VIOLÊNCIA DE GÊNERO, LINGUAGEM E DIREITO

Page 59

PARTE II A RECUPERAÇÃO DAS HISTÓRIAS DE VIOLÊNCIA PELOS AUTOS PROCESSUAIS Os gêneros que compõem os processos penais encapsulam de forma bastante fragmentada histórias de violência que nos remetem a uma espécie de teatralidade trágica, com personagens, enredos e cenários próprios. Cada caso, na sua singularidade, é parte de uma história de vida específica, referente a indivíduos determinados, geralmente um casal, cujo enredo violento é a expressão de sua conjugalidade. Juntas, as narrativas representam uma cronificação do conflito de gênero e, assim, expressam também significados coletivos sobre o fenômeno. Reconstituir as narrativas a partir de informações que se fragmentam ao longo dos diversos gêneros dos processos é uma tarefa que demanda algumas escolhas e justificativas. A primeira dessas escolhas diz respeito à própria forma de apresentação das histórias recuperadas. Segundo Labov (1997), a narrativa é uma atividade discursiva privilegiada, com um começo, meio e fim, contudo, esses elementos não se encontram assim sequenciados nos autos. O gênero Denúncia, por exemplo, pode ser considerado dentre os demais, o que melhor se aproxima dessa ordem, pois um de seus campos textuais relata os fatos dentro de uma estrutura próxima de uma narrativa completa. Porém, os fatos ali incluídos advêm de alguns campos narrativos de outros autos do inquérito policial, como os Termos de Declarações, por exemplo, que são selecionados de acordo com os propósitos próprios da Denúncia, que é essencialmente uma peça acusatória. Nesse sentido, o gênero conta uma história a partir de uma seleção de fatos que incriminam o acusado e omite detalhes que podem contribuir para um entendimento mais global do conflito. 59


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.