Federaçao Internacional de Fé e Alegria
Memória 2020
Federação Internacional de Fé e Alegria Federação Internacional de Fé y Alegria Coordenador Geral P. Carlos Fritzen, S.J. fi.coordinador@feyalegria.org Equipe da Secretaria Executiva Gerardo Lombardi (Coordenador) Somarick Roca Robby Ospina P. Marco Tulio Gómez, S.J. fi.secrejec@feyalegria.org Conselho Diretivo 2020 - 2021 Fernando Anderlic – Argentina Pe. Daniel Villanueva, S.J. – España Pe. Miquel Cortés, S.J. - Guatemala Sabrina Burgos - Colômbia Suplente: Miguel Molina - Honduras Conselho Diretivo 2021 - 2022 Pe. Daniel Villanueva, S.J. – Espanha Pe. Miquel Cortés, S.J. - Guatemala Sabrina Burgos – Colômbia Miguel Molina - Honduras Suplente: Pe. Alfred Kiteso, S.J. – RD Congo Equipe de Coordenaçao Executiva Eixo Educação Popular Gehiomara Cedeño fi.educacionpopular@feyalegria.org Eixo Novas Fronteiras Pe. Carlos Fritzen, S.J. fi.coordinador@feyalegria.org Eixo Sustentabilidade Gabriel Vélez fi.sostenibilidad@feyalegria.org Eixo Ação Pública Gerardo Lombardi fi.accionpublica@feyalegria.org Responsável da publicação Equipe de Comunicação e Tecnologia Gerardo Lombardi fi.coordcomunicacion@feyalegria.org María Paula Arango fi.comunicacion@feyalegria.org José Ignacio Peraza fi.coordtecnologia@feyalegria.org
Gestão e Produção de Conteúdo Robby Ospina Pablo Ivorra Antonio Pérez-Esclarín Gerardo Lombardi Design e diagramação Natalia Hernández Sánchez behance.net/nataliahs Data de publicação: outubro 2021
Publicação digital em Bogotá, Colômbia Outubro 2021 Arquivo fotográfico Federação Internacional de Fé e Alegria Fé e Alegria nos países
Federação Internacional de Fé e Alegria
Memória 2020
Memória 2020
Conteúdo
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Apresentação
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A Fé e Alegria declara
8 10 14
2
32
Brasil
36
Chade
40
Chile
44
Colômbia
50
Equador
56
El Salvador
62
Espanha
66
Guatemala
72
Haiti
76
Honduras
82
Itália
86
Madagáscar
pelo Pe. Carlos Fritzen, S.J.
a educação em emergência
Missão, visão Decálogo
Plano Global de Prioridades Federativas 2021- 2025
Uma Fé e Alegria viva e aberta as mudanças
Testemunhos, liçoes e desafios em tempos de Covid-19
22
Argentina
28
Bolívia
Federação Internacional de Fé e Alegria
90
Nicarágua
94
Panamá
98
Paraguai
102
Peru
108
Rep. Democrática do Congo
112
Rep. Dominicana
118
Uruguai
122
Venezuela
128
Quantos somos e onde estamos
132
Como nos organizamos
133
Claros e transparentes
134 136
Relatório do parecer de auditoria das Demonstraçoes
Diretoria 2020 - 2021
136
Conselho Diretivo
136
Diretorias Nacionais
140 Escritório e equipe de
130
apoio à coordenaçao geral
Parcerias para a missão
142
Equipe Federativa Internacional 3
Memória 2020
Apresentaçao Pe. Carlos Fritzen, S.J. Coordenador Geral
2020 foi um ano de dor e esperança. A vida humana no planeta foi abalada pela pandemia da Covid-19, que revelou antigas e novas situaçoes de vulnerabilidade e exclusão. O modelo de desenvolvimento predatório, do qual o Papa Francisco alertou, parece ser uma das causas que tendem a agravar esta realidade. E é no mundo dos pobres que os efeitos são mais dramáticos. A “educação est em emergência”. Escolas fechadas, modelos pedagógicos presenciais descontextualizados e a maioria da população desconectada fizeram da educação e da comunicação um privilégio e não um direito da maioria. Os direitos à saúde e alimentação são mais violados do que nunca. Os direitos da terra como nossa Casa Comum e o dever de cuidar dela continuam a ser um grande desafio global. 4
Federação Internacional de Fé e Alegria
O trabalho e uma vida digna continuam a ser uma grande aspiração para mais da metade da população. Esses e outros direitos estão cada vez mais em debate em um campo minado pelas desigualdades. Em última análise, o que está em jogo é o sustento da vida humana na Terra.
Popular garantir a educação de qualidade que nos caracteriza. Tiveram que superar a baixa conectividade à Internet de suas casas e das casas de seus alunos. E tiveram que acompanhar de maneira muito especial as fam lias, que se envolveram mais no processo educativo de seus filhos e filhas.
“Ficar em casa” tem sido impossível para mais da metade da população que tem que sair para ganhar o pão de cada dia. No mundo, uma em cada quatro pessoas não tem água potável em casa, então “lavar as mãos” ainda é uma necessidade e um luxo. “Ficar em casa” também agravou situaçãoes de vulnerabilidade e maus-tratos a meninas, meninos, mulheres e idosos; causando feridas profundas e até a morte. E quando se trata de migrar para outra casa em outro território, as consequências são ainda maiores.
Como Federação Internacional, vivemos um processo rico e participativo de discernimento e planejamento que foi concretizado no Plano Global de Prioridades Federativas 2021-2025 e no Plano de Implementação 2021-2023. Ratificamos e atualizamos nossa missão e visão, os quatro eixos missionários, as nossas doze iniciativas federativas de trabalho conjunto e a forma de proceder para “doar-nos-em-rede”; para nos dar um Movimento de Educação Popular e Promoção Social gerido em redes entre nós e em alianças com outras organizações ligadas à Igreja, à Companhia de Jesus, aos Estados e à Sociedade Civil.
Perdemos muitas vidas humanas em nossos países, famílias e em Fé e Alegria, em decorrência da pandemia. Nossa palavra de lembrança afetuosa e esperançosa vai para elas e eles. Para suas fam lias, uma palavra de conforto e solidariedade. Temos certeza de que eles já desfrutam do abraço e da bênção de nosso bom Pai Deus. Em meio a essa situação mundial, Fé e Alegria continua sendo uma boa notícia para os pobres. A Fé e Alegria se reinventou para dar respostas in ditas a uma realidade que nos pegou de surpresa. Temos respondido à emergência humanitária de várias maneiras e em contextos muito diferentes. Nossos educadores e educadoras não mediram esfor os para ajudar na distribuição de alimentos, kits de sa de e disponibilizando nossos centros educacionais para acompanhar nossos participantes e suas fam lias. Tiveram que adaptar em tempo real os modelos pedagógicos de nossa Educação
Nesta mem ria da Federação Internacional queremos prestar conta desses e de muitos outros processos que vivemos durante 2020. Compartilhamos nossas reflexões e ações em torno da declaração de “Educação em Emergência” como fonte de análise e perspectiva para enfrentar a crise gerada pela pandemia. Atualizamos nossas estat sticas e dados financeiros a fim de garantir a transparência da gestão que nos caracteriza. Contamos os testemunhos das pessoas que fazem de Fé e Alegria um evento, uma experiência de vida, na qual os pobres se tornam os sujeitos de nosso pr prio desenvolvimento. Pessoas transformadas pelo espírito e pela educação para mudar o Mundo. Desfrutem. Excelente leitura!
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Memória 2020
Fé e Alegria declara a educação em emergência
Após várias jornadas de reflexão durante os primeiros oito meses da pandemia, o Conselho de Diretorias Nacionais da Federação Internacional produziu esta declaração, que compartilhamos para referência. O texto completo pode ser encontrado em nosso site www.feyalegria.org e, também, pode ser usado o código QR, na parte inferior desta página. Fé e Alegria declara a educação em emergência Novembro 2020 “Fé e Alegria declara a Educação em Emergência, tem como objetivo promover a garantia do Direito Universal à Educação de Qualidade a partir da perspectiva da Educação Popular em tempos de consequências da Covid-19”. ... “Temos a vontade política de influenciar em processos de mudança e transformação social que se apoiam nas apostas históricas de Fé e Alegria.” ... ““O que está em jogo é a vida sustentável no planeta. A vida no planeta, do jeito que vem, é insustentével. A pandemia expôs uma crise sem precedentes de nossa ‘civilização’.” ... “Nos opomos ao modelo de desenvolvimento predatório. Este modelo que espreme os bens da natureza sem respeitar seus direitos, que a expõe e a sacrifica pelo lucro econômico”. ... “Estamos indignados com o fortalecimento de uma cultura patriarcal. Este mesmo modelo de desenvolvimento e a crise que ele gera, traz consigo desigualdade e iniquidade nas relações humanas...” ...
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Federação Internacional de Fé e Alegria
“O Direito à Educação de Qualidade está ameaçado. Verificamos a redução sistemática dos recursos públicos destinados à educação devido à ausência de políticas públicas que garantam o direito...” ... “Diante dessa realidade, Fé e Alegria se compromete a gerar respostas e propostas, ações e estratégias globais para a transformação social a partir do ‘popular’...” … “Fé e Alegria compromete-se a trabalhar pela educação como bem público no marco dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especialmente o objetivo 4 (ODS4), cujo objetivo é “garantir uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” e a Agenda 2030. …” … “Fé e Alegria promove a Educação para todas y todos em todo lugar”. Promover a garantia do Direito Universal Educação de Qualidade vinculado ao direito à comunicação, que garanta o acesso à educação em primeiro lugar, mas, não qualquer educação, e sim uma educação de qualidade. …” … “Fé e Alegria está comprometida a promover relações de trabalho com pessoas de boa vontade e instituições com os mesmos objetivos de ensino. … tendo em mente a realidade local, sem perder de vista a visão global e as possibilidades de incidência...” … “Nos comprometemos com a gestação e desenvolvimento de um novo modelo educacional, desenvolvimento de um novo modelo educacional, mas da vulnerabilidade pessoal e institucional do que somos e do que fazemos diante da magnitude do desafio... nos comprometemos a:”
“Promover a “educação em emergência” de pessoas em situação de vulnerabilidade para uma Cidadania Global. Desenvolver propostas educacionais mistas e flexíveis que combinem o formal com o não formal, o escolar com o n o escolar e o presencial com a virtualidade através de ferramentas de comunicação disponíveis. …” … “Desenvolver processos de reflexão e formação de educadores e educadoras em torno da educação popular …” … “Ratificar a importância dos centros de ensino como espaço necessário e indispensável aos processos de socialização e cidadania das pessoas.. …” … “Apostar no desenvolvimento integral das pessoas, numa perspectiva de igualdade e equidade em todas as suas expressões, com cuidado e ênfase de gênero; …” “Fé e Alegria está a serviço da sociedade... mais uma vez ratifica seu compromisso de salvar vidas no planeta, …”
Veja aqui a Declaração do Conselho de Diretorias Nacionais da Federação Internacional
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Memória 2020
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Missão
Fé e Alegria é um Movimento Internacional de Educação Popular e Promoção Social, promovido pela Companhia de Jesus em colaboração com diversas pessoas e instituições comprometidas com a construção de um mundo mais humano e justo; que impulsiona desde, com e para as comunidades nas quais trabalha, processos educativos integrais e inclusivos, promovendo e defendendo a universalidade do direito à educação de qualidade como um bem público. A Fé e Alegria está comprometida com a transformação das pessoas e a promoção de uma cidadania global para a construção de sistemas sociais democráticos.
Visão
Fé e Alegria é uma referência de educação popular integral, inclusiva e de qualidade, que atua nas fronteiras da maior exclusão e tem impacto na promoção e defesa do direito universal à educação de qualidade, em um contexto de emergência educacional.
Federação Internacional de Fé e Alegria
Decálogo 1. 2. 3.
Nosso projeto nasce da Fé.
Com alegria como atitude.
Sempre em Movimento.
4.
Educamos.
5.
Somos Educação Popular.
6.
Somos Promoção Social.
7.
Nos comprometemos.
8.
Optamos pelos Setores Excluídos.
9.
Trabalhamos pela Paz e Justiça.
10.
Construímos uma sociedade Fraterna e Democrática.
Veja aqui Nosso Decálogo para a Educação
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Memória 2020
Plan global de prioridades federativas 2021 - 2025 FE Y ALEGRIA
Em 2020, a Federação Internacional de Fé e Alegria atualizou seu “plano missionário”, produzimos o novo Plano Global de Prioridades Federativas 2021 - 2025. Com este Plano Global atualizamos nossa missão e visão, bem como a forma como F e Alegria pretende responder aos desafios e oportunidades que nos são apresentados pelos diversos contextos econômicos, políticos e sociais em que trabalhamos.
Plan Global de Prioridades Federativas
2021 2025 10
Foi um processo participativo de revisão, reflexão, discernimento e planejamento. Nessa jornada, a Federação Internacional de Fé e Alegria declarou a “educação em emergência” como um marco de referência. Estabeleceu como principal desafio a necessidade de unir esforços para continuar contribuindo para superar situações de desigualdade e injustiça social em um contexto caracterizado pela crise da Covid-19, na qual novas e antigas formas de vulnerabilidade e exclusão se tornaram evidentes em todas as partes do mundo. Especialmente entre os mais pobres de nossos países.
Federação Internacional de Fé e Alegria
Durante o processo de discernimento para atualização do “plano missionário”, a Fé e Alegria sempre foi guiada pelas Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus (PAU). Esse diálogo com as PAU nos levou a reafirmar nosso compromisso com os jovens, a acompanhar a espiritualidade das pessoas que fazem Fé e Alegria a partir de nossa identidade de Educação Popular e com o cuidado do lar comum. Tudo isso é expresso nos quatro eixos da missão e nas 12 redes federativas de trabalho, como uma contribuição concreta para a promoção do Direito Universal à Educação de Qualidade. Assim, a Fé e Alegria assume o compromisso de se projetar e se organizar para continuar construindo um Movimento Global! Esperamos fortalecer a missão de fornecer educação de qualidade às populações mais vulneráveis da África, Ásia e América Latina! Por outro lado, no novo Plano Global de Prioridades Federais 2021 - 2025, a
Fé e Alegria aprofundou a importância do trabalho em rede como forma de proceder através do qual as pessoas e organizações vinculadas ao trabalho se comprometem a ser correspons veis pela missão e a colocarem a serviço suas capacidades e recursos particulares. Por fim, a Fé e Alegria está cada vez mais consciente da importância de empreender ações globais que transcendam as fronteiras territoriais e institucionais e que carreguem em si a semente de um mundo mais inclusivo e no qual a plena realização de cada pessoa seja o objetivo de toda transformação social. No Plano Global de Prioridades Federativas 2021-2025, a Fé e Alegria se projeta como um ator global que contribui através da educação e da promoção social para construir sociedades mais justas e mais humanas! Essa é a nossa missão.
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Memória 2020
Eixo Prioritário 1
Eixo Prioritário 2
A educação popular é nosso caminho
Orientamos nosso trabalho para as fronteiras da exclusão
a. Promover a geração de práticas pedagógicas inovadoras, considerando a educação popular como um eixo mission rio, em todas as modalidades e níveis, baseado na escuta, no pensamento crítico e no diálogo entre culturas e gerações. b. Fortalecer as dimensões sociopolíticas e éticas da educação popular com uma intencionalidade transformadora que promova o desenvolvimento de uma cultura democrática com respeito à diversidade, igualdade-equidade de gênero e a partir de uma espiritualidade comprometida com a justiça. c. Potencializar a qualidade educacional com inclusão social, promovendo uma cultura institucional a esse respeito e implementando iniciativas de inovação educacional que considerem a forma o para a vida a partir de um trabalho digno. d. Elaborar propostas de acompanhamento socioafetivo para a busca e construção de sentidos para a vida pessoal e comunitária.
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a. Nos países onde estamos presentes, desenvolver novas iniciativas que contribuam para a inserção social, cultural e laboral das pessoas vítimas de violência, discriminação ou novas formas de exclusão social, bem como a migração, e uma atenção especial à proteção da infância. b. Estudar, promover e acompanhar a criação e o fortalecimento de Fé e Alegria em novos países, na África, Ásia e outros continentes, enriquecendo a proposta socioeducativa de Fé e Alegria de acordo com os textos e culturas, priorizando os lugares onde há maior necessidade ou exclusão. c. Dinamizar a missão institucional, prestando atenção ao desenvolvimento de novos temas de reflexão e resposta aos desafios do contexto para a ação missionária e, neste período particular, para responder educação na emergência da crise de saúde pós-Covid-19, à ajuda humanitária, à espiritualidade e aos cuidados com o lar comum.
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Eixo Prioritário 3
Eixo Prioritário 4
Sustentabilidade é nosso compromisso
A nossa ação pública incide nos processos de transformação cultural, social e política
a. Atender à renovação da identidade institucional, fortalecendo sua dimensão espiritual e contando com a contribuição dos carismas e espiritualidades em Fé e Alegria. b. Implementar uma proposta de fortalecimento institucional e gestão flexível e inovadora, incorporando aspectos de melhoria no nível de planejamento, avaliação e gestão da informação e do conhecimento. c. Diversificar e expandir nossas parcerias e fontes de recursos para servir à missão, desenvolvendo estratégias de colaboração nacionais e regionais, e mantendo e fortalecendo as já existentes, com ênfase na transparência.
a. Desenvolver propostas e promover suas próprias iniciativas de advocacy e/ou participar de alian as e redes com outros atores para a transformação social e a defesa do direito universal à educação de qualidade como bem público nas esferas estatal, privada e da sociedade civil. b. Construir e posicionar novas narrativas de vida comum, promovendo uma mudança de valores em nossa sociedade com base na proposta de Fé e Alegria e acompanhando os jovens como fator central para a renovação ética e cultural, promovendo a cidadania global. c. Dinamizar e renovar as modalidades de v nculos com as comunidades diante das mudanças nas realidades locais e na realidade institucional de Fé e Alegria.
Veja aqui nosso Plano Global de Prioridades Federativas 2021-2025
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Memória 2020
Uma Fé e Alegria viva e aberta às mudanças. Testemunhos, lições e desafios em tempos de Covid-19
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Federação Internacional de Fé e Alegria
A pandemia da COVID-19 aprofundou as graves crises e privações das populações com as quais Fé e Alegria trabalha e trouxe mais incerteza, medo, sofrimento e morte. É uma grande falácia dizer, ingenuamente, que a pandemia trata a todos igualmente, quando a realidade é que ela atinge mais duramente as populações vulneráveis. Não é verdade que todos nós estamos, durante esta crise, no mesmo barco. Estamos, sim, na mesma tempestade. Para alguns, é muito fácil cumprir as recomendações tais como “fique em casa”, “lave as mãos”, “use máscara” e “mantenha distanciamento social”. Para aqueles que não têm água, vivem em condições de superlotação, não podem comprar gel nem máscaras e não podem comer a menos que saiam para trabalhar, estas simples recomendações são impossíveis de serem cumpridas. Na educação, também, são os pobres que sofrem as piores consequências. Diante da dificuldade de realizar uma educação presencial, que é o que torna possível a verdadeira educação, foi proposta a educação virtual. Não podemos ignorar o fato de que nem todos têm acesso igual a este mundo virtual, o que significa que, além das novas discriminações e desigualdades, existem também as digitais, já que as populações mais vulneráveis e os grupos empobrecidos e excluídos, mal podem acessar o mundo da Internet. Por esta razão, os termos info-pobres e info-ricos foram cunhados há muito tempo para sublinhar a exclusão digital. E se, para muitas pessoas, navegar na Internet é uma tarefa cotidiana, não podemos nos esquecer que, no mundo inteiro, ainda existem mais de 4 bilhões de pessoas que vivem sem acesso à Internet. De acordo com a União Internacional de Telecomunicações (UIT), a agência de comunicação e novas tecnologias, apenas 51% da população mundial está conectada à Internet: mais
de 85% nas regiões desenvolvidas (Europa, América do Norte), mas, menos de 40% nas regiões mais pobres, como África e América Latina. De fato, embora muitos acreditem que as novas tecnologias estejam contribuindo para uma maior igualdade na educação, a realidade é que, com seu uso muito desigual, em vez de favorecer a democratização e uma maior extens o da educa o, elas estão levando à discriminação contra pessoas que, por causa de seus recursos econômicos ou da área ou países onde vivem, não podem ter acesso a essas novas ferramentas. O problema é que a brecha digital se torna uma brecha social, de modo que a tecnologia acaba sendo um elemento de exclusão e não de inclusão social. No entanto, apesar das carências e dos choques causados pelo fechamento das escolas e pelo confinamento forçado, Fé e Alegria respondeu com muita ousadia, empenho e criatividade para conseguir que a educação não parasse e continuasse sendo garantida para seus alunos. A emergência educacional nos obrigou a dar prioridade à educação à distância, o que significava: assumir a virtualidade sem estar preparados tecnológica ou pedagogicamente para ela; cobrir o potencial educacional das rádios; redimensionar o planejamento e os projetos; assumir novos papéis; reorganizar as equipes; promover articulações e redes; reinventar novas formas de acompanhamento e reuniões; e até mesmo acelerar o processo de comunicação e articulação internacional, que devemos continuar aperfeiçoando. Também porque o confinamento aprofundou a pobreza e a fome, pois a maioria das famílias de Fé e Alegria, trabalhando na economia informal, foram forçadas a permanecer em casa e ficaram sem renda, a ajuda humanitária teve que ser multiplicada para distribuir sacos de alimentos e kits de higiene.
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Memória 2020
É incrível e digno de admiração e reconhecimento o trabalho da maioria das pessoas de Fé e Alegria que, apesar de sofrer diretamente as terríveis consequências do coronavírus e a precariedade dos recursos para lidar com ele, mostraram e continua mostrando um grande empenho e criatividade extraordinária. Eles não se encolheram diante de problemas e deficiências, mas os transformaram em desafios a serem superados. Elas tiveram que treinar, extensivamente, no uso de novas tecnologias; conseguiram obter smartphones e pagar conexão de dados; passaram seus dias enviando e recebendo mensagens por e-mail e WhatsApp; gravaram aulas de rádio e prepararam guias de estudo, que até entregaram em casa; e participaram de inúmeras reuniões virtuais de formação. Todos os diretores reconhecem e destacam com entusiasmo a dedicação de sua equipe. Isso confirma, mais uma vez, que o principal ativo de Fé e Alegria são as pessoas, uma garantia para continuar inovando e nos recriando de forma permanente. A seguir, apresentamos as realizações mais significativas em cada país e as acompanhamos com alguns testemunhos que exemplificam o que dizemos e mostram a qualidade humana de nosso povo. No final, tentamos uma leitura transversal do que foi expresso a fim de detectar os brotos dessa nova Fé e Alegria que já est nascendo, mas, que devemos continuar a fortalecer para que responda com maior coerência, como movimento de educação popular e promoção social, às exigências dos novos contextos e realidades.
Lições e desafios “Não podemos querer que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a maior bênção que pode acontecer às pessoas, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia assim como o dia nasce da noite escura. É na crise que surge a invenção, a descoberta e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo. Quem atribui à crise seus fracassos e lamúrias, violenta seu próprio talento e tem mais respeito a problemas que soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a dificuldade para encontrar as saídas e as soluções. Sem crises não há méritos. É na crise que aflora o melhor de cada um. Calar-se na crise é exaltar o conformismo. Em vez disto, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la” (texto atribuído a Albert Einstein).
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Federação Internacional de Fé e Alegria
A pandemia da COVID-19 aprofundou as pandemias da fome, da miséria e das dificuldades das populações mais vulneráveis, que são os sujeitos inalienáveis do trabalho de Fé e Alegria. É por isso que devemos sair desta crise fortalecidos e renovados para assumir com maior radicalidade e coerência os princípios fundamentais da educação popular, que são mais relevantes hoje do que nunca. As disparidades sociais e econômicas se ampliaram, o que torna necessário mudar os modelos políticos, econômicos, sociais e educacionais. A COVID-19 revelou muitas das carências da nossa sociedade e, principalmente, a crise educacional que, há algum tempo, a educação popular e as pedagogias críticas vêm apontando porque, ao invés de focar na transformação da realidade e na criação de um mundo mais justo e fraterno, estava ajudando a reproduzir o mundo injusto em que vivemos e a agravar as desigualdades. Educação na qual continua enraizada uma pedagogia bancária que nega aos sujeitos e privilegia aprendizagens descontextualizadas e parceladas, repetitivas, que exilam os valores intrínsecos do ser humano e não
leva em conta sua integralidade. Em particular, sua afetividade, identidade, cidadania, espiritualidade e sentido da vida. Consequentemente, as emergências humanas e educacionais gritam para nós - e para todos de Fé e Alegria - a necessidade de questionar, em profundidade, o que fazemos e de tentar uma mudança profunda em nossa visção, organização e formas de proceder e fazer as coisas. Precisamos fomentar uma vis o epistemológica que se baseie no reconhecimento do espancado e do ferido, ver as suas necessidades e aprender a ser como o Bom Samaritano (Lc 10, 25-37), destacando a compaixção, o amor ao próximo, a humildade e a humanidade. A pandemia nos convida a repensar nossos valores e princ pios humanos com um olhar de sustentabilidade baseado na ecologia, no cuidado com o lar comum e na construção da cidadania, a fim de caminhar em direção a uma sociedade participativa, protagonista, equitativa com uma economia solidária, com formação e trabalho produtivo em nível local e global para todos e todas. 17
Memória 2020
Isto implica em repensar seriamente os fins da educação e os meios que utilizamos para atingir esses fins, buscando maior coerência entre as proclamações e os fatos, entre os desejos e as realidades. A pandemia nos leva de volta ao nosso lugar epistemológico: o lugar dos pobres e excluídos da sociedade; nos lembra de onde viemos, nossas raízes; exige que nos comprometamos a acabar com todos os tipos de exclusão, discriminação e a busca de condições de vida digna para todas as populações que a têm negada e que são os sujeitos de nossa escolha.
Dado que é evidente que em Fé e Alegria o discurso da educação inaciana se impõe cada vez mais ao da educação popular, é urgente um diálogo sincero, profundo e sem preconceitos para analisar suas coincidências, destacar as possíveis diferenças e, sobretudo, enriquecer mutuamente ambas as propostas para que possamos alcançar maior coerência entre desejos e práticas, entre proclamações e realidades. Embora seja fácil concordar sobre as intenções libertadoras, temos a obrigação de discernir se nossa maneira de proceder e os valores que estão embutidos em nossas estruturas e práticas tornam possível alcançar os objetivos que visamos. Poderia ser um erro grave replicar os modelos tradicionais de educação das classes alta e média com os pobres, sem a devida análise. Não esqueçamos que a educação popular é uma proposta ética, política, pedagógica e epistemológica, destinada a transformar as pessoas para que elas se tornem sujeitos de transformação das estruturas e valores que causam e mantêm a injustiça e a exclusão. Isso supõe, antes de tudo, neste momento em que a pandemia deixou milhões de pessoas sem educação e corre-se o risco de que os governos, diante da crise econômica, deixem de priorizar a educação, intensificar os esforços para garantir - a todos e todas uma educação de qualidade, que é o meio essencial para o desenvolvimento pessoal e social. Isso exige defender, com força, a educação pública de qualidade como um direito fundamental e combater a mentalidade que quer torná-la uma mercadoria ou um privilégio. E, também, supõe a conscientização de que a educação é responsabilidade de todos. Se a educação é um direito essencial - porque possibilita a realização de outros direitos fundamentais – é, também, um dever de toda a sociedade.
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Federação Internacional de Fé e Alegria
Por esta razão, a Fé e Alegria deve se articular mais estreitamente como um movimento global para se posicionar como um ator internacional e nacional, e levantar sua voz com mais força em todas as esferas, órgãos, organizações e fóruns para que os Estados e órgãos públicos, instituições, igrejas, mídia e sindicatos apoiem a educação como um meio essencial para construir a cidadania e combater as pandemias da fome, da injustiça e da miséria. Isso pressupõe que a Fé e Alegria deve se assumir como um ator internacional e nacional relevante no campo da educação popular de qualidade, a fim de influenciar a definição de políticas de cooperação internacional e políticas de educação pública nos Estados, com ênfase no aumento do orçamento público para a educação. O objetivo é desenvolver um modelo educacional próprio, de Fé e Alegria, apresentado com humildade e convicção como uma resposta à crescente insatisfação com os modelos educacionais atuais e ao clamor generalizado da necessidade de mudar a educação. Naturalmente, este modelo deve ser desenvolvido a partir das necessidades dos empobrecidos e marginalizados que precisam de uma educação que os torne sujeitos de suas vidas e da construção de um mundo mais humano. Este modelo deve abandonar, de uma vez por todas, aquela educação que nos ensina a responder perguntas inconsequentes e alheias às realidades e preocupações dos estudantes, e trabalhar para uma educação que nos ensine a questionar permanentemente a realidade cotidiana a fim de descobrir os mecanismos de opressão e discriminação, e para promover o pensamento crítico e autocrítico. Uma educação que nos ensine a não repetir informações, mas a processá-las e analisá-las.
Uma educação para resolver problemas, para reconhecer e desmistificar as propostas mágicas de certeza que nos chegam dos centros de poder, que não buscam, precisamente, transformar o mundo, mas sim mantê-lo na injustiça e desumanidade. Uma educação que nos ensine a desaprender, aprender e reaprender, permanentemente e que promova, mais do que ensinar, o aprendizado contínuo. Uma educação cada vez mais integrada e articulada com as famílias e comunidades, o que implica, entre outras coisas, currículos flexíveis, relevantes e diferentes que respondam às suas próprias realidades e necessidades e contribuam para sua promoção social e comunitária. Uma educação que recupere a rádio e aumente seu enorme potencial educacional e assuma a mídia como veículos genuinamente formativos que promovam o pensamento crítico e autocrítico e combatam a cultura da superficialidade, trivialidade, falsas verdades, boatos e fofocas, e se tornem a voz de todos aqueles a quem é negada a palavra. Uma educação que contribua para superar a brecha digital e forneça a todos o acesso à educação virtual - porque hoje o direito à educação envolve o direito de estar conectados - mas que mantenha e encoraje uma atitude crítica em relação à excessiva mitologia das tecnologias e seu possível uso para impor modelos autoritários que restringem as liberdades. Uma educação que também ajude a avançar para um uso mais pedagógico das tecnologias, que têm o perigo de favorecer e incentivar uma educação monetária, transmissiva e não uma educação que promova o pensamento crítico, a aprendizagem e a co-aprendizagem, e o diálogo de saberes. Hoje, as tecnologias estão sendo geralmente utilizadas de forma transmissora, como se fossem para substituir por telas os antigos quadros negros ou livros de texto.
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Precisamos urgentemente avançar no uso mais apropriado das tecnologias para permitir uma maior autonomia na aprendizagem e na formação. Por esta razão, o fornecimento de tecnologias e os esforços para alcançar uma melhor conectividade devem ser acompanhados de formação pedagógica para garantir seu uso adequado, que nos permitirá estabelecer verdadeiras redes que impulsionem alianças entre nós e com aqueles que perseguem objetivos similares, uma coordenação mais estreita e o intercâmbio formativo de práticas que contribuam para resolver os problemas coletivamente e para fomentar a solidariedade e o compromisso. Mas, além de tudo isso, a educação deve retomar fortemente sua essência humanizadora e ser orientada para a formação de valores humanos essenciais que nos permitam realizar-nos como pessoas autênticas, conviver com pessoas diferentes e defender a vida humana, animal e vegetal onde quer que ela esteja sendo ameaçada, maltratada e destruída. Uma educação que considere a diversidade como riqueza, fortaleça uma cultura democrática e combata todo comportamento racista, discriminatório e excludente. Daí, a necessidade de um modelo educacional que promova o pensamento crítico, o desenvolvimento da comunicação e das competências criativas, as capacidades para sustentar a disciplina de aprendizagem contínua e trabalho em equipe, a produtividade e empreendedorismo para a promoção social e a sustentabilidade, e, acima tudo, a formação humana. Uma educação que ensine a conectar coração, mãos e cérebro, e cultivar o mundo interior; que desenvolva a inteligência emocional e espiritual, que permita compreender, modular e transformar emoções, os sentimentos das pessoas e desenvolver empatia, compaixão e solidariedade.
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Uma educação que nos ensine a viver plenamente, a conviver com pessoas diferentes e com a natureza, a viver para os outros, a dedicar a vida ao serviço efetivo e amoroso para com os outros, para alcançar um mundo mais justo e fraterno. Para isso, precisamos carregar de sentido humano, espiritual, integral, inclusivo, transformador, ecológico, democrático e flexível, os processos de ensino, de convivência, os gerenciais, pastorais e comunitários; enfatizar o que é realmente importante; destacar o desenvolvimento de habilidades, capacidades, competências e atitudes para a vida, evitando o apego ao acúmulo de conteúdo programático ou de atividades e práticas que não ajudam a aprender, a ser, a conviver nem transformar. Isto exigirá que insistamos na formação pedagógica, humana e espiritual contínua de todos nós, para nos tornarmos verdadeiros educadores e professores populares da vida, o que envolve uma conversão e revisão permanente não tanto de nossas palavras e boas intenções, mas sim, de nossas ações e formas de agir. É difícil reconhecer que as novas gerações, muitas vezes, não conseguem encontrar “professores de vida”. Que tipo de vida nossos jovens podem encontrar em uma educação mutilada que fornece dados, números e códigos, mas sem respostas para as perguntas mais perturbadoras do ser humano? O ensino reduzido à informação, no qual o professor pode ser substituído pelo vídeo ou programa de computador correspondente, dificilmente ajudará os alunos a crescer. Nossa sociedade precisa de “professores de existência”. Homens e mulheres que ensinem a arte de abrir os olhos, maravilhando-se com a vida e se perguntando com simplicidade pelo significado último de tudo. Professores que, com seu testemunho pessoal de vida,
semeiem a inquietude e o compromisso, contagiem a vida e ajudem a fazer, honestamente, as perguntas mais profundas da existência e dediquem suas vidas na defesa de uma vida digna para todos e todas. A formação como processo de transformação só é possível quando a pessoa reconhece e aceita a necessidade de mudança, de conversão para uma nova concepção e estilo de assumir seu papel como educador. Portanto, o processo formativo e transformador deve ser dirigido a todos, inclusive, e especialmente, aos gestores, para que eles possam assumir cada vez mais um papel de liderança. Como afirma Xavier Marcet, “é nas adversidades da complexidade, como a produzida nesta crise global do coronavírus, que as lideranças genuínas são postas à prova”. Precisamos de líderes que, neste momento, em vez de ficarem “sozinhos diante do perigo”, projetem suas equipes e as estimulem a ter o melhor desempenho possível. Que atraiam perfis mais poderosos do que os seus para enfrentar a complexidade com algumas opções. É claro que preferimos líderes que sejam pessoas humildes e boas, mas também precisamos que eles sejam capazes. E quando digo capazes, não quero dizer infalíveis. Refiro-me à capacidade de tomar decisões em meio a dúvidas e de se corrigirem sem o menor traço de arrogância. Há momentos em que apenas a capacidade e a autenticidade contam. Precisamos aprender a liderar à distância. Saber como alinhar equipes e reconhecer pessoas sem a necessidade da presença física. Os gestores estão aí para liderar. Seu trabalho é tomar decisões e multiplicar por meio do empoderamento das pessoas. Sem empoderar, não multiplicam, e os gestores não estão aí para somar, mas sim para multiplicar”.
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Memória 2020
Argentina
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Testemunho
Candela Tem 18 anos. Ele é aluna da Escola Fé e Alegria, no bairro Ongay. Seu sonho, quando terminar o ensino médio, é continuar seus estudos em psicologia. Até aí, parece ser a história de uma adolescente normal que, em tempos de pandemia, conta como vai a sua vida na escola, mas não é. Candela virou notícia nacional por ser um verdadeiro exemplo de luta e perseverança. Acompanhada de sua família e professores, pode-se dizer que ela está lidando com muita valentia a difícil tarefa de aprender a distância, pois sofre de paralisia cerebral espástica, o que a impede de controlar suas articulações e tem pouca visão. Por isso, continuar seus estudos ficou mais complicado. Graças à ajuda de seus professores, ela conseguiu continuar a quarta série do ensino médio através de videochamadas, até agora com muito bons resultados. A escolha de cursar Psicologia deve-se ao seu grande desejo de “ajudar pessoas como ela”. Ela quer seguir os passos de uma profissional da mesma carreira que a ajudou quando era mais jovem e despertou nela grande admiração. Para Candela, a pandemia da COVID-19 e, portanto, o fim das aulas presenciais, mudou sua vida. Não só porque deixou de contatar os amigos, de frequentar a escola, mas porque tudo ficou muito mais difícil. Para ela, ao contrário de seus colegas, a única maneira de continuar estudando é através das videochamadas, pois não consegue escrever e os professores precisam saber que ela está entendendo o que está sendo ensinado. “Para poder dar aulas a Candela,
tive que adaptar um canto da minha casa, instalar uma lousa ecológica, comprar um tripé para o telefone e até um fone semiprofissional para poder ouvi-la melhor”, diz Oscar Ayala, professor de matemática.
Candela virou notícia nacional por ser um verdadeiro exemplo de luta e perseverança.
A diferença com os demais alunos é que a jovem de 18 anos - que sonha em ser psicóloga - não pode fazer os deveres em casa, mas sim junto com os professores. Para isso, cada professor deve dedicar um tempo extra exclusivo para ela, a quem acompanham desde o início do ensino médio. “Todos nos adaptamos a este novo tempo que temos que viver e o fazemos com muita responsabilidade. O caso da Cande fica mais visível pelo esforço que ela faz para continuar estudando, mas a verdade é que tivemos que nos adaptar à realidade de todos os nossos alunos”, admite Ayala. A escola, onde o professor de matemática dá aulas, fica em um dos bairros carentes da capital de Corrientes. É lá que podemos conferir, com certeza, a diferença de conectividade com outras áreas da cidade ou da província. “Acontece que, às vezes, temos várias crianças em idade escolar na mesma casa e todas elas dependem de um telefone, então elas enviam seus deveres de casa quando podem, quando seus irmãos as
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deixam ou quando têm dados, o que nem sempre é o caso. Algumas delas até enviam sábado à noite ou no domingo, e temos que estar atentos”, diz o professor. Candela agradece seus professores e sua professora de integração pela maneira como eles a tratam. “Eles são muito legais comigo. Eles me tratam como uma garota normal. Isso me ajuda muito. Alguns dos meus professores me ligam, me ajudam e eu estudo com minha professora de integração, María José”, explica ela com entusiasmo.
“Eles são muito legais comigo. Eles me tratam como uma garota normal. Isso me ajuda muito.”
A jovem conhece perfeitamente suas limitações. Ela diz, inclusive, que usa um telefone para estudar, com tudo o que isso significa. “A bateria dura pouco e minhas aulas às vezes são longas”, diz ela, porque cada professor demanda um pouco mais de uma hora de conexão com Candela. Sem dúvida, casos como este são um verdadeiro desafio para o sistema educacional. Esta pandemia surpreendeu todos os setores igualmente e a verdade é que nós professores não estávamos preparados para lidar com pouco mais de meio ano de aulas virtuais. Foi uma mudança estrondosa que exigiu muita criatividade, compromisso e empatia”, diz Oscar Ayala.
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Candela é a mais nova de quatro irmãos. Sua mãe, Margarita, fica maravilhada com a paixão que ela coloca em estudar: “Às vezes uma de suas irmãs, que está estudando educação física, a ajuda, mas, seu maior apoio são seus professores e sua professora de integração”, diz ela, sem esquecer que o principal problema que elas têm é muitas vezes a falta de uma boa conexão à Internet e até mesmo a falta de dados móveis. “Nós, a escola e as crianças desta história somos parte de um bairro carente onde a maioria não tem wifi, trabalham com dados móveis e, às vezes, não têm crédito em seus celulares e, do jeito que for, temos que acompanhá-las para que possam continuar estudando e, sobretudo, para manter o vínculo, o contato com nossos alunos”, diz o vice-diretor do Colégio Fé e Alegria, Vicente Ayala.
