Boletim Municipal de Viana do Alentejo Junho de 2012

Page 31

viana do alentejo | boletim municipal

Imagem aérea do Monte de Nossa Senhora da Esperança, com o traçado conjectural das muralhas defensivas e da cerca do convento (por cortesia do Dr. Ulrico Galamba).

“Tem hüa courella de terra cõ suas oliveiras Aa fonte de dom Grigorio termo desta villa (…) E parte a dita courella da parte do norte cõ terra da herdade que se chama dos gregos…” A região de Alcáçovas também conheceu, durante largos séculos, a civilização romana. Contrariamente ao que aconteceu em Viana, tudo indica que à ocupação proto-histórica do monte da Senhora da Esperança se sucedeu, no mesmo espaço, a romana. O povoado, por onde passava um dos caminhos que ligavam Ebora a Miróbriga – nos arredores de Santiago do Cacém –, deve ter atingido alguma relevância estratégica, já que estaria apetrechado com uma apreciável fortificação. A estrada vinha do Torrão, onde fazia ligação a uma outra que se dirigia ao importante porto fluvial de Porto de Rei e a Salacia, a actual Alcácer do Sal. Da Senhora da Esperança para Ebora, passava ainda pela pequena povoação de Alcalá e pela villa da Tourega. No dia 29 de Dezembro de 1895, depois de ter pernoitado numa estalagem de Alcáçovas, Leite de Vasconcelos visitou a Senhora da Esperança, na companhia do professor alcaçovense Aurélio Augusto de Aguilar. Do que viu deu, depois, notícia no “Archeologo Portuguez”: “Na Serra tinha havido frades outro tempo. Lá estavam em cima, a alvejar, o convento e a igreja. Mal atravessei o portão da cêrca, comecei a ver pelo chão fragmentos de antigo vasilhame, que me mostravam que eu estava numa estação archeologica. Por toda a Serra depararam-se-me também muitas paredes velhas de casas, e mettidos nos muros dos campos pedaços de marmore trabalhado, provavelmente de origem romana. Tanto a igreja como o convento ficam entre antiquissimas ruinas de casas. Num campo, ao Sul, do lado opposto ao templo, haviam os trabalhadores descoberto, entre muitos cacos, ossos humanos e vasos. Eu pude ainda alcançar de um dos trabalhadores um vaso de barro, quasi inteiro, que era uma olla cineraria [recipiente onde se guardavam as cinzas,

depois de incinerado o cadáver], pois, de mistura com terra, continha pequenos carvões, cinzas e esquirolas osseas, algumas ainda chamuscadas. Esta olla está hoje no Museu Ethnologico (...) Sem dúvida o campo constituia um cemiterio romano, onde os cadaveres eram incinerados, D’este cemiterio proveiu, segundo todas as probalidades, a lapide marmorea, com inscripção (…). Esta lapide, por causa da qual eu fôra ás Alcaçovas, estava junto do convento: tem fórma de pipa, offerecendo numa das extremidades a representação de dois peixes, e na outra a de uma patera e de um praefericulum...” Estas lápides maciças, em forma de barrica, que se colocavam no solo cobrindo a sepultura, são designadas por “cupa”. A “cupa” de Alcáçovas é também conhecida por “cupa de Laelia”. Com cerca de 92 cm de comprimento, por 47 cm de altura, apresenta uma cartela com a seguinte epígrafe: D(iis) . M(anibus) . S(acrum) / L(aelia?) . AMA / XXXV / F(aciendum) . C(uravit) T(itus) . LAE(lius?) . S(everus?) //, ou seja “Consagrado aos Deuses Manes. Laelia (?) Ama, (de) 35 (anos de idade). Mandou fazer Titus Laelius (?) Severus (?).” Aquando da visita de Leite de Vasconcelos e mercê da generosidade de Francisco de Mello Cabral e Sousa, dono à época da propriedade, foi esta lápide oferecida ao Museu Ethnologico Português. De facto encontra-se hoje no Museu Nacional de Arqueologia, no Mosteiro dos Jerónimos, fazendo parte da exposição “Religiões da Lusitânia”. Apenas mais uma curiosidade. Na noite que passou na estalagem de Alcáçovas, Leite de Vasconcelos esteve à conversa, à lareira, com a dona da casa. Esta confidenciou-lhe o nome de alguns dos seus filhos e netos: Viriato, Virgílio, Horácio… Perante o sábio estava o testemunho que, apesar de ter desaparecido há quase mil e quinhentos anos, a civilização romana nos legara uma herança que ainda vivia (e vive!) na nossa cultura. Francisco Baião

31


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.