IHU On-Line 497 - Desmilitarização

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DE CAPA

IHU EM REVISTA

das autoridades políticas de então. Quando o Ministério Público de São Paulo e depois o Departamento de Homicídios da Polícia Civil e o empoderamento das corregedorias resolveram dar um basta, o problema praticamente acabou. O que ainda ocorre é a ação esporádica de policiais que cometem barbaridades, como fenômenos isolados. Desconheço existência desses grupos criminosos na atualidade.

Desmilitarizar sem um modelo seguro de transição é instituir o caos em organizações grandes e armadas IHU On-Line – A impunidade é suficiente para explicar execuções e outros crimes cometidas por policiais? José Vicente da Silva Filho – Desconheço alguma execução ou crime esclarecido praticado por policial (portanto com autoria claramente definida) que tenha ficado impune. Impunidade é fator gerador de crime para qualquer tipo de criminoso. Perversões de personalidade também explicariam muitos crimes. Nas polícias, são fatores críticos para reduzir crimes: seleção rigorosa, treinamento de qualidade, eficiência de supervisão nos trabalhos policiais e disciplina severa. Em Nova York, um policial pode ser demitido se aceitar um lanche grátis. IHU On-Line – Os policiais recebem treinamentos similares aos das Forças Armadas, que se preparam para combater o “invasor externo”. Esta lógica bélica ajuda a explicar por que os PMs costumam ser violentos em situações distintas quanto uma mani-

festação em vias públicas ou um enfrentamento com criminosos armados? José Vicente da Silva Filho – Pode mostrar algum exemplo desse suposto treinamento similar aos das Forças Armadas? E para combater invasor externo? Desafio a mostrar um único nas unidades federativas. Nas quase 2 mil horas de treinamento do policial militar em São Paulo, não há uma só aula de preparo militar. Quando se fala “costuma”, emite-se um julgamento com suposição de algo constante, que ocorre na maioria das vezes. Ou, pelo menos, um em cada quatro (25% dos casos)? Que tal analisar com fatos? Em 2015, a polícia paulista prendeu 189 mil criminosos em flagrante ou procurados com mandado de prisão; não eram meros suspeitos. Em quantas prisões ocorreram mortes em confronto? Se ocorresse mortes em 10%, teríamos 18 mil mortes; 1% seriam 1.890. Foram 607 casos, ou 0,32%. Em que porcentagem das manifestações as polícias se excederam? Em São Paulo, a Polícia Militar acompanhou 6.148 manifestações de 2013 a 2015. Em quantas ocorreram problema graves, já que a polícia “costuma ser violenta”? Se fosse violenta em 10% das manifestações, teríamos mais de 600 casos de abusos ou uso excessivo de força. Na capital paulista, ocorreram 768 manifestações de janeiro a setembro de 2016 e apenas em 68 (8,8%) ocorreram situações que exigiram uso da força. Isso confirma o “costumam ser violentos”? Em São Paulo, a Polícia Militar aborda 1 milhão de pessoas por mês; se ela costumasse ser violenta, não seria um banho de sangue? IHU On-Line – Qual a sua análise sobre o trabalho da Justiça Militar? José Vicente da Silva Filho – Absolutamente desnecessário. Entendo que é mais prático demitir um policial insubordinado do que condená-lo à prisão por crime militar.

SÃO LEOPOLDO, 14 DE NOVEMBRO DE 2016 | EDIÇÃO 497

IHU On-Line – Em julho de 2013, a Human Rights Watch enviou uma carta ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), apresentando sua preocupação com o número expressivo de suspeitos que eram mortos por policiais. A organização internacional cobrou investigação desses casos, que indicariam um “claro padrão de execução de vítimas”. Também destacou temor com a letalidade do trabalho das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). Na sua análise, expedientes deste tipo surtem algum efeito ou os governos são blindados a críticas? José Vicente da Silva Filho – Isso teria que ser perguntado aos governos. O que seria “número expressivo”? E a cobrança não deveria ser ao governador, mas aos órgãos que investigam e julgam todos os casos. Em todos os casos de morte por policiais, são instaurados inquéritos, e todos os inquéritos são encaminhados ao Ministério Público, e esse deve relatar ao juiz. Posso garantir que, na maioria dos estados, há absoluta intolerância com os crimes praticados por policiais. IHU On-Line – O que pode ser feito para reverter o histórico de violência das corporações, mesmo que mantida a natureza militar? José Vicente da Silva Filho – Primeiro, mitigar as condições que geram a elevadíssima violência no país, que vitimam mortalmente mais de 100 mil brasileiros por ano (incluindo a violência no trânsito) e tornam o policial brasileiro o mais agredido e morto no mundo. A polícia que temos é reflexo da sociedade que somos, de suas mazelas, de suas leis e justiça criminal defasadas e ineficientes para controle do crime, de suas autoridades que gerenciam mal os problemas sociais e de segurança, de suas corporações, das incompetências políticas que nos governam. Segundo, oferecer condições decentes de trabalho ao policial e treinamento de alta qualidade. ■

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