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São problemas reais que a família educacional tem que enfrentar diariamente, mas, para Candela, isso não é o mais importante porque pode ser resolvido. Seu apelo à sociedade é para que não a discriminem: “A única coisa que eu lhes peço, quando me vejam na rua, é que não falem ‘coitadinha, pobre garota’, que não me olhem de forma esquisita, só quero que me digam ‘força’. Não quero que sintam pena de mim”, diz ela emocionada. Quando ela entrou na primeira série, foi algo novo para todos porque ela foi a primeira aluna com deficiência a frequentar a escola. Hoje, está plenamente incluída, aprendendo e feliz, embora sinta falta das aulas presenciais. Ela recebe o apoio necessário e, quando terminar seus estudos, terá seu diploma em pé de igualdade com o res-
to dos estudantes. “Pessoas como eu muitas vezes não se atrevem a ir para uma escola regular. Existe muito medo do preconceito e da discriminação”, afirma a jovem. Margarita, mãe de Candela, agradece por sua filha nunca ter sofrido discriminação na escola, mas, no seu papel de mãe, foi muito difícil para ela aceitar que não conseguiria andar e reconhece que existem muitos preconceitos em torno da deficiência. “Minha filha nasceu com 29 semanas de gestação de uma gravidez gemelar, da qual apenas ela conseguiu viver.”
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era feita nas escolas para os representantes das famílias. Também aproveitamos a oportunidade para dar-lhes indicações sobre a importância de prevenir contágios e como fazê-lo.
Lições e desafios
Os professores são o grande capital que temos A pandemia nos pegou desarmados, sem recursos para enfrentá-la, e tivemos que nos reinventar e mudar completamente nossos planos. No dia 3 de março de 2020, iniciamos o novo ano letivo e no dia 8 de março fomos forçados a fechar as escolas. Alguns professores nem chegaram a conhecer seus alunos. Embora a perplexidade fosse generalizada, uma resposta coletiva e criativa logo apareceu. Os professores se organizaram em grupos e passaram a contatar e organizar seus alunos e famílias. Felizmente, e como somos poucos, contamos com uma estrutura tecnológica que nos permite contatar e acompanhar cada um de nossos alunos e suas famílias. À medida que a pandemia e o confinamento forçado aprofundaram a miséria das famílias de nossos alunos, organizamos a coleta e distribuição de alimentos e de kits de higiene para aliviar a fome e prevenir contágios. Toda semana, a distribuição
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A educação não parou. Improvisamos cursos virtuais, formamos grupos no WhatsApp, Facebook e outras plataformas digitais, e preparamos materiais e guias de estudo para aqueles estudantes e famílias que não tinham recursos tecnológicos. Para prevenir os perigos do confinamento forçado, com suas consequências de violência doméstica e problemas de estresse, angústia e medo, demos prioridade ao acompanhamento emocional e espiritual, à pedagogia do cuidado, e insistimos muito na convivência, respeito e solidariedade. Fernando Anderlic, diretor de Fé e Alegria Argentina, insiste em ressaltar a resposta generosa e criativa do pessoal: “O entusiasmo com que assumiram os novos desafios é incrível. Estou muito orgulhoso deles. Eu diria até mesmo que a pandemia nos aproximou e fortaleceu nossos laços de amizade. Além disso, a pandemia foi uma oportunidade de se aproximar das famílias e de resgatar seu papel essencial como primeiros educadores de seus filhos. É claro que temos que continuar a fortalecer esta relação e começar a construir uma escola-comunidade onde nos educamos todos juntos e resolvamos os problemas de forma criativa e solidária. Além disso, durante a pandemia, estreitamos mais os laços com as Fé e Alegria próximas, que já vínhamos trabalhando desde antes, especialmente com as redes de jovens para que assumissem a liderança que lhes corresponde na transformação do mundo injusto e excludente de hoje. Nas
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palavras de um jovem participante, “com a situação criada pela crise sanitária, continuamos a trabalhando virtualmente e, este ano, no planejamento anual, decidimos mostrar a nossa indignação com todas as situações que impedem o direito à educação. O trabalho à distância tem sido baseado em três eixos: direito à educação, cuidados e afetividade, e violência de gênero. Confrontar os fatos indignantes, especialmente a brecha de conectividade e a falta de recursos... há muitos meninos e meninas na minha comunidade que não podem acessar a educação virtual porque não têm telefone celular ou computador, ou porque não têm acesso à Internet. Por isso, me comprometo a continuar trabalhando e fazendo parte do grupo de lideranças juvenis para, junto com eles, ver uma solução para que eles consigam, em solidariedade, os recursos de que precisam”.
original, de educação de qualidade para os pobres, onde possamos concretizar os princípios teóricos com base nas ricas experiências que estão sendo realizadas em diferentes países. Isto significa libertar pessoas com grande capacidade de reflexão, pesquisa, sistematização e proposta, capazes de pensar e visualizar o futuro de Fé e Alegria. Isto vai contribuir para fomentar nossa identidade e nossa união. Além disso, desta forma, poderíamos ter um impacto muito maior no mundo da educação e ajudar a tornar realidade a proposta de educação de qualidade para todos e todas. Esta poderia ser nossa principal contribuição nesses tempos em que há um consenso crescente sobre a necessidade de mudar o modelo de ensino atual.
A articulação entre países vizinhos tem nos permitido celebrar algumas Eucaristias e liturgias da palavra, e organizar, juntos, dias de formação em espiritualidade, pertença e identidade. Acreditamos que esta é uma das dimensões que devemos continuar fortalecendo para criar gradativamente a consciência de pertencer a um movimento de ensino multinacional. Entre as propostas a serem trabalhadas, vemos a necessidade de fazer grandes esforços para fornecer às escolas os recursos tecnológicos necessários para responder adequadamente aos desafios da educação virtual, que veio para ficar, e que não podemos ignorar se estamos realmente buscando uma educação de qualidade. Fernando acredita que um dos desafios mais importantes para Fé e Alegria, em nível federal, é ter a ousadia de realizar e propor um modelo educacional próprio,
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Bolívia
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Testemunho
Julia Rocabado A professora Julia é professora do Colégio América de Fé e Alegria, do Plano 3.000 na Bolívia. Ele tem 75 anos e um extraordinário espírito jovem. Educadora por vocação, dedicou toda a sua vida ao ensino com paixão e dedicação, e pretende continuar enquanto tiver forças. Ela fala com convicção: “Não interrompi as atividades, continuei porque gosto de minha carreira. As pessoas me perguntam por que continuo Julia é uma das famílias afetadas pelas continuo trabalhando e eu respondo que é porque gosto disso. Eles dizem ‘aposente-se’, mas eu não quero.”
“Se tivesse que trilhar o caminho - novo para ela das tecnologias, ela, embora a idade, o faria.”
Julia é uma das famílias afetadas pelas enchentes em Santa Cruz, em 1983. Ela teve que deixar sua terra e veio para o bairro Toro, onde mora desde então e cumpre sua missão de educadora com profunda “Fé” e com muita “Alegria”.
Quando a pandemia chegou e as aulas presenciais foram abolidas, ela conseguiu continuar a educar seus alunos à distância. Se fosse necessário trilhar o caminho - novo para ela - das tecnologias, ela, apesar da idade, o faria. Com a ajuda da neta, ela transformou um canto de sua casa em uma sala de aula virtual, instalou um quadro negro, monitor, laptop, webcam e todos os acessórios necessários para continuar ensinando seus alunos. “Procuramos com os nossos próprios meios fazer o melhor possível. A pequena câmera é para sair bem. Eu mesma pago pela internet.” A professora Julia ensina seis matérias para seus alunos da quarta série, incluindo Matemática, Ciências Sociais e Valores. Sua neta está sempre ao seu lado para ajudá-la com a tecnologia.
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Memória 2020
tério da Educação, para viabilizar a educação a distância de meninas e meninos por meio da rádio.
Lições e desafios
Ninguém para a Fé e Alegria A presença da COVID-19 na Bolívia foi tão repentina e acelerada que não demorou nem sete dias, após o aparecimento do paciente zero, para que as autoridades nacionais decretassem a suspensão das atividades escolares e educacionais em todo o país. A decisão foi tão repentina que ninguém estava preparado para o que estava por vir. Entretanto, a Fé e Alegria nunca aceitou que os estudantes ficassem sem educação e decidiu iniciar, quase imediatamente, com grande coragem e criatividade, uma experiência de ensino virtual chamada “Cruzada Educativa Online” para que estudantes de diferentes modalidades e níveis de ensino pudessem exercer seu direito a uma educação de qualidade em tempos de quarentena pelo coronavírus. Os professores tomaram a iniciativa e, com muita dedicação e entusiasmo, se dedicaram a preparar materiais, unidades didáticas ou aulas por rádio para chegar a lugares onde não havia conectividade ou eram muito precários. No que se refere à educação radiofônica, vale destacar a assinatura de um convênio entre a Fundação IRFA, o Conselho dos Capitães Guaranis de Santa Cruz e o Minis-
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Tomando precauções sanitárias, mas superando o medo e a insegurança, também distribuímos materiais de casa em casa, e um dia por semana os professores se reuniam com seus alunos em um terreno baldio ou em um quiosque na praça. Assim, quando a educação na Bolívia estava quase completamente paralisada - porque o Ministério fechou o ano letivo e os sindicatos se recusaram a implementar a educação virtual ou à distância, alegando que não tinham condições para isso - a Fé e Alegria decidiu não parar. O Pe. Francisco Pifarré, S. J., diretor nacional de Fé e Alegria Bolívia, destaca com verdadeiro orgulho: “A Fé e Alegria ninguém a segura”. Para justificar sua atitude, que poderia ser tomada como rebeldia, lançamos mão da Constituição, que garante o direito à educação. A maioria dos centros de ensino da igreja aderiram à atitude de Fé e Alegria e, até mesmo, algumas escolas fiscais seguiram seu exemplo. A decisão e o exemplo de Fé e Alegria de educar em situações de emergência, apesar dos problemas, favoreceu alianças com o Ministério da Educação e tornou possível o intercâmbio de práticas e propostas. As parcerias com outras organizações educacionais, sanitárias e humanitárias também foram fortalecidas. Vale ressaltar o processo de formação que ocorreu entre os próprios professores, de acordo com as habilidades de cada um que eles colocaram à disposição dos colegas. Eles foram treinados no uso de tecnologias e receberam cursos de identidade e diversidades didáticas. A situação de precariedade, incertezas e dificuldades, fortaleceu o trabalho pastoral, a formação de valores e a
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espiritualidade que foi trabalhada como elemento essencial para fortalecer a identidade e a vocação de servir. Como fato significativo que reforça o que foi dito, mais de cem professores realizaram os Exercícios Espirituais de Santo Inácio durante quinze dias. Os alunos, por sua vez, demonstraram também um grande espírito de iniciativa e foram se organizando, comunicando e formando através de diferentes plataformas digitais. Além da disposição e do compromisso dos professores e do pessoal do escritório, vale destacar o envolvimento próximo e o apoio decidido de pais e responsáveis que, junto com os professores, assumiram seu papel como os principais educadores de seus filhos. Devemos até mesmo sublinhar que a pandemia nos permitiu estar mais unidos e articulados com eles. Encorajou, também, como nunca, o trabalho comunitário, fato que devemos continuar a fortalecer após a pandemia. Em Fé e Alegria Bolívia, acreditamos que a pandemia revitalizou a importância da escola como ponto de articulação e força
social. Também acreditamos que devemos repensar a Educação Técnica e Tecnológica Produtiva a fim de projetá-la com base nas características próprias das comunidades, levando em conta o que as pessoas sabem fazer, seus conhecimentos e técnicas locais, o desenvolvimento de seu capital humano, o desenvolvimento de sua atividade econômica produtiva local, de acordo com seus recursos, necessidades, vocações e potencialidades. A Educação Técnica e Tecnológica Produtiva foi revitalizada nestes tempos de crise social e econômica que vivemos devido à COVID-19, pois é uma formação mais curta e requer menos investimento. Devemos, portanto, assimilar com calma as lições aprendidas, que nos obrigaram a replanejar e a lidar, criativamente, com muitas situações inéditas. Destacamos, também, a necessidade de um maior fortalecimento das redes que permitam uma melhor articulação entre as diferentes organizações de Fé e Alegria, permitindo-nos crescer através do intercâmbio de experiências, boas práticas e recursos, tanto econômicos como humanos, e repensar e construir juntos o futuro de Fé e Alegria.
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Brasil
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Testemunho
José Alberto Romero Blanco Meu nome é José Romero, sou migrante venezuelano que, como milhares, um dia cheguei ao Brasil fugindo da terrível crise econômica, política e, sobretudo, moral que meu país está sofrendo; cruzei a fronteira com minha esposa e três filhos (de 11, 12 e 15 anos) cada um com uma mala que tentava resumir uma vida inteira nos poucos itens indispensáveis que cabiam dentro dela. Quando caminhava eu rezava de coração: “Senhor, permita a gente entrar, para o bem de meus filhos e, se for possível, que eu possa ser útil para sua obra”. E Deus respondeu à minha oração e não só cuidou só de mim, mas também me permitiu fazer parte da equipe fundadora do escritório da Fundação Fé e Alegria em Roraima, Brasil, sob a minha coordenação, desde então. Estou certo de que Ele me colocou neste lugar e que além de poder apoiar minha família, Ele me deu o privilégio de fazer parte deste trabalho da empresa de Jesus que ajuda milhares de migrantes com especial atenção às famílias, mulheres e crianças. É por isso que dou glória a Ele. E, então, um dia chegou a notícia, o que parecia um futuro distante estava aqui, batendo à nossa porta na América Latina, uma pandemia em escala global, minhas primeiras reações foram de incerteza e medo, não é fácil ser um imigrante, o sentimento de solidão às vezes está presente. Entretanto, a família Fé e Alegria se uniu, não só para tomar decisões para salvar a vida de seus
colaboradores, mas também para pensar em como poderíamos ajudar neste cenário profundamente desafiador.
“Decidimos nos concentrar em proteger a saúde e salvaguardar a vida das famílias mais vulneráveis...”
Durante o primeiro e parte do segundo mês fomos muito prudentes em nossas ações, e com a orientação de nosso diretor presidente, Pe. Antonio Tabosa Gomes, decidimos nos concentrar em proteger a saúde e salvaguardar a vida das famílias mais vulneráveis, o que significou renegociar com todos os nossos financiadores para iniciar uma grande campanha de ajuda humanitária que garantisse alimentos e apoio às famílias de nossos beneficiários, e começamos a ajudar com alimentos, aluguel solidário, reabastecimento de gás, fraldas e absorventes higiênicos, enxovais e kits de higiene para prevenção da covid-19. Hoje estamos nos adaptando a uma realidade pós-pandêmica que deixa as pessoas mais pobres e mais marginalizadas do que antes, mas aprendemos a ser mais solidários, mais flexíveis e adaptáveis (MAGIS). Lembro-me que nos momentos de maior medo encontrei conforto nas palavras que Deus falou no livro de Josué 1:9 “Esta é minha ordem: Seja forte e corajoso! Não se apavore, nem se desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar”. Eu ainda encontro conforto nestas palavras e espero que você também.
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Lições e desafios
Diante da pandemia, privilegiamos a pedagogia do cuidado Durante o difícil período de distanciamento social, causado pela COVID-19, as atividades presenciais foram suspensas nos centros Fé e Alegria no Brasil. Para enfrentar o impacto negativo da pandemia - que aprofundou mais a pobreza, já que muitas famílias perderam seu trabalho informal de apoio ao turismo, que agora está paralisado - a Fé e Alegria iniciou a campanha “Alimenta uma Família” nos catorze estados onde ela atua. O objetivo era fornecer cestas básicas de alimentos, kits de higiene e máscaras para beneficiar a mais de 10.000 pessoas. Também, tinha por objetivo criar consciência sobre a necessidade de tomar medidas preventivas para evitar o contágio, pois foi notado com preocupação que muitas pessoas não levavam a pandemia a sério. Além da ajuda humanitária, a Fé e Alegria forneceu a seu pessoal um ciclo de trei-
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namento online gratuito sobre educação popular e pedagogia inaciana, com ênfase na proteção dos direitos das crianças e adolescentes, e na obtenção de ambientes livres de violência ou qualquer tipo de abuso, uma vez que o confinamento forçado poderia exacerbar a violência doméstica. Foram treinados 130 profissionais na pedagogia do cuidado e do afeto. A fim de oferecer cuidados melhores às crianças e aos jovens, os aspectos psicológicos e sociais foram aprofundados. Para a realização destes cursos, temos o apoio de algumas obras jesuítas e, também, da Federação Internacional de Fé e Alegria. Com o apoio de Manos Unidas (Mãos Unidas), trabalhamos no norte do país - na fronteira com a Venezuela - para cuidar das crianças e adolescentes venezuelanos de 6 a 12 anos que tinham fugido de seu país e moravam nas ruas ou em abrigos. Desde 2017, o Centro Social Liberdade de Fé e Alegria, em Boavista, vem apoiando migrantes, fornecendo alimentos e atividades socioeducativas. Embora Fé e Alegria Brasil não tenha uma plataforma online para trabalhar virtualmente com crianças e adolescentes, no Centro Fé e Alegria Frei Antonio em Tocantínia (norte do Brasil) - onde a maioria da população é indígena - foi criado um grupo de WhatsApp, com a participação de pais e alunos, para o envio de atividades didáticas, desenvolvimento do conteúdo escolar, sugestões de livros, filmes e promoção de ferramentas de aprendizagem através do projeto de leitura e escrita INDITEX, “Niñas y Niños Libres” (Meninas e Meninos Livres).
A pandemia está forçando a Fé e Alegria Brasil a repensar a fundo seu trabalho, o
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que exigirá, entre outras coisas, o fornecimento de ferramentas tecnológicas que tornem possível o atendimento não presencial às populações mais vulneráveis. Fé e Alegria Brasil também considera muito necessário aprender mais sobre as experiências e desafios de outras Fé e Alegria para aprender com elas, responder mais apropriadamente à sua especificidade, repensar seus desafios futuros e se articular mais firmemente como um movimento de ensino global.
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Chade
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Testemunho
Minitaknde Casimir Ralongar No Chade, eu tinha medo, como todos aqui, quando o governo anunciou o primeiro caso da COVID-19 no início de março de 2020. Dado o contexto de saúde tão precário no país, pensei que esta pandemia teria consequências desastrosas, mas graças a Deus e ao plano de contenção organizado pelo Estado, a propagação da doença foi interrompida. Na província de Guéra, onde Fé e Alegria está presente, a situação foi muito alarmante, principalmente devido ao desconhecimento da existência da pandemia por parte da população. Vale destacar que, para limitar a propagação do vírus, o Estado decretou o fechamento de escolas em todo o território. Diante disso, em Fé e Alegria começamos a pensar sobre como garantir a educação dos estudantes, apesar da crise. Começamos protegendo os funcionários do vírus e equipando-os com kits de higiene.
vadoras neste período de crise sanitária que agravou a situação de vulnerabilidade das populações locais.
“Foi uma experiência de vida tão bonita que me mostrou o impacto das ações de Fé e Alegria com as populações mais pobres.
Foi uma experiência de vida tão bonita que me mostrou o impacto das ações de Fé e Alegria com as populações mais pobres. Graças às nossas ações, muitas pessoas conseguiram enfrentar e sobreviver à pandemia.
