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especializando-se
Para ter progresso é necessário o acesso
Filho de pais separados, foi criado pelo pai e possui seis irmãos. Oriundo de família baixa renda, estudou em escola pública e começou a trabalhar com 11 anos. Com algumas diferenças, esse perfil não é muito difícil de ser encontrado no Brasil adentro. Talvez o que mudaria nesse conjunto seria a quantidade de irmãos, de ter sido criado pela mãe, ou até mesmo a idade com que começou a trabalhar. Mas o núcleo dessa estrutura familiar é o mesmo: pertencer a uma camada social fruto de desigualdades socioeconômicas – perfil que não é exceção no Brasil. Por isso, o que chama a atenção ao observar a história de pessoas assim não são as situações ou o ambiente vivenciado em sua infância, visto que isso infelizmente já é normalizado e está sendo ressignificado aqui na terra do samba, mas o direcionamento da vida adulta desses indivíduos.
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Esse perfil pertence a mim, Alison Martins Meurer, e, a partir desse contexto, quero compartilhar a minha história, que está em constante construção. Para entender o desenrolar da minha trajetória no ensino superior, acredito que seja fundamental destacar alguns pontos essenciais já percebidos a partir do ingresso no ensino fundamental. Inicialmente, quero destacar que pertencer a uma camada social de baixo poder de consumo não torna impossível o ingresso ao ensino superior ou a camadas sociais mais elevadas, mas certamente torna esse caminho mais difícil e doloroso. Posto isso, acredito que mesmo pertencendo a esse grupo, cursar o ensino superior não deveria ser uma exceção, mas uma realidade para a maioria, a fim de tornar a sociedade mais justa, igualitária e humana!
Desde pequeno queria ser professor, pois gostava de estudar, e fui incentivado para tal. Meu pai, que possuía apenas a 3ª série do ensino fundamental, sempre foi um grande incentivador para que eu seguisse em frente, e aqui temos um primeiro ponto: a necessidade de bases familiares que valorizem e fomentem o interesse pelos estudos já nos primeiros anos de vida. Mas como ter essas bases se nossos próprios pais não tiveram educação adequada na infância? A resposta é: sorte. Sorte de ter uma família que incentiva o estudo e o aprimoramento intelectual. Aqui se encontra uma das maiores gratidões da minha vida: encontrar as pessoas certas pelo caminho ou participar de políticas educacionais eficientes. Acredito que fui agraciado nesse sentido!
Iniciei minha trajetória escolar no Colégio do Campo do Reassentamento São Francisco, localizado no interior do município de Cascavel, no Paraná. Posteriormente, quando eu estava finalizando a primeira série do ensino fundamental, mudamos para um município no interior do Estado do Pará, mais especificamente para a cidade de Novo Progresso. No Pará ficou evidente para mim como a infraestrutura precária das instituições de ensino impacta negativamente a aprendizagem dos estudantes. Salas de aula de madeira com buracos nas paredes, ruas próximas às escolas feitas de terra solta, poeira em excesso, falta de quadras esportivas, atividades de educação física sendo realizadas no meio da rua em pleno verão paraense de 40° C e a ausência de materiais básicos para os professores, como um simples apagador, são exemplos de como o ensino público carece de atenção em todo o território nacional e principalmente em regiões menos favorecidas. E aqui temos um segundo ponto: a necessidade de oferecer um ambiente propício à aprendizagem para os estudantes. Mesmo
com esse ambiente inadequado, o que me chamava atenção à época era a figura dos funcionários, professores e professoras da escola que, mesmo diante dessas condições, incentivavam seus alunos e alunas a sonhar e a mudar a sua realidade. Lembro que nesse período o lema “mudar a minha realidade e a das pessoas a minha volta por meio da educação” se tornou meu guia.
Finalizando o ensino fundamental, na época da oitava série, minha família retornou para o Paraná para residir em uma cidade chamada Ampére, onde cursei o ensino médio. Esse período foi muito especial, pois conheci professores incríveis que cada vez mais me cativaram a seguir a profissão e a me especializar. Aqui destaco o terceiro ponto: a necessidade de os professores se posicionarem como escada para seus alunos, incentivando-os a sonhar e, mais do que isso, a sonhar alto, sonhar grande.
