estabelecer as condições de possibilidade para a obtenção de um conhecimento seguro da verdade. Descartes é tomado como inaugurador da Modernidade no sentido de que marca o fim de todo um conjunto de crenças que fundamentavam o conhecimento. O homem moderno não buscava a verdade num além, em algo transcendente. O filósofo Francis Bacon, contemporâneo de Descartes, pode ser apresentado como o fundador do moderno empirismo. Para Bacon a razão deixada em total liberdade pode-se tornar tão especulativa e delirante que nada do que produza seja digno de crédito. É necessário dar à razão uma base nas experiências dos sentidos e na percepção; desde que essa percepção tenha sido purificada, liberta de erros e enganos a que está submetida no cotidiano. A sociedade que se formou na Europa durante a Idade Moderna, para além de constituir um modelo complexo e específico de organização social, económica e política, vai criar bases para edificação de uma sociedade baseada na geopolítica do conhecimento que subalterniza saberes, povos e culturas, memórias, línguas e histórias locais. Portanto as histórias locais serão silenciadas e suprimidas pela colonialidade do poder no imaginário moderno/colonial (Mignolo. 2003). A edificação deste modelo de sociedade foi possível através de elaborações científicas baseadas na racionalidade científica europeia que era considerada a mais credível e verdadeira.

modernidade, filósofos iluministas e o preconceito racial: A

ideia de que o mundo se explica com base na racionalidade científica é atinente a Europa e, como tal, somente ela tem a capacidade de criar a cultura e a civilização e os outros continentes como a África em particular não faz parte desta civilização. É recorrente, nos compêndios que apresentam a ideia de uma história da civilização ocidental, o equívoco no tratamento do referencial que diz respeito ao continente africano e às suas gentes (Hernandez, 2008, p.17). Estas considerações foram feitas no cerne do Iluminismo como foi evidenciado por filósofos e cientistas desta época, David Hume e Immanuel Kant, Montesquieu e mais tarde Hegel, por exemplo, afirmaram a inferioridade congénita do Negro. Na leitura do livro “Tratado sobre os caracteres nacionais” Hume diz que a raça negra é inferior a raça branca. Segundo Hume, não existe nenhuma nação desta raça que seja civilizada e nenhum indivíduo ilustre pelas suas ações ou pelas suas capacidades intelectuais ou morais. Para ele os negros ignoram tudo o que tem a ver com inteligência: a manufatura, a arte, a ciência. O autor vai mais longe: não existe nenhuma comparação entre a barbárie do negro mais evoluído e a barbárie do branco mais vulgar. É que o branco revela um potencial do progresso indefinido enquanto o negro se caracteriza pela estagnação. Isso significa que ao longo do tempo e do espaço, a diferença entre essas raças é permanente e invariável. Preventivamente, Hume continua dizendo que é a própria natureza que explica tais diferenças. É que o objetivo da natureza era diferenciar as raças humanas e estabelecer uma hierarquia rigorosa entre elas. Preventivamente, Hume recusa o argumento histórico-social que tenta explicar a imbecilidade do negro pela servidão. Ele fornece um exemplo: os negros livres não mostram nenhum indício de inteligência superior em comparação com os dos negros escravizados. Sobre um negro da Jamaica que teria talento, Hume afirma a mediocridade das obras daquela pessoa, semelhante a um papagaio que apenas balbucia algumas

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Os jardins do Éden em Angola: O local dos contactos visuais, do tacto, das brincadeiras na infância, terão repercussões positivas ou negativas, na vida futura das crianças, impostas a determinadas condições sociais! (mwa)

palavras aprendidas (Hume, 1999, p. 207, nota 12). Sobre essas questões, Kant concorda com Hume e parece severo acrescentando a ideia de que “Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo”(Kant, 1993, p. 75). Chamando a autoridade de Hume, ele afirma que “Dentre os milhões de pretos que foram deportados dos seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores. A religião do fetiche, tão difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se aprofunda tanto no ridículo quanto parece possível à natureza humana. A pluma de um pássaro, o chifre de uma vaca, uma concha, ou qualquer outra coisa ordinária, tão logo seja consagrada por algumas palavras, tornam-se objeto de adoração e invocação nos esconjuros.” (Kant, 1993, p. 76). A filosofia de Kant era cheia de preconceitos. E nas relações com os negros, ele recomenda o uso do chicote: “Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria maneira, e tão matraqueadores, que se deve dispersá-los à paulada.”(Kant, 1993, p. 75-76). Este posicionamento pode ter influenciado para violência física imposta aos negros

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escravos nas plantações das Américas e mesmo no contexto da exploração nas colónias (Gilroy, 2007). Reconhecidamente, a imagem reservada à África designava um espaço assoberbado pela opressão dos elementos naturais, assolado pela indigência cultural e pela inferioridade diante da civilização europeia. Nesse recorte, existiam apenas populações destinadas a serem sujeitadas, jamais compreendidas. O pensamento referente à incapacidade do africano de produzir conhecimento racional ou civilização - conceito bastante utilizado pelos pensadores deste século - foi subjacente a diversas manifestações intelectuais do mundo ocidental e foi compartilhada, por exemplo, por diversos autores modernos iluministas dentre os quais o francês como Voltaire, o escocês Hume e Kant , mesmo enfatizando a universalidade da razão, negaram aos africanos e à sua descendência a posse de capacidade literária e civilizacional como bem dizia Kant: “ O Negro permaneceu trancado do lado de fora do círculo das relações intersubjectivas.” (Gilroy, 2007, p.84). O filósofo alemão, Emmanuel Kant, importante teórico da “ética” como conceito prático da reflexão sobre a “moral” e defensor da racionalidade como ferramenta essencial à produção do conhecimento, em um livro publicado em 1802, se referia aos africanos ao sul do Saara como “homens que cheiram mal” e têm a pele negra por “maldição divina”. Kant rejeitava desta forma a humanidade dos indivíduos africanos visto que para ele somente o europeu, se supunha ser a essência da humanidade e da civilização. Entendia


que os negros eram mais um elemento da natureza africana, semelhante aos bichos e rios (Foé, 2011). Sobre esta questão, devemos notar a especificidade do caso de Voltaire na medida em que o seu ponto de vista parece contraditório. Inicialmente, Voltaire aceita a fraternidade e a igualdade entre as raças, negra e branca, quando afirma a identidade de todas as raças do mundo. Em nome deste princípio fundamental, Voltaire condena veementemente a escravidão e a opressão que sofrem os negros. Mas de maneira surpreendente o mesmo Voltaire tenta justificar a escravidão do negro quando diz que a Europa compra os escravos domésticos nos países dos negros porque este povo trafica os seus próprios filhos. Voltaire não compreende a razão porque a Europa é censurada quando pratica este negócio. Porque, segundo Voltaire, um povo que trafica seus filhos é mais condenável que o comprador. De qualquer maneira, este negócio demonstra a superioridade absoluta da Europa. E Voltaire conclui que aquele que se entrega a um mestre nasceu para ter um (Voltaire, 1963, p. 807). Esta conclusão merece uma observação. Tentar convencer o povo vencido da África que ele é res-ponsável pela sua própria servidão parece um fenómeno único na história. Voltaire tenta explicar a inferioridade dos negros. Primeiro, enfatiza a inferioridade física descrevendo-o com um nariz chato, os olhos redondos, os lábios sempre espessos, os cabelos em forma de lã e depois enfatiza ainda a inferioridade intelectual, afirmando que a medida da inteligência mostra enormes diferenças entre o povo branco e o povo negro. Assim,

como exemplos, diz que os africanos não são capazes de concentrar a atenção; eles são incapazes de calcular. Enfim, esta raça não parece criada para suportar nem os benefícios nem os abusos da filosofia da Europa. O retrato do negro feito aqui mostra uma ligação forte entre as características físicas e as qualidades morais e intelectuais, uma ligação forte entre as características físicas e as qualidades morais e intelectuais. O preconceito comum era que a beleza física condiciona a boa qualidade da mente, como o explica o livro “Do Espírito das Leis” do Montesquieu . Nele relata os preconceitos da época dele e escreve que é tão natural considerar que é a cor que constitui a essência da humanidade, que os povos da Ásia, que fazem eunucos, privam sempre os negros da relação que eles têm conosco de uma maneira mais acentuada. Pode-se julgar da cor da pele pela dos cabelos, que, entre os Egípcios, os melhores filósofos do mundo, eram de tão grande importância, que mandavam matar todos os homens ruivos que lhes caíam nas mãos. De um ponto de vista moral, os homens da época de Montesquieu estavam convencidos que Deus, que é um ser muito sábio, não podia introduzir uma alma boa num corpo completamente negro. De um ponto de vista intelectual, Montesquieu aponta a estupidez dos negros que, segundo ele, não são capazes de tirar proveito dos metais preciosos dos seus países. Uma prova de que os negros não têm senso comum é que dão mais importância a um colar de vidro do que ao ouro, facto que, entre as nações policiadas, é de tão grande consequência.

