Barbadinhos - Do Vapor ao Museu

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BARBADINHOS

Do Vapor ao Museu •


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índice

1. Antecedentes  2. O Sistema Alviela e a Estação Elevatória

................................................................................................................................................

3.

a Vapor dos Barbadinhos  Barbadinhos - do Vapor ao Museu

Figuras Históricas ..............................................................................................................................................

......................................................................................

..........................................

Bibliografia  ........................................................................................................................................................................ Cronologia  ...........................................................................................................................................................................

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EPAL - Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. Projeto Editorial

Museu da Água da EPAL Design Gráfico

António Carvalho EPAL/GIC/DPG-Design e Produção Gráfica

Fotografia

Pedro Inácio Texto

Bárbara Bruno Impressão

xxxxxxxxxxxxxxxxxx Tiragem

xxx exemplares Dep. Legal

xxxxxxxxxx ISBN

xxx-xxx-xxxx-xx-x 2013

“Sala das machinas” (1ª pág.) / “Estabelecimento das machinas — Fachadas principal e lateral (Sul e Nascente)” (porm.) Fotografias de F. Rocchini , 1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

Edição


A

o livro que agora se publica, intitulado “ Barbadinhos: do Vapor ao Museu”, é dedicado à Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos e evidencia um precioso estudo sobre um dos mais representativos edifícios a vapor ainda existentes em Portugal. Inaugurado em 1880, este importante equipamento industrial, que funcionou ininterruptamente até 1928, serviu para a elevação das águas transportadas pelo Aqueduto do Alviela, para as zonas mais altas da cidade, facto que permitiu reforçar o abastecimento e a melhorar a distribuição domiciliária de água de Lisboa. Pelo conjunto da maquinaria instalada e pelo seu excelente estado de preservação, a Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, atualmente parte integrante do Museu da Água da EPAL - Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. constitui a nível mundial um valioso testemunho no domínio do património industrial. Perante esta magnífica e invulgar obra hidráulica classificada, desde 2010, como Conjunto de Interesse Público, creio ser oportuno homenagear o trabalho desenvolvido pela engenharia portuguesa nos finais do século XIX. É, igualmente, com muito apreço que registo a importância que merece para EPAL o seu Museu da Água que, muito em breve, iniciará um novo ciclo na divulgação histórica e no conhecimento científico da água, através de obras de renovação e requalificação dos seus espaços funcionais e expositivos. Por outro lado, ajudará a compreender o percurso e a memória desta empresa centenária, reconhecendolhe, desde 1868, a nobre missão ao nível do abastecimento de água à cidade de Lisboa, há precisamente, 145 anos. Estou certo que este livro constituirá mais um motivo de orgulho para os colaboradores da EPAL e para os visitantes do museu. Por isso gostaria de felicitar os autores desta publicação, pelo trabalho de investigação e fotográfico realizados. Engº. José Manuel Sardinha Presidente do Conselho de Administração da EPAL

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| Antecedentes


Aqueduto das Águas Livres Museu da Cidade

Gravura, c. 1790

N

o último quartel do Século XVIII, na Grã-Bretanha, começou a operar-se uma profunda transformação socioeconómi-

ca e cultural que deu origem a um novo mundo. O aproveitamento, de forma massiva e eficiente, da energia a vapor permitiu libertar a indústria dos condicionalismos geográficos impostos pelas energias tradicionais (hidráulica, eólica e das marés) e invadir as cidades e respectivos subúrbios, ao mesmo tempo que a máquina a vapor (patenteada por James Watt, na Grã Bretanha, em 1769) possibilitou aumentar extraor1

dinariamente a produção e a produtividade, com menos esforço humano e economia de mão-de-obra  . 2

Se em Inglaterra, a Revolução Industrial se consolidou entre 1770 e 1850  , em outros países, incluindo Portugal, o processo foi muito mais lento. Em Portugal, a introdução da máquina a vapor aplicada à indústria situa-se na década de 20 do Século XIX (1820/21), com um 3

escasso número de máquinas introduzidas nas décadas imediatas (cerca de 70, entre 1820 e 1850)  . Este lento processo de industrialização deixou marcas visíveis por todo o país e em especial nas cidades onde, ainda hoje é possível estudar este período através das matérias-primas, infraestruturas, meios de comunicações, antigas fábricas, bairros operários, máquinas e utensílios, estações, pontes e viadutos, e no que diz respeito ao abastecimento de água, aquedutos, estações elevatórias e reservatórios de água.

1  MENDES, José Amado – Industrialização e Património Industrial: Desenvolvimento e Cultura. VIII Curso da Ericeira, 2006. [em linha] Disponível em <URL: http://www.icea.pt/Actas/21_10h30m_Jos%C3%A9%20 A%20Mendes.pdf 2  idem 3  idem

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O património, directa ou indirectamente associado à industrialização, tornou-se assim um testemunho imprescindível da história, quer ao nível das construções, quer ao nível dos artefactos e dos espólios afetos a algumas empresas. Neste contexto, é de louvar o esforço levado a efeito pela CALCompanhia das Águas de Lisboa (1868-1974) e, da sua sucessora, a EPAL- Empresa Portuguesa das Águas Livres na preservação e musealização de diferentes espaços, relacionados com a história do abastecimento de água á cidade de Lisboa, nomeadamente a Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos. Durante o século XIX, a concentração populacional e o desenvolvimento industrial da cidade contribuíram significativamente para o aumento da população. No início do século, Lisboa contava com pouco menos de 200 000 habitantes, distribuídos por cerca de 44 000 fogos. Em 1900 4

essa relação fixava-se em 351 000 habitantes e 78 000 fogos  . O desenvolvimento de infraestruturas urbanas em outras cidades europeias, bem como o desenvolvimento de ciências como a medicina e a química, tornaram evidente a necessidade de criar semelhantes estruturas na capital Portuguesa. A sucessão de crises de mortalidade que afectaram a cidade de Lisboa na dobragem da primeira para a segunda metade do século XIX teve outras consequências. À cabeça, no elenco das carências da cidade, estava o fornecimento de água. O abastecimento domiciliário era praticamente inexistente, com excepção de alguns edifícios públicos e das residências mais ricas, sendo a generalidade da população servida por chafarizes e bicas, 5

sempre considerados escassos nas zonas mais populosas  . A importância da criação de infraestruturas urbanas ficou pa4  RODRIGUES, Teresa – Nascer e Morrer na Lisboa Oitocentista. Lisboa: Cosmos, 1995, p. 64-65. 5  Em 1855 existiam 55 chafarizes e bicas espalhadas pela cidade. Com abastecimento domiciliário apenas algumas instituições públicas (Hospitais, a Misericórdia, alguns recolhimentos ou os quartéis da Guarda Nacional) e 44 edifícios particulares, onde se destacam o Conde de Farrobo, para as suas casas da Rua do Alecrim e da Quinta das laranjeiras, o Conde de Redondo, o Duque de Palmela, para os palácios do rato e do Calhariz, Francisco Isidoro Viana e o Embaixador Inglês. In Collecção de providencias municipais da Camara de Lisboa desde 1833. Lisboa, 1857, apud SILVA, Álvaro Ferreira – Público e privado na modernização das infraestruturas: o abastecimento de água a Lisboa no século XIX. XVIII Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social, Urbanismo e Infraestruturas Urbanas. Lisboa: EPAL, 1998.

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Reservatório da Penha [Monte] Desenho técnico, 1856 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)


tente no Congresso Higiénico realizado em Bruxelas, em 1852, no qual «a higiene pública foi considerada em seu verdadeiro e vasto conjunto, saindo dos 6

estreitos limites médicos que vulgarmente se lhe tem marcado»  . Neste congresso, foram tratadas questões como as habitações operárias, os canos das ruas, latrinas, distribuição de águas e ventilação. Em 1857, a quarta comissão do Congresso Sanitário, reunida na Escola Politécnica, tinha como objecto de estudo os meios preventivos e higiénicos tendentes a melhorar as condições de vida das populações e evitar as doenças. Dado que a resolução destas questões pressupunha o melhoramento das infraestruturas da cidade e a regulamentação do funcionamento dos estabelecimentos fabris, a comissão agrupava médicos e engenheiros, alguns destes ligados quer às obras de melhoramento da cidade, como era o caso de Pedro Pezerat, quer à comissão destinada a estudar e inspeccionar as máquinas a vapor que se tinham instalado na cidade, como era o caso de José Vitorino Damásio. Como resultado dos seus trabalhos esta Comissão considerou que os melhoramentos de que a cidade necessitava, para preservar a sua população dos flagelos das epidemias, tinham por base, entre outros, um novo sistema de despejos e esgoto, a reforma do matadouro e o poli7

ciamento dos estabelecimentos de indústria fabril e comercial  . É neste contexto que, nas estruturas administrativas do governo, nas sociedades científicas e nos periódicos divulgadores da ciência, a preocupação com a criação de infraestruturas urbanas passou a ser uma constante. A Gazeta Médica, publicação especializada em questões médicas, incluía também uma série de artigos ligados à higiene pública. Relativamente a este assunto, não devemos esquecer que os hábitos de higiene corporais ainda não se encontravam devidamente desenvolvidos, divulgados e, muito menos, enraizados, no nosso território, como já acontecia nos demais países europeus ocidentais. Não espanta por isso que Possidónio da Silva, aquando da apresentação do projecto para os banhos públicos na década de trinta de Oitocentos, afirme a este respeito «[…] Entre nós é mais geralmente seguido banhar o corpo por moda, que por hábito de aceio, e por isso as duas casas de banhos que antigamente se estabeleceram em Lisboa (…) pouco procuradas pelo público (…) introduzir n’esta capital o uso dos banhos quentes em

6  MATOS, Ana M. Cardoso – O papel dos “homens de Ciência” e dos engenheiros na construção das cidades contemporâneas. O caso de Lisboa. XVIIIº Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social. Urbanismo e Infraestruturas Urbanas. Lisboa: Museu da Água, 1998. 7  idem

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edifício publico, e conhecendo qual a repugnância que os lisboetas mostravam 8

para adoptar este habito novo […]»  . De facto, num país de marcadas tradições católicas, a higiene, em geral, e a corporal, em particular, defrontava-se permanentemente com um obstáculo à sua concretização, o pudor. Este pudor levava parte da sua população a preferir mudar frequentemente de roupa interior e a lavarem-se parcialmente que, a procederem a uma limpeza de carácter mais geral e profundo. Na segunda metade do século XIX o problema da salubridade do ar e da higiene urbana articulava-se com a resolução do problema do abastecimento de água, com a constituição de uma rede de esgotos e com a melhor organização dos matadouros considerados como pólos de infestação do ar. Por outro lado, a introdução de alguns melhoramentos urbanos, como a iluminação a gás, desencadeou alguns problemas de contaminação do ar das habitações e dos esta9

belecimentos públicos e privados  . A administração das grandes cidades, onde se aglomerava agora uma população pobre e laboriosa, procurava resolver, em primeiro lugar, o fornecimento abundante e económico de água que os princípios higiénicos recomendavam 10

como necessária para a alimentação e uso doméstico dos habitantes  . Em Lisboa, a questão do abastecimento de água volta a passar pela análise do sistema do Aqueduto das Águas Livres. Este equipamento hidráulico não foi, em termos de solução para o problema da falta de água em Lisboa, um investimento com uma perspetiva de planeamento a médio ou longo prazo. Alguns viajantes estrangeiros em Lisboa, como Gorani (1765) referem que «no meu tempo, Lisboa carecia de fontes e de banhos públicos, tão precisos, 11

especialmente em países de clima quente»  . Em 1799 chegavam ao fim as obras do Aqueduto e, em 1834, ultimavam-se os trabalhos do Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras. Sobre o atraso relativamente a este último, Estevão Cabral, colaborador das Memórias Económi8  MARTINS, Ana – Possidónio da Silva e um projecto de Banhos Públicos para a Lisboa de Oitocentos. In Arqueologia e História – Associação dos Arqueólogos Portugueses. Lisboa: Edições colibri, 2000, pp. 255-271. 9  SILVA, Álvaro Ferreira – Público e privado na modernização das infraestruturas: o abastecimento de água a Lisboa no século XIX. XVIII Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social, Urbanismo e Infraestruturas Urbanas. Lisboa: EPAL, 1998. 10  Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, apud MATOS, Ana M. Cardoso – O papel dos “homens de Ciência” e dos engenheiros na construção das cidades contemporâneas. O caso de Lisboa. XVIIIº Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social. Urbanismo e Infraestruturas Urbanas. Lisboa: Museu da Água, 1998. 11  CARDOSO, José Luís (2000) – Cardoso, José Luís. 2000. “Água, iluminação e esgotos em Lisboa nos finais do século XVIII”, in Análise Social, XXXV, nº156, p.495-509, disponível em http://hdl.handle.net/10400.5/1301

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Reservatorio, ou Mãi d'agua das Amoreiras, em Lisboa Biblioteca Nacional Digital in revista “Archivo Pittoresco” (vol. II, 1862, pág. 353) , ca. 1850


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cas da Academia das Ciências de Lisboa, reconhece «o torreão das Amoreiras está ocioso, e o dinheiro, que na sua fábrica se despendeu, dá-se por perdido; e esta é a voz comum: mas eu examinando as circunstâncias julgo o contrário, e sustenho, que pode ser de muita utilidade, e de muita economia, e que é neces12

sário»  . A partir do cálculo da capacidade total do reservatório e da estimativa de débito nos diversos chafarizes de Lisboa, Estêvão Cabral conclui que o Reservatório das Amoreiras teria autonomia para a população de Lisboa durante um mês. A manutenção das conservas de água era assim entendida como medida de acção política que permitiria a satisfação de necessidades da população em situação de emergência. Para além da quantidade, o autor preocupou-se também com a qualidade das águas, associada à formação de depósitos de tártaro e consequente entupimento de tubagens. A solução, para si, era criar as condições no reservatório para fazer repousar previamente a água destinada a entrar no sistema de distribuição e que esta não fosse extraída, nem da superfície nem do fundo onde se con13

centravam as impurezas e o tártaro  . Domingos Vandelli mostra também as mesmas preocupações com a qualidade da água consumida em Lisboa, apresentando algumas medidas destinadas a reduzir as concentrações de tártaro, designadamente a separação das águas em diferentes canais no interior do aqueduto e a substituição da tubagem de 14

cantaria por tubagem de metálica nos ramais dentro da cidade  . A questão da racionalização económica do consumo de água constituiu, porventura, a motivação principal de Vandelli que recorda «todos conhecem a imensidade de água que continuamente se perde, correndo os chafarizes perenemente de dia e de noite: o que seria indiferente se houvesse água superabundante; mas tanto há falta, que continuamente se procuram novas águas para

12  idem 13  idem 14  idem

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introduzir-se no aqueduto»  . Para resolver esta questão, propõe a instalação de uma válvula em cada uma das bicas dos chafarizes de modo a manter a saída de água controlada por efeito de compressão. Idêntica preocupação com a poupança tem o Senado da Câmara, ao proibir a utilização de água dos tanques dos chafarizes para usos em oficinas e fábricas, mantendo-se apenas a sua utilização como água para animais e combate a in16

cêndios  . Fica patente que Lisboa ia se modernizando e progressivamente ficava sem água, sobretudo nos meses de verão em que muitas das nascentes do Aqueduto secavam. Depois de um longo período de arrastamento das obras finais do Aqueduto e de uma situação que corresponde, grosso modo, ao primeiro terço do século XIX, altura em que a Junta das Águas Livres estendeu a sua actividade por mandato do poder Régio a uma vasta zona limítrofe da cidade, a administração das águas de Lisboa, voltou à Câmara Municipal, de onde a construção do aqueduto a tinha retirado. O decreto de D. Maria I, de 27 de Novembro de 1835, considerava «a administração das Águas Livres um objecto puramente municipal 17

e por isso da competência exclusiva da Câmara Municipal de Lisboa  .» A Câmara ficava assim na posse da mais completa estrutura de abastecimento da cidade, a que juntava o domínio dos chafarizes tradicionais que continuavam a ser peças essenciais do abastecimento, sobretudo no verão, quando as fontes do Aqueduto das Águas Livres baixavam substancialmente o seu caudal. Por outro lado, colocava-se o problema do abastecimento domiciliário, a que o aqueduto, pensado há mais de dois séculos, e começado a erguer quase mais de cem anos antes, não podia dar a mínima resposta. O papel da câmara foi importante na dispersão do abastecimento em algumas franjas da cidade

15  idem 16  idem 17  CAETANO, Joaquim Oliveira – Uma etapa do abastecimento de água a Lisboa. Lisboa: EPAL1994.