Criamos cursos radiofônicos, em conjunto com a Delegação Provincial de Educação. Além disso, e graças à colaboração da Delegação Provincial da Saúde, Fé e Alegria pôde realizar, nas suas áreas, trabalhos de prevenção e luta contra a pandemia. Além dessas ações, Fé e Alegria distribuiu sacolas com alimentos e kits de higiene às famílias mais vulneráveis nas áreas onde atua. Fiquei muito satisfeito de ver os esforços que fizemos e, sobretudo, de me sentir muito útil, fornecendo soluções ino-
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Lições e desafios
Garantir a educação através da rádio Em resposta ao fechamento das escolas decretado pelo Estado do Chade em meados de março - numa tentativa de conter a propagação do coronavírus, a Fé e Alegria assinou um acordo com a Rádio Comunitária de Mongo (RCM) para viabilizar a educação durante o período de confinamento. Isso nos permitiu cumprir o direito essencial à educação, incluindo, em tempos de pandemia, a conscientização da necessidade de tomar medidas para prevenir o contágio e ajudar as comunidades com microcréditos para resolver seus problemas econômicos mais urgentes. Nas palavras do Pe. Djimasra Aimé, S.J., diretor do centro comunitário de Mongo, 38
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“A situação da COVID-19 é muito angustiante e desastrosa para a educação e requer coragem para fazer algo diferente do que normalmente é feito. A experiência dos cursos pela rádio, em colaboração com a rádio comunitária Mongo e organizada por Fé e Alegria, é para mim um alívio como educador e uma ajuda preciosa que tem permitido aos estudantes estudar sem sair de casa - porque as escolas estão fechadas - e conscientizar as comunidades sobre a necessidade de prevenir o contágio e de se apoiarem uns aos outros na emergência. Percebemos que, com recursos muito limitados, era possível continuar as aulas nas escolas rurais e, apesar das dificuldades, cumprir nossa missão de transformar a vida das pessoas. Também, concedemos crédito às mães dos estudantes por iniciativas geradoras de renda para ajudá-los a lidar com sua difícil situação econômica e garantir seu direito à educação.” Entre as atividades formativas implementadas por Fé e Alegria no Chade está a Árvore da Palavra - um símbolo ancestral no país - um espaço-chave onde as decisões comunitárias são tomadas e que se tornou um espaço de escuta, participação e proteção das meninas. Todos os fins de semana, as meninas se reúnem debaixo da árvore para compartilhar suas experiências e discutir questões importantes como o casamento infantil - forçado por alguns pais - a proibição às meninas casadas de ir à escola, a educação e os direitos das meninas e das mulheres.
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Testemunho
Cynthia Osorio Desde que a pandemia começou, e durante esse tempo, a realidade superou, de longe, a ficção e nos colocou numa situação que ninguém pensava viver. Eu fui pega de surpresa. Aliás, todos nós, despreparados e, não é preciso dizer, ocupados demais para prestar atenção ao que estava acontecendo inicialmente longe de nós, mas que rapidamente começou a encurtar distância de nossos países, de nossas comunidades, de nossas famílias. Algo invisível bateu à nossa porta e mudou nossas vidas; não pudemos vê-lo, mas sentimos sua presença em todas as dimensões de nossa vida diária. Na minha experiência, os desafios da pandemia foram muitos e variados. Desde canalizar afetos e a necessidade de estar com a minha família, até reinventar completamente a maneira como faço meu trabalho profissional. Os comunicadores dos escritórios de Fé e Alegria desempenharam um papel muito importante na conexão de pessoas e instituições, e isso significou novos aprendizados em plataformas, sistemas, programas etc. Sinto que nos tornamos trabalhadores da “linha de frente” com a grande missão de construir pontes e manter vínculos, apesar da complexidade que a virtualidade nos colocou. Um mundo, certamente, pouco explorado por muitos de nós. A gente estava precisando de uma pausa? ... Acho que sim. Nós, o mundo, a Terra. Hoje percebo que há coisas que podem esperar, que o que é urgente não é necessariamente o que é importante e que sempre temos a possibilidade de redirecionar nos-
sos esforços pessoais, de corrigir o rumo. A pandemia me obrigou a repensar minha vida inteira, desde as rotinas que tinha todos os dias até o horizonte real do sentido, o convite agora é olhar nosso caminho a partir desse aprendizado.
Nenhum de nós será o mesmo depois do que enfrentamos como humanidade;
Gradativamente, voltaremos à vida cotidiana com mais liberdade, mas, não será como antes. Nenhum de nós será o mesmo depois do que enfrentamos como humanidade; aquilo que fomos, ficou para trás. A esperança será colocada naquele futuro de pessoas que aprenderam a valorizar sua própria vida e a dos outros, que compreenderam que a verdadeira força é feita como um bloco quando nos organizamos e nos unimos, que sentiram um profundo amor por suas famílias e que, hoje, olham a vida como uma segunda chance de melhorar as coisas. Ironicamente, esta ameaça invisível abriu meus olhos para ver tudo o que costumava acontecer tão rápido, como uma fênix, agora devemos renascer para uma sociedade que se abraça e se eleva por todas e para todos.
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valorizada pelos participantes que entenderam que são instrumentos de Deus para transformar o mundo, seguindo o projeto de Cristo. Isso supõe, entre outras coisas, a necessidade de assumir a pedagogia da escuta, a empatia e o serviço, privilegiando os mais carentes e necessitados.
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Aprofundamos nossa identidade e espiritualidade Neste 2020, marcado por uma pandemia que fez fechar nossas escolas e faculdades, a Fé e Alegria permaneceu ativa e presente, se reinventando para continuar sendo e trabalhando em rede, apesar de tudo. Enfrentamos juntos não apenas os problemas comuns, mas também aproveitamos a oportunidade para aprofundar nossa identidade e construir com mais força os sonhos da Fé e Alegria que queremos. Insistimos em criar consciência de que somos uma rede de ensino inaciana - com um estilo pedagógico próprio que nos une e nos distingue - e fornecemos, aos educadores, materiais para aprofundar e reforçar as chaves da nossa espiritualidade e do sentido da missão educacional. Por isso, privilegiamos a formação em rede e a troca de experiências do programa “Amar é Servir”, com ênfase no discernimento para buscar a vontade de Deus em tudo. A indução de novos educadores, embora não pudesse ser presencial, foi muito rica e
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Na área acadêmica, mantivemos os encontros e diálogos entre nós e com outras escolas fora da rede, com as quais compartilhamos inovações durante a pandemia, o que reforçou a convicção de que devemos continuar inovando durante e após a pandemia para fortalecer a autonomia, personalização e autogestão dos alunos. Conscientes da importância da leitura autónoma como instrumento essencial para a aprendizagem contínua, realizamos workshops, leituras em grupo, recomendações de livros e páginas e atividades virtuais para promovê-la. As professoras da biblioteca também organizaram dois concursos. O primeiro, convidando os alunos a escrever um micro conto relacionado às experiências em quarentena; foram recebidos mais de cinquenta textos escritos por professores e alunos de diferentes escolas da rede. Com o segundo concurso, os estudantes participaram fazendo um vídeo, que carregaram nas redes sociais, sobre um livro que haviam lido durante este período; com este concurso, procuraram aproveitar o uso das redes sociais como uma ferramenta para promover a leitura. Aproveitamos, também, a pandemia para mergulhar nos desafios do treinamento de técnicos no contexto da COVID-19. Para isso, convidamos representantes do Ministério da Educação e o diretor da área de formação profissional do Centro Padre Piquer de Madri.
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Para o cultivo da espiritualidade, organizamos Exercícios Espirituais para gestores e celebramos a Semana Santa em comunidade com a participação de educadores, famílias e jovens. Além disso, comemoramos o Dia de Santo Inácio online, com a intenção de aprofundar a espiritualidade inaciana. Algo realmente significativo foi a celebração da vigília de Pentecostes com os membros de Fé e Alegria da Argentina e do Uruguai, o que nos abre para a necessidade de nos articularmos mais estreitamente com as diversas Fé e Alegria e, inclusive, para a possibilidade de nos organizarmos como sub-região. Com os jovens, continuamos insistindo na formação de lideranças inacianas para que se comprometam na construção de uma sociedade justa e fraterna. A mensagem da juventude chilena, nestes tempos de crise, é continuar se organizando. Hoje, mais do que nunca, na “nova realidade”, a liderança estudantil vai ser um tema crucial e os jovens serão protagonistas de muitos temas necessários no futuro, tais como: o cuidado com o meio ambiente, a desigualdade de gênero e as questões locais, como o plebiscito chileno para mudar a constituição. Os jovens chilenos são os que promoveram esta iniciativa. Em última análise, devemos enfrentar e estar preparados, de forma organizada, para o que vai vir. Com a campanha #Enredarte, oferecemos recursos criativos de participação em torno das artes e da música, promovendo e aproximando essas dimensões dos estudantes e de suas famílias. E com a campanha #EnRedDarnos, obtivemos o apoio econômico da sociedade chilena para implementar nossos projetos.
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Memória 2020
Colômbia
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Testemunho
Claudia Marcela Vega González As mudanças entram na vida às vezes abruptamente para nos forçar a nos soltar e sinto que esse tem sido meu aprendizado com toda esta situação incerta. Acostumada com a praticidade que me caracteriza para achar, rapidamente, meios de resolver uma situação, a minha primeira lição foi fazer uma pausa. Pausa para olhar cuidadosamente meu ser e os sentimentos das pessoas ao meu redor; pausa para me reorganizar e entender que não posso continuar fazendo a mesma coisa, porque a realidade é diferente; e pausa para concordar, juntos, sobre a área de trabalho em que nos concentraríamos. Na minha atuação acompanhando professores, e nesses quase dez meses de caminhada ao lado deles, tenho visto suas tensões, dores, cansaço e, claro, sua criatividade para responder a esta nova realidade em meio ao seu desconhecimento. Vi como excelentes professores, com um bom domínio das mediações tecnológicas da educação à distância, preferiram demitir-se porque não conseguiram suportar a pressão. Mas, também, vi professoras e professores com pouca capacidade técnica que se propuseram a aprender e, hoje, operam plataformas, fazem guias e até prepararam a sala ou a cozinha de suas casas como espaços para ditar suas aulas. Isso me leva a identificar minha segunda lição, que é a vontade de aprender.
Pessoalmente, eu vejo essa disposição refletida na persistência que mantive no trabalho, apesar do cansaço, sem saber o que fazer, algumas vezes, ou sem saber orientar as pessoas que estão comigo. Mas, com a humildade de admitir que não tinha respostas certas, atrevi-me a construir algumas, a optar pelo que era fundamental e deixar de lado o que tínhamos que adiar.
“Foi assim que migrei para o mundo do trabalho remoto que me permite ‘viajar’ de uma cidade para outra em questão de minutos, ou me reunir com pessoas de diferentes geografias...
Pela ingenuidade de acreditar que o confinamento duraria algumas semanas ou que se tratava de uma situação temporária, comecei a me apropriar dos recursos que estavam ao meu alcance, a pesquisar, através da intuição ou do conselho de especialistas, para saber como funcionavam e qual era o seu potencial. Foi assim que migrei para o mundo do trabalho remoto que me permite “viajar” de uma cidade para outra em questão de minutos, ou me reunir com pessoas de diferentes geografias e que, aparentemente, estão mais conectadas durante mais tempo. Eu digo “aparentemente” porque interagir o dia inteiro através de uma tela, para mim, está se tornando cansativo.
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Memória 2020
Sinto falta do contato humano, do encontro com as pessoas, dos espaços escolares, dos risos das crianças, do café da manhã e dos encontros com as famílias. Pessoalmente, eu sinto falta de compartilhar com meus e minhas colegas do escritório, das conversas particulares sobre nossas vidas, dos olhares, do carinho, das expressões de amor. Assim, minha terceira lição tem a ver com o cultivo de melhores relações interpessoais.
“A COVID-19 me levou a reconhecer que eu só tenho o momento presente...”
O mundo é feito de encontros humanos e o confinamento nos mostrou que a essência da escola da vida são as relações, as interações, o afeto, o contato físico, as conversas, as discussões, o espanto, essa conexão com a paixão, a amizade, a cumplicidade, o questionamento da vida, entre outras. O mundo dos saberes está sendo construído de uma maneira diferente e requer de nós, os que trabalhamos na educação, fazer um melhor uso dos recursos tecnológicos para facilitar o aprendizado que é necessário neste momento. Mas não esqueçamos que a maior reclamação das e dos estudantes tem a ver com a convivência social. Se o confinamento continuar como está projetado no meu país, as comunidades mais pobres continuarão sendo as mais
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atingidas. Um grande grupo de meninas e meninos está ficando sem possibilidade de acesso ao sistema de ensino coletivo, garantido pelo Estado no cumprimento de seus direitos mais básicos. Aliás, elas e eles estão perdendo as redes de apoio, intercâmbio e proteção nas quais estavam inseridos e inseridas. É assim que minha quarta lição reafirma o compromisso de Fé e Alegria com a escola como garantidora de direitos e possibilidades, e minimizadora de brechas de desigualdade. A pandemia da COVID-19 está nos impulsionando a construir outra escola, outra sociedade, outro mundo e eu me pergunto se estou ou se estamos na melhor posição para fazer isso acontecer. Para concluir, a lição mais importante foi reconhecer que viver é um milagre abundante em consciência e amor. A COVID-19 levou-me a reconhecer que eu só tenho o momento presente e que, muitas vezes, vivo na ansiedade de um futuro cada vez mais incerto e, até mesmo, complexo. Este tem sido um tempo para olhar meu interior, para me alegrar com a simplicidade de me conectar com a minha respiração, para experimentar confusão e tristeza, mas, também, para agradecer profundamente pela mulher que sou, pela profissional que está comprometida com total força para levar adiante os desafios que a Fé e Alegria nos colocou, por ser amiga, ouvinte e criadora de possibilidades. Embora não tenham sido tempos fáceis, pelo menos para mim, foram tempos de muito aprendizado e de reconhecer, na fragilidade, a grandeza do que somos como humanidade.
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Lições e desafios
Novas realidades exigem novas propostas Como afirma com convicção Victor Murillo, diretor de Fé e Alegria Colômbia, a crise do coronavírus mudou radicalmente a nossa agenda. Trabalhar em casa, confinamento e ensino à distância não estavam em nosso cenário e fomos pegos “dançando com o pé errado”. Nossa preocupação era tripla: por um lado, as pessoas; por outro, os resultados do aprendizado; e, além disso, a tesouraria que nos permite ter fôlego. As pessoas em Fé e Alegria são a fonte de valor. Acreditamos nelas e sabemos que elas têm a capacidade e o talento para continuar fazendo o bem e muito bem-feito. As lideranças são peças-chave para dirigir, inspirar, cuidar e fazer com que todos queiram fazer o que precisa ser feito. Os resultados dependem das equipes de gestão e dos professores e professoras que devem se conectar e manter conectados à distância crianças, adolescentes, jovens e famílias com culturas diversas e às vezes adversas para trabalhar “à distância” e sob circunstâncias desfavoráveis, geradas por uma quarentena que coloca em evidência a pobreza, a exclusão e até mesmo a fome. A tesouraria é nosso ar, o que nos permite ter fôlego, e vai depender do valor arrecadado das pessoas para que aqueles que nos confia o Estado possam se conectar e continuar aprendendo, para conseguir que aprendam e não perder nenhum deles. Além disso, vai depender do compromisso do do próprio Estado de cumprir suas obrigações de forma oportuna.
Conscientes da situação de crise gerada pela COVID-19 que colocou nosso futuro em jogo, decidimos administrá-la a partir de nossa missão, alavancando o propósito fundamental de Fé e Alegria: a transformação social através da educação. A partir da missão, definimos a estratégia - ou estratégias - prioritárias, sem nos deter em planejamentos grandes e rigorosos que nos fariam perder tempo e nos distanciar da estratégia. Assumimos o que diz Xavier Marcet: “Mais estratégia, menos planejamento”. Estávamos cientes de que, naquele momento, menos era mais. Mais do que nunca, precisávamos trazer à tona o melhor de todos e todas. Tínhamos que usar o talento das pessoas para conectar os estudantes e nutrir seus desejos de aprender. Em nossa agenda, colocamos três focos, ligeiramente diferenciados de acordo com as áreas de atenção:
Educação formal
Cuidados na primeira infância
1. Trabalhar no cuidado das pessoas e cultivar uma boa convivência nas famílias. 2. Aumente os níveis de aprendizagem dos alunos e alunas. Produzir aprendizagem com educação a distância.
2. Aumentar os níveis de aprendizagem das crianças para o desenvolvimento de habilidades e competências, por meio do atendimento integral à distância.
3. Conectar e manter todos os alunos e alunas que desejam aprender. Não podemos “perder” nenhum aluno por causa de abandono (desistência) ou porque não aprendem.
3. Conectar e manter todas as famílias das crianças, participando e vinculadas ao Centro Infantil. Não podemos “perder” nenhuma família.
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Memória 2020
Estratégias desenvolvidas a partir da gestão administrativa
Estratégias desenvolvidas a partir da gestão pedagógica O foco 1 foi abordado pela equipe nacional de orientação, pelos coordenadores pastorais e de gestão humana. Os focos 2 e 3, da educação formal, foram assumidos pela área pedagógica. Assumimos que o trabalho pedagógico era responsável pelos resultados do aprendizado. Aceitamos que durante a crise, mais do que nunca, tivemos que ser capazes de mudar de “fazer tudo” para “fazer o que importa” e que “menos é mais”; tivemos que nos concentrar no aprendizado crítico que nossos alunos precisavam para continuar a crescer. Precisávamos de todos os alunos aprendendo; todos os professores ensinando e mediando os processos de aprendizagem; todo o pessoal de apoio apoiando as estratégias definidas em torno dos três focos de nossa agenda. A fim de alcançar o objetivo estabelecido no foco 1, foram implementadas diferentes estratégias, nomeadas a seguir: “Cuidando das cuidadoras e dos cuidadores”, “Reflexões para alimentar a alma”, “Palavreando a vida”, “Dicas para o cuidado da família através de infografias”, “Aprendendo mais sobre saúde integral”. 48
Os diretores regionais e a Direção Nacional, com suas equipes de apoio administrativo, concentraram seu trabalho e suas decisões na salvaguarda do bom estado da tesouraria para garantir o fôlego da organização/movimento. Tomamos decisões que agilizaram a gestão, atribuindo responsabilidades às diretorias regionais e nacional, ao mesmo tempo em que capacitamos as pessoas das equipes que tínhamos em todos os níveis. O que significa salvaguardar o bom estado da tesouraria? Significa, principalmente, fornecer razões e provas para demonstrar que o serviço de educação infantil e formal foi prestado de acordo com as exigências dos contratos nas novas circunstâncias e que os alunos foram efetivamente atendidos. Entre as provas estava a verificação dos estudantes matriculados e realmente atendidos, dos funcionários contratados, da manutenção e conservação da infraestrutura física e dos equipamentos fornecidos. Na primeira infância, tudo que fosse relativo à compra e entrega de “Rações para Preparar” (RPP) e kits pedagógicos às famílias era tratado diretamente. A fim de realizar com sucesso todas estas atividades, nos organizamos em múltiplas redes em permanente intercâmbio e comunicação. Redes em que participaram integrantes da hierarquia, sem ter um papel especial e em pé de igualdade com os outros membros da rede.
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Três aprendizados que vieram para ficar e reforçam os não negociáveis em Fé e Alegria 1. A necessidade de instalar a espiral de a realidade em peça-chave visando uma aprender-desaprender-reaprender é reafirmada para escapar da mediocridade e buscar respostas pertinentes às novas questões colocadas pela nova realidade. Mudar modos de proceder, pensar, agir, ser e estar – por convicção ou necessidade – envolve, como temos afirmado nestes anos, entrar numa dinâmica permanente de escrever, apagar, reescrever – de repente, voltar a apagar –, ordenar e desordenar para reordenar. 2. O capital mais valioso de Fé e Alegria são as pessoas que a compõem. Acreditar nas pessoas, em suas capacidades e em seu compromisso, exigiu de nós distribuir as lideranças e democratizar a gestão. Mudar as formas de administrar e nos organizar exigiu confiança das outras pessoas e humildade para renunciar e transferir nossas responsabilidades para elas. 3. Nosso sonho era reunir estruturas estáveis (hierarquia) e dinâmicas (redarquia) para o desdobramento do novo modelo. As novas realidades trazidas pela COVID-19 e a necessidade de responder com agilidade e flexibilidade a elas, estabeleceram definitivamente a redarquia em Fé e Alegria. Ações como a construção de diretrizes e protocolos de alternância (trabalho à distância e presencial) e a construção de es-
tratégias para a educação em situações de emergência, encontraram na redarquia o caminho certo para produzir os resultados desejados. Victor Murillo insiste que seria um erro grave e imperdoável voltar à educação do passado, ou seja, à normalidade anormal que vivemos, o que contradiz a essência da educação popular, que procura transformar a realidade em peça-chave visando uma maior justiça e humanização. A Fé e Alegria deve emergir da pandemia mais forte como um movimento de educação global, o que exigirá uma releitura das autonomias, uma revisão das lideranças e uma maior abertura para a consciência de pertencer a um movimento global, evitando o isolamento, fortalecendo alianças, processos de treinamento, apoio aos países mais fracos e trabalho em rede, tanto internamente como com organizações e instituições preocupadas em garantir uma educação de qualidade para todos e todas. Isso supõe humildade para reconhecer que não temos todas as respostas e vontade de aprender com os outros. As redes fazem sentido se elas incentivam a reflexão e a inovação, se convocam a realização de projetos comuns, se são orientadas para a solução de problemas, o que, entre outras coisas, implica em uma redistribuição de poder. Como movimento global, Fé e Alegria deve ter uma voz permanente e corajosa perante os governos e órgãos multinacionais em defesa da educação como um direito essencial, pois a pandemia mostrou que os Estados não investiram o suficiente em educação para os pobres e, de fato, a abandonaram.