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Durante a época de Montesquieu, a cor preta justificava plenamente a escravidão dos povos da África. Então, porque lamentar estes seres que, além de serem pretos, têm um nariz achatado. A verdade é que nesta época não se teve certeza da humanidade dos negros. Mas é interessante ver como o capitalismo recusa a humanidade a um grupo humano ou a uma raça para justificar a escravidão. É que a economia da Europa precisava de novos animais de carga para substituir os Índios da América exterminados. (Foé, 2011). É porque Montesquieu diz que:

“Se eu tivesse que defender o direito que tivemos de escravizar os negros, eis o que diria: Tendo os povos da Europa exterminados os da América, tiveram que escravizar os da África, a fim de utilizá-los no desbravamento de tantas terras. O açúcar seria muito caro se não se cultivasse a planta que o produz por intermédio de escravos”. (Montesquieu, 1979, livro XV, cap. 1). O Iluminismo decretou a inferioridade dos negros para legitimar a servidão. As diferenças dos caracteres com os brancos são permanentes e imutáveis porque os negros são condenados a tornarem-se escravos dos Europeus. Como já citado, os europeus haviam iniciado a conquista do continente africano e o domínio das suas populações. Como este domínio carecia destas justificativas morais, além da concepção de que a África não é uma parte histórica do mundo. Os filósofos modernos e iluministas conceberem estas justificativas morais e os seus ideiais influenciaram vários cientistas sociais. A ideia de que a África não tem movimentos, progressos a mostrar e movimentos históricos próprios, esta e outras considerações hegelianas foram reforçadas pela aplicação dos princípios de Darwin (Foe, 2011). Ainda que a influência de Hegel na elaboração da história africana tenha sido fraca, a opinião que ele representava foi aceite pela ortodoxia histórica de seu século. Na concepção do século XIX, a África não tinha, e nem poderia ter, história. Essa opinião anacrónica e destituída de fundamento ainda hoje não deixa de ter adeptos. O professor A. P. Newton – grande defensor da atividade histórica como uma análise científica e rigorosa de fontes originais e escritas, em 1923, numa conferência diante da Royal African Society de Londres, sobre “A África e a pesquisa histórica” expôs que este continente não possuía nenhuma história antes da chegada dos europeus. A história começa quando o homem se põe a escrever. Assim, segundo o mesmo, o passado da África antes do início do imperialis-

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mo europeu só podia ser reconstituído a partir de testemunhos dos restos materiais, da linguagem e dos costumes primitivos, coisas que não diziam respeito aos historiadores, e sim aos arqueólogos, aos linguistas e aos antropólogos. Fica clara, assim, a concepção muito presente tanto no século XIX quanto no XX, de que a história da África só poderia ter início, com a chegada do europeu “civilizado” e da escrita como fonte histórica. Negando, desta forma, as diversas outras possibilidades de fontes históricas e a própria existência de escritas autóctones africanas, além dos hieróglifos egípcios, uma das primeiras escritas criadas pela humanidade. Diversos outros sistemas gráficos ricos em informações históricas, tal qual o meroídico, o núbio antigo, o copta, o tifinagh – milenar sistema de escrita milenar utilizado pelos tuaregues, aparentemente derivado do alfabeto púnico de Cartago –, o ge’ez – sistema de escrita etíope com símbolos gráfico utilizados nas líguas ahmárico e o tygrinia – e o bamun, também denominado Aka Uku, criado no século XIX pelos administradores do Reino do Bamum na atual República do Camarões. Além de ideogramas estilizados nsidibi, inventados pelos ejagham da Nigéria e do Camarões (Hernandez, 2008). A construção historiográfica do continente africano estava barrada pelo preconceito e pelo etnocentrismo. Os europeus acreditavam que sua pretensa superioridade sobre os negros africanos estava confirmada pela sua conquista colonial. Em consequência disso, em muitas partes da África, especialmente no cinturão sudanês e na região dos Grandes Lagos, eles estavam convictos de que sua presença no continente tinha como finalidade legar às populações africanas os conhecimentos e a civilização europeias (Idem). No decorrer das primeiras décadas do século XX, mais explicitamente pós década de 1920, um movimento de renovação quanto aos paradigmas, métodos e temáticas históricos. Escrevia George Friedrich Hegel (1770-1831), importante filósofo alemão do século XIX, em sua obra “Filosofia da História Universal”, que a historicidade da África, decorre, em particular, de duas razões independentes: “A primeira, pelo fato de a história ser própria de um Velho Mundo que excluía a África subsaahariana e a segunda por conceber o africano como sem autonomia para construir a sua própria história.” (Hernandez, 2008, p.19). Portanto para o Hegel na África subsaahariana “...não há conhecimento real; existem crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou subjectivos, que na melhor das hipóteses, podem tornar-se objectos ou matéria-prima para inquirição científica.”(Santos, 2009, p. 25). Contudo, esta África genérica e a histórica, é divida por Hegel, na sua referida obra, em partes distintas: a setentrional, banhada pelo mar mediterrâneo a qual “pode dizer-se que esta parte não pertence propriamente à África, senão à Espanha com a qual forma uma concha” e a “África propriamente dita”, que fica ao sul do Saara (Hernandez, 2008, p.19). Sobre esta última região, diz o filósofo:


“A África propriamente dita é a parte característica deste continente. Começamos pela consideração deste continente, porque em seguida podemos deixá-lo de lado, por assim dizer. Não tem interesse histórico próprio, senão o de que os homens vivem ali na barbárie e na selvageria, sem fornecer nenhum elemento à civilização. Por mais que retrocedamos na história, acharemos que a África está sempre fechada no contanto com o resto do mundo, é um Eldorado recolhido em si mesmo, é o país criança, envolvido na escuridão da noite, aquém da luz da história consciente. [...] Nesta parte principal da África, não pode haver história” (Ibid., p. 20). A partir da leitura deste trecho específico podem-se perceber alguns pontos instintos da visão historiografia hegeliana. Primeiro, percebe o continente num perpétuo eterno estado selvagem, “no qual predomina a natureza”, negando a existência de cultura ou de história possível aos povos africanos. Segundo, percebe a África como um bloco fechado em si mesmo – “acharemos que a África está sempre fechada no contato com o resto do mundo, é um Eldorado recolhido em si mesmo” – negando, desta forma, a extensa realização de comércio extra-continentais com a China, Índia ou Península Arábica na África oriental, ou a grande quantidade de caravanas responsáveis por abastecer o centro africano ou mesmo boa parte dos mercados auríferos europeus (Idem). Contudo o contexto no qual estas ideias foram criadas – século XIX – os mundos asiáticos e africanos encontravamse sob o domínio colonial da Europa e outros países Imperialistas. Tais ideias foram criadas como justificativa, para a subordinação e submissão destes povos então considerados inferiores, selvagens ou desprovidos de cultura nas mãos das potências europeias. Este pensamento etnocêntrico enraizado no inconsciente dos pensadores e filósofos do norte do globo, contribui como justificativa moral e até religiosa, para as ações realizadas por estas nações ditas “civilizadas” no restante do mundo. Como fica claro no trecho citado do mesmo livro de Friedrich Hegel:

“Encontramos, [...], aqui o homem em seu estado bruto. Tal é o homem na África. Porquanto o homem aparece

como homem, põe-se em oposição à natureza; assim é como se faz homem. Mas, porquanto se limita a diferenciar-se da natureza, encontra-se no primeiro estágio, dominado pela paixão, pelo orgulho e a pobreza; é um homem estúpido. No estado de selvageria achamos o africano, enquanto podemos observá-lo e assim tem permanecido. O negro representa o homem natural em toda a sua barbárie e violência; para compreendê-lo devemos esquecer todas as representações europeias. Devemos esquecer Deus e a lei moral. Para compreendê-lo exatamente, devemos abstrair de todo respeito e moralidade, de todo o sentimento. Tudo isso está no homem em seu estado bruto, em cujo caráter nada se encontra que pareça humano” (Hernandez, 2008, p.21). Assim, desde o Iluminismo até à época de Hegel e de Gobineau e com exagero até aos dias de hoje pela corrente eurocêntrica, o ser negro foi excluído do género humano comum e mesmo da História. O ser negro foi submetido para além da violência física (pela prática do trabalho braçal) uma violência epistémica, cuja táctica de neutralização do Outro, seja ele subalterno ou colonizado, consiste em inviabilizá-lo, expropriando-o de qualquer possibilidade de representação, silenciando-o fazendo analogia à violência epistémica sofrida pelo sujeito subalterno (Spivak, 2010). As ideias apresentadas pelos filósofos iluministas e outros contribuiram para criação de formas de representação do homem negro e da história e cultura de África acabando por ser um factor catalisador do capitalismo, imobilizando a história dos povos vencidos ou a maneira como este regime obriga as nações exploradas a executar as tarefas repetitivas. A exploração dos vencidos não é possível sem a imobilização da cultura indígena e sem a saída do vencido de sua historia anterior. É o sentido de que o negro é desvalorizado como sujeito histórico e perda da iniciativa histórica (Gilroy, 2007). Em jeito de conclusão, Gilroy (2007, p.82) afirma que estas ideias raciológicas misturam o físico e o metafísco num poderoso e elaborado argumento cosmopolitista para justificar a matriz colonial do poder que se vai desenhando e que implicava também a colonialidade do saber.

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modernidade, colonialidade do poder e saber e a questão da raça: Walter Mignolo refere que não dá para pensar a modernidade sem pensar na matriz da colonialidade do poder que assenta no controlo da economia, da autoridade, da natureza e dos seus recursos naturais, do género e sexualidade e da subjectividade e conhecimento (Mignolo, 2010, p.12). Isto para dizer que, não bastava a colonização do poder como tal, era necessário também uma colonização do saber (Mignolo, 2003) sobretudo para as raças não europeias. Para reforçar este argumento Quijano acrescenta, referindo-se ao termo colonialidade do poder, para designar a classificação social da população mundial de acordo com a ideia de raça. Trata-se de uma “construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo.” (Ibid., p.13). A ideia de raça foi assumida pelos conquistadores, como o principal elemento constitutivo das relações de dominação que a conquista exigia. Assim, foi classificada a população da América, da África e posteriormente, do mundo, a partir desse novo padrão de poder, ou seja, embora o pensamento da raça tenha existido em períodos anteriores, a modernidade transformou o modo como a raça era compreendida e praticada (Gilroy, 2007, p.80) para responder obviamente aos interesses da matriz colonial do poder. Não foi por acaso que os índios primeiro e depois os negros foram desumanizados e reduzidos a máquinas de trabalho escravo. A questão racial foi bem aproveitada para este propósito e como refere Gilroy (2007, p.81) certas raças foram histórica e socialmente inventadas pela modernidade, catalisando o regime distinto de verdade. Em outras palavras, as ciências humanas modernas particularmente a antropologia, geografia e filosofia empreenderam um elaborado trabalho de modo a tornar a ideia da raça epistemologicamente correta (Idem). Sobre este aspecto ficou bem patente no subtítulo anterior quando os filósofos iluministas e outros cientistas sociais apresentaram vários argumentos para justificar a ideia da superioridade/inferioridade racial. A perspectiva de superioridade/inferioridade além de

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estar na base do conceito de superioridade étnica, também implica a superioridade epistémica. O conhecimento produzido pelo homem branco é geralmente qualificado como científico, objetivo e racional, enquanto que aquele produzido por homens de cor (ou mulheres) é mágico, subjetivo, irracional e subalterno (Spivak, 2010). Esta dimensão, da colonialidade epistémica ou do saber, não apenas estabelece o eurocentrismo como perspectiva única de conhecimento, mas também descarta as outras produções intelectuais. Para Mignolo (2003) a diferença colonial epistémica parte de uma pressuposição situada sobre um julgamento antecipado de que os legados de línguas e pensamentos não europeus são de algum modo deficientes. A hipótese é que as pessoas que falam e são educadas nessas línguas são de alguma maneira epistemicamente inferiores. A superioridade atribuída ao conhecimento europeu em muitas áreas da vida foi um aspecto importante da colonialidade do saber. Os conhecimentos subalternos foram excluídos, omitidos, silenciados e ignorados (Spivak, 2010). Desde a Ilustração, no século XVIII, esse silenciamento foi legitimado pela ideia de que tais conhecimentos representavam uma etapa mítica, inferior, pré-moderna e pré-científica do conhecimento humano. Somente o conhecimento gerado pela elite científica e filosófica da Europa era considerado como conhecimento verdadeiro, já que era capaz de fazer abstração de seus condicionamentos espaço-temporais para se localizar numa plataforma neutra de observação (Mignolo, 2003). Mas a modernidade possui outras características, que também são derivadas das relações de produção capitalistas. A dominação e a exploração da classe trabalhadora provocam a resistência desta e a luta de classes. A classe capitalista busca manter sua dominação através da repressão, da ideologia, do imaginário, da criação de instituições que buscam integrar o proletariado na sociedade burguesa enfim, marginalizando e subalternizando este grupo sem voz, como diria Spivak. Depois de vários argumentos apresentados pelos filósofos iluministas observa-se que eles foram importantes para o avanço do pensamento racional moderno europeu que criou padrões da racionalidade para o mundo, abrindo espaço para desvalorização (violência epistémica) de outras formas de conhecimento que não respondesse a esse padrão. Consequentemente essa racionalidade contribui para edificação de preconceitos raciais, sobretudo para a raça negra, o que propiciou condições para a sua dominação cultural e económica. Daí que não dá para pensar a modernidade sem a colonialidade do poder e saber. E como alternativa para esta modernidade, Mignolo fala de pensamento liminar “gnose liminar” que aponta uma razão pós-ocidental e uma reflexão crítica sobre a produção do conhecimento, pautada na colonização epistémica e na subalternização de todas as formas de saber que não estivessem pautadas nos cânones da ciência eurocêntrica, projecto que se vai chamar de estudos pós-coloniais e que representa um grande desafio para o sul global.


Referências Bibliográficas: GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001; GILROY, Paul. Entre campos: Nações, Culturas e o fascínio da Raça. São Paulo: Annablume. 2007; HEGEL, G.W.F. Leçons sur la philosophie de l’histoire. Paris: J. Vrin, 1970; HERNANDEZ, Leila Leite – A África na sala de aula. Visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2008; HUME, David. Essais moraux, politiques & littéraires. Paris: Editions Alive, 1999; KANT, Emmanuel. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. São Paulo: Papirus.1993; MIGNOLO, Walter. Histórias Locais/Projectos Globais: Colonialidade, Saberes Subalternos e Pensamento Liminar. Belo Horizonte. Editora UFMG. 2003; MIGNOLO, Walter. Desobediéncia epistémica: retórica de la modernidade, lógica da colonialidade y gramática de la descolonialidade. Buenos Aires: Ediciones del Signo. 2010 ; MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis, Livro XV, cap.1 (Os Pensadores). Tradução Fernando Henrique Cardoso. São Paulo: Abril Cultural, 1979. FOÉ, Nkolo. A questão do negro e o mundo moderno. In: Revista da História de África e de Estudos da Diáspora Africana (Sankofa), número 8, 2011. SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1ª Ed. Trad. Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Belo Horizonte: Editora da UFMG. 2010; SANTOS, Boaventura de Sousa e MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologia do Sul. São Paulo: Cortez Editora, 2009; TEMPELS, Placide. La Philosophie bantoue. Paris: Présence Africaine, 1948; VOLTAIRE. Essai sur les moeurs et l´esprit des nations. Paris: Garnier, 1963.

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A reabilitar a medicina tradicional africana: o caso de Angola por Rosa Mayunga

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sta Rubrica tratará das questões mais diversificadas e pertinentes da Medicina, Saúde e Bem Estar, em África. Procurará ao longo da sua publicação dar ênfase à Medicina Tradicional Africana e sua interação social, bem como o desenvolvimento das suas muitas e diversificadas práticas que têm sido ou que serão empregues nos vários Países de Afrika. Alguns Países Afrikanos nunca deixaram de integrar nos seus Sistemas de Saúde as práticas da Medicina Tradicional, outros existem que passados vários anos e após a quase estagnação na orientação de boas práticas em certos Sistemas de Saúde Afrikanos, eis que surgem vários mediadores e intervenientes em Afrika, tentando resgatar a “Biblioteca da Vida” em Afrika assente na Medicina Tradicional e alimentação natural e cuidada, que possam devolver aos cidadãos um Bem maior necessário, que é a Saúde. Esta e nesta Rubrica pretende-se que seja um espaço aberto, de debate e de partilha de conhecimentos na área da Saúde e Bem Estar, respeitando a diversidade e o outro, como um princípio das Regras Comunitárias da Identidade Cultural Afrikana, assim, este espaço falará não só da Medicina Tradicional Africana, mas também da Medicina Tradicional Ocidental, da Biomédica e de outras práticas de Saúde utilizadas pelos diversos Povos no mundo, afinal o Universo é infinito e o Poder de Cura é visto e encontra-se nas diversas perspectivas Culturais e Históricas de cada Povo. Marquemos assim encontro nesta e nas demais Rubricas desta Magnífica Revista que é sua.

Angola dos recursos naturais, transformada em celeiro de governos mundiais exploradores de petróleo, diamantes, etc….! Angola miserável para os seus Povos e, ao que parece sem futuro assegurado para as suas crianças! (mwa)

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Angola sempre teve uma Medicina Tradicional (MTA), compatível com a realidade social e humana dos seus Povos. Na era colonial foi a Medicina Tradicional Angolana (MTA) que salvou muitas vidas dos povos de Angola. Foi também dela que a Biomedicina recolheu muitos dos conhecimentos que tem utilizado, em especial na farmacologia. (Raúl Asua Altuna -“Cultura Tradicional Banto”)

um período de trinta (30) anos de guerra após a sua Independência Política, que praticamente destruiu quase todas as estruturas económicas do País. A da Saúde, Educação e Infra-estruturas, foram sem dúvida as mais afectadas com consequências bem visíveis hoje, após dez anos de paz efectiva. O aumento das doenças infecciosas, a morte neo-natal, a má nutrição, o elevado número da taxa de mortes materno/ infantil, são motivos para preocupar os Governantes na área da saúde e especialistas nacionais e internacionais. A opção pela área de investigação da Medicina Tradicional Africana, tendo como base Angola, (podendo servir de orientação para outros países...) centrou-se nas problemáticas sociais que envolvem muitos dos cidadãos Angolanos na falta de acesso a uma terapia para as doenças de que são acometidos, uns por falta de recursos económicos, outros por desconfiança da Biomedicina e pelas dificuldades que o Governo está a ter em normalizar certos indicadores chamados razoáveis em Saúde.

O Tema escolhido, insere-se nos objectivos da área de trabalho Científico de Mestrado que frequento, no sentido da “Reabilitação da Medicina Tradicional em África”, concretamente em Angola, como forma de suprir necessidades prementes na área da Saúde Pública e Desenvolvimento local, trabalhando assim para a contribuição do retorno da Ciência de Cura Tradicional em África, onde ela foi pioneira.

Pessoalmente, este estudo centra-se, na vontade de ajudar Angola numa mudança a favor do bem estar social e humano, usando como base a Reabilitação da Medicina Tradicional Africana nos seus variados aspectos. Pretende-se analisar e rever certas práticas implementadas na saúde em Angola, que possam estar a limitar a irradicação de certas doenças e a disseminação de outras.

A Medicina Tradicional em África, no caso concreto em Angola, sempre foi um suporte para o equilíbrio da Saúde dos seus Povos. Apesar de recorrer menos às vantagens da tecnologia, é mais avançada na humanização/benevolência dos serviços que presta, sendo também mais acessível e económica para as populações. A Medicina Tradicional nas suas terapias emprega de uma forma geral medicamentos naturais, o que salvaguarda o organismo do paciente das consequências nefastas que o medicamento sintetizado quimicamente na sua maioria das vezes provoca. O facto da Medicina Tradicional usar medicamentos naturais estará também a contribuir para a protecção da Natureza. A colonização em África que ao mesmo tempo foi impondo a Biomedicina, quase provocou a sua erradicação, uma vez que muitos dos Terapeutas Tradicionais foram perseguidos e limitados de a exercerem. Graças a forte tradição de culturas e referências das Identidades Africanas, hoje ainda em alguns Países de África e também em Angola se recorrem aos meios de cura tradicional.Angola viveu

Um País como Angola, onde a Medicina Tradicional é praticada independentemente dos autores da Biomedicina aceitarem ou não, ela é assumida como base cultural de terapias, sendo também outro aspecto relevante nesta opção. A medicina tradicional é praticada e assumida como base cultural de terapias da Identidade civilizacional de um Povo, é outra razão que justifica esta opção. O facto de pertencer a uma família de Terapeutas Tradicionais, e a Especialização em Medicina Tradicional Chinesa, veio reforçar a visão e o interesse nutrido pela Medicina Tradicional Africana, uma vez que ao recorrer à sua prática ao longo de meia dezena de anos com sucesso, tem vindo a confirmar a sua eficácia. A curiosidade sobre certas enfermidades que assolam os Africanos e que parecem não ter fim, como por exemplo a lepra: fez com que questionasse o facto de, em certos casos, o portador da doença não infectar o parceiro conjugal, mas infectar o vizinho mais próximo, ou o caso deste poder infectar um dos familiares com quem coabita, mas não infectar os restantes, foi o suficiente para considerar

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a hipótese de fazer um Projecto de investigação que pudesse compreender este facto. Assim, em 2004, no âmbito do complemento da minha Licenciatura em Análises Clínicas e Saúde Pública, propus o desenvolvimento dum Projecto de Investigação intitulado “Susceptibilidade Genética ao Micobacterium leprae”, foram criadas as condições Técnicas e logísticas básicas, para o seu desenvolvimento com o apoio do Governo de Angola ( e os diversos sectores do Ministério da Saúde), assim como o apoio local e indispensável da Família. Em Portugal, o apoio da equipa de Professores (as) de Investigação da Escola Superior da Tecnologia de Coimbra - Instituto Politécnico e do Laboratório Ginbox, foram imprescindíveis para que o estudo se concretizasse e as respostas não se fizeram esperar, na verdade há motivos Genéticos aliados a diversos factores, que podem condicionar a nossa resistência Imunológica contra certas doenças! Era precisamente isso que os doentes da Lepra e decisores da Saúde em Angola precisavam de saber para melhor orientarem

a pesquisa/diagnóstico e terapêutica da doença. O mesmo objectivo move a ideia da “Reabilitação da Medicina Tradicional Africana em Angola”, é uma possível oportunidade para se tratar efectivamente das pessoas. Sabe-se da existência de medicamentos tradicionais de Angola já estudados e conhecidos os seus benefícios para a saúde, são usados e comercializados na Europa, assim como noutros Países do mundo, mas que os Angolanos pouco ou quase nada valorizam as suas potencialidades por falta de conhecimentos. Os objectivos aqui inserem-se sobretudo na vontade e necessidade em ajudar a “Reabilitar a Medicina Tradicional Africana”, nos Países onde deixou de ser praticada, oficialmente, começando por Angola e comparar a Biomedicina e Medicina Tradicional Africana, retratando as consequências positivas e negativas da Biomedicina em África nomeadamente em Angola.

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objectivos específicos:

objectivos gerais: zAjudar a “Reabilitar a Medicina Tradicional Africana”, começando por Angola, integrando este projecto num Plano de Saúde Pública Nacional nas áreas de prevenção, diagnóstico e terapia.

