A ideia 2016 1a parte

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A IDEIA – revista de cultura libertária

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usados pelos trovadores, lidos n’ Os Lusíadas, em Aquilino, enfim, trazidos daqui e dali e sobretudo de uma fundura de alma que cria um duplo da língua idêntico ao duplo do autor, algo como um português mítico, assente não só nos arcaísmos, termos raramente usados, neologismos e decomposição das palavras em parcelas autónomas de significação, mas também no nosso imaginário. É uma língua sonhada, sebastiânica, para uma sonhada pátria mais adonísica do que aquela em que vivemos, seja exemplo o poema da página 34, talvez intitulado “… e Ómega : a ínclita regénese da pátria”: eis virá al/ fim O que vem/ promisso ao jus’to/ n’O cristi | áfanos/ condiz emos mar/ a nau’tas alleluias&hossanas// em multidom cord’atam-se/os fiéis e os in/ deveros ao cordeiro cordato// o que i nos prova/ se atem prono e há/ imo lado imutábil// hodierno te filho/ geneRey: tôdolos/ últimos hão ser primevo// alfim se adeja/ u gesto u vem renovo/ – virá… e O h’eis. Por isso Adónis adapta-se aos segredos desta poesia que mantém com o mistério uma relação de formosura e encantamento. Adónis era um menino de extrema beleza, transformado em flor – ou frol, como quer o registo de língua medieval – após a morte. A poesia é um culto à beleza e aos mistérios da regeneração cíclica da vida; quer o mito de Adónis quer os textos (de) “Donis de Frol Guilhade” tal documentam. Quanto à identidade, é certo que faz convergir para ela a multiplicidade dos temas, assuntos e motivos que iluminam os poemas, na maior parte representativos da História de Portugal no seu período glorioso de descoberta de novos mundos; assim, o livro o cada passo nos desvenda navios, ondas, adamastores, velas e ventos, âncoras, mares e rios sagrados e figuras das diversas religiões. A superior missão que o autor atribui aos mareantes, manifesta na espiritualidade de figuras búdicas, egípcias ou das cruzes e referências ao culto cristão, com os seus santos e Trindade, espelham a imagem de uma pátria que é alma. Por conseguinte, é a alma-pátria a real identidade manifesta nos nomes de pessoas. Navegar na língua é navegar na História, e navegar na História portuguesa é uma peregrinação em demanda do Santo Graal. Nada de mais belo na nossa aspiração: tal como Adónis, também Sebastião é considerado o mais belo (dos santos). No rosto refletido no espelho da água, o poeta adonísico encontra-se então com a sua alma, a pátria portuguesa. Exemplo disso é a glossolalia intemporal sobre o seu nome que ostenta o duplo título “em língua d’almo:/almafrol” e remata com as variantes antroponímicas: frol de guilhade donis / guilhade donis de frol / donis de frol guilhade (p.45) Para terminar, confesso que Luiz Pires dos Reys escreve num dos mais originais, secretos e messiânicos registos de língua portuguesa que já me foi dado conhecer. [Maio de 2016]


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