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bastante carecidas. Mandou executar chafarizes em Belém (1846), na Praça da

Chafariz de Belém

Armada (1846), na Praça de S. Paulo (1849), em Pedrouços e em Entrecampos

fotografia, c. 1880-1890 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

(ambos de 1851) e no Largo da Paz, à Ajuda (1859), mas em boa verdade não tinha meios nem soube obtê-los para resolver o problema. Em 1853, Pedro Pézerat, engenheiro da Câmara, apresenta algumas propostas no sentido de minorar as deficientes condições do abastecimento de água da cidade. Para além de projectar um conjunto de melhoramentos na forma de captação das águas orientais do lençol que abastecia os chafarizes da zona de Alfama e 14  |  BARBADINHOS Do Vapor ao Museu

Chafariz da Praça da Armada fotografia, c. 1880-1890 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)


a sua elevação, por meio de máquinas a vapor, para uma cisterna em Santa Luzia, Pézerat elaborou um outro projeto que visava o aproveitamento (construção) de grandes reservas de água nos Vales de Carenque e da Quintã, reminiscências do sistema de aprovisionamento de água, já utilizado pelos Romanos (século III). Pézerat propõe ainda a construção de duas grandes reservas de água, uma a montante da antiga barragem romana, limitada pelos aquedutos do Vale da Moura e do Salgueiro, no sítio das Pontes Grandes, e outra a jusante da Mãe d’Água Velha. Através deste sistema, é proposto pelo referido engenheiro, uma melhoria do abastecimento com um aumento da capitação de 5,29 para 28,33 litros por dia e por habitante, para uma população estimada em 180.000 habitantes abastecidos pelo Aqueduto das Águas Livres, prevendo já uma possível comercialização da água por parte da Câmara. À época em que Pézerat elaborava as suas propostas, desenhavam-se já outras soluções no sentido da entrada da iniciativa privada no abastecimento de água. Desde as propostas de Francisco Sodré, em 1823, baseadas num serviço de abastecimento com carros de bois a partir dos chafarizes existentes, às do General António Bacon, em 1845, com a inclusão de fornecimento de água canalizada, e as propostas que o próprio Pézerat fizera em 1847, a Câmara encarou definitivamente a questão da abertura de um concurso público para a concessão do abastecimento de água a uma empresa privada. A 7 de Agosto de 1849, o governo, através da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, decidiu abrir concurso público para o abastecimento de Lisboa, sujeito a dez pontos prévios a que os concorrentes deveriam obedecer: O aumento para o dobro do caudal abastecedor; o abastecimento domiciliário através de um sistema condutor semelhante ao utilizado em Paris e Londres; a venda de água por metade do preço do cobrado então, devendo cobrar aos aguadeiros a quarta parte desse preço; a garantia da potabilidade da água fornecida para abastecimento; a manutenção dos caudais dos chafarizes existentes; a dotação das ruas com bombas capazes de combater focos de incêndio; a construção de reservatórios de água situados em pontos altos que pudessem diariamente efectuar descargas para os esgotos da cidade de forma a afastar para o Tejo

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«as imundices que n’elles se depositarem»  . O concorrente escolhido deveria ainda depositar uma caução em dinheiro não inferior a 50 000 libras de 4% da dívida externa, num prazo não superior a quatro meses depois do estabelecido contrato. As obras deveriam começar num prazo máximo de seis meses após a assinatura do contrato. As contrapartidas não ficavam esclarecidas, baseandose a escolha nas condições mais favoráveis que viessem a ser propostas como compensações do estado pelos encargos a que os concorrentes deveriam obede19

cer, e que, não eram poucos. Talvez por isso o concurso ficou deserto  . Entretanto em Portugal, quase só a Câmara continuava, embora arredada do essencial do processo, a efectuar alguns trabalhos técnicos e históricos sobre o problema do abastecimento de água. Pézerat continuava os seus estudos sobre hipóteses de novas canalizações que pudessem servir a cidade, em 1851, outro técnico camarário, o arquivista José Sérgio Veloso de Andrade, publicava a sua Memória sobre Chafarizes, bicas, poços e fontes (…), uma recolha importante de documentação acompanhada por uma cuidada descrição das construções hidráulicas de Lisboa e do seu termo, que ainda hoje se mantem como uma obra fundamental para o estudo do problema de abastecimento da cidade. Em 1856, obedecendo a uma portaria de 15 de Fevereiro desse ano, publicada pelo Ministério das Obras Públicas, o Major graduado de Engenharia José Carlos Conrado de Chelmicki, realizou pela primeira vez um velho desejo que acompanhava o Aqueduto das Águas Livres desde o início das suas obras, o de efectuar a planta e alçado do monumento em toda a sua extensão, acompanhada de uma descrição exaustiva do percurso, fontes e chafarizes, numa obra que seria dada à 20

estampa no ano seguinte  . Nesse mesmo ano de 1857, outro engenheiro das Obras Públicas, Carlos Ribeiro, publica o seu Reconhecimento Geológico e Hidrológico dos Terrenos das Vizinhanças de Lisboa, levantamento fundamental para o conhecimento das bacias hidrológicas e fontes, indispensável para a concretização das reais possibilidades de abastecimento de Lisboa através das nascentes da zona envolvente da cidade. A quase contemporaneidade destes trabalhos, mostra a preocupação que o problema do abastecimento da cidade revestia no princípio da segunda metade do século XIX, precisamente no momento em que a gestão de Lisboa passava

18  CAETANO, Joaquim Oliveira – Uma etapa do abastecimento de água a Lisboa. Lisboa: EPAL1994 19  idem 20  CHELMICKI, José Carlos Conrado de – Memória sobre o Aqueduto Geral de Lisboa feita por ordem do Ministério das Obras Públicas em Portaria de 15 de Fevereiro de 1856. Lisboa: Imprensa Nacional, 1857.

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para as mãos privadas e também no momento em que se acentuava um retorno ao crescimento demográfico na capital. Assim, não pararam de aparecer novas proposta de particulares e eram já muitos os interessados num negócio que o reinício do desenvolvimento da cidade, que então dava os seus primeiros passos, fazia prever bastante rentável, à semelhança do que acontecia noutras cidades. Neste contexto, o governo vêse forçado a lançar um novo concurso público em 22 de Dezembro de 1852. Os termos deste contrato mantêm a necessidade de multiplicação para o dobro do caudal e a obrigação da venda de água a metade do preço, para além das condições gerais de abastecimento, introduzindo no entanto algumas novidades, como o facto de, pela primeira vez, se definir que a companhia seria considerada nacional, independentemente da natureza dos empresários, a obrigatoriedade de dar conta às Cortes das disposições contidas no contrato e dava-se à empresa o direito de cobranças sumárias da água que vendesse, equiparando 21

legalmente este serviço às rendas imobiliárias  . 22

As regalias  atribuídas neste concurso, pelo governo, foram consideradas excessivas e lesadoras dos bens municipais, levando a protestos na imprensa e nas Cortes e a uma firme posição por parte da Câmara de Lisboa, de forma que o concurso não teve seguimento até uma nova autorização, dada em 20 de Julho de 1855, de pôr a concurso sobre novas condições o abastecimento de água da cidade. Esta autorização mantinha-se no tocante ao preço da água e quantidade de fornecimento, mas era mais vaga do que as autorizações para os concursos anteriores. Colocava no entanto os resultados dentro de um maior controlo. As propostas seriam dirigidas ao governo pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, em carta fechada, versando a licitação apenas sobre a quantidade de água a fornecer. No momento em que é dada esta autorização, para o novo concurso, já se tinham realizado, paralelamente, tentativas para a solução do problema. Em Abril, a Câmara tinha recebido em Lisboa um grupo de representantes da companhia exploradora das águas de Londres e Berlim e os negócios entre ambas as entidades correram bem, a ponto dos principais accionistas terem assinado

21  idem 22  Falamos do usufruto, pelo tempo do contrato, do aqueduto das águas livres e seu depósito, nascentes, ramais, tanques e chafarizes, bem como de águas de rios, ribeiros, regatos, poços ou minas de domínio público, sem prejuízo dos direitos adquiridos. Abria-se também a possibilidade de concessão de terrenos públicos ou municipais para a construção de obras hidráulicas e a isenção de quaisquer direitos sobre a importação de maquinaria e matérias-primas necessárias às obras e canalizações. In, CAETANO, Joaquim Oliveira – Uma etapa do abastecimento de água a Lisboa. Lisboa: EPAL1994

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com Fontes Pereira de Melo um contrato provisório para a concessão do abastecimento da cidade. Pela parte da Companhia assinaram o documento Duarte Meddlicot, em seu nome, e Tomaz Rumball, em seu nome e com procuração de outros accionistas, todos ingleses: J. Brassey, Charles Henfrey, Sir Charles Fox, Fox Hendrion & C, R. 23

Crampton, Mervil Wilson e J. W. Pillans  . Este contrato provisório, assinado no decorrer de um concurso público e aparentemente sem validade, viria mais tarde a servir de uma espécie de programa, ou de 24

caderno de encargos  do concurso, que de facto seria aberto pouco depois, a 17 de Agosto de 1855, por um período de quarenta dias. Esta era a primeira vez que o abastecimento de água a Lisboa passava para mãos de particulares, o que já em si levantava alguma celeuma, e a possibilidade de passar para mãos estrangeiras era motivo de preocupação expressa nas Cortes e na imprensa. Objectivamente, dados os termos do novo concurso público, a divulgação das propostas da companhia inglesa acabou por reverter contra ela, na medida em que facilitou a tarefa aos seus concorrentes na apresentação de propostas superiores de caudais de abastecimento. Assim, por decreto de 28 de Janeiro de 1856, é formalizada a escolha da companhia vencedora do concurso, cujos fundadores se reuniram pela primeira vez a 12 de Fevereiro, sendo constituída por: Alberto Carlos Cerqueira de Faria, João Pedro da Costa Coimbra, Jacinto da Silva Falcão e por Joaquim Cândido da Costa, que havia anteriormente sido designado pela Câmara para dar parecer sobre a proposta de Meddlicot. Tornou-se evidente nesta primeira reunião que a Companhia não tinha sido efectuado quaisquer estudos que lhe permitissem suportar a proposta avançada e, pelo contrário, só então começava a fazer os primeiros esforços nesse sentido, tentando encontrar um técnico competente para levar a cabo os primeiros trabalhos preliminares. Contaram para isso com a preciosa colaboração de Vitorino Damásio, um professor da Academia Politécnica do Porto que se encontrava em Paris e encetou os primeiros contactos entre a companhia nascente e as suas homólogas de Paris e Bruxelas. Como ficavam

23  idem 24  “Os contractos para o fornecimento e distribuição das águas em Lisboa”, in Boletim da CFAL, nº 34, III série, 1953, pp.33-41.

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naturalmente de fora, as experiências mais antigas de Londres e Berlim, dominadas pela companhia preterida no último concurso, e até pela ligação cultural habitual com a cidade luz, foi lá que Damásio procurou livros, documentação e informação necessária aos primeiros trabalhos da Companhia, e foi com a homóloga Compagnie Général des Eaux, criada em 1853, que se estabeleceram os principais contactos técnicos, sendo através desta que o engenheiro Louis 25

Charles Mary encetou a colaboração com a companhia portuguesa  . Mary era o inspector-geral do “Corps des Ponts et Chaussés”, o suporte técnico de apoio da empresa francesa e era sem dúvida um técnico de reconhecido mérito e reputação europeia que a nova e pouco consistente companhia portuguesa tinha consciência de necessitar para pôr de pé o plano ambicioso a que se tinha proposto. O estudo de Mary previa o desvio da água da Ribeira da Matta que alimentava a Ribeira de Vale de Lobos. Este desvio tinha consequências negativas para a Fábrica da Pólvora de Barcarena, para a Fábrica de Estamparia de Rio de Mouro, pertencente a Filipe José da Luz, e para as populações das zonas de Sintra e Oeiras. Por essa razão, as Câmaras municipais de Sintra e Oeiras e o proprietário da fábrica de Estamparia apresentaram requerimentos solicitando que a Ribeira da Matta não fosse desviada. Sobre o assunto, foi consultado o Conselho de Obras Públicas, o qual, atendendo à importância da Fábrica de Pólvora de Barcarena, solicitou ao inspector do Arsenal do Exército uma informação sobre os inconvenientes que para a Fábrica teria o desvio das águas. Apesar deste inspector ter referido que este desvio teria como consequência a falta de água para fazer trabalhar as rodas hidráulicas, o Conselho das Obras Públi25  A escolha do Engenheiro José Vitorino Damásio foi louvada pela «Assembleia geral dos associados da patriótica empresa de abastecimento das águas a Lisboa» na sessão de 1 de Agosto de 1856. In Carta de Joaquim Candido da Costa, Jacinto da Silva Falcão e João Pedro da Costa Coimbra para José Vitorino Damásio, datada de 14 de Agosto de 1856. Arquivo Particular de José Vitorino Damásio, AHMOP.

Aqueducto das Francezas. Corte transversalda antiga construcção desenho técnico, s.d.

Planta e Porfis do Aqueduto da Franceza, desde o seu nascente ate Alfragide-de-baixo (porm.) desenho técnico, 1851 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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cas considerou que o desvio não teria grande influência no funcionamento das mesmas e defendeu que «se os males que podem provir ao estabelecimento da Fábrica da Pólvora de Barcarena não são tão intensos e irremediáveis, que devam produzir a negação do aproveitamento das nascentes da ribeira de Vale de Lobos para o abastecimento de Lisboa, os que podem resultar aos proprietários dos terrenos, azenhas e fábricas marginais desta ribeira, são dignos ainda de menor consideração, comparando-os com as imensas vantagens que apanha a capital, pelo aumento do grau de salubridade, pelo cómodo de seus habitantes e pelo desenvolvimento industrial, que será uma consequência lógica da facilidade de obter águas em grande cópia para os usos industriais», dando, por isso, 26

um parecer favorável ao desvio das águas proposto por Mary  . Neste parecer, o Conselho de Obras Públicas subordinava ao desenvolvimento urbano e industrial da capital as regiões circunvizinhas. No entanto, o governo impôs como condições para aprovar o projecto das obras a realizar pela Companhia que a mesma fornecesse, gratuitamente, água às populações vizinhas da cisterna da Penha de França e das nascentes que desviasse e instalasse na Fábrica de Barcarena um motor, que não fosse de água, equivalente ao que 27

a fábrica possuía  . No contrato que a Companhia das Águas assinou com o governo, estava prevista a construção do aqueduto da Matta, de acordo com as instruções dadas pelo engenheiro Mary. A realização destas obras exigiam a direcção de um engenheiro e a escolha da companhia recaiu sobre José Vitorino Damásio, tendo-o nomeado a 2 de Setembro de 1857, enge28

nheiro chefe da mesma, cargo que o engenheiro só aceitou a 5 de Outubro de 1858  . Para além deste, a Companhia obrigava-se a aumentar o volume de água em 11 300 metros cúbicos por dia, pelo menos, e a construir reservatórios e canalizações necessárias para a água ser distribuída domiciliariamente em todos os bairros da cidade. Para este efeito e para evitar as pressões que fatalmente se exerceriam nos pontos baixos, Mary dividiu a cidade em três zonas separadas, cada uma delas com reservatórios e canalizações independentes. E como para alimentar os pontos mais altos, era necessário que o Reservatório da zona superior ficasse 20 metros acima no nível do aqueduto, Mary propunha o emprego de um sifão que para lá conduzisse a água. Este plano foi aceite, a despeito da opinião do engenheiro Carlos Ribeiro, que declarou ser impossível obter com o aqueduto da Matta, o volume necessário de água. As obras começaram, mas quando em Setembro de 1862 se procedeu às medições nas nascentes, reconheceu-se que o engenheiro Ribeiro

26  MATOS, Ana M. Cardoso – O papel dos “homens de Ciência” e dos engenheiros na construção das cidades contemporâneas. O caso de Lisboa. XVIIIº Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social. Urbanismo e Infraestruturas Urbanas. Lisboa: Museu da Água, 1998. 27  idem 28  idem

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tinha razão: a quantidade de água disponível ficava muito aquém da que a Companhia se obrigava a fornecer. A situação de incumprimento do fornecimento da quantidade de água proposta no contrato pala Companhia leva o Governo a nomear, por Portaria de 7 de Outubro de 1863, uma Comissão encarregada de verificar as águas de que a Companhia dispunha, e que novas águas se poderiam aproveitar para o abastecimento da cidade, sem prejuízo da agricultura e da indústria. Das conclusões desta Comissão, que deram origem a um projecto de relatório elaborado em Fevereiro de 1864, veio Carlos Ribeiro, geólogo, a elaborar uma memória em que estuda detalhadamente as águas das bacias hidrográficas susceptíveis de abastecerem Lisboa. Para Carlos Ribeiro, uma solução que seria possível e que certamente estaria já no horizonte, e que era a do recurso ao Alviela, não deveria ser utilizada, pois resultaria em prejuízo da agricultura daquela região. À hipótese de captar água no Tejo já a Companhia dissera que não seria necessário, pois as águas disponíveis eram suficientes de acordo com o contrato de concessão, e que as obras já feitas estavam todas em conformidade com o mesmo. A Companhia tenta ainda dilatar os prazos para a concretização de mais obras, mas o Governo põe termo, em 1864, ao contrato de concessão, nomeando o Engenheiro Joaquim Nunes de Aguiar responsável pelas obras do abastecimento de água. A 1ª Companhia deixava concluída, ou quase, uma rede que incluía os reservatórios do Pombal, Penha, Arco, Patriarcal e Verónica, cerca de 73 Km de canalização nas ruas mais importantes, o sifão que alimentava o reservatório do Pombal, o Aqueduto da Matta e o seu ramal do Brouco através dos quais conseguia introduzir apenas mais 500 metros cúbicos de água diários. O que havia desacreditado a primeira companhia levando-a à extinção, foi a sua incapacidade de introduzir na cidade abundantes quantidades de água. As disponibilidades de água não cresceram na medida das possibilidades então criadas para a sua distribuição. A esperança depositada nas novas nascentes das águas altas enganou, não só a primeira companhia, como também, a generalidade dos técnicos dessa altura. A 1ª Companhia desaparece em plena crise de carência 29

de água  , tendo assegurado apenas 8% do líquido que se comprometera a introduzir na capital e não parecia ter os meios financeiros para o investimento nos melhoramentos necessários que or30

çava os cerca de 3000 contos  . Em contrapartida, a entrega da gestão do abastecimento de água ao município justificava-se, agora mais do que nunca, pelos imperativos sociais e sanitários que presidiam ao fornecimento deste serviço, invocando os argumentos que faziam parte do programa higienista por toda a Europa, nomeadamente na ênfase colocada no alcance social e econó29  O ano de 1863 – excepcionalmente quente e seco no verão – foi fértil em queixas por parte da câmara sobre o desempenho da companhia privada. 30  SILVA, Álvaro Ferreira – Público e privado na modernização das infraestruturas: o abastecimento de água a Lisboa no século XIX. XVIII Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social, Urbanismo e Infraestruturas Urbanas. Lisboa: EPAL, 1998.