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zExiste o maior interesse científico de se apurar a realidade do uso da terapia tradicional local, através do levantamento junto das populações, terapeutas tradicionais e organismos de saúde, para que se possa estruturar uma linha de orientação comum, embora respeitando a diversidade, no sentido da criação de dados científicos sobre a segurança e eficácia e optimização dos resultados, evitando a banalização e o descrédito das terapias tradicionais. zA necessidade de se efectuar a caracterização dos Medicamentos tradicionais (ervas e outros) agrupá-los e registá-los, com o objectivo de fornecer dados para uma investigação laboratorial que possa um dia contribuir para a criação de uma Base de dados sobre os processos e efeitos curativos como “controlo de qualidade”. zCriar um plano amplo de reabilitação da Medicina Científica Tradicional Africana, rica na sua diversidade, e que comporta as especificidades Terapêuticas de cura através do uso e conhecimento da Farmacologia, Toxicologia, Soldadura de fracturas, Homeopatia, Fitoterapia, Dieta, empregando Técnicas de: (poções, massagens com as suas diversas técnicas, empregando ervas, raízes e pedras específicas), preparação do trabalho de parto e assistência pós-parto, da indução do aleitamento materno e sua preparação, ventosas, incisões, sangrias, vesicatórios, banhos de suor, cauterizações, cura através do

controlo da alimentação, preparação de antídotos para venenos e mordeduras de serpentes e colírios, curas de doenças venéreas, fracturas, junção de ossos, acupuntura, alívio do reumatismo e de fecundidade às mulheres, cura através do controlo da alimentação, da Ciência-Metafísica – (Limpeza Espiritual, corpo, espaços e ambiental), a observação e o estudo dos Astros e sua influência na saúde.

A integração da formação a vários níveis, dos terapeutas sob o ponto de vista do manuseamento, higiene e organização do momento terapêutico que poderíamos designar como “controlo sanitário”, ao mesmo tempo que se deverá criar um plano de leitura dos resultados para controlo dos mesmos. zOrganização de Colóquios, Conferências, convidando outros Terapeutas Tradicionais Africanos e de outros Países com vista a partilhar conhecimentos nas suas mais diversas formas (terapias, colheita, plantação e replantação de ervas e plantas, e sua conservação).


ganhos:

objectivos sociais: zA reabilitação e a consequente implementação integrada nos sistemas de Saúde, da Medicina Tradicional Africana em Angola terá efeitos positivos a curto prazo sob o ponto de vista social, porquanto os cidadãos poderão aceder a uma medicação tradicional devidamente orientada e responsável, evitando a toma empírica. zEstarão também a fazer uma medicação “ecológica”, sem graves efeitos colaterais como os Fármacos químicos. Poderão ser instruídos a cultivar no seu quintal ervas básicas para o tratamento de doenças infecciosas facilmente tratáveis, uma vez que poderão apenas junto do terapeuta recolher uma fórmula de administração. zEvitarão os gastos exagerados com medicamentos químicos e terão a confirmação das curas dos seus males, desde que diagnosticados e tratados atempadamente.

objectivos políticos: zO trabalho desta investigação também incidirá no sentido de promover junto do Governo de Angola as vantagens das boas práticas da Medicina Tradicional no combate de certas doenças e no reequilíbrio da Saúde Pública Nacional, o que virá a acontecer.

O Sistema Público e Governamental da Saúde Angolana ganhará com todo o progresso da implementação deste projecto a vários níveis pelo seguinte: zVerá emergir um grupo de Terapeutas Tradicionais, experientes que trabalham na clandestinidade ou que deixaram de apoiar os seus concidadãos por temerem perseguições, a trabalharem dedicadamente a apoiar os Povos nas suas enfermidades, ao mesmo tempo que darão o seu contributo na recolha de dados fundamentais para os objectivos propostos; zAngola tem os níveis mais alarmantes da África no que consta mortes neonatais e materno/infantis, terá pois a oportunidade de abraçar um Projecto que lhe dê respostas positivas; zTerá um grande contributo na promoção da Saúde Pública Nacional, principalmente na área materno-infantil e no antes e pós-parto, pois Angola tem uma grande tradição no acompanhamento das parturientes e puérperas, incluindo os recém-nascidos o chamado (Mwalakaji), que sem dúvida ao implementar-se veremos grandes mudanças. Sendo neste momento um imperativo do Governo Angolano baixar os níveis de mortes neo-natais e materno/infantis, só terá de analisar, aceitar e apoiar a implementação dum Projecto de interesse nacional, desenvolvido por um nacional que conhece o seu País e as necessidades prementes.

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objectivos políticos: O Projecto é viável. A área da Saúde Pública em Angola apresenta grandes lacunas que perigam gravemente a estabilidade física, social e mental dos cidadãos. Poucos são os cidadãos com acesso à saúde, uns por falta de recursos económicos outros pela distância da residência aos Centros de Saúde. A falta de Medicamentos (químicos) nos locais onde deviam ser distribuídos em condições higiénicas é insuficiente. Tal leva a que os populares comprem medicamentos avulsos de proveniência duvidosa e que são vendidos ao sol ao longo do dia, em mercados sem condições sanitárias básicas. Os medicamentos tradicionais habitualmente são encontrados em mercados oficiais e comercializados por pessoas com tradição na área e que normalmente zelam pelas condições de armazenamento. Naturalmente haverá também vendas noutros mercados os tais sem condições sanitárias. A reabilitação da Medicina Tradicional e a sua integração nos sistemas de saúde seria uma mais valia para a saúde pública e para o bem estar dos cidadãos, tendo em conta que a Medicina tradicional é mais económica, mais humanizante, conseguindo resultados positivos satisfatórios, ao contrário da “Medicina Ocidental”. “Medicina Ocidental” - Segundo Henry Johannes Greten (Medicina Chinesa): A “Medicina Ocidental vive com o consrangimento pelo facto de cerca de 85% das queixas que os doentes têm não se poderem correlacionar com uma descoberta mensurável de laboratório” O “incomensurável” é uma realidade” – Henry Johannes Greten (Medicina Chinesa) – citando um estudo elaborado por Kroenke & Mangelsdorff publicado no jornal de medicina no ano de 1989, e vários outros estudos mostram fundamentalmente resultados que são compatíveis). O País tem condições climáticas e solo fértil para a produção de ervas

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terapêuticas, podendo adoptar esta área de produção para a criação de empregos e comércio externo.

Interessa lembrar que a Biomedicina é uma Ciência relativamente mais recente, que a Medicina Tradicional. Na verdade as Escolas de Biomedicina surgiram não para criar condições para tratar ou curar doentes negros em África, mas para ajudar a integração dos colonos em África, assistindo as famílias deslocadas. Esta realidade é agora mais visível com a expansão da Ciência constatando-se que vários medicamentos hoje utilizados em África não tiveram como base estudos feitos em “negros” Africanos, nem tão pouco existem bases de dados Genéticas de doenças Africanas que possam garantir que tais medicamentos químicos actualmente usados em África garantam a cura ou a erradicação efectiva de alguma doença! Outro aspecto menos positivo da Biomedicina é o uso de métodos terapêuticos muitas vezes invasivos, traumatizantes, é menos humanizada. A constatação da limitação da Biomedicina em África, ao não ter em consideração a sua História, as diversidades culturais locais humanas, recursos naturais para produção de medicamentos e as dinâmicas de grupo existentes que podem contribuir para a cura de várias doenças, também é outro aspecto que em nada abona a Biomedicina. Pode-se entender que a Biomedicina negligenciou também que o entendimento das dinâmicas da Medicina Tradicional, ajudariam

a criar condições de uma boa e produtiva relação entre as duas Medicinas, sem imposição de uma sobre a outra, privilegiando os Povos ao nível da saúde pública, e o próprio desenvolvimento local. É sabido que a Biomedicina foi em alguns casos criada para limitar a liberdade social, punir Povos, e controlá-los, sonegando por vezes ideologias. Foi este um dos muitos aspectos da Biomedicina que levou a que muitos antropólogos médicos críticos, explorassem os aspectos positivos dos sistemas culturais quanto ao dar significado à vida social e humana, dados bem demonstrados na “Obra de Paulo Valverde “Máscara-Mato e Morte em São Tomé e Príncipe”. É claro que nem tudo na Biomedicina está completamente “errado” tem aspectos positivos em casos práticos como a cirurgia. No que concerne à problemática da saúde em Angola e duma forma geral no Continente Africano, parece ter sido ignorada, a sua complexidade, diversidade Histórica e Cultural, provocando um grande interregno no tempo entre a História africana e a ocidental, como que o último suplantasse o primeiro, fazendo crer que África só começou a ser um Continente de valor e de interesse após a colonização ocidental. Tendo em conta a grande debilidade actual a nível da saúde pública, também no contexto Angolano, para que se possa melhorar, fazendo uso das vantagens da Medicina tradicional é pois imperativo, que através de uma investigação cuidada sobre vários aspectos sócio cultural e políticos, se possa ter uma noção correcta das consequências das práticas da Biomedicina em África. Será fundamental, trazer à razão que não é amplamente conhecido sobre um continente matriz, os motivos do seu “subdesenvolvimento” na área da saúde com a “quase” imposta Bio-


medicina, bem como a importância, e a contribuição que esta análise pode ter para o desenvolvimento das políticas futuras da saúde e terapia dos cidadãos locais, também como contributo para a Humanidade. A Medicina tradicional desde que seja bem aplicada, apresenta-se com mais vantagens positivas a vários níveis para o bem estar físico/mental e psicológico do ser Humano. Não cria dependência nem tem efeitos colaterais nocivos tanto quanto as da Biomedicina. É mais acessível e menos dispendiosa quer para as Populações quer para os Governos.

A Medicina Tradicional não trata apenas o Físico, mas também a Mente e o Espírito, respeitando os valores culturais dos Povos, onde seja implementada.

É uma Medicina comunitária, estruturante, e sustentável. É pois imperativo que o Governo de Angola apoie este Projecto a favor do Bem Estar de todos, sendo um contributo na reabilitação e afirmação da nossa Cultura, não só no Continente, mas no Mundo.

Constrangimentos:

zA não concretização seria o adiamento duma mais valia para a saúde pública em Angola, e a perda de mais uma oportunidade, para que as populações Angolanas possam efectivamente vis-lumbrar um melhor e maior apoio para a sua saúde. zRepresentaria uma perda no contributo para que o índice de mortes materno-infantis, seja superado por uma melhor, boa assistência clínica e qualidade de vida.

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urante muitos séculos os povos dos vários pontos da terra recorriam a elementos da natureza para tratar dos seus males do corpo e da alma. As plantas encontram-se entre os elementos da natureza mais utilizados para o efeito. Mercê da vasta riqueza botânica, a natureza parece ter dotado estes elementos (os vegetais) das características essenciais que fazem delas as mais importantes fontes de substâncias nutritivas necessárias para o crescimento e desenvolvimento físico e intelectual e para a preservação da vida com qualidade e saúde, nos seres humanos e nos outros animais. As plantas são assim a maior e mais diversificada fonte alimentar. São as plantas também a maior fonte de substâncias com acção medicamentosa. Este recurso, aparentemente inesgotável, continua em diferentes pontos do universo a ser o principal, senão o único, com o qual as pessoas se tratam das mais diversificadas doenças. A farmacologia moderna recorre, com elevada frequência, aos vegetais para a extracção dos princípios activos que compõem muitos dos diversos medicamentos com que se tratam as doenças na chamada Medicina Moderna. Nos países antes colonizados pelos europeus, a introdução dos medicamentos elaborados pelas empresas farmacêuticas, associada à desestruturação cultural a todos os níveis, fez com que se abandonassem alguns hábitos como o da utilização dos medicamentos ditos tradicionais, os quais incluem sobretudo as plantas.

A cultura de tradição oral Africana, que também se vem perdendo, diminuiu a transferência dos valores e conhecimentos que permitissem preservar o acervo de dados referentes ao tratamento com plantas locais. Todavia, em Angola surgiram entidades que se dedicaram de forma muito abnegada ao estudo e à preservação destes conhecimentos relacionados com a utilização das plantas da flora angolana no tratamento de doenças: A fitoterapia Angolana. São elas Luís Gomes Sambo e Maria Manuela Batalha Van-Dúnen. Nascido em Cabinda, em 1874, Luís Gomes Sambo dedicou grande parte da sua vida ao estudo da ervanária angolana. Os seus estudos e as provas da eficácia dos tratamentos com plantas angolanas, por ele feitos, foram tão evidentes que granjeou grande respeito e reconhecimento das autoridades coloniais portuguesas. Deste reconhecimento resultou a instalação de Ervanárias em vários pontos de Angola, sobejamente conhecidas na altura, às quais ocorriam individualidades dos vários estratos sociais, em busca de medicamentos para tratamento de suas enfermidades.

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A fitoterapia na medicina angolana: Contributo de dois cidadãos angolanos

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por Jorge Xavier


A imposição de regras incompatíveis ao desenvolvimento humano, por doadores e Organizações internacionais, nas mais variadas áreas de sustentabilidade social, económica como: na saúde, educação e alimentação, agricultura, sem atenderem os aspectos antropológicos, sociológicos da identidade Histórica de Angola e dos seus Povos, apenas atendendo os seus interesses económicos de exploração, são uma das causas principais da manutenção do subdesenvolvimento humano em Angola, pondo em risco a sustentabilidade do futuro da Nação Angolana, as Crianças- a Futura Geração! (mwa)

Do que se sabe, aquele ervanário estudou e utilizou em tratamentos cerca de 500 plantas diferentes da flora angolana, servindo para tratar de doenças infecciosas, parasitárias, metabólicas, psiquiátricas, degenerativas, oncológicas e outras. A Dra. Manuela Batalha, é uma médica Angolana que também se dedicou a estudar a fitoterapia Angolana nas suas diversas vertentes. Publicou uma gama muito vasta de trabalhos científicos neste âmbito e livros que hoje poderão servir de base fundamental para o estudo e conhecimento da fitoterapia Angolana. Entre os artigos e livros por ela publicados destacam-se “Medicina e farmacopeia tradicionais Bantu” publicados em 1985, havendo outros documentos publicados por si em anos anteriores e posteriores a este. Nos seus documentos publicados e amplamente conhecidos mundo fora, a Dra. Manuela Batalha, descreve de forma cientificamente fundamentada as plantas em causa. Enfatiza a sua designação científica e o seu nome tradicional, descreve as regiões do país onde a mesma pode ser encontrada e o nome com que é conhecida em cada região. Menciona as patologias em que cada uma delas é usada e apresenta uma descrição exaustiva da forma de preparação e de administração das mesmas. Descreve também os potenciais efeitos secundários que podem surgir durante a administração dos referidos medicamentos ervanários. Apesar do elevado desenvolvimento que a indústria farmacêutica tem alcançado, as sociedades humanas de todo o universo continuam a recorrer, e cada vez com mais frequência, aos benefícios proporcionados pela natureza das plantas. Em vários países de África, é crescente o número de centros que integram as duas vertentes da medicina e pro-

movem a investigação nos domínios da fitoterapia. Em Angola, um fórum organizado pelos órgãos do poder do Estado marcou de forma bem clara a intenção de se promover “de novo” as práticas da fitoterapia angola, com o seu imenso caudal de plantas medicinais, a sua rica e variada flora e com os povos que a compõem que acumularam ao longo de anos um vasto conhecimento da utilização destas plantas no cuidado da saúde, pode, e deve, constituir um pólo de desenvolvimento da fitoterapia a nível mundial. A disseminação dos conhecimentos produzidos por Luís Sambo e Manuela Batalha poderão ser uma mais-valia na investigação médica e no tratamento de diversas patologias que acometem a população angolana e não só. A importante acção destas duas notáveis personalidades da ervanária angolana deve merecer o devido reconhecimento por parte das entidades públicas, privadas e académicas, para que se dê maior visibilidade aos seus feitos. Tal reconhecimento pode reflectir-se na criação de instituições com os seus nomes, na criação de prémios de medicina com os seus nomes, ou na criação de fóruns de debates periódicos sobre medicina e medicina tradicional com os seus nomes. Pode também significar a colocação dos seus nomes em avenidas, ruas, locais e sítios (parques botânicos, jardins, etc.) das mais variadas cidades do nosso país, como é o caso de uma rua na cidade do Huambo à qual foi dada, pela administração colonial portuguesa, a designação de rua Luís Gomes Sambo. Desta forma poderemos homenagear e eternizar o trabalho destas ilustres figuras da fitoterapia Angolana.

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La reafirmación de lo local en la salud global por Antonio Ortega

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i miramos a la historia podemos observar que la relación que se ha establecido entre la medicina occidental o biomedicina y las denominadas medicinas tradicionales ha sido la historia de la incomprensión. Remontándonos a la etapa colonial y a un contexto geográfico determinado, África subsahariana, podemos situar un punto de inicio en el encuentro entre los agentes médicos occidentales, al servicio de la gestión colonial, y una población autóctona impregnada de su acervo cultural que llenaba de significado términos como salud, enfermedad, sanación o sanador. Como se ha descrito desde la crítica postcolonial, la medicina colonial estaba estrechamente vinculada a los objetivos políticos e ideológicos de la gestión colonial, fue un instrumento más en la amalgama de medios de control de los que dispusieron los países colonizadores. Al igual que en el resto de las facetas de la gestión colonial, la medicina colonial generó una relación de hegemonía/subalternidad con las conocimientos locales en salud. Se subalternizó al


Angola dos recursos naturais, transformada em celeiro de governos mundiais exploradores de petróleo, diamantes, etc….! Angola miserável para os seus Povos e, ao que parece sem futuro assegurado para as suas crianças! (mwa)

mejoras en la asistencia sanitaria, aún así el tipo de modelo de asistencia sanitaria que se instauró seguía sin reconocer la importancia de los sistemas indígenas de sanación. En los años sesenta y setenta se desarrollaron programas para controlar enfermedades infecciosas tales como la malaria, sarampión y tuberculosis o programas orientados a las vacunaciones o planificación familiar. Estos programas adolecían de estar anclados en una organización piramidal o lo que se conoce como «programas verticales», es decir, las potencias occidentales se encargaban del control de los programas en todas sus fases: diseño, financiación, implementación y evaluación. Fueron programas muy rígidos, con divisiones de las tareas y de la autoridad muy estrictas y donde había una escasa o nula representación local.

Como hemos visto, las pautas de actuación de las agencias europeas afectaron, desestructurando, los sistemas locales de salud e influyeron en las actividades posteriores.

sujeto colonizado y por ende a todo el bagaje cultural y social del que disponía. La colonización generó cambios en la estructura social de las nuevas colonias que afectó a los sistemas de salud locales. La medicina colonial asumió el control de la salud y desplazó a las distintas formas de sanación tradicional. Se estableció una relación entre producción y salud, la función de la medicina colonial era mantener la salud de los europeos que vivían en las colonias, fue un sistema médico caracterizado por estar al servicio de los intereses económicos de los colonizadores y por el desarrollo de medidas centradas en los aspectos técnicos. La distancia cultural entre los médicos occidentales y la población local y el racismo que imperaba en la ideología occidental hizo que la situación de los sanadores cambiara y se generara un nuevo sistema de salud con repercusiones negativas en todas las facetas de la salud africana. En la segunda mitad del siglo XX, con la progresiva descolonización, hubo cambios significativos que provocaron

Ya entrando en los años setenta se produjo un cambio sustancial: los centros de control político de la salud viran desde los gobiernos coloniales locales a los nuevos centros de decisión, fundamentalmente sedes de las agencias internacionales situadas en países occidentales (Ginebra, Washington…). Es el momento en el que las agencias internacionales comienzan a tomar el control de la salud mundial, destacando sustancialmente la Organización Mundial de la Salud (OMS) y un acontecimiento concreto: la «Declaración de Alma Ata» (1978). En Alma Ata se propuso el objetivo de «salud para todos en el año 2000» mediante el desarrollo de lo que comenzaría a llamarse «Atención Primaria de Salud». Se pretendía dar cobertura sanitaria a toda la población mundial, y eso incluía las zonas más desfavorecidas, por lo general rurales, de los países pobres. Para conseguir el objetivo de cobertura global había que establecer pautas de actuación que se ajustaran a los medios disponibles, al no contar con personal sanitario ni con medios médico-tecnológicos suficientes, había que utilizar la población local como aliada en la labor médica. Se comenzó a debatir la idoneidad de contar con las medicinas tradicionales y sus representantes, los sanadores tradicionales, como colaboradores de las campañas sanitarias internacionales.

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en salud, comprensión histórica del fenómeno de enfermedad, mayor representación de la población autóctona no ya sólo como un instrumento más en el arsenal técnico de las actividades biomédicas, sino como responsables y parte activa en lo referente a su salud.

Recapitulando observamos un gran cisma entre las «buenas intenciones» de los gestores de salud internacional y la realidad de la aplicación práctica de estas medidas en el terreno de lo local. Se siguen reproduciendo patrones que recuerdan al pasado colonial, a mi parecer, producto de una mala planificación de las medidas sanitarias ancladas en una estructura de pensamiento occidental que no permite trascender sus propios límites cognoscitivos. Tal situación refleja el problema de definir la otredad desde los paradigmas epistemológicos occidentales. Estos planteamientos, como he intentado plasmar, generan problemas en el campo de actuación. De hecho, la historia reciente tampoco nos muestra datos muy esperanzadores, al menos en el caso africano, ya que estudios posteriores (WHO, 1991) mostraban la dificultades de la implementación de programas que contaran con sanadores tradicionales como aliados. Hasta tal punto que en el año 2002 la OMS vuelve a revisar y a replantear Esta idea se materializó en 1978 con la elaboración, por parte de la OMS, de una plan de acción para promocionar y evaluar la medicina tradicional: «The promoción and development of traditional medicine » (WHO, 1978), donde se marcaron las pautas de acercamiento a las medicinas tradicionales. La propuesta de la OMS estaba embadurnada de los principios rectores de la medicina occidental tales como una visión esencialista y positivista de la salud sustentada en la entronización de lo biológico-científico, alto grado de tecnologización, o partenalismo y autoritarismo en la relación con otras formas tradicionales de sanación. Estas características la podemos observar, por ejemplo, en el caso de los mecanismos de entrenamiento de sanadores tradicionales que han seguido las campañas de desarrollo de las medicinas tradicionales en el control de ciertas patologías como la tuberculosis o SIDA. Las actividades realizadas en estas campañas han estado encaminadas a una análisis científico de los conocimientos de los sanadores sobre tuberculosis (síntomas, criterios de derivación a hospitales, supervisión del tratamiento), para iniciar estrategias de entrenamiento de los mismos en el desarrollo de habilidades tecno-médicas de control de dicha enfermedad. Por lo tanto se echa en falta la existencia de medidas que puedan trascender la idea de lo tradicional que arrastraba la medicina occidental desde la época colonial: presencia de un análisis social de las particularidades locales

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su programa de desarrollo de las medicinas tradicionales (WHO, 2002). En este ensayo no pretendo hacer una crítica estéril de la gestión sanitaria realizada por las agencias internacionales de salud, sino intentar dilucidar los factores que han podido dificultar que esta haya sido más satisfactoria y proponer algunas alternativas. Pueden ser útiles ideas como un empoderamiento por parte los agentes locales en lo referente a la salud acompañada de una particularización según el objeto de intervención. Es decir, si asumimos que la actividad de un sanador tradicional de una aldea rural de Malawi no comparte

el código cultural y social en torno a la sanación con un médico tradicional chino, tampoco debemos asumir que las medidas de promoción de la medicina tradicional china, que tuvieron unos resultados bastante prometedores en la época mahoista, se deban trasladar al caso de Malawi. Aunque parezca una perogrullada, observamos como en las propuestas de la OMS se utiliza el sistema médico tradicional chino como modelo de actuación exportable. La salud del África subsahariana y por extensión de los países pobres es un problema muy serio de consecuencias de sobra conocidas, por lo que en mis planteamientos no propongo una disminución de la atención a las zonas desfavorecidas ni una infravaloración de los problemas sanitarios y de las medidas propuestas para controlarlos. Lo que sugiero es un cambio apriorístico, una reflexión previa antes de la intervención. Por ejemplo, estudios históricos nos muestras que en etapas previas a la colonización africana, la población local establecía medios de control sobre las enfermedades muy entrelazados con un control ecológico del entorno. Salud, ambiente y cultura formaban un todo en las «conductas terapéuticas». Aunque este entramado cultural en torno a la sanación ha sido sometido a muchos cambios hasta la historia reciente, podemos tenerlo en cuenta en la planificación de la salud local, ya no sólo cómo se percibe la sanación en contextos particulares sino también cuáles están siendo los factores, y quién los responsables, de la expansión de ciertas enfermedades. Por supuesto que hay que contar con los medios medico-tecnológicos disponibles, pero de una forma realista y adaptada a las situaciones concretas.

