Racismo, criminalização e institucionalização-algumas reflexões e contribuições para o debate

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XVII CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS

ADEILDO VILA NOVA TRABALHO Assistente Social Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). Primeiro Secretário na Associação das/os Assistentes Sociais e Psicólogas/os do TJ-SP (AASPTJ-SP)

EDUCAÇÃO PUC-SP Doutorando em Serviço Social (2020 - 2024) UNIFESP Mestrado em Serviço Social e Políticas Sociais (2017-2019) UNIMONTE Bacharelado em Serviço Social (2007-2010)

adeildovilanova (13) 98128-7881 adeildovilanova@yahoo.com.br pucsp.academia.edu/adeildovilanova @adeildovilanova adeildovilanova

Tema: Crise do capital e exploração do trabalho em momentos pandêmicos: repercussões no Serviço Social , no Brasil e na América Latina 11 a 13 de outubro de 2022 Brasília (Online)

MESA TEMÁTICA Eixo: Serviço social, relações de exploração/opressão de Gênero, raça/etnia, geração e sexualidades Autores: Adeildo Vila Nova e Dan Júnior Alves Nolasco Belém Apresentação Virtual

ARTIGO RACISMO, CRIMINALIZAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO: ALGUMAS REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE

CITAÇÃO VILA NOVA, Adeildo; BELÉM, Dan Júnior Alves Nolasco. Racismo, criminalização e institucionalização: algumas reflexões e contribuições para o debate. Disponível em: https://www.cfess.org.br/cbas2022/. Acesso em: 12 dez. 2023.


XVII CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS 11 a 13 de outubro de 2022 “Crise do capital e exploração do trabalho em momentos pandêmicos: Repercursão no Serviço Social, no Brasil e na América Latina”

Autores: Adeildo Vila Nova Da Silva 1, Dan Júnior Alves Nolasco Belém 2

RACISMO, CRIMINALIZAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO: algumas reflexões e contribuições para o debate

Resumo: A relação dos negros brasileiros com a “legalidade” e a “justiça” se inicia antes da abolição. No processo de integração e transição do trabalho escravo para o livre, o sistema de exclusão se manteve por meio de mecanismos legais estabelecidos pela classe dominante. Por meio de uma revisão bibliográfica, inferimos pela necessidade de práticas

antirracistas

articuladas

entre

os

poderes

Institucionalização.

Negros.

constituídos. Palavras-chave: Racismo.

Criminalização.

Justiça.

Abstract: 1

Pontifícia Universidade Católica De São Paulo

2

Universidade Federal De Santa Catarina


The relationship of Brazilian blacks with "legality" and "justice" begins even before abolition. In the process of integration and transition from slave to free labor, the exclusion

system

was

maintained

through

legal

mechanisms established by the ruling class. Through the use of the literature review, we infer the need for antiracist practices articulated among the powers constituted. Keywords: Racism. Criminalization. Institutionalization. Black. Justice.

Introdução No Brasil, há uma construção violenta, fundamentada no preconceito e sua expressão perversa: o racismo, a partir da ideia de que alguns sujeitos são superiores a outros, não considerados seres humanos. Esse mecanismo procura manter o negro emudecido em uma condição de subalternidade e exclusão. Tratamos do racismo, pilar estruturante da sociedade capitalista brasileira subalternizada, que materializa formas perversas de exploração, dominação e opressão fundamentadas em assimetrias étnico-raciais. A intersecção entre classe e raça é compreendida por muitos como fundamentalismo identitarista, epistemologia pós-moderna, na qual a categoria