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Equador
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Testemunhos
Erick Vimos Neste momento de pandemia, sinto-me feliz por estar com toda a minha família, mas, também, triste por não poder ir à escola. Fiquei muito feliz por estar com a minha família, antes eu ficava só com meus avós. A minha mãe trabalhava no litoral em uma feira de legumes e a gente se via pouco, ela só vinha a cada quinze dias, mas nestas semanas pudemos compartilhar mais. Sinto saudades de nosso professor, de ir à escola e de todos meus colegas de aula. Éramos apenas doze e todos nós estávamos juntos. Só consegui falar um pouco com eles pelo WhatsApp quando recarrego o celular. Agora, estamos plantando cebola, beterraba e ervas no campo. A minha avó vai vender em Guamote o que a gente semeou e colheu. Eu também ajudo na roça e com os animais, as vacas, porcos e porquinhos da índia. Dos três, meu favorito é o porquinho da índia. Eu ajudo, junto com minha irmã, a cortar o capim para alimentar os porquinhos, a tirar os porcos todas as manhãs e depois guardá-los no curral. Além disso, ajudo a alimentar as vacas com capim três vezes ao dia, dou água e ordenho.
“Sinto saudades de nosso professor, de ir à escola e de todos meus colegas de aula.
Agora estou fazendo uma mesa de futebol de papelão. Gosto muito de números depois que comecei a entender, e gosto também de desenhar. Eu gostaria de ter mais atividades como essas, mas o estudo tem sido difícil porque não temos dinheiro para imprimir as folhas que enviavam todas as terças-feiras, ou para ir a uma loja de internet para fazer o dever de casa. Eu gostaria aprender inglês na escola. Não temos um professor para nos ensinar. Portanto, gostaria que a gente tivesse um professor pelo menos um dia por semana. Também, tenho lido a Bíblia para aprender a palavra de Deus, tenho orado a Ele para que toda esta pandemia passe para que possamos nos encontrar novamente com meus colegas, com meus amigos.
Em casa, fiz trabalhos didáticos, aprendi a ler mais e a conviver com toda a família. Algumas tarefas eram fáceis, outras difíceis. Em Matemática, eu me saí muito bem. Eu gostei porque era interessante e divertido. Gostei também de fazer trabalhos manuais. Fiz um violão, maracas, fiz de tudo.
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Catalina Cartagena Meu filho estava na Escola Fé e Alegria em Cuenca. Ele acaba de terminar o terceiro ano do ensino médio e, justamente, hoje foi a graduação. Estou feliz e triste, ao mesmo tempo, porque ele terminou seus estudos. É um pouco triste porque não vou mais ver as professoras e falar com elas. Fico triste porque elas têm sido pessoas muito boas. Ele foi o último a se formar... de lá, e tenho mais dois filhos. Um deles já é profissional, o outro está na faculdade e meu outro filho, se Deus quiser, também irá para a universidade. Realmente, de verdade! Esse tempo foi muito difícil para nós porque perdemos meu irmão para esta doença. Ele estava nos Estados Unidos. Foi tudo triste, muito triste mesmo até hoje... Não dá para superar isso. A situação tem sido muito difícil, muito estressante. Fiquei em quarentena sem poder trabalhar. Quando o sinal de alerta ficou amarelo, foi quando eu comecei a abrir meu salão de cabeleireiro, mas a situação é ruim, muito mesmo. Economicamente falando, está fraco. No meio dessa situação ruim, no tempo que estivemos confinados, pudemos ver a união da família - de estarmos todos juntos - e o apoio dos uns com os outros. Temos estado mais próximos, mais atentos.
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Como eu trabalhava, não ficava em casa. Meus filhos têm ficado e se virado sozinhos para fazer as coisas. Meu marido também, como eu, trabalha e chegávamos tarde em casa. Quando voltava do trabalho, eles me contavam: “Mamãe, eu já fiz isso, olha só.” Eu também lhes perguntava pelos deveres de casa e eles diziam: “Sim, mamãe, eu já enviei meus deveres de casa. A verdade é que não tive problemas, mas agora estamos mais acompanhados. Também, me sinto mais tranquila sabendo que eles estão aqui comigo.
dos experimentamos e, na verdade, os biscoitos estavam bons... hahaha.
Embora o apoio tenha sido mútuo, às vezes, eles também se sentiram deprimidos. O fato de não poder sair os deixa entediados. Eu também, às vezes, fico com melancolia, mas, nesses momentos, recebo o apoio deles. A companhia deles tem sido muito valiosa.
A professora, e tutora, sempre se preocupou por eles e não os deixou. Sempre dizia: “Vamos! Vocês conseguem! Temos que sair!”. Sempre esteve ligando, conversando com os meninos... ela realmente não os deixou.
Com relação à escola, os professores sempre estiveram atentos à educação do meu filho e ele, também, tem respondido. Ele é muito responsável e dedicado, faz seus deveres de casa. Por isto, agradeço muito aos professores. Todos, todos têm sido muito bons e eu acho que a educação tem sido boa. Sinto esperança e alegria em saber que meu filho já está terminando, que é muito responsável. Está atento... isso é o mais importante. Meus filhos gostam de desenhar. É o que eles fazem nas tardes, quando estão livres. Os dois gostam de desenhar. Sempre estão fazendo alguma atividade ou no computador, ouvindo música ou assistindo um filme. Nesse tempo, desde a escola, eles têm feito atividades lúdicas. Também com arte... que tem ajudado muito. Além disso, tiveram atividades culinárias. Pediram para eles preparar biscoitos. Eles mesmo fizeram...eu só acompanhava. Depois, to-
Todo mundo usa o computador. Bem, não ao mesmo tempo porque só temos um... cada um tem seu horário. Um já estava na música, o outro no computador, um fazendo os deveres de casa, enquanto o outro estava desenhando. É por isso que não houve brigas, só risos. À tardinha, conversamos um pouco. No lanche da tarde, igual... todos no departamento já estão conversando uns com os outros.
Hoje foi a formatura... Foi no Zoom. Fizeram a colação de grau. Não abri o negócio hoje para estar presente na formatura. Foi triste... ficaram tristes porque não é a mesma coisa que estar presente. Por momentos, a conexão ficava ruim e caía, mas tudo bem... de qualquer forma, estávamos felizes porque nosso menino já terminou seus estudos. Tem sido um prazer pertencer à família de Fé e Alegria. Realmente, de todo esse tempo que vivemos, acho que aprendemos que o importante é aproveitar ao máximo cada dia, porque não sabemos se realmente estaremos no dia seguinte... isso, mais do que qualquer outra coisa. Em outras palavras, você tem que aproveitar ao máximo, estar com seus filhos em casa, compartilhar os bons e os maus momentos também, porque, mais tarde, vamos realmente precisar de tudo isso. Espero que em breve, realmente, esta situação mude, porque isto está acabando conosco, está nos matando.
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Memória 2020
Lições e desafios
A pandemia nos força a pensar seriamente na nossa educação Em 16 de março de 2020, o governo decretou o estado de emergência por calamidade pública em todo o território nacional, estabelecendo a suspensão das aulas nas escolas, faculdades e universidades, a suspensão do dia de trabalho, a limitação da mobilidade e o estabelecimento de um toque de recolher geral à tarde e à noite. Isto nos obrigou a iniciar o trabalho e o estudo online já em março, em meio a grandes incertezas e precariedade sobre o acesso à Internet e a falta de equipamentos básicos para comunicação à distância para todos os nossos educadores, estudantes e famílias, em particular naqueles lugares nas montanhas onde não havia acesso nem mesmo ao WhatsApp. Incerteza, também, de como avançar no ano letivo que viu seu desenvolvimento normal abruptamente interrompido; ou de como iriam se sustentar as famílias que dependiam do trabalho diário e estavam impedidas de sair pelo confinamento decretado por motivos de saúde.
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Logo percebemos que a situação não seria temporária e que tínhamos que mudar completamente nossos planos e rotinas a fim de responder rapidamente à emergência que descia sobre nós como uma avalanche. Empreendemos o caminho, implementando estratégias de comunicação com famílias e estudantes; treinamentos emergentes para professores, diretores e famílias; diálogos reflexivos abertos à comunidade; reuniões de reflexão permanente para diretores nacionais, regionais, zonais e de centros de ensino; reuniões de apoio emocional com professores, estudantes e famílias; apoio à alimentação e medicamentos para famílias vulneráveis; produção de recursos pedagógicos para realizar aulas tanto virtuais quanto remotas; entre outras iniciativas que foram produzidas; construindo um muro forte feito com mãos grandes e pequenas, de diferentes peças tecidas contra o desamparo, a tristeza, a solidão, o medo e a angústia causados pela pandemia. Trabalhando por serviço e contra todas as probabilidades, IRFEYAL preparou 383 aulas de rádio para garantir o ensino à distância para o ensino médio, especialmente em regiões onde o ensino virtual não era possível. Cada aula por rádio dura sete minutos a fim de manter a atenção e concentração do aluno. A produção foi transmitida pela Rádio Irfeyal em Quito (1.090 A. M.) – e sua rádio online (www.irfeyal. org) – e pela Rádio Católica Nacional e Rádio Maria em todo o país. Carlos Vargas, diretor nacional da Fé e Alegria Equador, insiste na necessidade de repensar nossa educação, ouvindo as advertências e lições que a COVID-19 está nos ensinando. “A pandemia nos trouxe de volta ao nosso lugar epistemológico: o lugar dos pobres e excluídos na sociedade. Ela nos lembra de
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onde viemos, de nossas raízes: uma experiência de compromisso de fé para buscar melhores condições de vida para setores e pessoas que vivem na pobreza. A educação de Fé e Alegria declara-se transformadora e, a partir daí, a ênfase deve ser colocada na formação de sujeitos capazes de transformar suas vidas e seus contextos. Precisamos preencher os processos educacionais, sociais, diretivos e pastorais com sentido humano, espiritual, integral, inclusivo, transformador, ecológico, democrático e flexível; enfatizar o que é realmente importante; desenvolver habilidades, capacidades, competências, atitudes para a vida, evitando o apego ao acúmulo de conteúdos programáticos ou atividades e práticas que não estão ajudando a aprender, a ser e conviver. Em particular, na educação temos uma necessidade urgente de construir a falta de coerência entre o significado descrito e desenhado em nossos horizontes institucionais e nos quadros filosóficos dos currículos oficiais, e o que realmente fazemos na sala de aula. Se realmente defendemos a educação para todos, devemos ousar ir aonde os outros não chegam, ir para o campo onde não há educação ou há muita pobreza. Devemos também ser mais proativos e negociar com o Estado sobre a necessidade de uma educação diferenciada, com um currículo que responda a diferentes realidades e necessidades. Não devemos homogeneizar os projetos educacionais, mas abrir portas e janelas para a diversidade e autonomia, alcançar lugares aonde a educação não chega e negociar com o Estado um currículo alternativo”.
am para garantir o direito à educação de qualidade para todos e todas. Isto exigirá o treinamento de professores na educação popular, o que exige uma escolha de vida diferente e práticas diferentes daquelas comumente utilizadas. Mas não podemos esquecer a necessária simbiose entre globalidade e localidade. Não podemos falar de globalidade se não enfatizarmos a solução de nossos problemas locais. É localmente onde devemos dar ênfase e, a partir daí, exigir e propor uma educação global para todos e todas.
A Fé e Alegria deve se preparar, de um ponto de vista humano e cristão, para uma situação de extrema vulnerabilidade após a COVID-19. A força da Federação deve estar focada em ações públicas que contribu-
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El Salvador
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Testemunhos
Karen Abigail Cruz Navas Sou instrutora do Centro de Educação para Todos, Fé e Alegria Zacamil, na área de Bebidas e Serviço de Mesa, com os cursos de Garçonete, Garçonete Bartender e Serviços de Banquete; e na área Alimentar com cursos de Pastelaria e Pão Doce. Tenho 31 anos de idade, sou mãe solteira de um menino de 6 anos e moro em San Marcos, San Salvador. Gostaria de compartilhar com vocês minha experiência durante a quarentena devido à pandemia da COVID-19. Quando as autoridades anunciaram a suspensão das atividades presenciais e o fechamento dos centros de ensino e formação, senti medo, angústia e incerteza, mas tinha esperança de que seria apenas por um mês, dois meses no máximo. Entretanto, à medida que os dias avançavam e a quarentena se tornava mais longa e rigorosa, eu fui ficando mais preocupada. Do lado econômico, porque meu contrato no Centro é de prestação de serviços profissionais - ou seja, eu recebo por hora trabalhada -, se eu não dou aulas, não recebo nenhum tipo de pagamento; e pelo lado pessoal, porque estava em tratamento oncológico que foi suspenso porque os hospitais já não atendiam esse tipo de caso para dar prioridade aos doentes com COVID-19. Além disso, como vivo com minha mãe - uma mulher idosa -, uma irmã e um irmão - mais novos os dois - e meu filho, o medo de me contagiar e de contagiá-los era forte, pois eu tinha que sair para comprar alimentos ou fazer outras coisas.
Para não sentir muito estresse e para não desmotivar os jovens do meu curso em sua formação, comecei a preparar vídeos e enviar informações para o grupo WhatsApp, explicando o conteúdo prático dos tópicos que já tínhamos visto. Aos poucos, passamos a interagir cada vez mais por meio de mensagens e videochamadas. Eu desconfiava que tinha o vírus por causa de alguns dos sintomas, e tinha muito medo de contagiar minha família, mas graças a Deus não passou disso.
“...senti medo, angústia e incerteza, mas tinha a esperança de que fosse apenas por um mês...
Além da crise gerada pela pandemia, houve a tempestade Amanda, que foi um duro golpe para minha família e minha casa. Na madrugada do dia 3 de junho de 2020, saí para o quintal da minha casa e, após alguns minutos, resolvi voltar para a cama com meu filho. Naquele momento, um barulho forte foi ouvido e um estrondo ressoou na casa. Meus irmãos gritaram por mim e, na escuridão e na tempestade, vimos como a parede traseira da casa havia desmoronado e a água estava correndo pelo meio da nossa casa. Tentamos salvar algumas coisas, chamamos a Proteção Civil e Emergências, que nos disseram que tínhamos que evacuar para evitar uma grande tragédia. Naquele dia, eu senti um enorme vazio. 57
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Meus irmãos e eu choramos vendo destruído o trabalho de muitos anos de minha mãe, e o nosso também. Rezamos a Deus e a Nossa Senhora para pedir forças para enfrentar todas as provações pelas quais estávamos passando. O amor e a misericórdia de Deus sempre estiveram conosco, pois recebemos o apoio de muitas pessoas. A família Fé e Alegria me ajudou imediatamente quando souberam da minha situação: recebemos ajuda em dinheiro, comida e roupas, além de palavras de encorajamento e conforto. Nos separamos como família. No meu caso, passei dois meses, com meu filho, na casa de uma amiga em Zacatecoluca, que me deu abrigo, comida e muito mais nesse período. Minha irmã ficou no local onde trabalhava e meu irmão se revezava entre o trabalho e a casa para ficar de olho nos pertences que tínhamos ou que tinham sobrado. Apesar da situação, não descuidei do trabalho, pois nessa época também estava apoiando o desenvolvimento de conteúdo para o curso de bartender com ferramentas virtuais ... um verdadeiro desafio. Primeiro, porque eu não tinha o equipamento tecnológico para desenvolver a proposta e nem Internet na casa da minha amiga. Graças a Deus, consegui alugar um laptop e assinar um pacote de Internet para fazer a proposta, embora fosse difícil transmitir conhecimentos através de uma ferramenta virtual. Entretanto, a coordenação da Fé e Alegria, preocupada com esta situação, conseguiu criar um curso sobre o uso de ferramentas digitais destinado a instrutores que tinham pouca experiência, o que me deu muitas ideias para desenvolver os temas e utilizá-los em ambientes virtuais. Mas não consegui ficar muito tempo no curso, por falta de dinheiro para recargar o telefone.
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A COVID-19 tirou a vida de um membro da família. Dentro das nossas possibilidades, aumentamos os protocolos de biossegurança e tentamos seguir cuidadosamente as diretrizes de Fé e Alegria para cuidarmos nós mesmos. Quando senti a necessidade de voltar para casa e poder ganhar uma renda, decidi abrir um negócio e fazer sobremesas e pastelaria sob encomenda. Mas, na ausência de transporte público para fazer minhas entregas e comprar o material, optei por caminhar para fazer minhas entregas. De volta a casa e com o apoio da diretora do centro de treinamento, retornei ao curso virtual que tinha deixado. Quando fiquei sabendo que poderíamos começar as aulas presenciais, fiquei muito feliz, pois ia voltar a fazer o que mais gosto e, com isso, ter uma renda mais estável, já que era frustrante não trabalhar e só ficar em casa. Até hoje, Deus não me abandonou em momento algum. Aprendi a pedir ajuda - o que era quase impossível para mim - saí da minha zona de conforto, valorizo cada momento com meu filho e tenho orgulho de pertencer à Fé e Alegria, uma família confortável, sempre unida nos bons e maus momentos.
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Hugo Eduardo Gutiérrez Moro com minha família, minha filha Alessandra de 6 anos e minha esposa Gabriela Morales de Gutiérrez. Trabalho atualmente na Fé e Alegria El Salvador. Nos últimos dois anos, trabalhei como técnico educacional pedagógico, acompanhando e fornecendo apoio às instituições de ensino da rede Fé e Alegria El Salvador. Com a chegada da COVID-19 em nosso país, o governo estabeleceu, como medida preventiva, uma quarentena domiciliar obrigatória para todas as pessoas que não trabalhavam na primeira linha de cuidados contra esta doença. No início, em minha casa, tudo era incerteza devido à nova modalidade de teletrabalho, pois não sabíamos quanto tempo essa modalidade duraria e como lidaríamos com ela. Com o fechamento de escolas, faculdades, shoppings e comércios informais, a vida seria diferente. A modalidade de teletrabalho nos levou a mergulhar no uso de ferramentas tecnológicas. Em minha casa, só tínhamos um computador antigo que não nos permitia desenvolver algumas formas de educação virtual, mas tínhamos que fazer o esforço. O primeiro golpe que recebemos durante a quarentena em casa foi a demissão de minha esposa de seu emprego, pois ela trabalhava em uma clínica médica e num laboratório clínico como enfermeira administradora. A clínica teve que fechar pela situação causada pela COVID-19. Minha esposa estava em processo de graduação como Licenciada em Enfermagem, mas o processo parou porque a universidade não dispunha de estratégias para resolver esta situação de quarentena domiciliar obrigatória. Isto reduziu nossa renda familiar e eu fiquei como o único sustento da minha família.
A adaptação à nova modalidade foi difícil por causa do horário. A atenção que minha filha exigia era imensa, pois ela também era afetada por não frequentar mais seu centro de ensino. Os dias eram longos e parecia que eu nunca parava de trabalhar, pois passava meu tempo em frente ao computador trabalhando, resolvendo tarefas pendentes e até mesmo consumindo meus alimentos enquanto trabalhava. Foram meses difíceis devido à recessão econômica, porque, embora muitas despesas tenham sido reduzidas por não sair de casa, outras aumentaram, como alimentos e serviços públicos.
“Com o fechamento das escolas, faculdades, shoppings e comércios informais, a vida seria diferente.”
Aproveitando o confinamento, minha esposa decidiu estudar uma especialidade no atendimento a pacientes com COVID-19, o que lhe abriu as portas para concorrer a um emprego na linha de frente do combate ao vírus em uma clínica corporativa. Embora esta oportunidade nos tenha ajudado financeiramente, emocionalmente nos derrubou saber que ela estava mais exposta ao vírus. Foram momentos difíceis para nos isolarmos de minha esposa, pois vivíamos todos os dias com o medo de um possível contágio. O quadro mudou para mim, pois tive que fazer o papel de mãe, pai e técnico.