Concluiré proponiendo no hacer de lo local, en nuestro caso las medicinas tradicionales y sanadores, una pieza más del engranaje técnico de la medicina global sino una reafirmación de lo local como entidad social, cultural e histórica propia y autónoma con potencial dinamizador dentro de un sistema global.

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Só… Estou só na tua ausência, perdida no teu momento, só no teu pensamento, ausente do teu gosto, presente no teu tacto, amante do teu odor, sussurro o teu olhar. E fico só, só de solitária, só de única, só de ternura, só de razão, só de só… Imagino que tu estás e não estás, acredito que me tocas mas não tocas, desejo que me beijes mas não beijas e fico só… só mais um instante, só contigo, só do teu corpo, só tão somente… Só de ti, só de mim, só de nós… só de mais um dia, só de mais um pouco… mas por te ter não estou só, estou ausente e só à espera de ti!!! Bina

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Até… Despeço-me do meu sonho, loucuras, ternuras, desejos, anseios, momentos, inventos, amores, temores… doces amargos, respiro engasgos… Saudades audazes, beijos ilesos, toques sem dedos… dédalo de medos, pura amargura, saudade esquecida, manhã adormecida… sim despeço-me, até… não é? Montanha, pessanha, amor, vertigem, fervor, mensagem, ardor e imagem… és tu! Até, pois é… despeço-me de ti, amor que senti… mas não te vejo… sonho, almejo… mas não te vejo… até, até, até… Bina

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Há festa hoje na aldeia, na noite do dia em que o búfalo tombou ofegante sob as garras do leão insaciável. Músicas e danças fictícias festejam felizes a paz ritmada que caiu sobre a terra em jeito de morte lenta e muda as vidas como o facto próprio de se respirar. Mauro Abambres

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No alto, para lĂĄ das montanhas, os cĂŁes vigiam os sussurros da multidĂŁo, as garras salivantes, o olhar morto. Mauro Abambres

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auto Marcolino Moco, Marcolino Moco, nascido em 1953, foi o Primeiroministro de Angola, de 02 dezembro de 1992 até 3 de junho de 1996. Em julho de 1996, tornou-se o primeiro Secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, uma nova organização internacional.

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Fátima Patrício, Nasceu em Luanda a 13 de Maio de 1966, cidade onde passou toda a sua infância. Vive em Portugal desde os anos setenta. Fez os estudos liceais em Cascais e os estudos universitários no Porto. É filósofa de formação e prepara actualmente a sua tese de mestrado em Literatura Contemporânea. Trabalha no Consulado de Angola no Porto há 18 anos.

Purificação Tavares, Licenciada em Medicina e Cirurgia pela FMUP, obteve a Competência em Genética Médica em 1985. Desde 1999 é especialista em Genética Médica e Membro da Direcção do Colégio de Genética Médica da Ordem dos Médicos Portuguesa. É membro do Conselho Editorial e Científico de várias revistas e faz parte do Conselho Médico das Seguradoras Médis e Multicare. Participou na organização de várias reuniões científicas e tem inúmeros trabalhos científicos publicados. Actualmente é membro de 28 Sociedades Científicas Europeias e NorteAmericanas. Em 1992 fundou o CGC Genetics: Centro de Genética Clínica, 1º laboratório privado de Genética Médica em Portugal, do qual é Directora Clínica.

Paulus Gerdes, Investigador do Centro de Pesquisa para Matemática, Cultura e Educação em Maputo (Moçambique) é também Presidente da Comissão Internacional para a História da Matemática em África, Presidente do Grupo Internacional de Estudo da Etnomatemática, Vice-Presidente da Academia Africana de Ciências e Coordenador da Cooperativa de Ensino e Arte Escola Afro-Luso-Brasileira - ONGD em Moçambique. Foi Reitor da Universidade Pedagógica de Moçambique.

José Simão, Jornalista de profissão, é também Embaixador do Movimento Internacional Rainha N’Zinga de Angola, Deputado Municipal -Presidente da Freguesia de Santa Clara, e Co-fundador da Liga dos Amigos do Museu Machado de Castro.

Luis Cardim, Nasceu a 5 de julho de 1949. É licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa. Leccionou: Psicopedagogia; Formação de Formadores na Empresa Pública de Águas de Lisboa; Curso de Análise Transeccional do Instituto Nacional de Seguros; Gestão de Recursos Humanos do Instituto Nacional de administração; Técnicas de Negóciação do Instituto Nacional de Administração. É Mestre em Educação da Open University.

Mara Jorge, Nascida em Luanda (Angola), a 21 de Março de 1988. Aos 11 anos mudouse para Portugal, e em 2008 foi para França fazer o ensino superior, tendo-se formado na Faculdade de Direito da Universidade da Sorbonne. Actualmente encontra-se a fazer o mestrado em direito internacional na mesma universidade. Desde 2007 é membro da ONG Acção Integrada para o desenvolvimento das comunidades (AIDC) cuja actividade é principalmente orientada para a protecção e educação das crianças em Angola.


ores Diana Pereira , Nascida a 8 de Outubro de 1991 na cidade do Lubango, HuilaAngola. É estudante de Psicologia do Trabalho na Universidade Católica de Angola. Tem formação em Recursos Naturais na Utah Stated University nos Estados Unidos; Formação para fotógrafos na Koenig Solutions em New Dehli, Indi; É membro voluntário da Pastoral Universitária da Universidade Católica desde Janeiro de 2012; Membro da Associação de estudantes da Universidade Católica desde 2009; Presidente da Associação de Estudantes da Universidade Católica desde 2011.

Jorge Jairoce, É docente de História na Universidade Pedagógica em Maputo (UPM - Faculdade de Ciências Socias, Departamento de História). Licenciado em ensino de História e Geografia pela UP-M, Mestre em Educação e Ensino de História, e actualmente, Doutorando em História Social pela Universidade Federal do Rio Grande do SulPorto Alegre.

António Ortega, Doutorando do Departamento de Anatomía Patológica e Historia de la Ciencia -Facultad de Medicina -Universidad de Granada -Facultad de Medicina, Universidad de Granada - Espanha.

Rosa Mayunga, Humanista e Especialista em Medicina Tradicional Chinesa no Modelo de Heidelberg pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar - Universidade do Porto, é neste momento Mestranda em Desenvolvimento e Saúde Global pelo ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa. Licenciada em Análises Clínicas e Saúde Pública pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra - Instituto Politécnico, foi também Coo-fundadora e Dirigente de Cooperativa - ONGD. Escritora e Autora/ Poeta publicou os “N’Zinga os Descendentes” em memória da grande Diplomata de Angola Rainha N´Zinga, também ela descendente do Rei do Kongo.

Jorge Xavier, Angolano e médico de profissão é também Docente universitário na Universidade Agostinho Neto e Instituto Piaget. Actualmente é Doutorando em Medicina pela Universidade de Coimbra.

Bina (nome artístico), Artista Plástica e Cientista nas Artes Biológicas, um exemplo de dinamismo, carisma, responsabilidade e de verticalidade. Sandra dos Santos Caramujo Balseiro, de nacionalidade Portuguesa, nascida a 8 de março de 1978, é uma Jovem Cientista com um percurso profissional e social muito interessante: é Directora Técnica da Qualidade e Coordenação da equipa de concepção e desenvolvimento de dispositivos de diagnóstico in vitro. Mestrada em Biologia Celular com Especialização em Biologia Celular e Molecular na área da Imunologia e Genética “Expressão genica e polimorfismos de citocinas na transplantação” pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.

Mauro Abambres, Nascido em Angola a 22 de junho de 1994 é Estudante em Biologia na Universidade Pierre et Marie Curie (França-Paris).

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