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mico dos melhoramentos na rede de saneamento básico: «a falta de água não permitia a limpeza dos esgotos, nem a dos domicílios, nem mesmo a das pessoas, donde resultava em grande parte as mollestias que periodicamente assolavam a cidade, e também a crapula, a preguiça e em geral o hábito de se não cuidar de si, que afasta o individuo do trabalho e o 31

desmoraliza»  . Extinta a Companhia em 1864, os serviços técnicos do governo, então com o problema do abastecimento de água, encontraram muitas imperfeições que tiveram de remediar. Ao contrário do que Carlos Ribeiro aconselhara, o Governo vai agora preparar um projecto para captação de água nas nascentes do Alviela, projecto este que irá constituir o objectivo central da acção da 2ª. Companhia quando esta se formar em 1868 e receber o referido projecto das mãos do Engenheiro Nunes de Aguiar, que irá integrar os quadros da Companhia. A 1ª Companhia das Águas não havia cedido. Transformou-se numa outra companhia, isolou o núcleo dos subscritores da proposta a concurso em 1856 e preparou-se para uma longa batalha jurídica contra a expropriação. Entregou a defesa das suas posições a Carlos Zeferino Pinto Coelho, um dos seus accionistas, deputado, conhecido advogado de Lisboa, que se tornou no primeiro director da nova companhia, em 1868, permanecendo ao cargo até à data do seu falecimento em 1893. Em 1867, quatro anos depois da denúncia do contrato e da entrega da gestão ao governo, dá-se o epílogo desta crise nas relações entre a administração e concessionário. Um novo acordo foi subscrito entre a nova Companhia das Águas de Lisboa e o governo, contra todas as recomendações e pretensões da Câmara Municipal. A solução para a crise do abastecimento de água na cidade de Lisboa adivinhava-se com a viragem de orientação na sua captação. Buscavam-se agora águas que, chegando a Lisboa a cotas mais baixas, teriam de ser elevadas pelas estações de bombagem, na altura símbolos do progresso da técnica da distribuição de águas. O contrato provisório que dá origem à CAL é de 27 de Abril de 1867, sendo tornada definitiva a concessão a 2 de Abril de 1868, quando já se achava constituída a Companhia. A partir do momento em que a indústria da água se torna negócio potencialmente rentável, mercê não só da dinâmica empresarial como da capacidade negocial da 2ª. Companhia no domínio da figura do contrato de concessão, o abastecimento de água adquire uma dimensão de motor de desenvolvimento urbano, ao invés de ser uma procura constante de soluções para acudir a um desenvolvimento urbano sem água.

31  idem

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Neste mapa de Filipe Folque é possível ver, junto ao Convento do Barbadinhos Italianos, na sua cerca, o local onde posteriormente será implantada a Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos. Bem assinalada no mapa encontra-se também a Calçada dos Barbadinhos. Pelo contrário, a Rua do Alviela, que hoje dá acesso ao Museu, está ausente porque é apenas aberta em Outubro de 1880, aquando da inauguração da Estação Elevatória.


Atlas da carta topográfica de Lisboa: n.º 30 Filipe Folque. 1858-08 Arquivo Municipal de Lisboa – referência PT/AMLSB/CMLSB/UROB-PU/05/01/32

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2

| O Sistema Alviela

e a Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos


A

segunda Companhia - Companhia das Águas de Lisboa (CAL), iniciada em 1868 após o interregno de quatro anos de

administração do governo, funda-se com a ideia mestra da construção do aqueduto do Alviela que, trazendo à cidade águas baixas (mais baixas do que as da zona baixa de distribuição), arrastaria necessariamente profundas alterações no sistema da rede, criando as estações elevatórias e os novos reservatórios. Desde logo a CAL começou a executar o projecto dessa grande obra pela mão dos engenheiros Pires de Sousa Gomes e Paiva Couceiro. Havia no entanto a noção de que este projecto levaria ainda algum tempo a executar e que a cidade não poderia continuar, até à sua conclusão, a viver com a escassez de água que até aí a vinha assolando. Assim, a fim de minorar as deficiências quantitativas que se faziam sentir cada vez mais de ano para ano, a CAL colocou imediatamente em execução o projecto do engenheiro Nunes de Aguiar para elevação do excedente das águas orientais, de maneira a serem utilizadas na zona inferior, obtendo dessa forma 1800 metros cúbicos por dia. O aproveitamento daquelas águas, propriedade da câmara e de exploração muito económica, era efectuado através do Reservatório da Praia, com 970 m3 de capacidade, construído em 1868/69. No mesmo período cria-se a estação elevatória da Praia

com bombagem apenas para a zona baixa e o novo Reservatório da Verónica com capacidade de 4 700 m3 em substituição da 1

antiga cisterna com o mesmo nome  , de onde se fazia a distribuição por gravidade. A Estação Elevatória da Praia, foi a primeira estação elevatória de água para o abastecimento urbano, por meio de máquinas a vapor fornecidas e montadas pelos irmãos Windsor em 1868, constituiu um progresso importante, aumentando quase para o dobro, os caudais distribuídos anteriormente. O Reservatório e a Estação Elevatória da Praia, que com a inauguração do Alviela passaram a ter uma função insignificante, acabaram por ser retirados de serviço no início do século XX, em consequência da má qualidade e da temperatura elevada das 2

águas orientais . Também em antecipação ao aproveitamento do Alviela, a CAL propõe em 1869 construir um grande reservatório em Campo de Ourique, com a capacidade de 100.000 m3, que, constituindo uma reserva das águas livres excedentes no inverno, distribuiria no verão um suplemento de 1000 m3 por dia, então apreciável. Os reservatórios existentes, com uma capacidade total de 25000 m3, apenas podiam realizar nessa data uma compensação horária por vezes deficiente. O Reservatório de Campo de Ourique não viria a ser construído senão alguns anos mais tarde depois do aqueduto do Alviela estar concluído e já com outro 3

alcance

1  RODRIGUES, Joaquim Ângelo Caldeira – Memória sobre os Reservatórios de Lisboa. EPAL 2  idem 3  idem

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Máquina a vapor do Reservatório da Praia Desenho técnico, c. 1870 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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O Aqueduto do Alviela Conforme já referimos, a captação de águas nas nascentes do Alviela, constantes das obrigações da CAL, expressas na cláusula 3ª do contrato de 1867 estabelecido com o Governo, e que deu origem à 2ª companhia, já estava nos horizontes do Governo quando da dissolução da 1ª Companhia, tendo sido incumbida dos seus estudos a comissão presidida pelo Engº Joaquim Nunes de Aguiar e nomeada na 4

sequência da mesma dissolução  . A Companhia organizou-se com o capital de 5 000 contos de réis, elevando posteriormente a 7 0000 e foram seus fundadores os senhores Visconde de Porto Covo do Bandeira, Francisco da Silva Mello Soares de Freitas, Visconde dos Olivais, Carlos Zeferino Pinto Colelho, Possidónio Augusto Possolo Picaluga e Sebastião José de Abreu. O Ministro que sancionou o contrato e aprovou a organização da 5

companhia foi Sebastião do Canto e Castro  . Quando se formou a segunda companhia (CAL), os estudos para a construção do aqueduto do Alviela, estavam já adiantados, tendo sido por ela apresentados ao Governo no prazo de um ano estabelecido no contrato. O projecto, posteriormente designado por “traçado alto”, previa a elevação das águas das nascentes dos Olhos de Água, para um reservatório situado 50 metros acima do nível destas. Daí partiria o canal que as conduziria até um reservatório que se situaria junto às portas do Arco Cego, em Lisboa. Apresentando este projecto ao Governo, solicitou a CAL um prolongamento do prazo de forma a poder expor um segundo traçado mais económico que o primeiro. 4  Antes do Alviela. Lisboa: EPAL, s/d. 5  Occidente, Revista Ilustrada de Portugal e do Estrangeiro. Volume III – nº 68. 15 de Outubro de 1880.

O Edificio da Estação da Praia, Museu do Fado

O edifício onde hoje está instalado o Museu do Fado, foi a primeira Estação Elevatória a Vapor de Lisboa. Localizada no Largo do Chafariz de Alfama, a estação foi edificada, em 1868, pela Companhia Empresa das Águas de Lisboa. Esta estação servia para o aproveitamento dos excedentes das águas existentes em Alfama que se perdiam para o rio Tejo. Com a existência de vários chafarizes na zona, foi escolhido o Chafariz da Praia, (localizado junto à praia, onde antigamente os barcos faziam as aguadas) para ser demolido e no seu lugar ser construída a estação elevatória movida a vapor que, por sua vez, elevava a água aí captada até ao Reservatório da Verónica.

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Relativamente a este assunto, a direcção da companhia argumentava que para elevar a água na origem seria necessário ali colocar três máquinas a vapor de 120 cavalos cada. Para além disso, as dificuldades de montagem, fiscalização e manutenção de tais máquinas a 114 Km de Lisboa, num sítio despovoado e de péssimas serventias iria acarretar muitos problemas. Por outro lado, se bem que o “traçado alto” fosse mais curto pois teria de percorrer um terreno menos sinuoso, tinha, no entanto, que atravessar maiores obstáculos, ravinas mais profundas, que obrigavam ao recurso a mais sifões com carga superior e a um maior número de obras 6

arquitectónicas, o que aumentaria o custo da obra e a sua manutenção  . As águas de Rio Maior, que a comissão anterior contava poder introduzir no Canal sem necessidade de elevação, situavam-se, afinal, a cerca de 13 metros abaixo do mesmo. Por fim, elevando as águas apenas em Lisboa, somente seria elevada a quantidade necessária para cada local e para cada momento. Perante estes argumentos, o Governo concede um prolongamento de prazo de um ano o que possibilitou à CAL, a apresentação de um novo projecto, designado de “traçado baixo”, com a elevação das águas apenas em Lisboa, onde chegariam a um reservatório a construir na antiga Quinta dos Barbadinhos Italianos, próximo de Santa Apolónia, de onde grande parte da zona baixa da cidade poderia ser abastecida sem recurso à elevação, sendo preciso apenas elevar a água necessária ao abastecimento da zona baixa e média da cidade. A zona alta continuaria a ser abastecida pelas águas altas do Aqueduto das Águas Livres. Este projecto fazia-se acompanhar das sugestões alternativas do hidrogeólogo francês, Richard, que havia feito importantes trabalhos sobre estas matérias em 7

França, Argel, Alemanha e Rússia  . Na sua inspecção aos arredores de Lisboa, Richard detectou águas nas zonas da Ota, Alenquer e Serra de Minde que dispensavam o recurso às águas do rio Alviela. Em resultado das suas pesquisas, elaborou um projecto, datado de 1 de Julho de 1869, no qual indicava que nas proximidades de Lisboa havia águas que denominou de altas, porque todas podiam entrar pelo seu declive natural nos aquedutos existentes das Águas-Livres e da Companhia, apontando quatro grupos de nascentes para este caso. O primeiro nas imediações da Porcalhota, o segundo próximo da Mãe de Água Velha e Nova, o terceiro nas vizinhanças do aqueduto do Brou-

6  Occidente, Revista Ilustrada de Portugal e do Estrangeiro. Volume III – nº 68. 15 de Outubro de 1880. 7  Occidente, Revista Ilustrada de Portugal e do Estrangeiro. Volume III – nº 68. 15 de Outubro de 1880.

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co e o quarto na direcção de Vale de Lobos. Assegurava que, se se fizesse o trabalho que ele indicava, se obteriam 10.000 metros cúbicos diários na máxima estiagem, assim como, se a Companhia quisesse aproveitar também as águas baixas, que se encontram próximas dos aquedutos, obteria 10.000 a 15.000 metros cúbicos de água diária em Rio de Mouro e Caneças.

Estação Elevatória da Praia Desenho técnico, 1867 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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Os Barbadinhos Italianos 1

Igreja de Nossa Senhora da Porciúncula, fachada principal. Fotógrafo não identificado. 1898-1908 Arquivo Municipal de Lisboa – cota N1817

Igreja de Nossa Senhora da Porciúncula do Convento dos Barbadinhos, interior. Armando Serôdio.1959. Arquivo Municipal de Lisboa – cota N26499

Os capuchinhos, um dos três ramos da primeira Ordem Franciscana, ficaram conhecidos em Portugal por Barbadinhos pela farta barba que usavam para se distinguirem

dos capuchos. Dedicados à missionação no Brasil e em Angola, necessitavam de um local para hospedar os seus missionários em trânsito. Os Barbadinhos Franceses instalaram-se na Esperança em 1648, casa onde se recolhiam também os italianos desde 1641. Os desentendimentos com os Barbadinhos Franceses, protegidos de D. Maria de Sabóia, levaram-nos a procurar novo local para edificar um convento. Quando D. Pedro II, em 1687 proibiu a passagem dos franceses para o Brasil, tal facto serviu de pretexto para os Barbadinhos italianos tentarem apoderar-se do seu convento. No ano seguinte tentam novamente junto do Rei que este lhes concedesse as antigas casas das comendadeiras de santos. A petição é-lhes negada pois não se encontrou fundamento, uma vez que os enfermos de Angola não se curavam nestas paragens. Apesar do parecer desfavorável, D. Pedro II concedeu-lhes as antigas casas em que viviam as religiosas, as quais haviam vagado aquando da sua mudança para o novo convento de Santos-o-novo. Os reverendos padres capuchinhos entraram a 22 de Julho de 1689, sendo o fundador o padre Frei Paulo de Varace, missionário em Angola. As comendadeiras doaramlhes (1692) o usufruto das casas, dando-lhes faculdade para as obras convenientes. É já D. João V que no início do século XVIII irá adquirir as casas às Comendadeiras de Santos para que os frades se sentissem em casa. Em 1742, Lázaro Leitão Aranha, que foi principal da Sé, secretário da embaixada de D. João V, fundador da Casa Nobre da Junqueira, vai adquirir ao Rei por 11.000 cruzados (dinheiro dado aos frades por D. João V) a casa fradesca e os seus terrenos, e ali instituiu o Recolhimento de Nossa Senhora dos Anjos, onde entraram as primeiras recolhidas em 1747. Os Barbadinhos mudaram-se também por essa altura para o seu novo Convento. 1  MATOS, José Sarmento – Caminho do Oriente – Guia Histórico I. Lisboa: Livros Horizonte, 1999.

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É assim, que os vamos encontrar entre o Mosteiro de Santa Apolónia e o novo Convento das Comendadeiras de Santos (Santos-o-novo), no local onde primeiro existia uma ermida de invocação de N. Senhora do Paraíso, O novo Convento dos Barbadinhos Italianos, cujas obras, patrocinadas pelo Rei D. João V, tiveram início em 1739, compreendiam também a igreja e a cerca. A localização da nova casa levantava a questão dos acessos. Neste sentido celebrouse um contrato com o mosteiro de Santa Apolónia para a doação de chão que permitisse a entrada para o convento. Tal chão, conhecemos hoje como a calçada dos Barbadinhos. Naquele Real Hospício, segundo notícia do padre Luís Cardoso (1759) moravam, 14 religiosos – 9 sacerdotes e 5 leigos. A mesma fonte revela que este convento não sofreu com o terramoto e que na cerca (onde hoje encontramos o museu da água) se instalaram inúmeras barracas para acolher as vítimas do sismo. A casa Religiosa recebeu ao longo dos anos, várias visitas de renome donde se destaca a visita de D. Maria I que em 26, 27 e 28 de Abril de 1789, assistiu na igreja, à celebração da beatificação do barbadinho Frei Lourenço de Brindes tendo encomendado a Machado de Castro uma imagem daquele Santo que depois ofereceu à igreja. Em 1834, extintas as Ordens Religiosa masculinas, os Barbadinhos foram autorizados a permanecer por serem estrangeiros, mas rejeitaram a excepção; começou então a descaracterização do antigo edifício conventual, requisitado para quartel da Guarda Nacional em 1835, as casas anexas foram requisitadas pela Irmandade do sacramento de Santa Engrácia e o quintal e o claustro destinados a logradouro do pároco da freguesia. A cerca conventual, que era larga, estendendo-se para nascente e norte, foi requisitada em 1839 pelo Ministério da Guerra e, mais tarde (1871), nela se construiu a estação elevatória de águas do Alviela, inaugurada em 1880 pelo Rei D. Luís I. A igreja, cerca e convento de Nossa Senhora da Porciúncula dos Barbadinhos Italianos é um dos vários conjuntos conventuais de Lisboa Oriental que têm passado quase despercebido. Dele se fala a propósito do magnífico busto relicário de Santa Engrácia, doado à freguesia pela infanta D. Maria, sua fundadora, mas quanto ao próprio edifício e respectiva decoração interior só recentemente se começou a valorizar no contexto das activas relações romanas do período de D. João V. É de realçar o tratamento das riquíssimas madeiras do Brasil, sem recurso à cobertura em ouro habitual na talha portuguesa, e o facto da igreja dos Barbadinhos italianos, embora em menor escala de Mafra ou da capela de S. João Baptista ter sido alvo também da política de importação de obras de arte para decoração dos meios artísticos romanos. Nesta igreja são 2

de destacar o retábulo de Pompeo Batoni e os quadros a óleo de Giacomo Zoboli . 2  MATOS, José Sarmento – Caminho do Oriente – Guia Histórico I. Lisboa: Livros Horizonte, 1999

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A CAL, admitindo como válidas as sugestões do abade Richard, avançava logo com a proposta da construção canal a partir de Lisboa para que, se as águas captadas se viessem a mostrar insuficientes, se poderem aproveitar as águas 8

da Ota que, na estiagem, davam 4.000 a 5.000 m3 de água de boa qualidade . A solução definitiva e para futuro era, no entanto, o Alviela, não só pela sua qualidade, superior à água do Aqueduto das Águas Livres, mas também porque a cota da sua nascente, a 54,33 m acima do nível do mar permitia com facilidade fazê-la chegar a todos os pontos de Lisboa. Assim, o Governo aprovou o projecto do “traçado baixo” da autoria dos engenheiros da CAL. Para a 9

execução das obras foi aprovado um orçamento no total de 3.189.000$00 réis . Para as expropriações não foi calculada uma verba em separado, com excepção do Reservatório dos Barbadinhos em que foi inscrita a importância de 10

1.042$300 reis . Logo que o Governo aprovou o projecto iniciaram-se as obras pelo nivelamento e colocação de balizas ou mestras, trabalho este que decorreu entre Setembro e fins de Novembro de 1871. Nos fins de Dezembro, os trabalhos de construção iniciaram-se pela trincheira nº 246, no ângulo 697 do traçado, ao quilómetro 112,64, em Xabregas, a única propriedade em que a CAL tinha conseguido fazer uma expropriação amigável. A questão das expropriações constituiu, aliás, sempre um problema para a CAL, dificultando a boa persecução dos trabalhos e canalizando para aí uma boa parte dos esforços da Direcção. A título de exemplo, não pode a CAL iniciar de imediato a construção do Reservatório de chegada dos Barbadinhos. A CAL oferecera 3.200$00 rs, pretendendo os proprietários 4.500$00 rs. A avaliação judicial foi de 3.560$00 rs, tendo ambas as partes aceite esta resolução. Não pode no entanto a CAL entrar logo na posse da propriedade, uma vez que o juiz

8  Antes do Alviela. Lisboa: EPAL, s/d. 9  Idem 10  Idem

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de 1ª instância declarou não dar posse da mesma à CAL sem o prévio registo de aquisição. Isto era um obstáculo ao bom andamento dos trabalhos, pois o registo prévio podia demorar vários meses. A CAL agravou do despacho para a relação, tendo-lhe sido negado provimento. De seguida interpôs recurso para o supremo tribunal de justiça que, por três votos contra dois, lhe negou também a revisão. Como última solução apelou para o governo que ultrapassou a situação através de uma lei segundo a qual, nas expropriações de utilidade pública, o expropriante entraria na posse da propriedade expropriada independentemente do seu registo. Assim, as expropriações passaram a avançar mais rapidamente, possibilitando o normal avanço dos trabalhos. Não foi este no entanto, o problema que mais dificultou a vida da CAL e o desenvolvimento do aqueduto do Alviela. A CAL era uma companhia que necessitava, para cumprir a sua parte do contrato, de fazer grandes investimentos. E para tal tinha que haver uma contrapartida, a qual estava prevista no contrato com o Governo. Ao fim de três anos contados a partir da data do contrato, seria estabelecido um regulamento de canalizações particulares que obrigaria os proprietários de prédios com renda colectável superior a 60$00 rs anuais a fazerem, à sua custa, canalizações de modo a introduzirem a água da rede de distribuição nas suas casas. Só assim, através da venda da água, a CAL conseguiria obter receitas para fazer face às obras. Publicado o regulamento, a 11 de Julho de 1873, logo as vozes da Câmara

Canal do Aviella. Alçados da ponte Sifão sobre o Rio de Sacavém (porm.)