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Memória 2020
Em casa, eu tinha que cozinhar para toda a família, cuidar da minha filha, trabalhar, manter a casa e lavar toda a roupa da família. Tive dias divertidos brincando com minha filha, ao mesmo tempo em que estava de olho nas reuniões, preparando estratégias para meu trabalho e atendendo ligações. Foi muito difícil para minha esposa voltar para casa preocupada de não ter sido infectada e de poder compartilhar plenamente conosco.
“Ficava aflito nessa hora pelo medo de sair de casa e me contagiar e passar para alguém da minha família...
Com o passar dos meses, em julho, a quarentena deixou de ser obrigatória e passou a ser voluntária. Algumas empresas começaram a trabalhar no modo presencial, enquanto no setor de educação ainda era na modalidade online. Isto fez com que as pessoas saíssem depois de muito tempo e foi um gatilho para que os contágios se tornassem mais evidentes em nossa área. De fato, meu pai foi um dos afetados pela COVID-19. Meu pai, idoso de 70 anos, que mora com minha irmã mais velha e minha prima, são meus vizinhos. Ele lutou em casa contra o vírus, pois se recusou a ir a um hospital por medo de nunca mais voltar.
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Então, com toda a minha família, lutamos para cuidar dele. Minha esposa o visitava diariamente para verificar seus sinais vitais; eu e minha irmã o alimentávamos, cuidávamos dele e o movíamos, pois a doença o afetou muito e perdeu a mobilidade nas pernas. Perdeu a voz, o que tornou muito difícil a comunicação com ele. Foram momentos de incerteza sem saber se ele sobreviveria ou se qualquer um de nós acabaria pegando o vírus. Com o passar dos dias, ele evoluiu da melhor maneira possível, superou a doença e, pouco a pouco, recuperou suas forças e sua voz. Foram momentos de alívio e bênção, pois nenhum outro membro da família foi infectado. O teletrabalho continuou nos meses seguintes e foi em setembro que fomos gradualmente chamados de volta para trabalhar na sede. Fiquei aflito nesse momento pelo medo de sair de casa e pegar ou infectar alguém da minha família, mas foi a confiança em Deus que me deu forças para seguir em frente e continuar. Foi difícil adaptar-se à nova realidade, mas graças a Deus e ao fato de não termos baixado a guarda em relação às medidas de prevenção, estamos lutando juntos contra o vírus.
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Lições e desafios
O distanciamento físico fortaleceu nossa integração Na Fé e Alegria El Salvador, encerramos 2019 fortalecidos e muito esperançosos para continuar aprofundando nosso serviço de ensino às populações mais necessitadas do país através de uma educação de qualidade que lhes permita trabalhar com dignidade. A COVID-19 atrapalhou nossos projetos e planejamentos, e nos obrigou a assumir a educação virtual e à distância, para a qual não tínhamos os recursos necessários e nem estávamos preparados pedagogicamente. Entretanto, não desistimos e enfrentamos as novas dificuldades e desafios com bom ânimo. Para garantir que o distanciamento físico não levasse a outro afetivo, trabalhamos muito a dimensão emocional, o trabalho psico-emocional, as relações intra-familiares e o cultivo do interior e da espiritualidade. De fato, acreditamos que o distanciamento físico levou a uma maior integração entre educadores, famílias e os próprios alunos. A realidade nos obrigou a redimensionar a proposta educacional, especialmente, nos Institutos de Formação Profissional, onde fomos impedidos de realizar o trabalho prático, tão essencial para uma formação profissional adequada. Isso nos levou a redimensionar algumas das propostas e a reorientar os centros para a solução de problemas concretos nas comunidades.
Por esta razão, juntamente com as famílias, promovemos as hortas escolares para aliviar o problema alimentar. Acreditamos que isso pode nos levar a assumir uma dimensão mais ambiciosa de construção comunitária significativa. Para enfrentar também as emergências sanitárias e aliviar a miséria causada pela pandemia entre as populações mais vulneráveis, lançamos a campanha Esperança de Vida para aumentar a conscientização da necessidade de mostrar solidariedade e angariar doações de alimentos e materiais de higiene para lidar com os problemas da pandemia e, depois, os estragos causados pelas tempestades tropicais Amanda e Cristóbal em muitos dos setores mais vulneráveis do país. Para eles, lançamos o projeto “Retorno digno à Casa”, com o qual pudemos ajudar mais de mil famílias afetadas pela tempestade tropical Amanda. Hoje, o desafio mais desafiador para Fé e Alegria El Salvador é a sustentabilidade financeira e a garantia da continuidade educacional. Também, a necessidade de aprofundar a formação de educadores a partir da perspectiva da educação popular, o que requer uma grande escolha de vida e uma espécie de militância para transformar as estruturas injustas que causam miséria e exclusão. Para isso, precisamos nos transformar e, da mesma forma, transformar nossas práticas. Da mesma forma, temos o desafio de assumir, de forma mais criativa, a educação virtual, para que ela nos ajude a construir uma pedagogia mais criativa e crítica, o que exige também a preparação dos pais para essas novas realidades.
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Espanha
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Testemunho
Ángeles Palacios Tenho 40 anos e sou professora de religião; além de coordenadora da Rede Solidária de Jovens no IES Virgen de Gracia de Oliva de la Frontera (Badajoz, Extremadura). Ao longo de minha vida, sempre gostei de me envolver em iniciativas para tornar o mundo um lugar melhor. Embora a área rural onde eu moro não tenha sido tão afetada pela COVID-19, a pandemia despertou em mim um senso de globalidade, de solidariedade com os problemas de nossos semelhantes, que tão recentemente trouxemos do Encontro Global, em fevereiro de 2020. Lamento que para outras pessoas, especialmente aquelas ostentando poder, esta conscientização teve que acontecer por causa de uma tragédia desta magnitude. Como docente, meu principal desafio é continuar transmitindo humanidade e acompanhamento no processo educacional, e as mídias digitais estão sendo nossas aliadas nesse desafio, mas nunca poderão substituir plenamente a dimensão humana e a proximidade do processo. Portanto, requer um esforço maior. Temos um grande desafio pela frente, pois a educação está sendo deixada de fora dos eixos que os governos consideram essenciais para a “reconstrução” pós-pandemia. Mais do que nunca, devemos fazer ouvir nossas vozes.
muito rapidamente. Isto exigirá um trabalho constante e tenaz por parte daqueles de nós que estão verdadeiramente conscientes da necessidade desta mudança.
“...meu principal desafio é continuar transmitindo humanidade e companhamento no processo educacional...
Apesar de todas as dificuldades, incluindo tudo o que vivemos nestes meses e ao que estamos sendo expostos por causa desta pandemia valerá a pena no final, se sairmos mais fortes e mais conscientes do que é bom para o nosso mundo, e se formos realmente capazes de provocar uma mudança de mentalidade através da educação.
No entanto, acredito que, em termos gerais, vai trazer uma mudança positiva para os jovens, embora, muitas vezes nas sociedades, tudo o que acontece tende a se volatilizar
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Memória 2020
didas de proteção para crianças em risco. Consequentemente, trabalhamos duro e lançamos várias campanhas para garantir a continuidade do sistema educacional baseado na inclusão e equidade, já que, segundo a UNESCO, vinte e quatro milhões de estudantes não iriam voltar à escola em 2020, dos quais onze milhões são meninas.
Lições e desafios
Temos que redobrar a solidariedade global para responder aos desafios Conscientes das dolorosas consequências para a educação das populações mais vulneráveis que está causando a pandemia, em Entreculturas redimensionamos os nossos planos e projetos para atender à emergência educacional e fazer com que a educação não pare. Sabemos que se os países não se prepararem adequadamente, se os grupos mais desfavorecidos não forem priorizados e se a comunidade internacional não melhorar a cooperação com os países frágeis ou empobrecidos, a crise da saúde ampliará a lacuna educacional existente e os compromissos com o direito à educação para todos serão violados, ampliando assim uma nova lacuna de injustiça sem solução. Por esta razão, na Entreculturas acreditamos que é essencial redobrar a solidariedade global para estar à altura deste desafio e exigir que a política de cooperação internacional priorize as necessidades educacionais, especialmente nos contextos desfavorecidos, com me-
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Manter a educação durante as emergências - especificamente durante a pandemia da COVID-19 - não é apenas um dever, mas também uma forma ideal de mitigar o impacto psicossocial da crise, dando uma sensação de normalidade, estabilidade, estrutura e esperança à população, e não apenas ao corpo discente. Equipes pedagógicas, por exemplo, são um suporte fundamental para as famílias em momentos de emergência. Através delas, não apenas o direito das crianças à educação é garantido, mas as famílias também podem receber conselhos concretos e simples sobre atividades que ajudam a diminuir os níveis de estresse, angústia e violência. Portanto, é crucial manter sua estabilidade de seu trabalho e fornecer-lhes as ferramentas necessárias para realizar seu trabalho. Além disso, a manutenção da educação durante emergências contribui para reduzir o nível de trauma e instabilidade emocional em grandes grupos de crianças e adolescentes, e é crucial para a construção de mensagens e atitudes de confiança e otimismo, inclusive dentro das famílias e das comunidades. Finalmente, ao manter o funcionamento dos processos de ensino, a dinâmica comunitária preserva o senso comum de pertença, conexão e integração das pessoas, aliviando assim os sentimentos de desesperança, ausência ou abandono. Desde o início da pandemia, para possibilitar a educação à distância, fornecemos apoio humanitário a professores, estudan-
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tes e famílias para garantir a educação mesmo nos contextos mais difíceis, como são os casos da Venezuela e do Haiti. A fim de tornar possível a transição para a educação virtual, fornecemos a ferramentas tecnológicas a muitos professores de diversos países. Também, aqui na Espanha, prestamos apoio tecnológico, pedagógico e emocional aos 758 professores das escolas que temos acompanhado. Além disso, reforçamos a educação em valores, cidadania, convivência, respeito, cultura de paz e cuidado, pois a pandemia e os problemas estavam aumentando a xenofobia e a violência. Os jovens da Rede Geração 21 demonstraram um grande espírito de solidariedade e participaram de vários projetos para ajudar as pessoas que foram particularmente atingidas pela pandemia. Mantivemos contato permanente com as vinte e oito delegações que temos na Espanha e pudemos constatar o espírito de generosidade, dedicação e disponibilidade de numerosos delegados que se dedicaram a apoiar as pessoas mais necessitadas e oferecer-lhes estímulo e esperança para superar a cultura da resignação e do medo. Na saudação de Natal, o Padre Dani Villanueva, S. J. resumiu o trabalho e o espírito de Entreculturas neste ano de incertezas e, portanto, também de oportunidades: “2020 foi um ano difícil que nos obrigou a reinventar novas formas de acompanhar, de estar perto, de continuar crescendo e foi também um tempo para lembrar que, apesar de tudo, a esperança renasce, transformando nosso olhar sobre a realidade. Um olhar que não só nos dá legitimidade, mas também nos encoraja e nos dá força para continuar trabalhando em nossa missão todos os dias. Um olhar que não fica escondido, que nos impulsiona a continuar
oferecendo oportunidades em meio a esta emergência educacional global. Em programas que demonstram a enorme resiliência de nossas redes educacionais, como no Líbano, República Democrática do Congo, Amazônia ou em nossa amada Venezuela, onde, através da rádio, WhatsApp e as tecnologias mais simples, estamos conseguindo: que a educação não pare; que o acompanhamento de populações refugiadas e milhares de meninas ameaçadas pela violência continue; que os direitos fundamentais não sejam interrompidos; que o acesso à educação não regrida e, com ele, os anos de conquistas e esforços na luta contra a desigualdade. Um olhar de solidariedade também com nosso ambiente mais próximo, como fizemos na preciosa colaboração com Rozalén e na rede de moradias do Serviço Jesuíta a Migrantes em Valência. Ou o apoio ao projeto de atendimento e acolhimento da população migrante e refugiada em Nador, exemplo do nosso compromisso com a justiça nas fronteiras. Um olhar que nos sustenta e que nos permite continuar trabalhando nisso, acompanhando mais de 230.000 pessoas em situação de pobreza e exclusão, e que nos move a promover, mais do que nunca, uma cultura de acolhimento que, diante da cultura do descarte, reconstrói relações e fomenta a inclusão. Em resumo, um olhar que transforma a realidade, que não pode parar e que nos impulsiona a continuar construindo um futuro melhor”.
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Guatemala
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Testemunhos
Gilmer Aldana Durante a crise da COVID-19, me identifiquei mais com a comunidade, com a convivência e melhorei a comunicação com pais e mães, alunos e alunas. Visitei as residências para orientar os pais para capacitá-los a apoiar seus filhos e filhas na execução das atividades que fortalecerão suas competências. Pude usar todos os recursos do centro educacional, como o cadastro de telefones de pais e alunos e os grupos de WhatsApp para esclarecer dúvidas, além de ligações pessoais para explicar e orientar as atividades dos manuais de autoaprendizagem. A vitória está em estimular a resiliência dos meus alunos, me colocar em seus pensamentos, encorajá-los a superar seus desejos frustrados ao não querer fazer as lições em casa. Consegui que meus alunos refletissem, se motivassem e que sentissem vontade de mudar a educação da qual precisam. Esta é uma educação em conjunto. O desejo de evoluir de meus alunos, tanto intelectual quanto espiritualmente, nos levou a explorar e experimentar vários projetos disponíveis, para conseguir que eles se sentissem aptos para o autoestudo. Hoje, mantemos estes continuamos com os mesmos grupos de alunos para manter o modelo de acompanhamento. Pessoalmente, visitei famílias de baixa renda, levei comida, remédios e, o mais importante, um pouco do meu trabalho e atenção. Senti empatia nas casas que visitei, porque a pandemia os fez perder suas fontes de renda.
Isto leva os alunos a ter que procurar um emprego para contribuir com o orçamento da família.
“Meu desafio foi conhecer e ajudar cada um dos meus alunos ...
Entre os principais problemas que encontrei estão: a distância entre o centro educacional e as comunidades; a falta de internet; e a falta de apoio para distribuir material didático para que os alunos possam realizar suas atividades. Meu desafio foi conhecer e apoiar cada um dos meus alunos em sua situação particular. Por exemplo, comprei material didático para os alunos que não tinham e entreguei em suas comunidades. Em outros casos, para os alunos que trabalhavam, reservamos o horário entre as 17h e 19h para conversas por telefone e troca de mensagens para dúvidas e explicações. Desta forma, conseguíamos fazê-lo fora do horário de trabalho. Sabia que ficaria um pouco cansado, mas contava com a vontade que os alunos tinham de se superar. É fácil reclamar - como fazem alguns - que os alunos não sabem nada, não entendem nada, não se interessam por nada, mas eu tenho que me colocar na situação deles e saber que, como professor, é minha a responsabilidade de criar as oportunidades de melhoria. Hoje, quero dizer que, como professor, não tive tempo, não tive horário, porque meu objetivo era levar a diante esses jovens que são o futuro da nossa Guatemala.
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Memória 2020
Gabriela Rodríguez No início não tinha condições de ter uma linha telefónica – tinha internet - mas a câmara estava quebrada. Desta forma, tive que aprender a me contentar com aquele telefone porque nem todo mundo tem a possibilidade de ter um. Pelo menos eu tinha como participar das aulas. Tivemos que nos adaptar. Quando tudo começou, nos apoiamos nos manuais de autoaprendizagem. Achávamos a educação não seria igual à que recebíamos quando tínhamos aulas presenciais, mas os professores nos orientavam com os manuais, e nos ajudavam através de um grupo criado no Facebook. Agora estamos estudando no Classroom. Mandamos nossos trabalhos para lá, que é mais uma plataforma na qual temos chance de aprender. Para aqueles que não tem acesso, marcam um dia para ir ao centro educacional e, assim, entregar as tarefas e tirar dúvidas pessoalmente, mas nunca faltou o que estudar. Os professores estão sempre lá, atentos a como estamos estudando, nos orientando para que entreguemos as tarefas, nos ajudando a todos, dizendo que todos vamos conseguir, já que este é o último ano que falta para completarmos o ensino médio. Alguns professores nos perguntaram se possuíamos acesso a internet para conseguir nos organizar. No meu caso, como eu trabalhava, a professora se conectava aos domingos para que pudéssemos estar juntas. Apesar das dificuldades, os professores nos deram atenção durante as aulas e nas atividades suplementares. Além disso, os professores gravavam as aulas para os que não tinham como se conectar, eles imprimiram alguns manuais e sempre nos
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disseram que, se tivéssemos qualquer dúvida, podíamos escrever para eles. Sinto que fui abençoada, a Fé e Alegría apoiou a nossa educação, eles nos deram muita atenção, nos perguntaram se tínhamos condições de nos conectar. Quando todo o país foi fechado, sempre nos disseram que ficariam por perto e nunca nos deixaram. Eles sempre nos encorajaram, nos deram tarefas para aprender coisas novas.
Byron Jiménez Nenhum aluno tinha imaginado como seria estudar durante a pandemia da COVID-19, os professores também não. Foi uma experiência nova e de grande aprendizado. Entendemos que a educação, como sempre nos disseram, começa em casa e hoje nos formamos a partir dos valores do nosso lar, da nossa família e a Fé e Alegria esteve presente para nos apoiar e ajudar. Uma das dificuldades que enfrentamos com esta pandemia é que, muitas vezes, não tínhamos os recursos necessários para a educação a distância. Muitas pessoas não têm um dispositivo inteligente com o qual consigam se conectar ou consultar os professores. Da mesma forma, os que perderam o emprego, sofreram com a falta de dinheiro em casa e não tinham esta possibilidade. Pessoalmente, me afetou o fato de, muitas vezes, ter acesso limitado à internet para fazer minhas tarefas, então tive que recorrer a outros meios para conseguir completar meus estudos. A Fé e Alegria esteve presente durante a crise. Desde o primeiro manual que nos
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enviaram, os professores sempre estiveram disponíveis para responder a qualquer dúvida ou ajudar com qualquer problema que tenha surgido em nossas casas. Eles visitaram nossas casas para saber como estávamos. Nos visitam para trazer ajuda às nossas casas. Além disso, eles nos enviaram instruções sobre cuidados pessoais que nos ajudaram a nos conscientizar do que deveríamos fazer e evitar durante a pandemia. A Fé e Alegría esteve de mãos dadas conosco.
Saralin de María Pérez Tenho 16 anos e sou estudante do quinto ano da Educação Intercultural Bilíngue na Fé e Alegria Guatemala. Eu estudo e ajudo a minha mãe em tudo que posso. Faço parte da Red Generación 21+, que aqui na Guatemala se chama Protagonismo Juvenil Organizado (PJO). Esta crise que vivemos mudou drasticamente a nossa rotina diária e atingiu as pessoas mais vulneráveis. Com relação à minha experiência em fevereiro deste ano, durante o VII Encontro Mundial da Red Solidaria de Jóvenes em Madrid, a COVID-19 me fez pensar sobre o quanto é importante estar preparado e, com isso, me refiro ao descaso com o qual se trata a saúde, os empregos e tantos outros problemas que vieram à tona. Como PJO, nos organizamos através de encontros virtuais durante os quais conversávamos e discutíamos formas de enviar mensagens positivas e como postá-las nas redes sociais para continuar a influenciar e a sensibilizar. Apresentamos o nosso ponto 69
Memória 2020
de vista e a experiência local, pois, por pertencer a uma comunidade rural nos arredores da cidade, a minha opinião é completamente diferente da opinião de alguém que vive na zona urbana.
“Temos poderes inestimáveis... temos a capacidade.
Aos jovens, digo que devemos começar a nos questionar, a nos conhecer melhor e a entender a realidade que se apresenta, e que devemos encarrar isto como uma oportunidade de mudança. Sejamos protagonistas de nossa própria história. Temos poderes inestimáveis... temos a capacidade. É só colocar tudo em prática e mostrar o que podemos fazer. Devemos aplicar nossa juventude em algo produtivo. Tem uma frase do Paulo Coelho que sempre carrego comigo: “Lute pelos seus sonhos senão outros vão impor os deles.”
