Anais do IV Congresso Brasileiro e I Encontro Internacional de Terapia Comunitária

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Percebemos que a comunidade era heterogênea; havia grupos em situação de extrema pobreza que buscava atendimento de necessidades imediatas e materiais, assim como grupos organizados politicamente e com experiências inovadoras, tais como: o Troca-troca Solidário com moeda social, cooperativas, galpão de reciclagem, associações e grupos com participação das pastorais, promotoras legais populares para acesso de mulheres vítimas de violência aos seus direitos (formadas pela organização não-governamental Themis), entre outros. A aproximação com a comunidade durou cerca de um ano até a constituição de uma base local para a implantação de ações e inserção de alunos em campos de trabalho; foi uma caminhada lenta e cuidadosa, mas sólida do ponto de vista das relações com os moradores, lideranças e profissionais que ali atuam, pois fortemente baseada no respeito às diferenças, mas também na busca de mediação dessas diferenças com a finalidade de evidenciar interesses comuns e pautas coletivas de luta. Entendemos que a transparência e a atitude democrática, em permanente processo de construção e de vigilância epistemológica, contribuíram para a superação do estranhamento que em geral marca o ingresso ou a presença do professor universitário e dos alunos na comunidade. Por parte da comunidade, destacamos a abertura e politização das lideranças que nos acolheram, advindas de sua história de luta pelo território em que vivem. O conhecimento inicial da realidade nos mostrou que eram necessárias ações em duas perspectivas simultâneas: uma mais imediata, para atendimento de situações de vulnerabilidade e violação de direito, e outra mediata, para empoderamento comunitário. Para tanto, esboçamos o Programa Comunitário com esses dois focos de atuação, complementares, mas com ações diferenciadas. O primeiro é o de inclusão social e cidadania; atua no fortalecimento de indivíduos, grupos e famílias em situação de risco e vulnerabilidade social através do atendimento em saúde mental, atendimento sócio-familiar e orientação para o acesso a recursos, serviços e direitos. O segundo se refere ao desenvolvimento local e atua na dimensão sócio-organizativa para potencializar a comunidade no protagonismo da busca de alternativas, de forma coletiva e autogestionária. Ocorre através da Rede Local Integrada, do desenvolvimento de projetos em parceria com organizações internas e externas à comunidade e da assessoria a entidades locais. A terapia comunitária foi o principal instrumento para a operacionalização do primeiro foco de ação do Programa Comunitário, agregando-se outras modalidades de atendimento direto quando necessário (individual, familiar, visitas e atendimentos domiciliares). Existe um conjunto de razões para a opção pela terapia comunitária, as quais consideramos importante destacar, em primeiro lugar, o fato de ela ter início, meio e fim em um só encontro, prescindindo de mecanismos instituídos, burocratizadas e continuados de atendimento. Não que a continuidade não seja desejável, mas não é obrigatória. Em segundo lugar, a terapia comunitária se realiza com qualquer número de participantes e mesmo com grupos muito numerosos. Apesar de primarmos pela qualidade do trabalho desenvolvido, não podemos negar que, por um lado, a demanda é crescente por atendimentos na comunidade e, por outro, existe hoje a exigência de resultados quantitativos nos projetos sociais. Em terceiro lugar, a terapia comunitária possibilita uma politização das demandas, o que contribui para a busca de empoderamento, não apenas individual, mas também coletivo. Em quarto lugar, destaca-se a valorização do saber popular e da identidade local. Todas essas características conferem flexibilidade e adaptabilidade à terapia comunitária como instrumento de intervenção social. Em termos de diagnóstico local, identificamos que a maior causa das dificuldades da população era o desemprego ou a falta de alternativas de trabalho e renda, cuja busca sequer podia ser feita devido à falta de creche para os filhos, dependência química e doenças crônicas.

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