O quarto ponto consiste na necessidade de conversar com estudantes sobre o funcionamento dos vestibulares, do próprio Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e sobre a carreira profissional em geral, visto que são assuntos pouco debatidos em sala durante o ensino fundamental e ensino médio nas escolas públicas. Essa falta de conhecimento sobre as formas de ingresso e desenvolvimento profissional gera dúvidas e pode se tornar barreiras para que os estudantes definam objetivos de formação que vão além do ensino médio.
Prestei, em 2012, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, a partir do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), conquistei uma vaga no ensino superior para o curso de Ciências Contábeis da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campus de Pato Branco. Estar em um dos melhores cursos de Ciências Contábeis do Brasil abriram-me muitas portas, como, por exemplo, ingressar em uma das maiores empresas de softwares do Paraná.
Essa conquista foi um marco não só para mim, mas para toda a minha família. Fui o primeiro filho a finalizar o ensino superior e vejo como essa conquista foi sonhada e alcançada em conjunto e refletiu no rumo dos demais membros da família. Após esse ingresso, meus irmãos mais novos também seguiram o mesmo caminho, acessando o ensino superior via Sisu ou ProUni. No início da graduação, os gastos para me manter em uma cidade longe da minha família superavam minha renda e, por meio do programa Bolsa Permanência da UTFPR, consegui me manter na universidade neste período, que foi o mais complicado em termos financeiros. O quinto ponto, portanto, reside no aspecto financeiro. Se ingressar em uma universidade pública é difícil, manter-se é ainda mais, principalmente quando você pertence a camadas sociais de menor renda. O auxílio financeiro fornecido para mim foi essencial para a conclusão da minha graduação, e é ainda mais fundamental para aqueles discentes de cursos de período integral que não conseguem exercer atividades laborais.
No primeiro ano de UTFPR, tracei como objetivo o ingresso no mestrado após a graduação. No último ano da graduação, prestei o processo seletivo para o mestrado em Contabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e para o mestrado em Engenharia de Produção da própria UTFPR. Aprovado em ambos, optei pelo primeiro por ser da minha área específica. Esse período foi muito importante e aqui destaco novamente o papel dos professores em posicionarem-se como escada para a subida de seus alunos. Fui fortemente incentivado e auxiliado pelos meus professores de graduação a seguir a carreira acadêmica.
Em 2017 iniciei o curso de mestrado na UFPR, onde defendi a minha dissertação em fevereiro de 2019. O desenvolvimento de competências técnicas, das habilidades sociais e oportunidades profissionais foi ímpar. Posso afirmar que o mestrado foi um dos maiores e melhores desafios que já superei. Nesse período obtive muitos frutos e percebo que essas conquistas derivam da soma de uma série de fatores que permeiam o desenvolvimento científico do país. A preocupação com a qualidade de ensino, o apoio financeiro e a infraestrutura ofertada são elementos chaves que tornam a UFPR, assim como tantas outras instituições públicas de ensino, um parâmetro de excelência educacional.
Os frutos da pós-graduação ainda estão sendo colhidos: 1° lugar no processo seletivo do doutorado, prêmio de melhor dissertação defendida em 2019 no PPGCONT da UFPR, prêmio de melhor artigo da área de Educação apresentado em 2019 do XIX USP International Conference in Accounting, 1° lugar no processo seletivo para professor colaborador 20 horas na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), 1° lugar no concurso para professor no Instituto Federal do Paraná (IFPR). Todas essas conquistas somente foram possíveis graças à pós-graduação e à sociedade brasileira, que mantém essa infraestrutura funcionando. Em decorrência disso, hoje tenho como missão defender os pontos elencados ao longo do texto.
Recentemente fui escolhido como paraninfo da minha primeira turma de formandos da UEPG e percebo isso como um sinal de que eu esteja exercendo o posicionamento que acredito ser dever dos professores, pois posso estar representando escada para alguns dos meus alunos, assim como um dia meus professores foram para mim.
Espero que esse breve relato possa mostrar que podemos mudar nossa realidade e a das pessoas a nossa volta. Mostrar que programas de acesso ao ensino superior e/ou de manutenção estudantil são essenciais para erradicar as desigualdades sociais e proporcionar novos rumos aos jovens de baixa renda do país. Por fim, cabe aos beneficiados desses programas retribuir a sociedade desse investimento a eles destinado, sendo bons profissionais e posicionando-se como escada para que mais pessoas possam apreciar a paisagem da educação, que deve ser digna e de qualidade para todos!
Alison Martins Meurer:
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Contabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR)