Materia dia da Acão Humanitária

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UMA PARADINHA... PARA RECARREGAR E AFINAR! Equipe do Centro de Acolhida para Refugiados da CASP celebra o Dia Mundial da Ação Humanitária e o Dia Nacional do Voluntariado compartilhando histórias e emoções e revelando o que há de mais especial para cada um. E você? O que levaria consigo,caso tivesse um minuto para fugir e salvar sua vida?


Nos dias 19 e 28 de agosto, celebram-se, respectivamente, o Dia Mundial da Ação Humanitária e o Dia Nacional do Voluntário: duas ocasiões tocantes para o trabalho da Caritas Arquidiocesana de São Paulo. A CASP desenvolve vários projetos sociais com o apoio de centenas de voluntários e mantém, há mais de vinte anos, o Centro de Acolhida para Refugiados para atender estrangeiros advindos dos mais conflitos pelo mundo. Inspirada por aquelas duas datas comemorativas, a equipe do Centro de Acolhida “parou” por uns instantes. O trabalho tem sido intenso com o aumento abrupto de solicitações de refúgio e com atividades de mutirão. O corre-corre do dia-a-dia dificulta que as angústias e as maravilhas do trabalho sejam divididas – apesar das trocas de contos pelos corredores. A paradinha da equipe naquela tarde de agosto, por isso, foi como recarga de energia: um tempo para compartilhar um pouco das emoções surgidas pelo trabalho com pessoas que tiveram que se deslocar de sua terra. E, nas narrativas feitas pela equipe da CASP, foram ouvidas também muitas histórias de desenraizamento. “Quando eu era pequeno, minha mãe decidiu que eu devia estudar em uma cidade maior”. Sair da casa dos pais ainda menino era como ficar em uma prisão para o Padre Marcelo Monge, diretor da CASP. Com uma experiência parecida na infância, a assistente social Maria do Céu canta que, por muitos anos, estudou em um colégio interno em Portugal. “Era muito difícil ficar longe do povoado em que eu tinha nascido”. “Em 1914, meu avô, seria mandado para as colônias na África. Ele fugiu para o Brasil e um pouco antes de o navio atracar, ele pulou no mar, para chegar a nado, pois não tinha documentos”. O avô do assistente administrativo da CASP, Sidnei, era também português e, estando na idade de alistamento, teria que prestar serviço militar fora do seu país. “Meus avós também chegaram ao Brasil como refugiados. Eram profissionais nos seus países, mas aqui começaram do zero. Meu pai era pequenininho e hoje eu estou aqui. Então, eu olho para algumas famílias que chegam na Caritas e penso que eles podem reconstruir a vida”, reflete a advogada Vivian.

“Quando eu voltei para o Brasil, houve um jornal que nos procurou e depois escreveu sobre nós: ‘Refugiadas na própria terra’”. A assistente social Vania, voltou do Líbano com o último grupo de brasileiros que foi retirado do país, após a eclosão da guerra com Israel. Ela era casada com um libanês, e morava com o marido e as três filhas em Beirute. Com o início da guerra, sua loja tornou-se um ponto de apoio para aqueles que precisavam de ajuda. Mas quando a situação ficou insustentável, Vania foi convencida a partir com o último avião organizado pelo consulado brasileiro. “Eu deixei o Líbano só com duzentos dólares e uma malinha de quinze quilos, e para três crianças”. A decisão de viajar foi tomada em poucos instantes e houve quem tenha sugerido a ela levar somente uma das três filhas. Vania não admitiu a ideia e conseguiu encontrar-se com todas as meninas, fazendo com que uma delas fosse colocada num taxi, para partirem juntas. “Ela trouxe só uma bolsa e um celular”. O curioso é que histórias como a da brasileira Vania são relatadas cotidianamente por estrangeiros à equipe do Centro de Acolhida para Refugiados em São Paulo. E aí uma constatação ressurge com muita força: quando é preciso tomar uma decisão rápida de fugir patasalvar a própria vida, somente as coisas mais importantes que estejam à mão são levadas. Convivendo com pessoas que tiveram que fazer esta escolha, os funcionários e voluntários da CASP fizeram o exercício de pensar e dizer o que levariam consigo caso tivessem um minuto para fugir. Esta foi a faísca da roda de conversa do dia 28 de agosto de 2013.


Ana Laura, assistente financeiro do Centro de Acolhida, escolheria levar, sem titubear, a sua Bíblia. Entre aquelas páginas, Ana guarda tudo o que é lhe é mais precioso, como as fotos de sua família e as lembranças da infância no interior. Além disso, é ali que encontra a paz de que se alimenta espiritualmente.

Daniel, professor universitário e voluntário do setor de proteção do Centro de Acolhida, levaria a gaita que foi presente de seu pai e que costuma tocar em encontros e festas. “É uma lembrança dos meus amigos e da minha família, ao mesmo tempo”. É claro que ele teve que dar uma palhinha!

Liliane, que não é católica, disse que, além do marido, também levaria as escrituras sagradas, para se apoiar na força do amor e da fé. Ela é secretária do Centro de Acolhida há 8 anos e quer seguir na equipe por tanto tempo quanto lhe seja permito!

Lembrando da experiência no Líbano, a assistente social Vania, diz que, caso tivesse que fugir novamente para salvar sua vida, levaria sua carteira, com seus documentos e as fotos da sua família. “O importante, a trazemos dentro da gente. E a saudade é o que fica”.

“Como eu vejo aqui a dificuldade de tantas pessoas que não têm nenhum documento, eu levaria o meu documento se tivesse que fugir”. É o que diz a assistente social Maria do Céu. Ela conta que se desesperaria caso estivesse em uma situação onde ninguém pudesse saber quem ela realmente é.

Dois anos depois de ingressar na equipe do Centro de Acolhida para Refugiados, a advogada Vivian levaria consigo uma fotografia antiga da sua família e o seu diploma de graduação. “Esta foto fica na minha estante e foi de um momento muito especial com meus pais e meus irmãos”.


Sidnei é seminarista e assistente administrativo da CASP. Pela sua paixão pela leitura, levaria consigo um livro não lido, caso tivesse um minuto para fugir e salvar sua vida. “Hoje, trago o livro que estou lendo”. É um dos muitos que já estão na sua biblioteca, à espera da leitura.

Seu Francisco, o carinhoso controlador de acesso do Centro de Acolhida para Refugiados, se comunica com pessoas de quase oitenta nacionalidades. “Se eu tivesse que fugir, eu levaria minhas boas memórias”, diz, dando um sorriso para responder que elas encheriam uma mala de viagem.

“Uma vez, viajei para outro país. Perdi meu celular no aeroporto e não conseguia lembrar os números de telefone da minha mãe. Foi uma angústia até que eu conseguisse falar com ela”. Por isso, Fernanda, voluntária do setor de assistência do Centro de Acolhida, diz que também levaria o seu telefone celular, mesmo que ele não pudesse fazer ligações.

O diretor da Caritas Arquidiocesana de São Paulo, Padre Marcelo Monge, levaria consigo uma pequena cruz, que guarda consigo. “A fé não está no objeto que eu carrego, mas no que ele simboliza”.

Caso tivesse que enfrentar uma fuga instantânea, a voluntária Sabrina levaria o seu telefone celular. “Com ele eu poderia me comunicar e nele tenho muitas outras coisas, muitos outros aplicativos que poderiam me ajudar!”.

A assistente social e psicóloga Fátima conta que, durante boa parte da sua vida, foi guardiã de memórias, preservando relíquias familiares, como o vestido de batizado da irmã. Depois de ter vivido a repressão militar, concluiu que o que tem de valioso está em si: “Naquela época, era na memória que eu trazia o mais importante, as referências de onde eu podia me esconder ou buscar ajuda”. Por isso, se tivesse que fugir, levaria a si mesma!


Maria Cristina, coordenadora do Centro de Acolhida para Refugiados há três e agente Caritas há mais de 20 anos, diz que seria muito prática: levaria a sua bolsa numa fuga desesperada de um minuto. Na bolsa, ela sempre traz sua carteira, com seus documentos, uma sombrinha e um terço– pelo qual se mantém ligada à fé, que amadureceu ao longo da vida. “Cada bolsa minha tem este quite” , brinca!

Adelaide fez um grande esforço para concluir a faculdade de Serviço Social. Depois de começar o trabalho no setor de integração do Centro de Acolhida para Refugiados há 17 anos, decidiu que precisava manter todos os documentos organizados. “Eu pensava: ‘como é que a pessoa chega aqui sem trazer nem o certificado da escola?’. Então, montei pastas para mim, para meu marido e para cada um dos meus filhos. Quando alguém faz um curso, o certificado vai direto para a pastinha”. Se tivesse um minuto para fugir, Adelaide levaria o seu diploma e, também duas medalhinhas que sempre estão em sua bolsa. Uma delas, é trazida como o presente de um desconhecido (já que a medalhinha foi encontrada no chão da estação de Metrô).