Municipal e da opinião pública se levantaram contra a CAL, vindo o Governo a

Desenho técnico, 1870

suspender o regulamento a 12 de Julho do mesmo ano.

(AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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Não havendo regulamento nem meios de vender a água através dos encanamentos particulares, a CAL suspende os trabalhos da construção do aqueduto do Alviela. No Relatório da Direcção de Outubro de 1873, podia ler-se: «Tem-se dito que Lisboa está doentia, que as ruas se não regam, que os canos se não lavam, que aos corpos não se dão as necessárias abluções, que se falta enfim ao que estritamente reclamam os hábitos mais comezinhos da limpeza e asseio, e tudo isto porque não temos água suficiente para fornecer ao consumo. Em verdade, porém, não é assim. Água temos nós, e relativamente abundante. O que não temos é quem a queira, e por isso a deita11

mos ao Tejo».

A CAL, embora tivesse suspendido as obras, não tinha parado totalmente. Foi prosseguindo com a parte das obras que já estava iniciada para que o que já estava feito, não se deteriorasse. Prosseguiu também com as expropriações, conseguindo um alargamento de 4 para 10 metros da faixa do aqueduto, e a expropriação de uma faixa de 2 metros sobre os túneis para serventia. Conseguiu igualmente a CAL, durante este período, efectuar o contrato de expropriação dos Olhos de Água, o que foi concre12

tizado pela importância de 50.000$00 rs.

O ano de 1874 foi um ano de grandes dificuldades para a CAL. A estiagem acentuou-se baixando a quantidade das águas a níveis nunca antes atingidos. No auge da estiagem o Governo decide aplicar à CAL uma multa em virtude do atraso verificado nas obras do Canal Alviela, com base naquilo que fora acordado no contrato de 1867. A CAL defendeu-se com a questão do regulamento dos encanamentos particulares e recorreu para o tribunal arbitral, o qual 13

veio a resolver a questão com um acórdão favorável à CAL, publicado a 7 de Junho de 1875 . Resolvida esta questão, a CAL 14

avançou rapidamente com as obras do Canal.

11  Antes do Alviela. Lisboa: EPAL, s/d. 12  Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro. 3º Anno – Volume III – nº 69. 1 de Novembro de 1880 13  idem 14  Antes do Alviela. Lisboa: EPAL, s/d.

Nascentes do Rio Alviella. Captagem das águas (porm.) Desenho técnico, 1882 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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Em 1876 ficou praticamente concluído o reservatório de chegada nos Barbadinhos, faltando apenas uma tubagem de alimentação e respectivas válvulas. Projectava a CAL ter as obras prontas em meados de 1878. Porém as fortes chuvadas do final do ano de 1876 conduziram à interrupção forçada dos trabalhos, que só puderam recomeçar em Fevereiro. Nessa altura, não pode a CAL contar com a mão de obra necessária por esta se ter desviado para os campos e para a reparação de danos causados pelo mau tempo. Não querendo oferecer salários mais altos, a fim de não gerar conflitos na zona onde o canal estava a ser construído, levou à diminuição do ritmo de construção anteriormente conseguido. No final do ano de 1876 começaram a chegar os sifões que haviam sido encomendados à Compagnie des Fonderies et Forges de Terre Noire e a Fortin Herrmann & Compagnie. Começaram ainda a chegar as peças para as fundações das máquinas a vapor adjudicadas à casa Windsor & Fils, de Rouen. Inaugurado em 1880, o aqueduto do Alviela, que permitiu aumentar o caudal disponível de 5270 metros cúbicos diários para 35 270 metros cúbicos, só veio a ser concluído em 1882, pois embora em funcionamento, havia que isolar as nascentes a fim de se evitar que, em caso de cheias, as suas águas se misturassem com as da ribeira de Amiais. Havia também que acabar a pontesifão de Sacavém e o reboco de uma parte do canal . O custo do canal foi de 3.420.368$519 réis. Contudo, a este valor é ainda necessário acrescentar 8.756$455 réis despendidos em estudos, 1.063.225$772 réis que se tinham pago pelas águas, reservatórios, aquedutos e canalizações da antiga Companhia, 106.391$318 réis que se gastaram com as águas orientais e respectivas obras de elevação e ainda a despesa de 62.972$548 réis, 15

feita com a continuação da canalização nas ruas e com a colocação das bocas-de-incêndio.

O canal, projectado e dirigido por Paiva Couceiro e Sousa Pires, tem uma extensão de 114,050 Km. De forma elíptica, o canal 16

tem uma altura de 1m,90 até aos Olivais e daí até ao Reservatório dos Barbadinhos de 1,80m. A sua largura é de 1,30m . Construído em alvenaria de pedra calcária tornada hidráulica pelo emprego de pozolana dos Açores, e revestida interiormente com 17

um reboco de cimento de Portland e areia, foi projectado para dar vasão a 40.000 m3 de água em 24 horas . Enterrado na sua quase totalidade e com drenos por baixo, possui 111 arcadas para transposição de pequenos vales, numa extensão total de 3,640 Km. Os vales mais largos são ultrapassados por meio de 51 sifões constituídos por linhas de tubos de ferro fundido com 1 m de diâmetro e 0,022 m de espessura, num total de 15,600 Km. Nas extremidades de cada sifão foram construídas casas de acesso, havendo nas de montante adufas para intercepção das águas. A montante das adufas existem desaguadouros. 18

Possuem ainda os sifões torneiras de descarga. O Canal possui também 17,537 Km construídos em túnel, num total de 94 túneis  . Para o acesso ao interior do canal, para limpeza ou reparação, foram criadas, para além das casas de acesso já referidas, 196 clarabóias, à distância de 500 metros umas das outras, e ainda, nos locais onde a profundidade o permite, aberturas cobertas com lajes e espaçadas de 100 metros. O canal tem uma inclinação constante de 0,12 m por quilómetro no canal livre e de 0,6 m por quilómetro nos sifões. Chega a Lisboa à cota de 31,66 m acima do nível do mar. 15  PINTO, Luís Leite – História do Abastecimento de Água à Região de Lisboa. Lisboa: INCM/EPAL, 1989, pp. 161 16  Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro. 3º Anno – Volume III – nº 69. 1 de Novembro de 1880 17  idem 18  idem

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O Reservatório de Chegada O Reservatório, situado na cerca do antigo convento dos Barbadinhos Italianos, é um grande edifício composto de um tanque abobado em forma de quadrilongo. As suas arcadas são de volta abatida apoiadas no número de pilares necessários e na disposição conveniente. As suas paredes são independentes da abóbada e divididas em dois compartimentos. Desce-se ao tanque, 19

iluminado por uma série de lumieiras que também servem para a necessária renovação do ar, por uma escada de pedra . O canal vindo do Alviela entra em Lisboa pela extremidade Oriental da cidade, termina por um sifão num reservatório construído nos Barbadinhos, com a capacidade útil de 10.280 metros cúbicos calculada para acumular, somente, a porção de água correspondente ao tempo de descanso das máquinas em cada dia. Este reservatório terá uma capacidade total de cerca de 19  Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro. 3º Anno – Volume III – nº 69. 1 de Novembro de 1880

Canal do Alviella. Planta do terreno para o Reservatorio de Chegada (porm.) Desenho técnico, c. 1878-1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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12.000 metros cúbicos, mais 6.340 que a do depósito das Amoreiras, pertencente ao antigo aqueduto; essa capacidade é exigida pelo serviço das bombas, para que possam elevar, em 16 horas, toda a água que vier do Alviela num dia. A altura da água no reservatório é de 4 metros. A água atravessa, por meio daquele sifão, o pequeno vale adjacente, e, ao chegar ao depósito entra numa pequena casa chamada das válvulas, por aí estarem estabelecidas as duas que lhe dão passagem. Há, em seguida, três casas iguais à primeira, as quais aparentam a forma de uns pequenos pavilhões ou clarabóias. A segunda e terceira dão entrada, por meio de estreitas escadas, para os reservatórios, servindo a quarta para uma pequena oficina de trabalho. Este reservatório não serve para distribuição directa, como primeiramente se tinha projectado. É, unicamente um reservatório de chegada das águas do Alviela, de onde são elevadas para o reservatório da Verónica ou para a Cisterna do Monte. Tem planta rectangular de 78 metros por 40 e é dividido em dois compartimentos com igual capacidade. Todos os muros do reservatório são enterrados, excepto o do lado sul, que fica quase todo fora do terreno mas que, através de um aterro, está abrigado das influências atmosféricas. As abóbadas que o cobrem ficam 0,6 metros acima do terreno. São abóbadas de aresta, de 3,6 metros de abertura e 0,6 metros de flecha, construídas em tijolo com a espessura de 0,12 metros, cobertas de terra. São independentes das paredes e apoiam-se em pilares de cantaria de secção quadrada, de 0,40 metros de lado e com a altura de 4 metros. O fundo do reservatório está à cota de 27,7 metros. As fundações assentam sobre rocha, directamente numa parte em que ela está a pequena profundidade e, por meio de pilares de betão, cujo mais alto tem 10 metros, na parte em que a rocha está mais profunda. Sobre estes pilares construíram-se abóbadas de betão de 0,5 metros de espessura no fecho, tendo por forma o terreno, as quais extradorsadas horizontalmente formam o fundo do reservatório. Cada um dos compartimentos comunica independentemente, por intermédio de adufas, com o poço de aspiração das bombas que dali elevam a água para os depósitos de distribuição. Da pia em que termina o ultimo sifão do canal do Alviela, sai a água para o compartimento leste do reservatório e por um tubo assente sobre suportes para o compartimento oeste. De qualquer dos dois compartimentos vai a água para os poços, em que mergulham os tubos aspiradores das bombas elevatórias. A construção deste reservatório distingue-se pelos muros de contorno que são completamente independentes das abóbadas, de modo que qualquer acidente nelas não tenha influência sobre eles. A água recebida em Lisboa por este canal é, normalmente, 20.000 metros cúbicos por dia, podendo elevar-se esta quantidade aos 30.000 metros cúbicos. As águas em Lisboa foram divididas em quatro zonas de distribuição: a alta, a média e a baixa, subdividida em superior e inferior. A zona alta é abastecida com as águas que já corriam em Lisboa pelo antigo reservatório do Pombal. O Alviela servirá as outras três zonas pela maneira seguinte. A parte inferior da zona baixa recebe as águas directamente do Reservatório dos Barbadinhos sem o auxílio de máquinas. As outras zonas recebem a água elevada pelas máquinas. Metade das águas são elevadas ao Reservatório do Arco em frente ao Palácio dos Condes da Anadia, a S. João dos Bem-casados, por canalização já assente. A outra metade, ou um quarto do volume total da água, será levado por canalização especial ao reservatório da Travessa da Verónica. BARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  37


“Sala das machinas” Foto de Francesco Rocchini, 1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

Assim, podemos concluir que o reservatório dos Barbadinhos eleva água para três grupos distintos: elevação para a zona baixa, elevação ao Arco e Campo de Ourique e elevação à zona alta e Penha de França (a partir de 1932, altura da construção do reservatório da Penha). A partir de 1908, o crescimento populacional da cidade exigia já alterações significativas nos sistemas de condução das águas. Manteve-se ainda, como era natural, o abastecimento do Alviela mas, a partir de 1932-33, montou-se uma nova captação de 20

águas a partir do rio Tejo, cujas águas eram, igualmente, conduzidas ao Reservatório dos Barbadinhos .

As Máquinas a Vapor Conforme já foi referido, a localização escolhida pela Companhia das Águas de Lisboa para o conjunto de edifícios de recepção das águas, foi a cerca do então extinto convento dos Barbadinhos Italianos. 20  FOLGADO, Deolinda, CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente, Guia do Património Industrial. Lisboa: Livros Horizonte, 1999, p. 51

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“Sala das machinas” Foto de Francesco Rocchini, 1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

Assim, para este efeito, foi construída, para além do Reservatório já abordado, uma Estação Elevatória com máquinas a vapor fornecidas pela casa Windsor & Fils, de Rouen, na Normandia (França), segundo contrato firmado à semelhança do que havia sido estabelecido quando da aquisição, em 1868, das máquinas para a Estação Elevatória da Praia. O edifício foi construído pela Companhia das Águas, de acordo com as prescrições dos fabricantes das máquinas, e compunha-se de vários corpos: Depois de passados os reservatórios, levanta-se a casa das máquinas. A primeira casa tem dois pavimentos. Entra-se para ela e sai-se dela por dois portões de ferro, fabricados na oficina da Companhia. É iluminada pela parte anterior por três janelas e pela parte posterior por uma grande janela que dá luz ao andar superior, ambas de armação de ferro, e obra da mesma oficina. No pavimento inferior estão as bombas de quatro máquinas, datadas de 1876-1889 (inicialmente eram três sendo a quarta adicionada em 1889 e era em tudo idêntica às restantes mas um pouco menos potente). Para cada máquina há dois corpos de bombas, um grande reservatório de ar, e outro mais pequeno em cada inflexão dos tubos, munidos todos de torneiras para aspiração do ar. Cada máquina (de 120 cavalos) absorve a água do reservatório por meio de um tubo, e transmite-a para o exterior por meio de outro. BARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  39


Os novos chafarizes do século XIX 1 O surto demográfico dos finais do século XIX, associado ao desenvolvimento da industrialização, originou a alteração dos limites da cidade, levando a um constante reajustamento dos mesmos de forma a alojar a nova população que chega à urbe em virtude da criação de novos postos de trabalho. No período compreendido entre 1886 e 1913 destacam-se a construção de 14 novos chafarizes (Chafariz no Campo de Santa Clara, Chafariz na Azinhaga das Salgadas, Chafariz no Braço de Prata, Chafariz na Estrada de Campolide, Chafariz no Largo da Alameda do Beato, Chafariz na Rua Vale Formoso, Chafariz na Travessa da Ilha do Grilo, Chafariz da Calçada dos Barbadinhos, Chafariz na Calçada das Lages, Chafariz no Largo do Vigário, Chafariz na Rua Centieira nos Olivais, Chafariz de Telheiras, Chafariz na Palma de baixo, Chafariz do Lumiar) quase todos eles situados na zona oriental da cidade, tornada cada vez mais um local de fábricas e armazéns. Da sua análise podemos concluir que se tratam de peças de tipo semelhante, sem qualquer imponência/beleza, destinadas ao abastecimento de água a moradores. A sua construção está intimamente ligada ao povoamento e desenvolvimento de novas áreas de Lisboa outrora consideradas subúrbios. Deste modo, e graças às soluções então adoptadas (chegada das águas do Alviela) foi possível estender o abastecimento de água a essas zonas limítrofes. Os pedidos podiam ser feitos por habitantes que se faziam representar junto da Câmara, como no caso do Chafariz da Calçada dos Barbadinhos; por entidades representativas da vontade local, como no caso do Chafariz do Largo do Vigário (a pedido da Junta Paroquial); ou por decisão camarária como é o caso do Chafariz da Centieira ou do Chafariz do Largo da Alameda do Beato. Todos estes chafarizes apresentam um denominador comum – a perda da monumentalidade comparativamente com os chafarizes do Aqueduto das Águas Livres, a favor da funcionalidade, uma vez que se destinavam essencialmente a servir bairros novos e de uma maneira geral populações carenciadas.

Chafariz da Calçada dos Barbadinhos

São constituídos na sua maioria por um marco fontanário de alvenaria ou de ferro fundido, munido de uma torneira; ou sem marco fontanário apresentando simplesmente uma torneira nos chafarizes de encosto e formados por um ou dois tanques de pequenas dimensões, circulares, ovalados ou rectangulares.

Dentro de esta tipologia de chafarizes, salientamos, pela proximidade com a Estação Elevatória, o Chafariz da Calçada dos Barbadinhos, O projecto data de 1904 e situa-se no largo próximo da Igreja de Nª Senhora da Porciúncula (Freguesia de Santa Engrácia). Trata-se de um chafariz isolado,

1  NUNES, Isabel - Um estudo sobre os chafarizes de Lisboa - De 1886 a 1913, uma etapa no abastecimento de água a Lisboa, in LISBOA, Revista Municipal, 2.ª série, n.º 24, 1988.

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constituído por um tanque oval para serviço público, e de outro mais pequeno destinado a bebedouro de animais.