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Aprendizados e desafios
A pandemia incentivou a inovação, a comunicação e a criatividade 2020 foi difícil para todos, devido à pandemia causada pelo novo coronavírus. A realidade da Fé e Alegría não foi diferente: todas as nossas comunidades educacionais tiveram que fechar as portas e continuar com processos de ensino e aprendizagem a distância para garantir o direito a uma educação de qualidade. Mesmo assim, embora a aprendizagem a distância tenha sido, e continue a ser, um desafio sem precedentes, o trabalho da Fé e Alegria não parou e continuou atendendo 16.124 estudantes de todos os níveis educacionais, além de continuar formando, durante o ciclo 2020, todo a equipe docente, administrativa, de suporte e de serviço nos aspectos pedagógicos e de crescimento pessoal, a fim de manter a atualização acadêmica. Na verdade, o Pe. Miquel Cortés, S. J., diretor da Fé e Alegria Guatemala, acha que a pandemia incentivou a inovação, a comunicação, a criatividade e o melhor uso dos escassos
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recursos. O programa de alimentação escolar, financiado pelo Estado, foi um veículo muito importante não só para o trabalho pedagógico, mas também para aumentar o contato com as famílias, o que nos permitiu incentivar a autoaprendizagem e a necessidade de cuidados pessoais e sanitários. Além disso, nos ajudou na prevenção da violência doméstica, tão ameaçadora nestes tempos de confinamento forçado. A pandemia nos obrigou a ampliar o nosso trabalho em rede com outras instituições, o que significou assumir sem medo, tanto institucional como pessoalmente, os novos conhecimentos que isso exigia. Vários grupos de WhatsApp, inclusive por série, e comunidades de aprendizagem por e-mail ou Facebook foram criados. Para aumentar a resiliência, também fizemos questão de cuidar do cuidador, promovendo a sua formação emocional e espiritual. Fomentamos o protagonismo e a liderança juvenil e, na pastoral, incentivamos a propagação da solidariedade e da resiliência. Insistimos que “unidos seguiremos em frente”. Isso também facilitou o trabalho humanitário com as populações migrantes e com os afetados pelas tempestades tropicais. Além disso, começamos a preparar os protocolos para garantir um retorno seguro à escola.
sável para a aprendizagem criativa e crítica, tanto presencial quanto remotamente. No nível federativo, devemos: aprofundar os laços para avançar na “união dos espíritos” da Fé e Alegría de cada país, a fim de construir redes de esperança; comunicar e compartilhar experiências de sucesso; assumir juntos, como um grupo, problemas e emergências; apoiar, de forma solidária, os países mais frágeis e refletir juntos sobre as demandas de sustentabilidade; a voz dos pobres e desamparados com relação à necessidade de maiores investimentos para que todos tenham acesso a educação; e as novas demandas educacionais, incluindo a formação profissional, insistindo na inserção, caso contrário a formação não faz sentido. Para isso, devemos começar reconhecendo que, aqui, não somos pioneiros e que devemos aprender com aqueles que estão muito à nossa frente.
Como lições e desafios, acreditamos que devemos continuar a aprofundar a formação integral dos educadores para que possam assumir os desafios dos novos tempos. Também devemos encarar a educação híbrida de forma mais criativa – unindo o presencial com o virtual -, o que implica não só em fornecer a conectividade adequada, mas também a formação pedagógica, indispensável para trabalhar com as novas tecnologias que devem se tornar um recurso indispen-
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Memória 2020
Haiti
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Federação Internacional de Fé e Alegria
Testemunho
Ir. Matilde Moreno, rscj. Não é para nos gabar, mas no Haiti tivemos a “pandemia” mais longa de todas, e ainda temos! O período escolar de 2019-20 começou, como sempre, na primeira semana de setembro, mas no meio do mês o país sofreu uma forte onda de violência que provocou o fechamento de todas as escolas em Port-au-Prince e nas cidades e aldeias mais próximas. Moro em Balan, na comunidade Sagrado Corazón, trabalho em um Centro de Saúde Integral e em uma escola da Fé e Alegria, não fomos vítimas da violência diretamente, mas não podíamos nem sair para comprar pão. Esta foi a nossa primeira “pandemia”, durou até dezembro quando as aulas recomeçaram. Tempos de incerteza, sofrimento e fome. Os trabalhadores rurais não podiam sair para vender seus produtos nem para comprar o arroz nosso de cada dia. No Natal chegaram as primeiras notícias sobre o Corona, como é chamado aqui, mas parecia muito distante e alheio. Quando parecia que tudo estava voltando ao normal, veio o duro golpe. O presidente fez um pronunciamento à nação: todos em casa, tudo fechado ... e a partir de 20 de março nosso calvário começou novamente. Igrejas, centros públicos e escolas fecharam até 31 de julho. Mais uma vez: medo, insegurança e fome. O que fazer? Na Fé e Alegria nos organizamos para arrecadar recursos e fornecer arroz, feijão e óleo, além de máscaras, sabão e água sanitária às famílias. Um pouco de alívio, mas claramente insuficiente. Em Balan
encontramos amigos que nos ajudaram durante o confinamento e a cada mês conseguimos distribuir alimentos para as famílias dos nossos alunos. O que parece ter sido um roteiro de um filme de ficção cientifica fio o fato de que, durante a pandemia, as famílias que vivem em nossos campos tiveram que ficar trancadas em suas casas. Aqui a maioria das casas é construída usando coqueiros, barro e chapas de metal, apenas algumas usam tijolos. As casas são usadas para dormir e guardar os poucos pertences que a família possui. A vida se passa do lado de fora, com uma convivência muito próxima aos vizinhos. Se alguém adoece, se tratam e se contaminam juntos. As consequências da nossa “pandemia” particular estão sendo desastrosas. Não fomos atingidos duramente pelo Corona, graças a Deus! Mas as consequências de um ano escolar perdido, dos empregos que desapareceram e da violência crescente com mais de 70 grupos armados que a cada dia controlam de forma brutal mais bairros e regiões do país, tornam cada vez mais difícil viver aqui. Mas não se enganem nem esqueçam! Este é um povo maravilhoso que sabe como viver e esperar contra toda a esperança. Um povo de Fé inabalável e Alegria inexplicável em meio a tanto sofrimento. Um povo com o qual há muito o que aprender e que nunca deve ser esquecido. Que Deus permaneça em nossas vidas e continue a nos abençoar.
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Memória 2020
Lições e desafios
Trabalho de conscientização e apoio humanitário 2020 foi um ano muito difícil para a Fé e Alegría Haiti. O enorme esforço que tivemos que fazer para continuar a dar aulas durante o confinamento imposto pela pandemia somou-se aos problemas estruturais, à instabilidade política, à insegurança social e às fragilidades de nosso sistema educacional e da própria Fé e Alegría. Não só tivemos que readequar nossas práticas às demandas da educação a distância, mas também tivemos que trabalhar muito para conscientizar a população de que a pandemia deveria ser levada a sério, e para promover e viabilizar as medidas essenciais de saúde, visto que muitos não as cumpriram, seja por não acreditarem nas consequências da COVID-19, por não terem dinheiro, ou por precisarem sair para conseguir alimentos. Desta forma, ao mesmo tempo que nos esforçávamos para manter as atividades educacionais, tivemos que realizar um trabalho humanitário para distribuir sacolas de alimentos e kits de higiene para as populações mais vulneráveis. 74
Isto nos permitiu conscientizar e orientar as famílias. No entanto, a COVID-19, que nos obrigou a ficar confinados em casa, e a falta de segurança nas áreas onde ficam os centros da Fé e Alegría, não permitiram que nos comunicássemos tanto quanto queríamos com as famílias, já que achamos que este é um aspecto essencial que devemos reforçar. Além disso, achamos necessária e urgente a capacitação para o trabalho e a realização de projetos produtivos que contribuam para elevar as condições de vida das pessoas atingidas não só por esta pandemia, mas também pela pobreza e pela fome.
Federação Internacional de Fé e Alegria
Queremos ressaltar que, apesar das dificuldades, os nossos alunos obtiveram boas notas nos exames nacionais promovidos pelo governo. Isto nos incentiva a prosseguir com mais dedicação ao nosso trabalho de favorecer as pessoas mais vulneráveis, através de uma educação de qualidade. Também pedimos apoio à Federação para fortalecer a Fé e Alegría Haiti, que se encontra em uma situação muito frágil.
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Honduras
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Testemunho
Belkis Avilés Meu nome é Belkis Avilés, faço parte da equipe de trabalho do Centro Técnico Nazaret da Fé e Alegría Honduras, localizado na comunidade de Urraco Norte (El Progreso, Yoro). Nasci e cresci em Urraco Pueblo, onde a terra é rica em nutrientes para as lavouras porque fica na margem direita de um dos maiores e mais sinuosos rios do país: o Ulúa. A região é dividida em 35 comunidades, todas ficam na zona rural, e o acesso à cidade de El Progreso é muito difícil. Vivemos abandonados e ignorados pelo Governo, contamos apenas com os serviços essenciais. 2020 foi um ano muito difícil que nos trouxe medo, angústia e dor. Foi um ano sem corpo e sem alma. Começamos com a chegada da fatídica notícia do confinamento local e global provocado por um vírus, que nos obrigou a ficar em isolamento completo em nossas casas e corpos. Tivemos que abandonar os nossos objetivos familiares, pessoais e profissionais. Os sonhos dos nossos jovens alunos foram destruídos porque o Nazaret fechou as portas pela primeira vez na sua história. Depois, tentamos nos comunicar através de telas desfocadas e, em muitos casos, sem sinal de internet, além disso, 38% dos nossos jovens, por questões financeiras, não têm smartphone nem conexão com a Internet. Durante a pandemia, foi doloroso ver o número de famílias que se separou por não conseguir conviver durante o confinamento nem lidar com a falta dos serviços mais básicos. Foi angustiante ver o desespero dos
chefes de família ao saber que perderam o emprego em função da suspensão dos contratos de trabalho com as empresas, sem qualquer explicação. Alguns jovens tomaram a decisão de emigrar disfarçados e se juntaram às caravanas porque a vida em casa ficou muito difícil. O consumo de drogas e álcool cresceu, da mesma forma que aumentou a violência contra as mulheres, inclusive o feminicídio. Outros, porém, pelo apego à terra, continuaram a lutar plantando suas safras de ouro - milho, mandioca, pimenta, tomate, cebola, laranja - ou mantendo suas granjas para sobreviver.
“2020 foi um ano muito difícil que nos trouxe medo, angústia e dor.
Nós, professores, nos esforçamos para entrar em contato com as famílias e os alunos para organizar encontros através de plataformas virtuais, nos mantivemos informados e em contato, nos abraçávamos com palavras de incentivo. Outros, porém, tiveram que suportar o confinamento isolados e sozinhos, mas o pior ainda estava por vir. Chegaram os ventos de novembro ... parecia um mês calmo, com dias de esperança que nos devolveriam a paz e a tranquilidade, mas não foi isso que aconteceu. Dois visitantes inesperados passaram por nossa cidade: os furacões Eta e Iota, que destruíram o pouco que nos restava. É revoltante ver que as autoridades responsáveis não alertaram o país para o enorme 77
Memória 2020
impacto desses fenômenos naturais, mesmo sabendo de vulnerabilidade no qual vivemos devido à falta de manutenção das margens direita e esquerda do rio Ulúa. Um dia, de repente, acordamos com a água nos pés. Eram 4:50 da manhã. Me lembro de acordar com o barulho na rua. Saí para ver o que estava acontecendo, a primeira coisa que notei foi um menino, com cerca de oito meses, chorando nu em um colchão em frente à minha casa.
“Acho que a adversidade sempre nos deixa muitas lições para que sejamos mais irmãos e mais humanos, ...
Depois vi uma senhora idosa carregando um fogão pesado. Corri para ajudá-la, ela sorriu para mim assustada e voltou para sua casa para busca outras coisas. Foi muito difícil ver todos os meus vizinhos tirando seus pertences, colchões, mesas, utensílios, galinhas, porcos, patos e quando voltei para casa, a água já estava na altura dos joelhos. Olhei para o rosto dos meus parentes e eles estavam fora de si, ansiosos para retirar seus pertences. Lembro que fui ao meu quarto buscar algumas roupas e minha mochila com o computador com o qual continuo escrevendo até hoje. Peguei dois sacos de mescal, enchi um com roupas e, no outro, coloquei a comida que tínhamos comprado para o mês. 78
Saí à rua, tudo estava um caos. Estávamos cercados pela correnteza do rio. Liguei para o celular do meu irmão para pedir que ele nos levasse para uma das colinas próximas à comunidade, como tínhamos combinado na véspera em caso de emergência, mas os celulares estavam sem sinal. Também não havia caminho seguro para passar andando. Milagrosamente, meu irmão apareceu cortando a água em sua trimoto de carga. Que alegria! Fomos todos em uma única viagem, levamos só o que estávamos vestindo. No caminho vimos episódios dolorosos: pessoas gritando, outras chorando, crianças desorientadas, velhos sentados em suas cadeiras, pessoas retirando seus pertences... era como ver um navio naufragar. Seguimos em silêncio, nos segurando como podíamos nas barras de metal da trimoto. No caminho, passamos pelo Centro Nazareth, minha segunda casa, que frequentei durante dezoito anos. Já tinha se transformado em um braço do rio Ulúa. Fechei os olhos e à minha mente vieram imagens de todos
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os esforços e sacrifícios que fizemos para garantir um aprendizado eficaz para nossos jovens. “Perdemos tudo”, disse a mim mesmo e, naquele momento, desmoronei. Chegamos ao abrigo, ficamos isolados e sem comunicações durante vários dias. No refúgio, sobrevivemos durante a tempestade de ventos fortes e a destruição das estradas, as pessoas se abrigavam nas ruas em barracas improvisadas feitas de lençóis, cozinhavam ao ar livre os últimos alimentos que restavam. Poucos meses depois a água baixou e voltamos para nossas casas que estavam quase soterradas pela lama. Foi como começar do zero ... a água destruiu tudo o que tínhamos conseguido construir. Não podíamos ir à cidade porque as estradas estavam totalmente destruídas. Compartilhamos e trocamos os alimentos que ainda tínhamos com vizinhos e familiares. Por onde costumava ser a rua, um barco finalmente conseguiu trazer um pouco de
comida e água que tínhamos que racionar. Um mês depois, as ruas foram desobstruídas e a ajuda solidária enviada por pessoas de outros países chegou em boa hora com alimentos, água e roupas. Também retornamos ao Centro Nazaret para juntar forças com a Fé e Alegria e apoiar as famílias afetadas. Percorremos as comunidades, visitamos as famílias que ainda não tinham se recuperado das perdas materiais e distribuímos alimentos, água, colchões e roupas. Ainda continuamos a fazê-lo porque ainda há muitos desamparados. Acho que a adversidade sempre nos deixa muitas lições para que sejamos mais irmãos e mais humanos, isso é o mais importante na vida. Agradecemos por estarmos vivos e partimos fortalecidos para cumprir a missão, que nos foi confiada por Deus e por nossos antepassados, de ajudar-nos uns aos outros. O Nazaret está vivo... continuaremos a ser uma luz para as famílias carentes e trabalharemos pela transformação social.
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Lições e desafios
A pandemia e os furacões nos obrigaram a fazer uma mudança radical A pandemia da COVID-19, nos confinou em casa, nos obrigou a viver em um mundo virtual e impôs a educação a distância, sem que estivéssemos preparados técnica e pedagogicamente. No entanto, temos feito grandes esforços para continuar a garantir, da forma mais adequada, o direito à educação de nossos alunos, incluindo os indígenas garífunas com quem temos trabalhado ao longo dos últimos sete anos, oferecendo uma educação que fomenta a sua identidade e que respeita e promove a sua cultura. A pandemia também acentuou a miséria e a fome, fomos obrigados a assumir a ajuda humanitária através da distribuição de sacolas com alimentos, kits de higiene e de prevenção ao vírus. A migração também cresceu, e como agora famílias inteiras partem, fomos obrigados a intervir de forma mais efetiva nesta área e a nos organizamos em rede com instituições que trabal-
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ham com questões relativas a este assunto. Tivemos que implementar programas educacionais e de capacitação para os repatriados com o objetivo de melhorar suas condições de vida e evitar uma nova tentativa de emigração, ou prepará-los para enfrentar o futuro fora do país, já que sabíamos que muitos deles partiriam novamente. Como se não fosse o bastasse, em 3 de novembro de 2020, o furacão Eta atingiu o território hondurenho, com chuvas intensas que provocaram enchentes, deslizamentos de terra e a destruição de várias aldeias. Logo depois do Eta, sem que tivéssemos tempo para nos recuperar, outro furacão de enormes proporções se formou -o Iota-, devastou colheitas, afogou o gado, destruiu municípios inteiros e deixou muitos mortos. Populações inteiras perderam tudo, incluindo, é claro, as casas com todos os seus pertences.
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Os furacões nos forçaram a uma mudança completa. Já não se tratava apenas de assegurar a educação, mas de salvar e garantir vidas. Iniciamos uma série iniciativas: reorganizar, adaptar e responder às emergências. Formamos grupos de trabalho, mudamos as nossas funções, nos dedicamos ao mais urgente: distribuir alimentos, água, roupas, cobertores ... tudo que contribuísse para salvar vidas. Chegamos a atender a 122 abrigos onde, além de atender às necessidades mais urgentes, oferecemos treinamento de controle do estresse, solidariedade e aptidões para a vida. Miguel Molina, diretor nacional da Fé e Alegria Honduras ressalta com convicção: “a pandemia e os furacões estão nos ajudando a reformular completamente o nosso trabalho. Em vez de apenas reconstruir nossos centros destruídos, teremos que crialos com uma dimensão mais comunitária,
para atender diretamente às necessidades extremas dos mais pobres que são sempre atingidos por todos os tipos de pandemias e catástrofes. Devemos fortalecer nosso trabalho em rede com outras instituições e entre as várias Fé e Alegría. Nisto apostamos nossa identidade e nosso futuro como educadores populares. Uma Fé e Alegria enraizada em suas trincheiras, na qual cada país só se preocupa em continuar a seu próprio modo, não faz mais sentido. Unidos é que somos fortes, uma força que devemos usar de forma mais efetiva diante de governos, organizações e instituições para conseguir os recursos necessários para que todos possam exercer o direito a uma vida digna e à educação de qualidade, principalmente, nestes tempos em que a pandemia deixou milhões sem escola”.
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Itália
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Testemunho
María Elena Guevara Ela tem 61 anos, é equatoriana, viúva, mãe de três meninos, avó de três netos, formada em Ciências da Educação com especialização em Física e Matemática, e trabalha como professora no IRFEYAL da Fé e Alegria Milão e da Universidade de Loja. A sua vocação nasceu ao longo da carreira, graças a algumas substituições e ao exemplo de casa. “Sempre vi minha mãe dar aulas para as crianças do bairro. Eu queria de ter sido médica, minha família me apoiou, mas no final desisti por causa dos custos”. E, acrescentou, rindo, “usar máscara agora é o mais próximo que chego da profissão que eu queria ter, por isso não me importo!”. Ela é uma pessoa forte e determinada. “Em 1999, a instabilidade econômica que afetou os professores me levou a deixar minha família, meu lar e a profissão que exerci por dezenove anos, mas foi por um bom motivo: meus filhos. A ideia era ficar durante dois anos. Não importava se tivesse que cozinhar, limpar, cuidar de idosos ou crianças. No começo foi muito difícil. Os dois anos se tornaram vinte. Meu marido continuou a trabalhar como professor no Equador e, após sua morte ainda jovem, eu trouxe meu filho de dezesseis anos para a Itália”. Ela ainda lembra das palavras que seu marido disse ao se despedir no aeroporto: “Maria Elena, você vai para outro país, mas nunca se esqueça que você é professora e, como tal, deve orientar as pessoas. Demonstre as suas qualidades e você será amada em qualquer trabalho”. Sobre sua vida profissional, ele diz: “Minha prioridade era man-
dar dinheiro para casa, mas meu diploma não me qualificava a dar aulas na escola italiana. Por outro lado, com grande satisfação, pude continuar dando aulas de matemática no IRFEYAL da Fé e Alegria Milão e na Universidade de Loja, além de dar aulas particulares. Mas minha principal fonte de renda era, primeiro, cuidar de uma senhora idosa e, há muitos anos, trabalho para uma família tomando conta das crianças”.
“Graças ao seu esforço, todos os seus filhos completaram os estudos.