As cores e a brasilidade da bolsa que foi presente de sua mãe são os elementos da alegria que Iara gostaria de preservar consigo, mesmo em uma fuga inesperada. A assistente do setor financeiropassou a integrar a equipe do Centro de Acolhida da CASP em 2013 e conta que o contato com os refugiados e solicitantes de refúgio tem apurado a sua sensibilidade. “Andando nas ruas, hoje, percebo mais as pessoas”!


Talitinha, como é conhecida, disse que levaria consigo uma caixinha de música que ganhou de uma amiga. Tocando a melodia da personagem do cinema,Amélie Poulain, o seu pequeno tesouro a ajudaria a sentir o aconchego do carinho e da amizade caso tivesse que fugir. Formada em jornalismo e estudante de Relações Internacionais, Talita é uma voluntária disputadíssima entre todos os setores do Centro de Acolhida para Refugiados!

Camila também procuraria ter consigo elementos que a permitissem apoiar-se na lembrança do afeto. Se tivesse que fugir para salvar sua vida, ela levaria fotografias de seu namorado e de sua família – de quem, aliás, já está distante. Camila é baiana e mudou-se para São Paulo para cursar mestrado em Direito. Foi quando reencontrou a antiga colega de trabalho, Vivian, passando a auxiliá-la como voluntária no setor de proteção do Centro de Acolhida.

“Já trabalhei três ou quatro tardes aqui e o que mais me chamou à atenção foi a solidão das pessoas que vêm à Caritas para preencher o questionário”. Psicóloga e também baiana, Ana Paula tem trabalhado como voluntária no mutirão organizado pela Caritas para atender a um número diário maior de novas solicitações de refúgio. Comentando sua grande paixão pela leitura, ela diz que levaria consigo um livro, caso tivesse que fugir. Para ilustrar isso, ela mostra um de seus livros preferidos, lendo uma passagem sobre a solidão que todo ser humano tem em si.


Foto: Fátima Giorlano

Com a calma e o vagar que lhes são característicos, Carlos conta como um engenheiro químico chegou ao trabalho com refugiados.Mas é ao falar da família que o vice-diretor da CASP revela o que de mais valioso levaria consigo se tivesse que salvar sua vida em uma fuga instantânea: a carteira. “Aqui tenho muitas coisas, mas principalmente, a certidão de nascimento da minha filha. Este documento prova que eu sou um pai.E ser pai foi a ‘coisa’ mais maravilhosa que já aconteceu na minha vida”.

Ela estava fotografando a todos e eles já desconfiavam: se tivesse que fugir para salvar sua vida, Larissa levaria a máquina fotográfica. Ela conta que, depois de buscar uma vida previsível e controlada, compreendeu que precisaria estar mais aberta ao futuro. “E é isso que a máquina fotográfica significa. Quero ter ela em mãos para captar o que ainda está por vir”. O gosto por guardar lembranças permanece, mas o que é mais importante é o que está à frente, diz ela. Larissa atua no setor de relações externas do Centro de Acolhida, mas trabalha também como voluntária no setor de proteção.

Se tivesse um minuto para fugir para salvar-se, Laurie levaria um celular, para que pudesse se comunicar com sua família, de onde estivesse. Ela já foi voluntária do Centro de Acolhida e lidera o Programa de Apoio e Reintegração ao Refugiado, parceiro da CASP. Quando esteve fora do Brasil, trabalhando em um campo de refugiados, a falta de comunicação era a questão mais difícil para ela. Por isso, o telefone seria uma peça chave!


E foi assim. De pouco em pouco se costurou aquela paradinha da equipe da Caritas. E esta, paradinha, na verdade, parece ter acelerado a toda equipe. Muitos não conseguiram estarem presentes: Renata, Taeko, Ricardo, Gabriela, Marco, Mirela, Thais, Malgarete, Lucilene e tantos voluntários que têm trabalhado duro na rotina diária do Centro de Acolhida ou no mutirão, por ali ou diretamente na Polícia Federal. Cada ausência deixou o seu espaço, afinal, muitas outras “coisas mais importantes” poderiam ter vindo à mesa!

Mas o fato é que as histórias que se contaram e os objetos que por ali desfilaram naquela tarde abriram pessoas mais reais e belas umas para as outras. Humanas, e voluntariamente humanitárias. Mais conscientes dos desafios que encontram na sua vida e, principalmente, no trabalho em favor daqueles que realmente tiveram, um dia, um minuto para decidir e fugir. Por Larissa Leite


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