No segundo pavimento estão os cilindros de vapor, os volantes e os balanceiros, com um tecto que é uma espécie de plataforma, que serve para dar acesso aos balanceiros. Sobre esta move-se, longitudinalmente por umas corrediças, um enorme gancho de ferro, entre cujas faces gira um carrinho, munido de um grande moitão, podendo assim ser levado a qualquer ponto, para levantar qualquer peça. As máquinas são verticais de balanceiro, de condensação e de expansão variável, de dois cilindros, sistema Woolf. Cada uma das máquinas faz actuar um sistema de duas bombas conjugadas, servindo o ar dos reservatórios como de colchão à água que sai dos tubos. Cada uma das duas máquinas da frente pode levantar mais de trezentos metros cúbicos de água por hora à altura de 70 metros (a terceira pode levantar, no mesmo tempo, mais de quinhentos metros cúbicos de água, à altura de 43 metros, transmitindo-a para a zona inferior e levando-a para o Reservatório da Verónica, por um sifão de 970 metros de comprimento). As outras duas transmitem para a cisterna do Monte, à distância de 1.390 metros, de onde a água vai, pela acção da gravidade, directamente por um sifão de 2.700 metros de comprimento para o reservatório do Arco das Amoreiras, de onde se distribui para a zona média. Uma vez que cada máquina é independente de qualquer uma das outras, está o sistema delas de tal maneira combinado que, em caso de avaria ocasional que determine a suspensão do trabalho de uma delas, pode a terceira suprimir, sem transtorno ou inconveniente, essa suspensão. 21

Segue-se a esta, a casa das caldeiras  . As caldeiras estão marcadas à pressão de seis atmosferas e estão providas dos aparelhos de segurança e dos instrumentos necessários. Da casa das máquinas acede-se a ela, e o maquinista pode certificar-se a todo o momento do que ali se passa por meio de uma janela. A casa imediata é o depósito de carvão e lenha. Nas traseiras do edifício e ligada às caldeiras situava-se a chaminé, com 40 metros de altura e 1,8 m de diâmetro interior. Todo o conjunto estava protegido por pára-raios. Do conjunto patrimonial anteriormente descrito, já não subsiste nem a chaminé, nem a casa das caldeiras. A partir de 1950 para este espaço mudou-se o Museu da Água Manuel da Maia, o arquivo da CAL e os Laboratórios Centrais da EPAL. Nesta restruturação do espaço, então considerado industrial e já desactivado e adormecido, o edifício das Bombas que comporta a Sala das Máquinas foi poupado e valorizado. Em 1951 o Boletim dos Serviços Técnicos da Companhia das Águas de Lisboa referia sobre este assunto: «achou-se que, realmente, tais máquinas seriam dignas de figurar num museu […]» A preocupação da Companhia das Águas de Lisboa sempre foi com a colocação das máquinas a Vapor, tidas como elemento de excelência e valor patrimonial e técnico para a cidade e para o avanço técnico e industrial. Esta preocupação é desde logo visível no programa para a bênção e inauguração do Canal Alviela, aprovado a 25 de Setembro de 1880 e assinado pelo então Secretário da Assembleia Geral da Companhia das Águas de Lisboa, Joaquim Pires Junior, onde podemos ler no seu nº 4 «Sua Magestade digniar-se-há seguir depois á casa das machinas, e dar signal para ellas começarem o trabalho de elevação.» Mais à frente, no seu número 11º, podemos ainda ler « Outra girândola annunciará a bênção das machinas (…) Uma girândola annunciará o começo da marcha das machinas.».

21  O consumo de carvão regulava em 1,2 Kg por cavalo e por hora de trabalho. Cf Antes do Alviela. Lisboa: EPAL, s/d.

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Estação Elevatória dos Barbadinhos, caldeiras Alberto Carlos Lima. 1906. AML – cota N13200

Trespassa do relato dos preparativos, a importância atribuída às máquinas e à sua sala que foi palco de visita no dia da inauguração. Desde o início da construção da Estação Elevatória dos Barbadinhos, que é notória a preocupação dos Engenheiros da Companhia das Águas na instalação das máquinas «[…] adquiridas à casa Windsor & Fils e cujos bons serviços determinaram a 22

escolha desta firma para o fornecimento das dos Barbadinhos […] ». Do ponto de vista arquitectónico, este género de edifício – edifício máquina – é construído à volta da mesma, ou seja «Que ve23

nham as máquinas, e depois se tratará do edifício para as meter. » O edifício alto, que alberga as máquinas, é o corpo nobre e como tal é de melhor qualidade. O seu exterior é comedido, destacando-se ao nível inferior dois grandes portões (fachada e traseira) de ferro, construídos pelas oficinas metalúrgicas da Compa-

22  Antes do Alviela. Lisboa: EPAL, s/d. 23  Antes do Alviela. Lisboa: EPAL, s/d.

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Estação Elevatória dos Barbadinhos. Alberto Carlos Lima. 1900 AML – cota N13194

nhia das Águas. Ao nível do 1º piso, e de acordo com as instruções dos Engenheiros-Construtores, foram colocados três janelões geminados encimados pela inscrição ÁGUAS DE LISBOA, marcando bem a actividade industrial do edifício. Voltado para as traseiras foi colocado um grande janelão que se assemelha ao da fachada principal do Palácio de Cristal do Porto. Este aspecto, per si, poderia integrar este edifício na tipologia da arquitectura do ferro, no entanto, só depois de penetrar no interior da Sala das Máquinas e de analisar o seu património integrado - as Máquinas a Vapor, as suas guardas e decoração – é que nos apercebemos da inegável qualidade das estruturas aí presentes que nos remetem, essas sim, de uma forma inequívo24

ca, para a arquitectura vitoriana e para a arquitectura do ferro  . Desde logo, os janelões da Sala das Máquinas permitem a entrada de luz e ar abundante o que, se por um lado nos remete para as questões do higienismo da época da Regeneração, por outro lado dignificam e facilitam a leitura da sala, onde o ferro fundido, o latão, o vidro, o tijolo de burro e a madeira dos pavimentos e das camisas dos cilindros de vapor se conjugam, conferindo ao 24  FOLGADO, Deolinda, CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente, Guia do Património Industrial. Lisboa: Livros Horizonte, 1999, pp 47-55

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Estação Elevatória dos Barbadinhos Alberto Carlos Lima. 1906 Arquivo Municipal de Lisboa – cota N13200

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espaço um extraordinário valor estético que nos permite o enquadramento dentro da dominante estilística da época vitoriana. Esta nova arquitectura e forma de pensar, decorre de vários factores históricos e ideológicos dos quais destacamos, pela sua importância para o caso em análise, a vontade de desenvolver um gosto artístico consistente com a visão romântica de onde decorre o crescente gosto pelo gótico e pelos materiais regionais preservando as suas propriedades e cores. Na arquitectura, o edifício devia possuir uma unidade de linguagem que abarcasse todos os elementos de património integrado. Estes não deviam 25

possuir qualquer tipo de revestimento que escondesse a beleza e a coloração inerente ao material natural  . Na Sala das Máquinas, os elementos decorativos interiores encontram-se marcados por este revivalismo romântico, que tam26

bém caracterizou a arquitectura do ferro, revelando uma grande honestidade no uso e aplicação de materiais e decoração  . Para além da já abordada utilização do vidro e da madeira, presente no pavimento e na cobertura dos cilindros do vapor, a articulação entre as paredes da sala (em tijolo de burro aparente e reboco) e os engenhos a vapor constituídos por ligas de ferro e cobre, conferem-lhe uma riqueza decorativa de inegável beleza e valor estético de onde ressalta o elemento preponderante da 27

época – o ferro  . Este encontra-se presente quer na estrutura organizacional do espaço (vigas, colunas, chapas, etc.) quer na liga que constitui as máquinas (cilindros de vapor, volantes, condensadores, reguladores de velocidade etc.), emprestando à Sala das Máquinas a 28

autenticidade e o ambiente de uma instalação de bombagem da era do vapor da segunda metade do século XIX  . Devemos ainda salientar que, na decoração das guardas de protecção às máquinas e nas escadas (componentes não determinadas no contrato), a Companhia das Águas de Lisboa incorporou a utilização do ferro no âmbito de uma decoração Manuelina, reflectindo a preocupação da época na introdução de uma linguagem vernacular nestes edifícios. Estes trabalhos em ferro, os únicos produzidos artesanalmente pela Companhia das Águas de Lisboa, apresentam componentes artísticas únicas que se 29

identificam com o gosto do artesão aspecto este que é consistente com a visão romântica e com as expressões de arte vitoriana  . Ainda no interior da sala é possível observar colunas em ferro de capitéis e bases áticas em aço e fustes com caneluras pintados a preto. A ordem arquitectónica que marca o interior é a toscana, e esta não se fica pela colunas, pois é-nos permitida 30

observar também na sustentação das vigas que reproduz a lógica do entablamento clássico  . As Máquinas a Vapor foram destacadas no âmbito da classificação da Estação Elevatória enquanto CIP - Conjunto de Interes31

se Público, pela Portaria n.º 1176/2010, DR, 2.ª Série, n.º 248, de 14-12-2010  . A mesma Portaria inclui o nome da Estação Elevatória dos Barbadinhos na ZEP – Zona Especial de Protecção conjunta da Igreja da Porciúncula, do Convento dos Barbadinhos e do Palácio Palha.

25  Histórias e Tempos Revisitados em Expressões da Arte Vitoriana - Literatura e Historia – Actas do Colóquio Internacional. Porto, 2004, vol II, pp. 297-304 26  FOLGADO, Deolinda, CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente, Guia do Património Industrial. Lisboa: Livros Horizonte, 1999, pp 47-55 27  idem 28  idem 29  Mendes, José Amado - O ferro na história: das artes mecânicas às Belas-artes. Gestão e Desenvolvimento, 9. [l/d] 2000, pp. 301-318. 30  FOLGADO, Deolinda, CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente, Guia do Património Industrial. Lisboa: Livros Horizonte, 1999, pp 47-55 31  «A classificação da Estação Elevatória dos Barbadinhos abrange todos os valores patrimoniais que fazem parte do sistema de adução de águas que o aqueduto do Alviela ali, ainda hoje faz desembocar (o depósito de água dos Barbadinhos, a estação elevatória a vapor dos Barbadinhos, de 1880, e respectiva maquinaria, o edifício da estação elevatória eléctrica dos Barbadinhos, de 1928, e o jardim oitocentista onde se encontram implantadas essas instalações).»

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A Inauguração Nos finais do Verão de 1880 estava tudo pronto para a inauguração do aqueduto do Alviela. Os sifões haviam sido ensaiados. Houve rebentamento de alguns tubos, mas logo foram substituídos. Igualmente se procedeu ao ensaio das máquinas a vapor, tendo estas funcionado perfeitamente satisfazendo todas as condições do contrato. A inauguração teve lugar no dia 3 de Outubro, tendo a presença de Sua Magestade El-Rei D. Luís, do Regente El-Rei D. Fernando, do Infante D. Augusto, do Governo e dos representantes das Câmaras Municipais de Lisboa, Belém e Olivais. Estiveram ainda presentes pares do Reino, deputados, oficiais do exército e da armada, juízes, funcionários superiores dos vários Ministérios, corpo diplomático, accionistas da CAL e representantes da imprensa. Após a bênção solene do canal, do reservatório e das máquinas pelo Arcebispo de Mytelene, foi aberta a válvula do sifão 50, na cerca do convento de santos o novo, a fim de permitir a entrada das águas no reservatório. Logo de seguida foram postas em funcionamento as máquinas a vapor. Finda a cerimónia, teve lugar um banquete fornecido pelo Sr. Ferrari. À noite a Câmara Municipal iluminou o Jardim Público e o Largo do Pelourinho onde se situava a sede da CAL. Concluída com êxito a obra, manifestou a Câmara Municipal o seu apoio e o reconhecimento à CAL, dando o nome de Rua do Alviela ao caminho de acesso ao Recinto dos Barbadinhos. 46  |  BARBADINHOS Do Vapor ao Museu

Calçada dos Barbadinhos Em 2º plano pode observar-se a chaminé da estação elevatória em plena laboração Fotógrafo não identificado. 1898-1908 . Arquivo Municipal de Lisboa – cota N2072


Toda a festa de inauguração foi largamente noticiada, inclusive em crónicas de sabor humorístico por Rafael Bordalo Pinheiro em “O António Maria”. A título de exemplo deixamos a descrição feita a 15 de Outubro de 1880 no Occidente: «Chegou alfim o Alviella! E, com a breca! Se o alfim não se emprega nestes momentos solemnes quando é que se há de empregar! Foi uma festa brilhantíssima, excepcional, como excepcional era também o seu motivo. Alviellas não chegam para ahi todos os dias (…) era logico que se lhe fizesse uma recepção que sahisse dos nossos hábitos (…) e tal recepção fez-se. A companhia das aguas tinha-lhe preparado os seus aposentos na cerca dos Barbadinhos com todo o luxo e comodidade, e o Alviella teve a honra que só foi dada ao principe de Galles, de ser esperado (…) pelo Rei, pelo ministério, e por todas as altas personagens do paiz. O Alviella teve ainda mais o prazer de encontrar á sua chegada o sr. Arcebispo de Mytelene, e a sua côrte sacra (…). Era uma hora da tarde quando uma grande e estridente gyrandola de foguetes subiu para o ar, e o Alviella desceu para o reservatório das aguas da companhia. Deu-lhe a mão para ele saltar do seu cano, um camarista, por ordem d’el-rei, e o rio entrando no reservatório foi logo cumprimentar o estomago do ministério, e de alguns, poucos, espectadores curiosos d’agua (…). O sr. Arcebispo de Mytelene, esperava o rio á porta do reservatorio, e mal elle entrou, choveu-lhe um hyssope enfrascado em agua benta, processo homoepathico que deve ter espantado muito o bom rio, e que podia muito bem tel-o constipado, se a morosidade, já quasi legendaria, da sua viagem o não puzesse ao abrigo do mais pequeno vislumbre de suor. Chegado e baptizado o rio, a festa continuou; para muitos começou, e ninguém fez mais caso d’elle. A cêrca dos Barbadinhos apresentava um aspecto brilhante e alegre. Em frente dos reservatórios do Alviella erguiam-se dois elegantes pavilhões, ou um pavilhão com dois corpos, embandeirados, cheios de gente, e cheios d’iguarias. Na cabeça do pavilhão estava a meza real, servindo tambem de cabeça, ao grande buffete armado no resto da barraca. A meza real era mais elevada, tanto carpinteiramente como gastronomicamente falando (…). Na meza real comia-se sentado, na outra em pé, n’aquella a dois metros do chão, n’esta a um, n’aquella devorava-se pavão, n’esta peru (…). O lunch foi abundantissimo e delicado. A agua do Alviella parece-nos, pelo que vimos, uma agua com grandes virtudes medicinaes – abre extraordinariamente o apetite, e o sr. Ferrari que o diga. O serviço foi magnifico o que não é muito vulgar n’um buffete onde lunchão mil e duzentas pessoas e já ninguem se lembrava que tinha ido ali por causa da agua, e o desrolhar do champagne imitava um combate naval muito melhor do que o sr. José Rodrigues o imitou no Passeio publico, quando de repente a agua se quiz fazer lembrada e começou a fazer a todos os convidados, o mesmo 32

que o sr. Arcebispo de Mytelene fizera ao Alviella.»  . 32  Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro. 3º Anno – Volume III – nº 68. 1 de Novembro de 1880

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“Edificações da Companhia das Águas na Cerca dos Barbadinhos - Chegada do Alviela no dia 3 do corrente” Desenho de Isaias Newton in Revista O Occidente, 15 de Outuro de 1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)


Entrada das Águas Do Rio Alviela Em Lisboa

Festa Inaugural

in Diário de Notícias - 3 de Outubro de 1880 Á uma hora da tarde de hoje, como está destinado no programa oficial, o chefe de estado, por si, ou por um seu mandatário, depois de se haver realizado a cerimónia religiosa da bênção levantará a adufa do sifão nº51 do canal do Alviela, junto ao grande reservatório da chegada das águas, na cerca dos Barbadinhos e pouco depois as máquinas elevadoras farão correr nos canos gerais da cidade as excelentes águas desse rio, que a companhia nos traz da distância de 114 quilómetros e meio, ou seja cerca de 23 léguas, a começar das nascentes, ao pé de Alcanena, nos Ameais, concelho de Torres Novas. Saudámos com entranhado prazer este grande acontecimento. Saudámos o dia em que as águas do Alviela circulam nas artérias de Lisboa como o primeiro de um período de regeneração higiénica, de uma fase de reforma do regímen hidrológico, tão desejada e essencial à vida da grande população da capital. Na equação biológica entrou de vez o grande elemento fluido, a água um dos mais poderosos agentes da salubridade, e cuja importância se afirma ante o seu vasto predomínio, na constituição

de todos os seres naturais, orgânicos e inorgânicos. Desde o estado sólido, representado nessas enormes montanhas de gelo acumuladas sobre as regiões polares ou nos vastos lençóis de alvíssimos flocos de neve coroando as eminências do nosso planeta, do líquido constituído por essa enorme massa de água cobrindo o esferóide terrestre na relação de 270 para 100 da sua superfície até ao estado de vapor, influindo mui poderosamente na formação dos climas, a água é um meio fisiológico tão essencial à vida como o ar atmosférico, como a luz. Basta-se saber-se que mais de dois terços da superfície do globo são cobertos pelos mares; que em 75 quilogramas do peso médio do homem 50 são de água; que no glóbulo a água tem quatro quintos do seu peso, para desde logo se compreender como é altamente importante esse elemento nas suas relações com a higiene. Em tão naturais indicações se funda a importância da hidrologia nas grandes cidades, onde a água se procura para satisfazer um grande número de impreteríveis necessidades.

Pág. ant.

Panorâmica do recinto no dia da inauguração Gravura publicada , c. 1880

Convite formal para a inauguração xxxxxxxxxxxxxxxxx , c. 1880

As águas do rio Alviela trazidas a Lisboa na distância de 114.050 metros, através de importantes obras de arte, representa um dos mais noBARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  49


Recinto dos Barbadinhos - Construções efémeras para a cerimónia de inauguração Foto de Francesco Rocchini, 1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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táveis melhoramentos higiénicos da capital, nos tempos modernos. À pobreza hidrológica expressa no limitado número de 18 litros diários por habitante sucede não a opulência de 1.105 litros, como tem Roma, de 568 como tem New York, de 470, como Marselha, 400 Carcassone, 240 Dijon, mas a abundância que na estiagem dá o número de 40.000 metros cúbicos diários, ou 200 litros para cada habitante, quantidade relativamente superior á que tem Bordéus (176 litros), Paris (69), Lyon (85), Narbonne (85), Nantes (60), etc... Para que a higiene possa colher os grandiosos benefícios que a água proporciona á salubridade da capital, é necessário que os seus habitantes não tenham a falsa ideia de que só na posse de 40.000 metros cúbicos de água está a riqueza e utilidade, o benefício de tão precioso capital. É preciso ampliar as aplicações aos usos domésticos, ás indústrias com mais liberalidade que economia, com menos reserva do que franqueza, as limitadas relações que temos com a água tão diferentes das que nos legaram os dominadores, como o atestam inúmeros documentos ainda nos levam a considerar um banho real de água doce como um caso extraordinário da vida, ou como um expediente menos vulgar na terapêutica. Lisboa com 23.000 habitantes apenas possui quatro estabelecimentos de banhos, e destes só um se pode considerar como tal. A abundância, o asseio, bom gosto, conforto, preço acessível, os principais pontos a que todos devem satisfazer, são os que menos se atendem os que raro se encontram. Num grande abastecimento de águas, além do volume ou quantidade, há que atender muito

especialmente á qualidade, sobretudo quando se destina a alimento. As águas do Alviela conquanto ainda não sejam conhecidas quimicamente na qualidade e quantidade das substâncias minerais em dissolução, são consideradas boas, a análise pelo hidrotímetro, tendo dado o grau hidrotimétrico, 13 antes da estiagem, até Maio, e 16 na estiagem, até Setembro. Se a quantidade dos sais ferrosos por metro cúbico as tornam inferiores a algumas, como as que abastecem Lyon, Nantes, Bordéus, são todavia superiores a muitas das principais cidades da Europa, como Viena fornecida pelo Danúbio, Charenton pelo Marne, Ivry pelo Sena, Roma pelo Tibre. Não é natural que as primeiras águas correntes na canalização de Lisboa, tenham a pureza da origem, atendendo á sua passagem e demora nos aquedutos de alvenaria e ferro e por isso não convirá apreciá-las com rigor nas primeiras provas, em que a arte necessariamente há de turvar um pouco as propriedades naturais do Alviela.

“Programa para Benção e Inauguração do Canal Alviela” xxxxxxxxxxxxxxxxx , c. 1880

No fim de 12 anos de um trabalho aturado, lutando com grandes influências políticas e monetárias que duvidavam que se concluísse uma empresa de tanto custo e de tanto alcance; prejudicada com as inundações de 1876, que fizeram grandes estragos nos trabalhos concluídos e obrigaram a suspender o andamento da obra por causa dos desabamentos das trincheiras abertas e entradas de túneis que deixaram por muito tempo o terreno inacessível; vendo fugir os trabalhadores para o amanho das terras e os pedreiros para as obras dos particulares atraídos por salários fabulosos; obrigada a contratar operários nas ilhas e no Algarve; vergada ao peso enorme da multa BARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  51


“Estabelecimento das machinas. Fachadas lateral e posterior (Nascente e Norte)” Foto de Francesco Rocchini, 1880

Pág. seg.

“Estabelecimento das machinas. Fachadas principal e lateral (Sul e Nascente)” Foto de Francesco Rocchini, 1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

imposta pelo governo de 5.000$000 réis por mês enquanto se não concluísse o canal, multa de que foi aliviada pelo tribunal arbitral, em 7 de Julho de 1875, processo importantíssimo, que só ele bastaria para dar nome ao digno presidente da companhia, se ele já o não tivesse conquistado; sem protecção alguma do governo, que ia com mãos largas beneficiar empresas menos lucrativas e desamparara esta adiando de ano para ano o encanamento 52  |  BARBADINHOS Do Vapor ao Museu

obrigatório, uma das condições do contrato celebrado entre a companhia e o governo; apesar de todos estes reveses, a companhia das águas á testa da qual está um vulto respeitável e distinto, a alma e vida desta empresa, gloriosa hoje ao festejar a inauguração da sua monumental obra. Seria preciso um volume para escrever a história da companhia das águas e a narração das obras


do canal do Alviela, mas o pouco espaço de que dispomos nos obriga a narrar o mais resumidamente possível esse trabalho admirável do século actual. O Diário de Lisboa de 4 de Abril de 1868 publicava o seguinte decreto: “Atendendo ao que foi representado pelo Vis-

conde de Porto Covo da Bandeira, Francisco da Silva Melo Soares de Freitas, Visconde dos Olivais, Carlos Zeferino Pinto Coelho, Possidónio Augusto Possolo Picaluga e Sebastião José de Abreu, como representantes da empresa para o abastecimento das águas de Lisboa, com quem foi celebrado o contrato de 27 de Abril de 1867, aprovado pela carta de lei de 2 de Julho do mesmo ano; vista a lista da subscrição do capital soBARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  53


Alviela, Nascentes dos Olhos D'Água Foto, sem data (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

cial na importância de 5.000.000$000 (1); vistas as informações administrativas colhidas acerca da solvabilidade dos subscritores; visto o projecto dos estatutos, pelos quais a companhia se há de reger, aprovado em assembleia geral; vistos especialmente os artigos 5º, 17º, 28º, 48º e 131º dos mencionados estatutos; vista finalmente a condição 2ª e seus §§, do contrato já mencionado; dei por bem declarar definitivamente constituída a Companhia das Águas de Lisboa, para todos os efeitos do mesmo contrato, devendo porém os seus estatutos ser reduzidos a escritura pública e 54  |  BARBADINHOS Do Vapor ao Museu

publicados na folha oficial do governo, e bem assim registrados no registo público do comércio, nos termos da lei de 22 de Julho de 1867. Paço, 2 de Abril de 1868 – Rei – Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas.” Preenchidas as formalidades legais a companhia tomou posse das obras da companhia anterior, a quem fora rescindido o contrato, obras que conservou e aumentou, e reconhecendo mais tarde que a água que existia em Lisboa era muito diminuta para as necessidades da população e hi-


giene da cidade empreendeu vários estudos. Convidado a vir a Lisboa, para este fim, mr. Richard, hidrogeólogo francês, muito conhecido pelos importantes descobrimentos de água que tinha feito, tanto em França, como em Argel, em diferentes estados da Alemanha e na Rússia, visitou este senhor vários pontos da cidade, arredores, e percorreu Alenquer, Ota, Alviela até à serra de Minde. Pensou-se em introduzir as águas de Ota. Esta nascente está á altura de 28,21 m acima do nível do mar, e o ramal que se devia construir para estas águas entrarem no canal, que partiria do Alviela, media 1.596,1 m, e para poderem entrar no aqueduto principal era necessário serem elevadas a 16,3 m, o que seria feito com uma locomóvel de força de 20 cavalos, mas reconhecendo a companhia serem inúteis estas águas em atenção á grande quantidade que trazia o Alviela, desistia-se do aproveitamento daquela nascente e aprovou-se a do famoso Alviela.

As Nascentes No lugar da Louriceira, 5 ou 6 quilómetros de Pernes, a 3 de Alcanena, e a 2 das Amiais, debaixo de um ouriçado rochedo, nasce o rio Alviela. A aparência do rochedo por detrás da nascente assemelha-se a um castelo. Penetrando nas esvidades do rochedo encontram-se extensas galerias, tão escassas de ar que em muitas partes se apagam as luzes. Ao longo das galerias a abundância de matérias cristalizadas, de estalactites pendentes da abóbada, é tal que muitas vezes parecem querer tocar o chão. A penedia é toda coberta de hera e trepadeiras, e entre as fendas dos penedos brotam árvores frutíferas, tais como a figueira, oliveira,

etc. Ao sopé desta massa negra de pedra nasce o rio. São ali os olhos de água. Brotam do solo em ferventes cachões. De Verão nasce pacífico, mas de Inverno sai arrojado e furioso, produzindo ruído que se ouve a grande distância. A menos de 20 quilómetros de jornada faz-se tributário do Tejo, no qual se funde por baixo da quinta das Carreiras depois de fertilizar parte do campo junto da ponte do seu nome. Este rio arremessa-se da altura de 14 metros, formando uma magnífica cascata, conhecida pelo nome de Cascata de Pernes. As fontes brotam a 54,33 m acima do nível do mar. A altura foi determinada por meio de dois nivelamentos, partindo um do terraço do seminário de Santarém e outro da pirâmide geodésica do Cabeço do Choupo, que fica pouco mais de um quilómetro ao sul dos olhos d’água. A medição destas nascentes foi, em 1867, de 35.370 metros cúbicos; em 1870, 41.660; em 1874, 32.129; em 1875, 30.500; em 1876, 34.700, e em 1877, 52.486. Eram propriedade do Senhor Ernesto Augusto Ribeiro Henriques do Avelar, morgado do Alviela e foram compradas pela companhia em 6 de Março de 1875, conjuntamente com o terreno adjacente, pela quantia de 50.000$000 réis, sendo 40.000$000 em obrigações da companhia tomadas a 80$000 réis, e 10.000$000 em dinheiro.

Traçados O primitivo traçado, chamado O Alto, começava nas nascentes, seguia a meia encosta aos Amiais, passava ao norte do castelo de Alcanede, ao sul dos Mosteiros, vindo a Rio Maior, Alcoentre, Ota, Alenquer, Alhandra, Póvoa, Sacavém, junto ao moinho da Bela Vista, Panasqueira, Chelas, terminando o reservatório de distribuiBARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  55


Expropriações para o Canal Alviela Pormenor de um documento com cerca de 25 metros, 1877 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

ção junto ás portas do Arco do Cego. Com este traçado seria preciso montar nas nascentes três máquinas a vapor para a elevação das águas, e fazendo a companhia ver ao governo o imenso dispêndio em sustentar aquelas máquinas tão longe de Lisboa, mostrou desejos de estudar um novo traçado, empregando as máquinas em Lisboa em lugar de as colocar no Alviela. Este traçado media 103.831 m, 8 de extensão. O governo, por portaria de 10 de Agosto de 1869, concedeu á companhia o prazo de um ano para o estudo do novo traçado. Era 9 de Agosto do ano imediato remetia-se ao governo este novo estudo do traçado chamado baixo, muito mais preferível ao antigo, por ser mais fácil, mais barato e demandar a elevação de muito menor quantidade de água. Este traçado segue a margem direita do Alviela, passa a Pernes, atravessa a estrada desta vila e Santarém, segue a Vale de Lobos, ao vale que vai á ponte de Asseca, o qual atravessa em sifão, vai a Almoster, Alcoentrinho, vale de Ameixoeira, Ota, Alenquer, Vila Franca, Alhandra, Póvoa, e vem por meio de um sifão atravessar o rio de Sacavém entre as duas 56  |  BARBADINHOS Do Vapor ao Museu

pontes que ali existem, a da estrada e a do caminho de ferro, cujo sifão tem 30 metros de corda e 3 de flexa. Segue aos Olivais, Chelas, Xabregas e entra na cidade, atravessando o Vale de Lázaro Leitão, e vem terminar no reservatório da chegada na cerca extinto convento dos Barbadinhos, na calçada do mesmo nome, com a cota de 31,66 m. Este traçado mede 114.050 metros, mais 10.218,2 m do que o traçado primitivo. Os nivelamentos para a construção do canal foram todos determinados pelo sr. Frederico Howell.

Orçamentos Aprovado o traçado definitivo procedeu-se ao orçamento da importante obra, sendo a verba orçada a de 3.153.000$000 réis como se vai ver: Captagem das águas................... réis 14.000$000; Canal................................. réis 2.950.000$000; eservatórios de chegada R aos Barbadinhos........................ réis 45.000$000; Máquinas e acessórios................réis 100.000$000;


Canalização de ferro em Lisboa.....réis 44.000$000; Total.................................... réis 3.153.000$000

Acresceram depois o aumento da taxa do terreno para a construção das trincheiras, túneis, obras de arte e sifões, na importância de 61.415$200 réis, que, juntos aos 50.000$000 réis, pela compra das nascentes, elevou o orçamento a 3.624.415$200 réis, elaborando-se um outro mais desenvolvido, como se vê em seguida:

1 02 casas de serviço dos sifões sem torneira............................... réis 12.731$880; Ponte de Sacavém........................ réis 18.483$375; Reservatório da chegada.............. réis 45.000$000; Máquinas elevadoras e edifício respectivo..................réis 100.000$000; analização para ligar o reservatório C com a canalização de Lisboa.........réis 44.000$000;

Canal em trincheira..................réis 1.454.250$584; Em túnel.................................. réis 415.532$338; Em obras de arte........................ réis 236.796$607; Em sifão.................................. réis 818.766$544; ascentes dos olhos de água N e terreno em volta...................... réis 50.000$000; bras de captação dessas O nascentes................................. réis 14.000$000; 196 clarabóias de serviço no canal.....réis 22.544$105;

Uma expropriação a Alexandre Herculano....

5 2 aparelhos para desaguadouro do canal....................................réis 14.542$267;

Para a construção do Canal Alviela, procedeu-se a uma longa serie de expropriações. Em Março de 1877, estas atingem o escritor Alexandre Herculano..

5 1 casas de serviço dos sifões com torneira............................... réis 17.767$500;

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Total................................... réis 3.264.415$200.

As expropriações a fazer em todo o canal foram 736, na extensão de 114.050 metros, sendo 199 na 1ª secção, 154 na 2ª, 48 na 3ª, 203 na 4ª, e 132 na 5ª. Muitas foram feitas amigavelmente, algumas judicialmente, indo vários processos destas últimas findar no Supremo Tribunal de Justiça.

de 20 réis por cada 15 quilos, postos a bordo, e o transporte foi contratado com o armador João Aurélio de Bettencourt pelo preço de 20 réis, por cada 15 quilos. O cimento de Portland para o reboco do canal é da fábrica de Robins & Cª, de Londres, e foi contratado com os srs. Gruis & Viana, negociantes de Lisboa, pelo preço de 2$600 réis cada barrica de 174 quilos, posto pelos fornecedores a bordo do navio em Lisboa.

Escavações

Sifões

As escavações das trincheiras e túneis feitas por conta da companhia foram em 31 de Março de 1876 dados por empreitada a D. Ramon de Acha, desde a nascente até Vila Franca, obrigando-se este a ter os trabalhos concluídos dentro de 22 meses a contar da data do contrato, sendo o preço estipulado de 300 réis por cada metro cúbico escavado em trincheira, e réis 5$000 por cada metro corrente em túnel, deixando o empreiteiro em depósito 10% da importância das suas contas até que prefizesse a quantia de 9.000$000 réis, sendo-lhe restituída com o recebimento da última conta da empreitada, ou revertendo a favor da companhia na falta do cumprimento de qualquer das condições do contrato. Este empreiteiro em 1877 abandonou o trabalho, sublocando-o sem consentimento da companhia, vendo-se esta na necessidade de rescindir o contrato e continuar as escavações por sua conta.

O fornecimento de 15.590 metros de tubo de ferro para os sifões, orçados em réis 445.474$200, tendo cada tubo 4 metros úteis de comprimento por um metro de diâmetro inferior e 22 milímetros de espessura, foram contratados com os srs. Fortin Hermann & Cª, e com a companhia «des Fouderies et Forges de Torre-Noire, la Voulle et Bessèges », de Lyon. Com este contrato, a companhia aceitou também a proposta para o assentamento dos mesmos tubos por operários já conhecedores daquele género de trabalho. O preço estipulado foi de 112 francos por metro corrente de tubo direito, e de 232 francos por metro de tubo curvo. Em Setembro de 1878 estava concluído o assentamento desses tubos, sendo em seguida experimentados, e dando bom resultado. Esta valente tubagem é colocada nas subidas e descidas das vertentes e nos vales em que se reconheceu ser preferível por qualquer circunstância técnica ou económica ás obras de arte. Todas as secções de tubagem têm torneiras de descarga, e duas casas de sifões correspondentes, uma em cada extremidade. Estas casas têm uma adufa ou corrediça vertical que desce ou sobe segundo é necessário represar as águas ou dar-lhes saída para a conti-

Expropriações

Materiais O fornecimento de cal, pedra, areia e madeira foi dado por contrato a vários indivíduos, o de possolana dos Açores 18.000 toneladas, foi contratado com o sr. Visconde da Praia pelo preço 58  |  BARBADINHOS Do Vapor ao Museu


“Canal Alviella. Ponte Sifão sobre a valla d'Asseca” Desenho técnico, s.d. (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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nuação do canal. São estas casas construções de uma perfeição extrema, muitas delas de cantaria.

O Canal Já os leitores viram que o canal tem 114.050 metros de extensão. É ele composto de 249 trin-

“Cortes transversais do Canal Alviella” Desenho técnico, 1870 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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cheiras, cuja extensão total mede 75.712,2 m, de 94 túneis na extensão total de 17.537 metros; de 110 obras de arte (arcadas com canal), na extensão de 5.210,8 m; e 51 casas de serviço de sifão com torneira e 102 de serviço de sifões sem torneira. O canal é em forma elíptica, e a sua altura é desde as nascentes até aos Olivais de 1,90 m e dos Olivais a Lisboa de 1,80 m. A sua largura é de 1,30 m. É todo de alvenaria, tendo o interior rebocado com cimento hidráulico inglês na altura de 1,55 m, e resto rebocado com pozzolana dos Açores. O seu declive constante é de 0,12 m por quilómetro para todo o canal, e para os sifões uma perda

de carga de 0,6 m por quilómetro. Logo que o governo aprovou o traçado começaram os trabalhos de nivelamento para a colocação das balizas ou mestras. Esses trabalhos principiaram em Setembro e findaram em 25 de Novembro de 1871, e no dia 28 de Dezembro inauguraram-se os tra-

balhos de construção pelo ataque da trincheira nº 246, no ângulo 697 do traçado, na propriedade do sr. Gregório José de Oliveira, denominada o Olival da Ilha do Grilo, em Xabregas. Para maior desenvolvimento das obras, dividiu-se o comprimento do terreno em 5 secções, cada uma com o seu chefe de trabalhos e pessoal para a respectiva escrituração. Essas secções são estabelecidas da maneira seguinte: 1ª SECÇÃO


Começa nas nascentes e termina em Vale de Lobos, em frente da propriedade do falecido Alexandre Herculano. Tem de extensão 24.820 metros sendo 61 trincheiras na extensão de 15.539 metros; 26 túneis na de 4.688 metros; 25 obras de arte na de 1.325 metros, e 13 sifões na de 3.270 metros. As obras mais importantes nesta secção são a captagem das águas e um sifão que se mudou em arcada no vale da Louriceira, com 19 arcos de volta perfeita, tendo 5 metros de vão, sendo a altura do arco maior 8,64 m, e a do mais pequeno 1,25 m. A alvenaria nesta secção principiou em 1875. Foram chefes desta secção os srs. Carlos Agostinho da Costa, António Cluny, que actualmente é chefe da 4ª secção, e o sr. Torquato Lemos, que já tinha exercido idêntico lugar na 5ª secção. 2ª SECÇÃO

Principia em Vale de Lobos e termina em Alcoentrinho ou Manique. Tem de extensão 23.616 metros, sendo 56 trincheiras na extensão de 15.091,9 m, 23 túneis na de 3.242 metros, 25 obras de arte na de 1.472,1 m e 10 sifões na de 3.810 metros. A obra mais importante é o grande sifão da boca das Três Valas, perto de Almoster, que tem 1.150 metros de extensão. Foi começada em 11 de Junho de 1877 pelo sr. Frederico Howell, que a concluiu, e que fora já chefe da 5ª secção. É das secções mais rapidamente construídas, resultando disso uma economia para a companhia de cento e tantos contos de réis. 3ª SECÇÃO

Tem seu princípio em Alcoentrinho e o seu termo em Alenquer, com a extensão de 21.919 me-

tros, sendo 34 trincheiras na extensão de 14.690 metros, 19 túneis na de 4.287 metros, 10 obras de arte na de 707 metros e 11 sifões na de 2.235 metros. A sua obra mais importante é o grande túnel que atravessa a tapada da Torre Bela, propriedade do sr. D. Caetano de Bragança, perto de Alcoentre, o qual tem de extensão 2.698 metros, quasi o dobro do maior túnel das nossas linhas férreas. Este túnel, pela rescisão do contrato feito com D. Ramon d’Acha, foi continuado a perfurar pela companhia, tendo-o concluído o mineiro italiano, Manzon, que foi forçado a renovar todo o entroncamento, abrir novos poços para facilitar a perfuração, concluindo todo o trabalho em Janeiro de 1880. A alvenaria começou em 25 de Agosto de 1875. É chefe desta secção o sr. Eugénio Pereira da Silva, que a principiou e concluiu. 4ª SECÇÃO

Começa em Alenquer e termina na Verdelha, próximo a Alverca, com 22.527 metros de extensão, sendo 53 trincheiras com 16.217,3 m; 10 túneis na extensão de 2.284 metros; 32 obras de arte na extensão de 640,7 m; e 11 sifões na extensão de 3.385 metros. Começaram os trabalhos de alvenaria em Janeiro de 1878. Foram chefes desta secção o sr. Casimiro Crouset, que a principiou, e o sr. António Cluny, que a concluiu. 5ª SECÇÃO

Tem princípio na Verdelha e termina em Lisboa na cerca do extinto convento dos Barbadinhos, na calçada do mesmo nome, convento que fora fundado em 1739, em terreno dão por el-rei D. João V. Tem de extensão 21.168 metros, sendo 45 trincheiras na extensão de 14.176 metros, 16 túneis na BARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  61


“Reservatório de Chegada. Pia de Distribuição” Desenho técnico, c. 1878-1880

“Reservatório de Chegada. Barbadinhos” (pormenor) Desenho técnico, 1870 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

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de 3.036 metros; 18 obras de arte na de 5.210,8 m; e 11 sifões na de 2.890 metros. A obra mais importante desta secção é a ponte sifão sobre o rio de Sacavém, que passa entre as duas pontes que ali existem: a pública e a do caminho de ferro. Este sifão tem 830 metros de comprimento e começou-se a sua construção na ideia de o terreno se poder consolidar por meio de estacaria, mas os primeiros trabalhos demonstraram a insuficiência desse meio naquele local em consequência da qualidade compressível do terreno, e resolveuse que a ponte se edificasse sobre cilindros, obra que se torna demorada; e querendo a companhia inaugurar o canal e introduzir em Lisboa a suspirada água do Alviela, colocou-se o sifão provisoriamente por baixo do rio, para concluir mais tarde a ponte definitiva como está projectada e de que estão assentes os cilindros. A alvenaria nesta secção começou em Dezembro de 1871. Foram chefes os srs. Frederico Howell que foi encetar os trabalhos na 2ª secção; Torquato Lemos, que mais tarde foi continuar os trabalhos da 1ª secção; e António Cluny, que em seguida foi continuar as obras da 4ª secção, estando actualmente a secção entregue ao mestre geral da companhia, o sr. Joaquim Manuel, que já fizera os trabalhos de Belas.

Reservatório É edificado como já dissemos no limite do canal e na cerca dos Barbadinhos. É de alvenaria hidráulica, um tanque quadrilongo abobadado sendo as arcadas de volta abatida, apoiadas num grande número de pilares de cantaria em disposição artística. As paredes são independentes da abóbada, e divididas em dois compartimentos. Desce-se para ele por uma escada de pedra e é ilu-

minado por uma série de lucarnas por onde igualmente recebe o ar. A sua capacidade é de 12.000 metros, mais 6.540 metros de que o reservatório das Amoreiras, pertence ao antigo aqueduto e as máquinas poderão elevar em 16 horas toda a água recebida do Alviela num dia (20.000 metros cúbicos ou 30.000 quando for necessário). A altura da água no reservatório será de 4 metros, ficando o seu fundo a 27,66 m acima do nível do mar. As águas deste reservatório hão de servir 3 das 4 zonas de distribuição das águas em que a cidade é dividida. Uma, a zona alta, é servida com as águas altas, que já corriam em Lisboa, pelo reservatório do Pombal, junto da penitenciária. As outras 3, a zona média e a zona baixa, dividida em parte superior e parte inferior, é que é destinado o Alviela. A parte inferior da zona baixa receberá essas águas directamente do reservatório dos Barbadinhos sem o auxílio das máquinas, porque o seu nível assim o permite. A parte superior da zona baixa e á zona média é que as águas serão elevadas pelas máquinas, sendo metade dessas águas elevadas ao reservatório do Arco, fronteiro ao palácio da srª Condessa de Anadia por, canalização especial e que já está há muito assente; e um quarto elevado ao reservatório da Verónica, estabelecido na travessa da mesma denominação, por canalização especial, que ainda não está assente, por se reconhecer não ser por enquanto de absoluta necessidade. Este reservatório foi construído sob direcção do sr. Frederico Howell.

Máquinas São 3 as máquinas destinadas à elevação das águas, da força de 120 cavalos cada uma, fabricaBARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  63


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das e assentes pela casa Windsor & Fils, de Rouen, a mesma que forneceu as máquinas de elevação das águas orientais assentes no edifício da Praia. O seu custo foi de 375.000 francos ou 67.500$000 réis, máquinas que já foram experimentadas na presença do sr. Windsor e que deram bom resultado. As máquinas são verticais, de balanceiro de dois cilindros, com invólucro fundido de sistema Wolf. Cada uma faz mover duas bombas verticais. Uma pode elevar um volume de água de 10.000 metros cúbicos em 24 horas até 48 metros de altura, ou 139 litros por segundo; as outras podem elevar colectivamente 12.000 metros cúbicos de água em 24 horas a 77 metros de altura. São servidas por cinco geradores de vapor de forma cilíndrica. Cada máquina elevatória tem um reservatório de ar, com manómetro indicador da pressão e tubo indicador de nível de água, tendo também os tubos de aspiração das bombas, reservatórios de ar. O consumo de carvão está orçado em 1.200 gramas por hora e por cavalo vapor. Estas máquinas e respectivas caldeiras e depósitos estão colocados em quatro edifícios conjuntos ao lado do reservatório; um, que tem a forma de pavilhão acastelado e no qual estão as máquinas, mede 19,20 m de alto por 11,50 m de largo e apresenta dois pavimentos, iluminados por uma sacada de 3 janelas e janelas laterais, lendo-se no frontispício este dístico: Águas de Lisboa; e três que se prolongam para o lado esquerdo na forma de grandes barracões, com janelas e portas de cantaria, medindo cada um 7,15 m de largo e pouco mais ou menos de 9 m de altura, servindo dois ás caldeiras e um de depósito de carvão. A cobertura é de telha de Marselha sobre vastas charpentes de

ferro. São dominadas por uma magnífica chaminé de tijolo que tem 1,8 m de diâmetro e 38,8 m de altura. Tanto o pavilhão das máquinas como os três edifícios e a chaminé são defendidos por pára-raios. Todas as fundações das máquinas e geradores, os edifícios, oficinas, salas de máquinas etc., foram feitos sob a direcção dos distintos engenheiros da companhia, os srs. Joaquim de Paiva Cabral Couceiro e Joaquim Pires de Sousa Gomes, dedicando-se mais este último á construção especial do canal do Alviela que teve o prazer de o começar e a satisfação de o ver concluído.

Pág. ant.

“Alcado principal” das máquinas a vapor dos Barbadinhos Desenho técnico, c. 1878-1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

Nunca será suficientemente encarecido o benefício que a companhia traz à cidade. O autor do Gabinete Histórico, encarecendo a utilidade do Aqueduto das Águas Livres, que D. João V mandara construir para acudir ás necessidades crescentes da população de Lisboa, meados do século passado, diz: “Se Lisboa é grande, se é populosa, só a esta obra se deveu. Sem esta providência, Lisboa jamais passaria dos limites do bairro de Alfama, onde somente havia 4 chafarizes, alguns poços e cisternas; todo o resto da cidade que hoje (1748) se vê povoado eram campos, e neles somente se viam poucas casas, e as mais delas eram conventos”. E todavia a obra de D. João V, obra inquestionavelmente grandiosa e colossal para o seu tempo, apenas poderia hoje escassamente alimentar de água a quarta parte da população da cidade. Essa obra que o brigadeiro Manuel da Maia riscou e desenhou levou a construir dezanove anos, desde 1729 até 1748. Para auxiliar a feitura do aqueduto lançou-se um imposto de 60 réis em cada alqueire de sal e 50 em cada pano de palha. BARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  65


“Casa das Caldeiras”  Foto de Francesco Rocchini, 1880 (AHEPAL - Arquivo Histórico da EPAL)

No meio desta festa, que é das mais legítimas, e em que toda a cidade rejubila, sobressai um vulto e um nome, que anda na fantasia na boca de todos. É o Pinto Coelho, desse homem enérgi66  |  BARBADINHOS Do Vapor ao Museu

co e perseverante a quem a companhia deve a sua existência e o canal a sua feitura, porque foi ele a vontade impulsora que proferiu o invencível, o que atraiu ao redor de si o núcleo dos coopera-


dores decididos, o que acendeu a fé nos espíritos duvidosos, o que levou a crença aos capitães portugueses, exclusivamente assinados a este melhoramento, o que venceu as enormes dificuldades, removeu todos os atritos, lutou com uma impopularidade que as circunstâncias tornaram por vezes impertinente, e até ameaçadora, se opôs ás decretações omnipotentes dos poderes públicos com superior talento, advogando em todas as estações os interesses da companhia com uma perícia e em sucesso verdadeiramente espantosos, ele enfim, o general imperturbável dessa campanha de 12 anos em que uma só frase sua valia ás vezes as mais entusiásticas proclamações dos guerreiros mais audazes contra todas as forças congregadas ao redor da sua empresa, pois enquanto clamava ás multidões sedentas: -Eu matarei a sede e salvarei a higiene da cidade. Levava o alento aos accionistas desanimados, dizendo: -o futuro da companhia está na torneira. É preciso pagar esta homenagem a quem de direito se deva. E agrupar em torno do nome do doutíssimo jurisconsulto, o orador eloquentíssimo da tribuna política e do foro, do ilustre caudilho de uma política decaída e sempre em luta e do notável cidadão, os nomes dos que mais activamente e durante mais tempo foram os seus companheiros e acessores; o Visconde dos Olivais, a quem a morte recente não deixou gozar a glória de ver concluída a obra por que tanto pugnara; o Visconde da Bela Vista que tem essa felicidade com o dr. José Vaz Monteiro, médico estimado e agricultor utilíssimo que incessantemente propaga nos campos com a palavra e com o exemplo os progressos que dão o impulso á que é por exce-

lência a arte da paz; o Visconde Arriaga, o antigo parlamentar, que tem tomado a iniciativa de tantas medidas úteis ao desenvolvimento das nossas colónias, em cujos aperfeiçoamentos lida com tão sincero patriotismo; o conselheiro Fonseca, que, por ser dos mais recentes obreiros não é dos a quem menos se deve; e enfim, e por não alongar a lista, porque há muito obscuro cooperador a quem os registos íntimos da companhia dão o galardão da dedicação que lhe consagraram poremos ainda em relevo esses dois vultos simpáticos, esses dois caracteres digníssimos, esses dois espíritos de uma ilustração profissional não vulgar, que honram a corporação dos engenheiros civis portugueses e que nas obras imensas do canal, nas casas dos sifões e nas formosíssimas e colossais oficinas ou depósitos das máquinas e nos vastos reservatórios, deixam o atestado inconcusso do seu saber e da sua superioridade, Joaquim Pires de Sousa Gomes e Joaquim de Paiva Cabral Couceiro, um e outro alunos beneméritos das nossas escolas, tendo aquele além disso, os seus diplomas científicos ratificados pelo lisonjeiro voto da escola de pontes e calçadas de Paris. Por portaria de ante homem foi autorizada a companhia das águas a fazer uso do canal do Alviela para abastecimento da capital durante a actual estiagem, sujeitando-se a satisfazer uma condição constante da parte do relatório da comissão nomeada para examinar as obras do referido canal. Uma força da Infantaria 5, com a música, fará hoje a guarda de honra nos Barbadinhos, por ocasião da inauguração das águas do Alviela. 3 de Abril de 1880 BARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  67


3

| Barbadinhos do Vapor ao Museu


O

conjunto arquitetónico da antiga Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, inaugurado em 1880 e desativWa-

do no final da década de 1920, representa um importante testemunho no contexto do património histórico e cultural relacionado com o abastecimento de água e com a industrialização da cidade de Lisboa. O edifício onde ainda se encontram instaladas as bombas e máquinas a vapor é, desde 1987, parte integrante do Museu da Água da EPAL. O tema escolhido para esta publicação “Barbadinhos: Do Vapor ao Museu”, pretende ir ao encontro da memória de uma empresa centenária como é a EPAL, que soube salvaguardar, preservar e partilhar tão importante património museológico. Neste enquadramento, tornou-se um espaço de grande valia em termos de conhecimento, interpretação, conservação e valorização industrial. Este precioso monumento, consubstanciado iconograficamente nas páginas deste livro, é atualmente um dos raros exemplos no domínio da arqueologia industrial. A Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos é por isso um ativo incontornável da herança cultural europeia. A testemunhar este facto, o Museu da Água da EPAL, recebeu em 1990, o Prémio do Museu do Conselho da Europa. Como é do conhecimento público, o Museu da Água da EPAL surge como um dos primeiros equipamentos museológicos, no panorama da museologia empresarial. Tutelado pela EPAL, foi inaugurado no dia 1 de Outubro de 1987, com a missão de preservar e divulgar a memória do trabalho desenvolvido, em diferentes épocas históricas, em prol do abastecimento de água á cidade de Lisboa, desde a presença romana até aos nossos dias. No entanto, em 1919, a CAL- Companhia das Águas de Lisboa, decidiu criar o serviço de Biblioteca e Museu que, na essência, permitiu recolher e organizar diverso acervo museológico que, mais tarde, viria a integrar as coleções expositivas do primeiro museu dedicado à água. BARBADINHOS Do Vapor ao Museu   |  69


Este conjunto de objetos, relacionados com atividade da Companhia e constituído principalmente por diferentes tipos de canalizações, contadores, torneiras, ferramentas, maquetas e fotografias de recintos, entre outros documentos de reconhecido interesse museológico, foi inicialmente instalado numa sala do edifício sede da atual EPAL, até princípios da década de cinquenta. Na realidade, à medida que o acervo aumentava, tornou-se urgente encontrar um espaço condigno onde se pudesse reunir e apresentar a já considerável coleção de objetos, permitindo a visita de especialistas e curiosos na área do abastecimento de água. Em meados da década de cinquenta, na antiga Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, após ter sido desmantelada o conjunto das fornalhas, constituído por cinco caldeiras a vapor, todo o património museológico que se encontrava em depósito na Avenida da Liberdade, foi transferido para a referida sala, então adaptada para o efeito. A partir desta altura, o recinto dos Barbadinhos passava a contar oficialmente com o espaço museu da Companhia das Águas de Lisboa que, por sua vez, integrava o edifício onde ainda se encontram instaladas, desde finais do século XIX, as bombas e as máquinas a vapor. A escolha do nome para o novo espaço museológico, recaiu na figura do Brigadeiro Manuel da Maia, o que serviu para homenagear um dos mais notáveis engenheiros militares portugueses do século XVIII, o qual se destacou na projeção e construção do Aqueduto das Águas Livres. Deste modo, o espaço museológico passou a ser designado por Museu Manuel da Maia. Nas décadas de sessenta e setenta, a sala de exposição permanente apresentava diversos objetos relacionados com a atividade e percurso histórico da Companhia, evidenciando através de diferentes coleções uma museologia empresarial sustentada pelo trabalho de recolha, inventariação, catalogação e exposição. Nesta época iniciaram-se as primeiras visitas escolares organizadas ao museu. No final da década de setenta é criado o Serviço de Divulgação e Museu, que se dedica a preservar o acervo museológico já existente e a inventariar os novos objetos que viriam a enriquecer a coleção do museu. Por outro lado, através deste serviço tem inicio algumas atividades lúdicas e culturais, envolvendo os trabalhadores da empresa e de outros públicos visitantes. Nos primeiros anos da década de oitenta, surgem orientações precisas, por parte da Administração da empresa para se constituir um novo museu. Este 70  |  BARBADINHOS Do Vapor ao Museu

Prémio do Museu de Conselho da Europa 1990


projeto museológico, deveria ser apresentado através de uma nova narrativa expositiva, representando os principais momentos relacionados com a história do abastecimento de água à cidade de Lisboa. Em 1985, é criado o Serviço de Museu e Aqueduto das Águas Livres, tendo sido de imediato constituído um grupo de trabalho para o acompanhamento das obras e definição do novo percurso museológico. No período de três anos, desenvolvemse os trabalhos e instala-se na primitiva sala de exposição, aquele que viria ser o Museu da Água de Manuel da Maia o qual, após a sua inauguração, permaneceu em funcionamento até aos dias de hoje. Na década de noventa surgem dois novos serviços, responsáveis pela gestão do Museu da Água, integrados no Gabinete de Imagem e Comunicação. Em 1991, foi criado o Núcleo Histórico- Cultural que, em 1997, passou a ser designado por Serviço de Comunicação Cultural. A partir de então o museu fortalece o seu estatuto como espaço e ativo cultural da cidade de Lisboa, através de múltiplas iniciativas culturais realizadas nos seus quatro núcleos, nomeadamente o Aqueduto das Águas Livres (travessia sobre o Vale de Alcântara), o Reservatório da Mãe d´Água das Amoreiras, o Reservatório da Patriarcal, recuperado para fins culturais, desde 1994, ano em que se realiza Lisboa Capital Europeia da Cultura e, finalmente, a Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos. Para além de visitas guiadas com diferentes públicos, a realização de exposições de arte plásticas, concertos, bailados, teatro, conferências, entre outros eventos de cariz cultural, projetam o museu quer nacional quer internacionalmente. Neste contexto, desde a sua inauguração até à atualidade, os espaços que integram o Museu da Água da EPAL, que o ano passado celebrou o seu 25º aniversário, já mereceu a visita de mais de um milhão de pessoas.