classe social ou, ainda, a categoria trabalho perde a sua centralidade, sendo substituída por paradigmas considerados subjetivistas, relativistas e particularistas. Não é um desprezo às relações de classe ou à categoria trabalho, não se trata de uma armadilha epistemológica pós-moderna é que “como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber” (GONZALEZ, 1983a, p 226-7 apud RATTS; RIOS, 2010, p. 74). Precisamos ver a luta de classes, e a luta de raças, em um país de passado escravocrata - com as dimensões que ocorreu no Brasil e trazer para o cerne do debate os impactos desse passado no presente. No diálogo entre o passado e o presente, notadamente há um esforço das elites brasileiras em tornar a população negra recém “liberta” em um exército de reserva sem qualificação para o trabalho livre e assalariado que se instituiu com o fim da escravização de negros/as. A criminalização dos corpos negros passou pelo ordenamento jurídico forjado nas alianças entre a classe dominante e as instituições de segurança e manutenção da ordem pública, por meio de estatutos legais estabelecidos naquele período. Criminalização e institucionalização do corpo negro A relação dos negros brasileiros com a “legalidade” e a “justiça” inicia-se antes mesmo da abolição da escravatura. Eram leis que, em tese, seriam para proteger os negros escravizados, vítimas dos traficantes ilegais. A Lei 581, de 4 de setembro de 1850, estabelecia medidas para a repressão do tráfico ilegal de negros e consistia na apreensão das embarcações e punição para todos que eram flagrados nessas embarcações, traficando pessoas escravizadas, que eram apreendidas e reenviadas para seus portos de origem. Passados vinte e um anos, surge a Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871, conhecida como a Lei do Ventre Livre, que declarava livre os filhos de escravas nascidos a partir da vigência da lei, contudo a guarda/tutela era determinada ao “Senhor” de sua mãe, que tinha que criar a criança até os seus oito anos de idade. Exatos 14 anos após, o Império promulga a Lei n.º 3.270 de 28 de setembro de 1885, conhecida como a Lei dos Sexagenários, permitindo aos negros escravizados, maiores de 60 anos, não mais exercer trabalhos forçados. O fato é que aos 60 anos de idade, dada às péssimas condições de trabalho e a exploração


excessiva da força de trabalho escravo, a maioria morria muito antes dessa idade. Com a promulgação da Lei Áurea, n.º 3.353 de 13 de maio de 1888, que declarava extinta a escravidão no Brasil, os negros passaram a vagar sem destino certo e a ocupar espaços de difícil acesso, como os morros. O Brasil foi o último país no mundo a abolir a escravidão e essa abolição não veio acompanhada de políticas sociais ou de medidas de reparação aos danos morais, físicos, materiais e psicológicos que os negros sofreram por todos esses anos de escravização. Os negros foram, literalmente, jogados à margem da sociedade e do pacto republicano brasileiro. Os negros, agora “libertos”, passaram a ser os marginais, os degenerados, vadios, transformando-se em alvo de constantes ataques pelas autoridades da época. No que se refere ao processo de integração, se é que podemos chamar assim, e de transição do trabalho escravo forçado para o trabalho livre e remunerado, o sistema exclusão deliberada se manteve por meio de mecanismos legais estabelecidos pela burguesia e as forças de segurança à época, bem como com pelo Poder Judiciário. Embora, naquele momento, já houvesse vários trabalhadores negros livres por aqui, como é o caso dos africanos que vieram após a promulgação da lei que proibia o tráfico de escravos em 1831 e mais efetivamente em 1850, quando perderam o status jurídico de escravos. Os chamados “africanos livres” que não devem ser confundidos com os “negros livres”, como muito bem chama a nossa atenção o professor Jacino: É necessário, ainda, explicar que ao se tratar de “negro-livre”, referimo-nos a um conjunto bastante amplo de indivíduos que deixam de ser cativos, que não devem ser confundidos com aqueles que ficaram conhecidos como “africanos-livres” trazidos ao Brasil após a proibição do tráfico em 1831, e mais efetivamente, 1850, perdendo “status” jurídico de escravos, passando, muitas vezes, à tutela do estado, da Igreja, ou de um “fiel depositário" (JACINO, 2008, p. 14).

No processo de abolição, [os negros] foram alijados do mercado de trabalho e substituídos por mão-de-obra estrangeira, fosse por iniciativas legais, fosse por ações da administração pública ou empresariais (JACINO, 2008, p. 13). O que houve, na verdade, foi um cerceamento do trabalho ao negro livre, por meio de mecanismos legais, políticos e ideológicos que empurraram os trabalhadores


negros, cada vez mais, para as péssimas condições de vida e de sobrevivência, Moura (1988) já denunciava essa omissão e inércia por parte do governo: Ao que se saiba, nenhum político, partido ou órgão do governo apresentou planos concretos e significativos e investiu neles no sentido de fixar e aproveitar essa mãode-obra. Pelo contrário, todos os investimentos foram para o trabalhador estrangeiro. Com isso se afirma, antecipadamente, que a mão-de-obra flutuante não prestava (MOURA, 2019, p.113).