Pedro Inácio Coordenador Museu da Água da EPAL

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piso 0

| Galeria das bombas


Págs esq. e dir.

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Pormenor da galeria das Bombas de vapor


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Corredor da galeria e pormenores das bombas de aspiração e compressão

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O

olhar museológico no Museu da Água da EPAL, na Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, seleciona

e privilegia o património arquitetónico do edifício e a sala das máquinas a vapor. Estamos perante um motivo forte para qualquer turista que venha a Lisboa coloque na sua agenda a visita a este espaço museológico da arquitetura e da indústria. Estão aqui identificadas três viagens: a viagem do Canal do Alviela, a viagem à história do abastecimento de água à cidade de Lisboa e a viagem da industrialização. O percurso do Canal do Alviela ainda hoje é uma lição do enquadramento arquitetónico na paisagem, quer rural quer urbana, desde a nascente do Alviela até aos Barbadinhos: “Tout ce trajet est parsemé d’oeuvres d’art.” (1898) O Museu ajuda a compreender melhor o presente da Empresa, relatando todo o seu historial e dinâmica ao serviço do cidadão: empresa de cidadania. Não é apenas um mostruário ou uma vitrina: é um testemunho de um passado que se integra na história de uma comunidade e de um serviço público que acompanha o desenvolvimento dos centros urbanos. Março 2013 António Maia Nabais Museólogo e Historiador

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piso 1

| Galeria das mรกquinas


Pormenor da decoração das guardas das máquinas a vapor

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Vista geral da sala das máquinas

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Manómetro de regulação de vácuo e contador de revoluções

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Pormenores da arquitectura do ferro - colunas de suporte Fonte de alimentação Válvula de entrada de vapor para os cilindros duplos Registador de revoluções

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A

o organizar em 2008 o segundo volume de EPAL - Iconografia Histórica, integralmente

últimas entretanto desaparecidas nos anos 50 do século passado) e a própria cerimónia da inauguração

dedicado à fotografia e recorrendo exclusivamente a

real do recinto dos Barbadinhos. Estas albuminas

documentação existente nos arquivos da empresa,

confirmam plenamente a asserção de Elizabeth

incluí, como um dos capítulos, a reprodução

Edwards em recente publicação: “photography could

integral do álbum Canal do Alviella / Inauguração

be harnessed as a form of collective cultural and

1

2

/ 3 de Outubro de 1880  . Trata-se de um volume

historical memory for the benefit of the future”.

encadernado com dez albuminas (26,3x17,9 cm)

A preservação da memória da estação elevatória

montadas em cartão devidas a Francesco Rocchini

a vapor dos Barbadinhos (que se homenageia com

(1820-1895), esse marceneiro italiano chegado

este livro) tem nessas fotografias de Francesco

a Portugal na década de 40 do século XIX como

Rocchini mais um objecto museológico (F. Bragança

fabricante de máquinas fotográficas e que haveria

Gil escreveu em 1992 que “no âmbito da museologia

de ficar conhecido sobretudo pelos seus álbuns com

actual tudo pode ser, em princípio, considerado como

albuminas de vistas e monumentos, como aquele

objecto de museu”  ) que emparceira condignamente

panorama de Lisboa tirado do Castelo de S. Jorge (c.

com os magníficos desenhos, plantas, alçados e cortes

1868-70) ou a serena vista do Aqueduto as Águas

coloridos das instalações e das máquinas  que se

Livres (c. 1870).

guardam no Arquivo Histórico da EPAL, de par com as

As suas fotografias dos Barbadinhos fascinaram-

sobrevivências do próprio edifício e dos equipamentos

me então (como ainda hoje) pelo seu grande

– testemunhos de particular raridade e valia no campo

valor documental, i.e., pela informação que nos

do nosso património industrial.

facultam sobre o edifício então erguido (aí chamado “estabelecimento das machinas”), os equipamentos que este albergava (as “machinas” elevatórias de Windsor & Fils de Rouen e as cinco caldeiras, estas 1  Paulo Oliveira Ramos, EPAL - Iconografia Histórica, vol. II, Lisboa, Epal, 2008, pp. 31-42

3

4

Paulo Oliveira Ramos Professor Auxiliar de História e Estudos do Património da Universidade Aberta Membro Integrado do Instituto de História da Arte (IHA) da FCSH da Universidade Nova de Lisboa 2  Elizabeth Edwards, The Camera as Historian. Amateur Photographers and Historical Imagination, 1885-1918, Durham & London, Duke University Press, 2012, p. XI. 3  Fernando Bragança Gil, “O Objecto como gerador de informação”, in Maria Beatriz Rocha-Trindade (coord.), Iniciação à Museologia, Lisboa, Universidade Aberta, 1992, p. 79. 4  Ver Paulo Oliveira Ramos, EPAL - Iconografia Histórica, vol. I, Lisboa, Epal, 2007, pp. 233-244

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piso 2

| Galeria dos balanceiros


Vista geral da galeria dos balanceiros

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Pormenor de um dos quatro balanceiros

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Pormenor da ponte rolante e do guincho

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Vista geral da galeria

Pág. seg.

Pormenor do janelão norte

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Figuras Históricas António Maria de Fontes Pereira de Melo (1819-1887)

Foi um dos principais políticos portugueses da segunda metade do século XIX. Depois de um período de agitação política que marcou a primeira metade do século XIX, teve início em 1851 uma nova etapa da monarquia constitucional portuguesa. Esse período foi chamado Regeneração, pois os governos tentaram recuperar o atraso em que Portugal vivia em relação a outros países da Europa, através da modernização da administração e do desenvolvimento económico do país. No primeiro governo da Regeneração foi criado um novo ministério, o das Obras Públicas, do qual Fontes Pereira Melo se encarregou. Como ministro e chefe de governo, aumentou o número de estradas, construiu o primeiro troço do caminho-de-ferro, que ligava Lisboa ao Carregado, iniciando a construção de outros dois (Vendas Novas e Sintra). Além dessas obras, iniciou a revolução dos transportes e das comunicações inaugurando carreiras regulares de barcos a vapor, os serviços postais e as redes telefónicas e ainda a primeira linha telegráfica. Promoveu ainda o estudo da indústria e da agricultura em Portugal, fundando o Instituto Industrial e o Instituto Agrícola. A sua promoção das obras públicas ficou conhecida como o Fontismo. Par além das obras realizadas e de outras que só depois se executaram, foram também por ele decretadas ou iniciadas neste período, a renovação do abastecimento e distribuição de água de Lisboa.

Carlos Zeferino Pinto Coelho (1819-1893)

Em 1843, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e começou imediatamente a sua carreira política ao inscrever-se como militante do Partido Legitimista e integrar uma comissão de legitimistas que se encontravam regularmente com D. Miguel, em Londres. Entre 1857 e 1866, foi eleito deputado por Viana do Castelo, Póvoa do Lanhoso Braga. Para além das suas funções políticas, foi nomeado como primeiro presidente da Direção da Companhia das Águas de Lisboa, cargo que ocupou, entre 1868 e 1893. Foi também juiz de fora e corregedor em Beja e desembargador na Relação de Lisboa. Foi ainda presidente da Associação dos Advogados de Lisboa e da Assembleia Geral do Banco de Portugal. Carlos Zeferino Pinto Coelho, assistiu à inauguração do Canal do Alviela, no palanque real, instalado nos Barbadinhos, no dia entre 3 de outubro de 1880.

D. Luís I (1838-1889)

31º Rei de Portugal. Herdou a coroa em Novembro de 1861, sucedendo ao seu irmão Pedro V por este não deixar descendência, tendo sido aclamado rei, a 22 de Dezembro do mesmo ano. De temperamento calmo e conciliador, foi um modelo de monarca constitucional, respeitador escrupuloso das liberdades públicas. Fértil em acontecimentos, é no reinado de D. Luís que são fundados alguns dos partidos políticos portugueses: o Partido Reformista (1865), que ascendeu ao poder em 1868, o Partido Socialista Português (1875), com o nome de Partido Operário Socialista e o Partido Progressista (1876), que chega ao poder em 1879. Durante o seu reinado merece especial destaque o início das obras dos portos de Lisboa e de Leixões, o alargamento da rede de estradas e do caminho-de-ferro, a construção do Palácio de Cristal, no Porto, a abolição da pena de morte para os crimes civis, a abolição da escravatura no Reino de Portugal e a publicação do primeiro Código Civil. No dia 3 de Outubro de 1880, assistiu na companhia do seu pai, D. Fernando II de Portugal, à inauguração solene do Canal Alviela, no recinto dos Barbadinhos.

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Frederico Ressano Garcia (1847-1911)

Aluno brilhante, conseguiu, por concurso público, obter transferência para a École Imperiale des Ponts et Chaussées, de Paris, onde concluiu o curso de engenharia de pontes e calçadas no ano de 1869. A partir de 1874 foi nomeado engenheiro da Câmara Municipal de Lisboa, lugar que acumulou, a partir de 1880, com o de professor lente na Escola do Exército. Na execução do seu plano de expansão e melhoria da salubridade da cidade, projetou e conduziu a construção da Avenida da Liberdade, inaugurada em 1879, da Praça Marquês de Pombal, da Avenida 24 de Julho e do Mercado da Ribeira Nova. São também da sua iniciativa os novos bairros de Campo de Ourique e da Estefânia e o vasto conjunto de avenidas, ruas, bairros e parques sitos entre a Praça Marquês de Pombal e o Campo Grande. Na fase final da sua vida, foi nomeado diretor-delegado da Companhia das Águas de Lisboa, entre 1894 até ao ano da sua morte. Foi também nomeado comissário régio e presidente da comissão que organizou a participação de Portugal na Exposição Mundial de 1900, realizada em Paris.

Joaquim Pires de Sousa Gomes (1836-1912)

Engenheiro e administrador de empresas. Concluiu o bacharelato em Matemática na Universidade de Coimbra, em 1856. Dois anos depois, terminava o curso da arma de Infantaria na Escola do Exército. Entre 1860 e 1863, frequentou a Escola de Pontes e Calçadas de Paris, para se tornar engenheiro. Ocupou diversos cargos, entre eles: adjunto da fiscalização do caminho-de-ferro da Beira Alta; diretor da 1ª Circunscrição Hidráulica; vogal do Conselho Superior de Obras Públicas e Minas; engenheiro construtor junto do Ministério da Justiça; vogal da Comissão de Obras Públicas do Ultramar. Foi, a par com José Joaquim de Paiva Cabral Couceiro, responsável pelo projeto final e pelo acompanhamento das obras do Canal Alviela. Mais tarde, foi diretor- delegado da Companhia das Águas de Lisboa, entre 1897 e 1900, tendo ainda sido eleito, neste ano, presidente da direção. Exerceu este cargo, até 13 de Maio de 1902.

José Joaquim de Paiva Cabral Couceiro (1830-1916)

Foi um general do Exército Português da arma de engenharia militar. Foi o autor de diversos projetos de edifícios públicos, entre os quais o da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, hoje sede da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, ao Campo de Santana, em Lisboa. Em Abril de 1855, passou para o serviço das obras públicas, sendo em seguida empregado nos estudos do caminhode-ferro de Santarém à fronteira de Espanha. Acabado este trabalho, em 1857 foi empregado sucessivamente no projeto do caminho-de-ferro do Porto e Vigo, depois na direção dos três distritos do Porto, Braga e Viana e obras da barra do Porto e na construção do caminho-de-ferro de leste até 1859. Em Junho de 1860 voltou ao serviço de obras públicas. Em 1864 passou a servir nas obras para o abastecimento das águas de Lisboa, tendo sido encarregado pelo Governo pela distribuição das águas da capital. Em 1868, ingressou na Companhia das Águas de Lisboa, tendo sido responsável, em colaboração com o Eng° Pires de Sousa Gomes pelo projeto final e acompanhamento das obras do Canal Alviela.

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• Diário de Noticias nº 5:267 – 16º anno – 1880. Domingo 3 de Outubro de 1880 • FOLGADO, Deolinda, CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente, Guia do Património Industrial. Lisboa: Livros Horizonte, 1999 • Histórias e Tempos Revisitados em Expressões da Arte Vitoriana - Literatura e Historia – Actas do Colóquio Internacional. Porto, 2004

• RAMOS, Paulo Oliveira - O Projecto de Louis-Charles Mary para distribuição de água na cidade de Lisboa, 1856. Lisboa: EPAL, 2011 • RIBEIRO, Carlos – Memória sobre o abastecimento de Lisboa com água de nascente e água de rio. Lisboa: Academia das Ciências, 1867 • RODRIGUES, Teresa – Nascer e Morrer na Lisboa Oitocentista. Lisboa: Cosmos, 1999

• INÁCIO, Pedro – Aquedutos de Portugal, arte e património. Lisboa: EPAL, 2011 • MARTINS, Ana – Possidónio da Silva e um projecto de Banhos Públicos para a Lisboa de Oitocentos. In Arqueologia e História – Associação dos Arqueólogos Portugueses. Lisboa: Edições colibri, 2000, pp. 255-271 • MASTBAUM, Hugo, “Memória sobre o abastecimento das águas de Lisboa” in Boletim da Direcção Geral de Agricultura, 6º ano, nº1, DGA, Lisboa, 1895, pp. 21-175

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• RODRIGUES, Joaquim Ângelo Caldeira – Memória sobre os Reservatórios de Lisboa. EPAL, s/d • SILVA, Álvaro Ferreira – Público e privado na modernização das infraestruturas: o abastecimento de água a Lisboa no século XIX. XVIII Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social, Urbanismo e Infraestruturas Urbanas. Lisboa: EPAL, 1998


Cronologia 1799

- O Aqueduto é dado por concluído. [José Sérgio Veloso de Andrade, na sua Memória sobre chafarizes, bicas e fontes ..., enumera as certidões de medição da obra e a despesa efectuada com a obra, que, com outras verbas entretanto apuradas, atingiu o custo total de 5.561.981$600 rs..].

1868. Abril. 2 - Decreto que declara constituída a 2ª. Companhia das Águas. 1868. Abril. 11 - Portaria da Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas, Comércio e Indústria para a Câmara Municipal de Lisboa, para que esta entregasse à Companhia das Águas a posse, administração e usufruição das águas livres e de quaisquer outras utilizadas no abastecimento, bem como das respectivas estruturas de captação e distribuição.

1821

- Introdução da máquina a vapor na indústria, no complexo fabril do Bom Sucesso, em Belém.

1824

- Fundação da Fábrica Vista Alegre, Ílhavo.

1833

- Portaria de D. Pedro V ordenando a conclusão do Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras.

1868 – 1869

- Construção da Estação Elevatória da Praia para aproveitamento das águas orientais da zona de Alfama.

1837

- Pauta alfandegária proteccionista, promulgada por Passos Manuel

1868 – 1880

- Construção do sistema do Alviela.

1880 1849

- F undação da Associação Industrial Portuense

- Inauguração do Sistema Alviela e da Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos.

1851

- Início do Movimento de Regeneração

1898

- Surgimento da Companhia União Fabril (CUF)

1852

- Criação do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria

1910

- O Aqueduto é classificado como monumento nacional nos Arcos do Vale de Alcântara e no conjunto das Amoreiras.

1856

- Inauguração do primeiro troço do caminho-de-ferro, Lisboa-Carregado (36 Km)

1919

- Criado pela Companhia das águas de Lisboa, o “Serviço de Arquivo, Biblioteca e Museu”

1932

- Grande Exposição da Indústria Portuguesa, em Lisboa.

1933

- I Congresso da Industria Portuguesa, em Lisboa.

1948

- Estação de Tratamento de Água da Amadora, para tratamento da água do Aqueduto.

1950

- Demolição das caldeiras e venda dos tijolos das fornalhas e chaminé da Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos.

1951

- I niciado o projeto para instalação do museu“ Manuel da Maia”, da Companhia das Águas de Lisboa, na antiga Estação Elevatória dos Barbadinhos.

1987

- Inauguração do Museu da Água da EPAL.

1990

- O Museu da Água da EPAL é distinguido, em Estrasburgo, com o Prémio do Museu do Conselho da Europa.

2002

- O Aqueduto é classificado, na sua totalidade, como monumento nacional.

1856

- Formação da 1ª. Companhia das Águas.

1856

- António Pinto Basto inventa o contador de água, “Hydrometro”.

1856 a 1864

- A 1º. Companhia, segundo projectos do Engº. Mary, do serviço de águas do Sena, de Paris, e da École dês Ponts et Chaussées, constrói uma rede de reservatórios e canalizações de ferro para fazer o abastecimento domiciliário, utilizando única e exclusivamente águas do Aqueduto das Águas Livres. Constrói ainda mais um aqueduto subsidiário do sistema das Águas Livres, o Aqueduto da Mata, e continua as obras do Aqueduto das Francesas, já iniciado no século XVIII.

1864

- O Governo põe fim à concessão da 1ª Companhia.

1865

- Exposição Internacional da Industria, no Palácio de Cristal.

1864 a 1868

- O Governo, no Ministério das Obras Públicas, sob a Direcção do Engº. Joaquim Nunes de Aguiar desenvolve o projecto do Alviela.

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Agradecimentos

Arquivo Municipal de Lisboa EPAL- Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. Gabinete de Imagem e Comunicação – Design e Produção Gráfica da EPAL Aos colegas do Museu da Água e do Arquivo Histórico da EPAL Ao António Nabais e Paulo Oliveira Ramos, pelos seus textos Às nossas famílias pelo apoio e entusiasmo partilhados

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