Nos estudos do professor Márcio Farias (2016), estudioso sobre a obra e o pensamento do sociólogo, jornalista e poeta Clóvis Moura, também aponta essas reflexões e percepções do sociólogo sobre a preferência da mão-de-obra estrangeira, especialmente dos imigrantes europeus, em detrimento da mão de obra nacional, a grande massa de trabalhadores negros que precisavam vender a sua força de trabalho para atender às suas necessidades prementes de sobrevivência e de inserção na nova ordem mundial, o sistema econômico e de produção capitalista. Além de perceber que, mesmo no regime de trabalho livre, os traços do regime de escravização e trabalho forçado dos negros se mantêm, o professor Marcio Farias percebe que: Com o fim da escravidão e inserido o trabalho assalariado, a situação se renova, mantendo traços do regime anterior. Todavia, Moura descreve o modo como, nesse processo “complexo e ao mesmo tempo contraditório da passagem da escravidão para

o

trabalho

livre,

o

negro

é

logrado

socialmente

e

apresentado,

sistematicamente, como sendo incapaz de trabalhar como assalariado” (FARIAS, 2016, p. 41).

De acordo com os estudos apresentados por Jacino (2008), o trabalho exercido pelo negro livre era semelhante ao exercido pelo escravo, e ainda, que alguns trabalhos exercidos por escravos foram proibidos em período subsequente. Percebe-se aqui que, além do cerceamento do trabalho livre aos negros e da desqualificação da sua mão-de-obra e supervalorização da mão-de-obra imigrante, há esforços deliberados para a exclusão desses trabalhadores negros do mercado de trabalho, mascarados por uma “legalidade” racista, ou seja, mecanismos legais foram largamente utilizados para manter a grande massa de trabalhadores negros à margem de um novo sistema econômico que se institui com a abolição da


escravatura, em que a venda da força de trabalho se coloca como a mola propulsora desse sistema. Ao longo do século XIX, em particular na sua segunda metade, o Império brasileiro produziu uma legislação que teve como consequência a marginalização do negro no mercado de trabalho. À medida que o escravismo ia se exaurindo, a classe dominante lançava mão de medidas que mantinham o abismo social entre negros e brancos, secularmente materializado pela escravidão (JACINO, 2008, p. 39).

O professor Jacino (2014) nos apresenta um conjunto de leis e decretos imperiais que tiveram um papel importante no período de transição do trabalho escravo e forçado para o trabalho livre e assalariado, contribuindo, significativamente, para a promoção da marginalização construída ao longo do processo de desescravização, materializada, definitivamente, pela Lei Áurea, que não previa nenhum espaço a ser ocupado pelos negros na pirâmide social erguida pela nova sociedade capitalista. Entre as leis apresentadas podemos citar a primeira como sendo a Lei de 7 de novembro de 1831, que proibia a importação de africanos escravizados e determinava uma série de sanções a quem a infringisse. Importante ressaltar que essa tentativa responde à forte pressão dos negros, que alertavam para a necessidade de pôr fim à escravidão. Outro dispositivo legal, que também contribuiu significativamente para o processo nefasto de marginalização e exclusão do negro do mercado de trabalho assalariado, apresentado pelo professor Jacino (2014) é a famosa Lei de Terras, de 18 de setembro de 1850 que, na prática, impedia negros de comprarem terras. A já mencionada Lei do Ventre Livre e a Lei do Sexagenário. O conteúdo racista e de controle dessas leis foi o fundamento para a construção das legislações atuais que têm como certo um público-alvo específico: as populações pobres, pretas e periféricas das grandes cidades pelo país afora. A legislação antidrogas, a criminalização dos pobres e dos movimentos sociais, as unidades de polícias pacificadoras (UPPs), o policiamento ostensivo nas periferias, o armamento das guardas civis, entre tantas outras expressões dessa realidade de violência institucional constante, configuram as formas contemporâneas de contenção e de controle da população negra do nosso país que resultam, cada vez mais, no encarceramento em massa e no genocídio desse contingente populacional que corresponde a mais metade da população brasileira.


Respeito e reconhecimento: um longo caminho ainda a percorrer Da criminalização ao reconhecimento da contribuição dos povos negros para a nossa formação sócio histórica e político-econômica, dos seus direitos e da institucionalização do racismo como um crime contra negros/as, há um lapso temporal importante, tendo em vista que a primeira lei que dava os primeiros passos para esse reconhecimento data de 1951, quando o Congresso Brasileiro aprovou a Lei 1.390 que tornava contravenção penal a discriminação racial, conhecida popularmente como Lei Afonso Arinos. Essa lei serviu para trazer à tona o termo “racismo” e para alertar a sociedade sobre esse tipo de crime. Em 20 de dezembro de 1985, a Lei 1.390 ganhou uma nova versão que inclui, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, conhecida como a Lei Caó, referindo-se ao Deputado Carlos Alberto Caó de Oliveira, advogado, jornalista, militante do movimento negro que se destacou por sua luta contra o racismo e que foi o autor do novo estatuto. Um marco legal importante, que deve ser destacado é a realização da I Conferência Mundial contra o racismo, xenofobia e intolerâncias correlatas realizada no ano de 2001 na cidade de Durban, na África do Sul. Pela primeira vez, o Brasil assume oficialmente a existência do racismo no nosso país e assume o compromisso de criar políticas públicas e outros mecanismos legais que protejam a população negra, bem como promova a sua igualdade de oportunidades entre os não negros. Parte importante das políticas de promoção da igualdade racial e étnica surgiu a partir dessa Conferência Mundial. No ano de 2003 é criada a Lei 10.639 que altera a Lei n. o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", tendo como um dos seus principais objetivos o desenvolvimento da autonomia intelectual por meio da formação do pensamento histórico, bem como o aprimoramento da consciência histórica para que os diferentes sujeitos produzam narrativas históricas sobre sua própria existência. Em 2008, a Lei 10.639 foi modificada pela Lei 11.645 que também incluiu no currículo escolar o ensino da História e Cultura Indígena. Tais leis pretendem tirar os afrodescendentes e os indígenas da invisibilidade, do ocultamento e do apagamento


a que eram renegados e mostrar sua importância para a formação de nossa sociedade. Em 2010 é instituído o Estatuto da Igualdade Racial, que está regido pela Lei Federal n.º 12.288, de 20 de julho de 2010. O principal objetivo do Estatuto da Igualdade Racial baseia-se na ideia de que a proteção e a promoção da igualdade étnico-racial devem ser parte intrínseca a um Estado democrático de direito. O reconhecimento das especificidades da saúde da população negra, a partir da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNIPN), que tem como foco a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). A Leis 12.711/2012 (reserva de vagas para os(as) negros(as) em Universidade Federais e Instituições Federais de ensino técnico e médio) e 12.990/2014 (reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos no âmbito da administração pública federal) e ainda a Emenda Constitucional (EC) n. o 72/2013, relacionada com os/as trabalhadores/as domésticos/as. Apesar dessas iniciativas, o panorama geral das condições de existência e de sobrevivência da população negra em relação à população não negra no Brasil ainda é o mais difícil, em todas as dimensões da vida desse segmento populacional, que compõe mais da metade da população brasileira que, de acordo com o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), corresponde a 54% da população brasileira . Exclusão e criminalização da população negra Podemos perceber que a Justiça, em termos de cor/raça é branca. O primeiro censo do Poder Judiciário de 2013 apontou que apenas 15% dos magistrados no Brasil eram negros. Há estudos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do ano de 2021, que em 2019 e 2020 esse percentual subiu para 21%. Já os(as) servidores(as) negros(as) eram 30% antes de 2013 e agora são 31% que ocupam cargos efetivos no Poder Judiciário. A perspectiva é que, em 2044, tenhamos um percentual de 22% de magistrados negros/as. São essas pessoas que não têm nenhuma identificação com a classe trabalhadora que julgam os processos de negros/as a partir de um paradigma de


direito e justiça, importado dos países centrais, nos marcos liberais, para defender os interesses das elites. Muitas vezes a justiça vê a pessoa negra como alguém que deve ser curado, alguém imoral, de caráter duvidoso, que tem tendência ao crime. Segundo Moreira (2020), a periculosidade do negro é um dos elementos centrais do imaginário brasileiro. Por isso, no Brasil, os espaço destinados aos negros/as são as prisões, nos serviços de atendimento aos adolescentes, em cumprimento de medidas socioeducativas e nos serviços de acolhimento institucional. O anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, aponta que dos 636.194 mil presos em que há a informação da cor/raça disponível, 429.255 mil são negros (ou 67,5%) e ainda que 46,4% dos presos têm entre 18 e 29 anos e 67,5% são de cor/raça negra e que ao longo dos últimos anos, o percentual da população negra encarcerada tem aumentado. Exemplificando, o documento sinaliza que se em 2011, 60,3% da população encarcerada era negra e 36,6% branca, em 2021, a proporção foi de 67,5% de presos negros para 29,0% de brancos. O Levantamento Anual SINASE 2017 (Brasil, 2019), aponta que 40% dos adolescentes e jovens incluídos no sistema socioeducativo foram considerados de cor parda/preta, 23% de cor branca, 0,8% de cor amarela e 0,2% da raça indígena e 36% dos adolescentes e jovens não teve registro quanto à sua cor ou raça, sendo classificados na categoria não especificado. De acordo com dados do Cadastro SNA publicados pelo CNJ (2020, p. 40-43) no Brasil um total de 34.157 crianças e adolescentes acolhidos em 3.259 instituições, ou seja, cerca de 10 crianças/adolescentes por instituição. A maioria das crianças e adolescentes acolhidos é da etnia negra, junção de pardos e pretos (63,3%), 34,4% é da etnia branca, 0,8% indígena e 0,4% amarela. E como se não bastasse estar nesses espaços, ainda estamos sujeitos a toda a sorte de violações, uma série de mecanismos de desqualificação, diminuição e objetificação das pessoas negras que são processadas na legalidade e são materializadas nas destituições do poder familiar, nas audiências concentradas, na uberização das adoções (crianças tiradas a despeito da lei), nos prazos vencidos de benefícios de livramento condicional e semiaberto, nas denúncias não apuradas de racismo, na negação de políticas públicas. O negro é vigiado por diferentes aparelhos públicos (escola, Conselho Tutelar, CAPS, CRAS, Ministério Público, Polícia, Poder Judiciário) que articuladas nos colocam em um não lugar.


Considerações finais É importante pensarmos os marcos legais, porque são parte do fundamento pelo qual construímos as nossas relações sociais. No Brasil, as legislações tiveram a função de estabelecer uma plataforma racista com efeitos danosos para toda a população brasileira, sobretudo para negros/as, e o comportamento dos poderes o Executivo, Legislativo e Judiciário foi decisivo nesse processo. Hoje devemos provocar esses poderes para uma outra construção jurídico-política. É preciso agir numa perspectiva macro, de totalidade e de intersecção entre os vários segmentos e movimentos sociais organizados. Precisamos rever nossos valores e formas de sociabilidade. Nesse sentido, faz-se necessário, nos espaços de luta e de organização social, de definição de políticas públicas, de projetos e programas sociais o desenvolvimento de grupos de estudos com equipes de trabalho que discutam sobre a temática étnico-racial; sensibilizar as equipes de trabalho e/ou a instituição quanto à construção de práticas antirracistas no local de trabalho; organizar salas de espera para os usuários com disponibilidade de materiais didático-informativos como folders, vídeos, cartilhas entre outros, sobre temáticas étnico-raciais; promover cursos de capacitação e de formação continuada que qualifiquem a construção de um pensamento e de ações antirracistas; considerar o quesito raça/cor; valorizar e dar centralidade às normativas que trazem a discussão étnico-racial, a fim de que possamos construir uma sociedade menos injusta e com oportunidades equitativas para todas/os. Referências BRASIL. Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim2040.htm. Acesso em: 2 jul. 2022. BRASIL. Lei nº 3.270, de 28 de setembro de 1885 (Lei do Sexagenário/Lei Saraiva/Cotegipe).

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