Graças ao seu esforço, todos os seus filhos completaram os estudos e obtiveram grau de licenciados. O mais velho é bacharel em Educação com especialização em Física e Matemática pela Universidade de Loja com extensão em Milão; o segundo, em Engenharia Eletrônica e Telecomunicações pela Universidade Politécnica de Quito; e, por fim, o terceiro, cursou Engenharia Aeronáutica na Itália, e, assim, realizou o sonho de seu pai de que um de seus filhos ser formasse no exterior. A primeira vez que vi María Elena foi na escola, dançando e rindo entre os seus alunos em uma festa. Quando lhe pergunto quais são as qualidades de um bom educador, ela responde: “Amável e afetuoso, capaz de transmitir seus conhecimentos, de se colocar a serviço de seus alunos, deve dominar a matéria, mas também deve sempre estar pronto para se aprimorar”. Lembra de seus ex-alunos com detalhes e de como, às vezes,
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um simples gesto ou uma única palavra podem ajudar. “Recentemente, um deles me disse: ‘professora, você me faz reviver’...é isso que me estimula. No Instituto IRFEYAL acolhe muitas tantas crianças que passam por momento difíceis, mulheres vítimas de violência, pessoas que se arrependeram de ter abandonado a escola ou que têm que precisam reconstruir suas vidas com uma mãe que mal conhecem ou junto com o novo parceiro da mãe. Não quero interferir na vida deles, só quero saber o suficiente para motivá-los da melhor maneira”. Sobre ela, um de seus companheiros diz: “Reconheço e admiro muito a capacidade de aprendizagem, desenvolvimento, criatividade e comprometimento da Professora María Elena Guevara”. E Julio, um de seus alunos de 51 anos, nos diz: “O meu agradecimento especial vai para a Professora María Elena, pela sua disponibilidade, carinho e paciência”.
Lições e desafios
A pandemia favoreceu a integração com as famílias Há vinte anos a Fé e Alegria Itália oferece, em colaboração com IRFEYAL Equador, a possibilidade de estudantes latino-americanos na Itália completarem seus estudos é obter um certificado válido para entrar na universidade. A pandemia nos obrigou a estimular ainda mais a educação a distância na modalidade virtual, isto nos levou a fazer campanha para conseguir computadores para alunos que não tinham. Como a campanha de doação de computadores usados não teve muito sucesso, nós os compramos e emprestamos aos alunos com o compromisso de que deveriam ser devolvidos. Para outros, demos descontos nas mensalidades para que pudessem comprá-los por conta própria. Apesar das dificuldades, é preciso ressaltar que os professores assumiram suas tarefas com muita responsabilidade e dedicação. Eles visitaram os alunos em suas casas, o que favoreceu a integração e criou condi-
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ções para conhecer melhor as famílias e os estilos de vida. Os estudantes, por sua vez, também demonstraram dedicação e solidariedade, alguns trabalharam como tradutores para os médicos cubanos que vieram ajudar no atendimento à pandemia. Como no início da crise de saúde vários alunos que trabalhavam em hospitais e lares de idosos apresentaram sintomas de forte crise emocional, oferecemos um atendimento personalizado para ajudá-los a enfrentar a situação e lidar melhor com as suas emoções. Os alunos afirmaram estar muito satisfeitos e gratos por este acompanhamento.
criativa para que os alunos possam aprender de forma permanente. Eles estão preocupados em transformar em uma ONG que emite certificados e não leva a sério o conceito educacional e a missão da Fé e Alegria, que busca a transformação pessoal e social, uma vez que estão conscientes de que o nosso desafio e o nosso objetivo é mudar vidas, ajudar os alunos a crescer de acordo com a sua própria identidade ao mesmo tempo que se abre criativamente a outras culturas e à cidadania universal. Isso exigirá que eles trabalhem mais a identidade e espiritualidade e que insistam, vigorosamente, nos cuidados pessoais.
Na cerimônia de formatura de quarenta recém-formados do ensino médio em Milão, com a presença dos cônsules do Equador e do Peru, o Pe. Florin Silaghi, S. J. Diretor Nacional da Fé e Alegria Itália, parabenizou os alunos com as seguintes palavras: “Este ano foi um ano muito difícil. Sem abnegação, compromisso constante, confiança, paixão, criatividade, oração, diálogo e sacrifício, este momento de realização e celebração teria sido alcançado. Por isso, agradeço a Deus, às suas famílias, aos seus professores e a todos que os apoiaram. Sentir-se grato a outros e a si mesmo é sempre fruto de uma educação que nunca é um fim em si mesmo, uma educação que nos torna sábios, que transforma os corações, que dissolve os medos, que nos torna mais verdadeiros e criativos, portanto, mais capazes de ser responsáveis não só pelos nossos sonhos pessoais, mas também pelos anseios de nossa comunidade”. Segundo a coordenadora pedagógica, Olga Pérez Sastre, a Fé e Alegria Itália tem entre seus maiores desafios aprofundar a formação de professores para que possam superar de forma mais efetiva, a pedagogia transmissiva e abrir-se à pedagogia crítica e
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Madagáscar
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Testemunho
com as pessoas que não sabem ler e escrever. Esta é uma iniciativa recente.
Pe. Jean Guy Tahina, S.J.
Eu sou o Pe. Tahina Jean Guy, jesuíta, sou o diretor executivo da Fé e Alegria em Madagascar. Eu trabalho com o Pe. Emile Ranaivoarisoa, também jesuíta, que é o diretor geral, e com muitos educadores que estão em campo, tornando possível que a Fé e Alegria preste um serviço educacional voltado aos mais pobres e excluídos de nosso país. Quando chegou, a pandemia se somou às condições precárias nas quais vive o nosso povo, inclusive com falta de água e alimentos. Cuidamos dos alunos de Joakim en Fianarantsoa com as medidas de segurança que podíamos. Fizemos o mesmo com os alunos que estão conosco desde 2015 no centro do distrito de Ikalamavony, a 100 quilômetros de Fianarantsoa no centro-oeste. Temos sérias dificuldades para nos deslocar através país. De um lado, a insegurança provocada pelos grupos armados e, de outro, as distâncias. Pode parecer que as distâncias não sejam tão grandes, mas função das más condições das estradas, veículos com tração nas quatro rodas levam de 9 a 12 horas para percorrer 100 quilômetros.
“No meio da pandemia tivemos uma notícia muito boa, o estado reconheceu a Fé e Alegría como uma ONG dedicada à educação...
Construímos instalações em Fitampito com a ajuda dos alunos e de suas famílias porque precisamos de infraestrutura para assegurar o ensino de qualidade. Este trabalho foi feito em conjunto com os Jesuítas de Madagáscar, que em 2020 celebrou o jubileu de 50 anos como província jesuíta. Durante a pandemia tivemos uma notícia muito boa, o estado reconheceu a Fé e Alegria como uma ONG dedicada à educação, registrada sob o número 02/2020 BIM / ONG / PREF / Ftsoa. Em malgaxe, a língua nativa de Madagascar, Fé e Alegria se traduz como FIHAM. FInoana HAravoan’ny Malgache, FIHAM. Através da FIHAM, continuamos com Fé e Alegria.
Estamos muito felizes porque apesar das condições, demos suporte a professores de áreas remotas, oferecemos formação pedagógica para enfrentar o novo desafio educacional. Também promovemos atividades de geração de renda para escolas e famílias, como por exemplo, através da plantação de laranja e abacate. Começamos o trabalho
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que continuar a sonhar com a transformação de nossas escolas em verdadeiros centros comunitários.
Lições e desafios
Insistimos na conscientização relativa à importância da educação Em Madagascar, a situação durante pandemia é semelhante à encontrada em muitos outros países: as escolas foram fechadas e os membros da Fé e Alegría se organizaram em equipes em colaboração com a Diocese Católica de Fianarantsoa para apoiar a distribuição de ajuda humanitária (alimentos, máscaras, sabonetes e desinfetantes) às famílias da comunidade educacional. O confinamento obrigatório deixou a maioria dos pais que trabalhavam na economia informal sem trabalho e, consequentemente, sem renda. Aproveitamos as entregas para, ao mesmo tempo, promover iniciativas de sensibilização e informação sobre a COVID-19 e a necessidade de medidas preventivas junto aos pais e famílias que fazem parte do nosso movimento. Isso ajudou a estreitar os laços com as comunidades, que nos apreciam e reconhecem o nosso trabalho. Talvez, esta seja a maior força da Fé e Alegría Madagascar, temos
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Os pais ajudam muito e contribuem pagando a educação de seus filhos com mão de obra ou com os produtos de suas lavouras. Também tivemos que dar apoio financeiros aos professores e professoras que são muito mal remunerados, mas que, apesar das dificuldades, se organizaram de forma criativa para garantir a continuidade da educação dos alunos. A infraestrutura de Madagascar é limitada, temos deficiências de todos os tipos. Nossas 42 escolas são pequenas e muito pobres, ficam muito longe das cidades e o acesso por estradas de terra é muito difícil, principalmente no inverno, quando se torna quase impossível. As construções são rústicas – com paredes e tetos de folha de palmeira – e o orçamento é praticamente inexistente, faltam até mesmo mesas. Os professores carecem de treinamento, tanto em pedagogia quanto em educação popular e na identidade da Fé e Alegría. Seus conhecimentos são restritos, pois a maior parte deles possui apenas estudo fundamental. Portanto, precisamos muito do suporte da Federação. Apesar de tudo, eles têm muita disposição e estão ansiosos para continuar estudando. Alguns, como a professora Rassoa, também demonstram uma generosidade extraordinária, pois, nas horas vagas, ela cria galinhas para vender e usa o dinheiro para comprar cadernos e canetas para seus alunos. O maior desafio educacional em Madagascar é continuar a ressaltar a importância da educação, já que nem o Estado nem as famílias reconhecem a sua devida importância. As famílias não veem a educação como um meio essencial para sair da pobreza,
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eles não possuem nenhuma referência de alguém que tenha saído de comunidades e progredido nos estudos. Por isso, quando os filhos crescem, eles os levam para o campo para ajudar a plantar arroz ou a cuidar do gado. Por este motivo, ao contrário do que se passa em outros países africanos, em Madagascar a frequência das meninas à escola é maior que a dos meninos. Também fazemos questão de cuidar da natureza, já que muitos fazem queimadas para transformar a floresta em pasto para o gado, isto está provocando a rápida desertificação do país. Por isso, iniciamos, nas escolas e junta às famílias, projetos de plantio que preservam as árvores e hortas escolares para ajudá-los a ter uma alimentação melhor.
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Nicarágua
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Testemunho
Hasly Medelid Méndez Montoya Desde o início da pandemia da COVID-19, senti tristeza, medo, terror e preocupação, pois em meus 14 anos, esta era uma situação nova e sem precedentes. Me abalou muito o fato de que, em tão pouco tempo, tudo o que conhecíamos mudou de repente. As tarefas mais simples se transformaram em atividades arriscadas e perigosas. Embora tudo tenha mudado para mim, as atividades em casa, na escola e na comunidade, o mais importante é que houve uma mudança pessoal, pois em 2020 tive a oportunidade de refletir sobre coisas que antes considerava de grande importância e que, durante o isolamento social, perderam seu valor. Percebi que devo dar valor, amar e proteger as pessoas que sempre estiveram e que ainda estão comigo, valorizar a nossa saúde e vida, e, da mesma forma, a dos outros. Apesar do contexto, continuei com entusiasmo e dedicação. Decidi que essa situação não me deteria. Em 2019, comecei um processo de formação em identidade sociopolítica, no qual ampliei meus conhecimentos e desenvolvi competências de liderança. No ano passado, comecei uma certificação Virtual em Participação Sociopolítica da Juventude em Cultura de Paz, durante a qual aprendi que é preciso saber trabalhar em equipe – trata-se uma grande virtude - porque, conhecendo a opinião dos outros, conseguimos colaborar para, juntas e juntos, transformar a nossa realidade.
s trocas de experiências virtuais, promoviAdas pela Red Generación 21+ - uma iniciativa fomentada pela Federação Internacional Fé e Alegria - me permitiu conhecer as experiências de meninas e meninos de outros países o que, com certeza, enriqueceu o meu aprendizado. Juntas e juntos conhecemos o lado positivo das diferentes situações com as quais nos confrontamos no mundo para influenciar e transformar o que tanto nos causa dor e indignação.
“Juntas e juntos conhecemos o lado positivo das diferentes situações com as quais nos confrontamos no mundo...
Acredito que, para ser uma boa líder, preciso dominar essa competência. Minhas maiores conquistas foram transmitir energia positiva e entusiasmo, além de desenvolver minha criatividade e liderança como agente de mudança. Aprendi muitas lições: saber como me sinto, como posso provocar mudanças, a importância de construir a paz, de refletir sobre cada conflito e, acima de tudo, descobri o poder que está dentro de mim. As competências que desenvolvi durante esta formação são evidentes, já que, antes, era muito tímida e não gostava de falar em público. Agora não me importo, ajudo nos cursos para os jovens oferecidos pelo meu centro de estudos. Tudo isso me ajudou na escola, em casa e na comunidade, já que melhorou a minha capacidade de me comu-
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Memória 2020
nicar e de confiar em tudo o que me cerca, me sinto segura de mim mesmo. O treinamento que recebi me ajudou muito, pude criar, sociabilizar, fortalecer, internalizar, desenvolver e crescer como pessoa. Gostaria que estas atividades continuassem a ser oferecidas para que, assim como eu, outras pessoas e outros jovens vejam que temos essa luz de mudança e que podemos fazer a diferença.
Johana Espinal Zepeda O contexto da COVID-19 me deixou aterrorizado, pois aos 51 anos fui mais uma das vítimas desta pandemia. Me contaminei e, consequentemente, contaminei a minha família. No início, o ineditismo da situação foi um fator que influenciou minha vida porque era uma doença nova sobre a qual e eu não sabia nada. A mudança mais significativa que esta doença provocou foi em meus hábitos de higiene, adotei vários que não tinha antes. Por outro lado, me habituei a conviver com esta doença como se fosse qualquer outra. A pandemia não veio apenas alterar a convivência social e o sistema de saúde com os quais estávamos acostumados. O trabalho com os alunos também mudou durante a pandemia, passou a ser online por meio de estratégias de ensino à distância - agora semipresencial -, o que exigiu maior atenção com os conteúdos complexos e, em casos 92
especiais, de mais tempo usando ferramentas tecnológicas como, por exemplo, vídeos educacionais. O grupo de alunos que me foi designado representou um grande desafio para mim, já que a maioria não tinha internet nem impressoras para fazer as tarefas semanais. Tive que inovar e convencer as outras pessoas a compartilhar com quem não tinha. Muito trabalho, muito cansaço, mas felizmente nenhum deles contraiu esta doença. Eles estudaram em casa e conseguiram aprender. São muitas histórias para contar, mas o rosto feliz de cada uma delas e deles é o que me motiva a me dedicar cada vez mais.
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Lições e desafios
medidas sanitárias e de uma convivência doméstica harmoniosa e colaborativa.
A pandemia nos forçou a mudar planos e projetos, tivemos que inovar ao mesmo tempo que seguíamos em frente.
Entre os professores, privilegiamos as conversas e os processos de formação relacionados à cultura da paz, da inteligência emocional, dos modelos pedagógicos dialógicos, da formação espiritual e do desenvolvimento da identidade. Apesar da situação, conseguimos realizar vários retiros espirituais que estimularam muito o comprometimento e a resiliência.
Embora na Nicarágua nunca tenhamos tido dados confiáveis sobre a propagação e os impactos da COVID-19, sofremos as consequências muito de perto, com casos de contágio entre professores, alunos e até mesmo entre os funcionários dos escritórios. A situação nos obrigou a alterar planos e projetos, a inovar ao mesmo tempo que seguíamos em frente para atender às necessidades mais urgentes, que iam desde o fornecimento de alimentos e kits de higiene para proteger a saúde, até o apoio emocional e psicológico para o pessoal afetado ou que estava com medo. Além disso, nos empenhamos, principalmente, na formação humana, na convivência harmoniosa e na espiritualidade, para prevenir todo tipo de violência que tende a se multiplicar em situações de confinamento. As buscas e os esforços se concentraram na elaboração do “Plano de Assistência e Acompanhamento Pedagógico em Situações de Crise”, que propôs aproveitar todas as facilidades oferecidas pela educação virtual e à distância. Desta forma, vários grupos de WhatsApp e Facebook foram criados, e as videoconferências e aulas virtuais foram usadas sempre que possível, o que exigiu um grande esforço de treinamento em tecnologia sem que o trabalho fosse interrompido. Para atender os alunos das áreas mais afastadas e rurais, onde o ensino virtual não era possível, os professores prepararam manuais de estudo que os pais deveriam buscar na escola semanalmente. O plano também foi usado para reforçar a importância das
Apesar das situações difíceis vividas durante a pandemia, e a passagem de furacões que acentuaram a carência e os problemas, os jovens da Fé e Alegria Nicarágua não pararam, porque, a partir de seus lares, continuaram a desenvolver processos de reflexão e ações concretas para tratar de questões como a cultura de paz, a violência de gênero, o direito à educação de qualidade, a saúde mental, a educação sexual, o meio ambiente, entre outros. Além disso, junto com outros universitários, realizam oficinas de arte, teatro e muralismo. Os desafios relacionados a educação virtual permanecem, é necessário um orçamento maior e melhor, bem com a formação em identidade e educação popular para possibilitar o uso da tecnologia como base para a educação e do conhecimento comprometido com a transformação da realidade. Acreditamos que, em âmbito federal, precisamos fortalecer as redes e o cultivo da consciência do movimento global em defesa da educação de qualidade para todos. Percebemos, também, a necessidade de um intercâmbio maior de propostas e de uma reflexão coletiva sobre questões essenciais relacionadas à gestão da nova educação popular depois da pandemia.
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Panamá
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Testemunho
Melbin Emigdio Herrera Passei a maior parte da pandemia sozinho com o diretor nacional. No início achávamos que passaria logo, mas, aos poucos, dias, semanas, meses foram passando. Aqui no Panamá, a quarentena começou cedo e ainda continua. Fecharam empresas, hotéis, cassinos, cinemas ... tudo. E, ao mesmo tempo, nos escritórios, primeiro começaram as ligações, depois a peregrinação de pessoas –principalmente migrantes– todos contando a mesma história:
“Acordávamos cedo e íamos dormir tarde, mas nunca perdemos a fé e a alegria.
“Perdemos o emprego, não temos o que comer, estou devendo o aluguel, vou ser despejado”. É difícil, companheiro, querer ajudar a todos e não ter como, mas junto com o diretor nos organizamos e montamos dois pontos para atender as pessoas. Fomos procurados por embaixadas, batemos de porta em porta, e tanto o Colégio quanto o Noviciado jesuíta nos deram muito apoio. Também recebemos ajuda de particulares e colocamos nossos escassos recursos institucionais à disposição. Foi uma tarefa enorme. Acordávamos cedo e íamos dormir tarde, mas nunca perdemos a fé e a alegria ... ver a gratidão, as palavras e a generosidade das pessoas, mesmo em meio a vulnerabilidade, faziam que eu me sentisse bem, porque, como disse o diretor: “não resolvemos os problemas, mas atenuamos a dor.” E eu concordo com ele, eu acho que a COVID-19 ganhou uma batalha, mas não a vida.
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Memória 2020
Lições e desafios
Educar é uma vocação que nos leva a ser testemunhas da fé com alegria Da mesma forma que todos os outros países, o Panamá foi afetado pela pandemia global causada pela COVID-19, que nos obrigou a transformar drasticamente o trabalho que fazíamos. O confinamento nos levou a aumentar a comunicação e os processos de formação, através de redes sociais, telefones e e-mail e a correspondência em geral. Além disso, intensificamos a preparação de material para os treinamentos, principalmente na comarca de Ngäbe-Buglé, a partir de onde distribuíamos o material didático que serviram para ajudar o desenvolvimento dos manuais enviados pelo Ministério da Educação para garantir a educação da população indígena. Em conjunto o com a Direção Nacional de Formação e Aperfeiçoamento Profissional (DNFPP), oferecemos treinamento em diversos temas, como: mediação de conflitos na sala de aula, estratégia de motivação em sala de aula, didática ativa e participativa, arte como uma ferramenta de aprendizagem, metodologia brincar e aprender, criação e manejo de hortas escolares, entre outros.
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Para enfrentar o agravamento da pobreza causado pela pandemia, nos empenhamos em distribuir ajuda humanitária na forma de alimentos (vales de supermercado) e itens de higiene, e a orientar os beneficiários sobre como ter acesso a outros serviços sociais oferecidos pelo governo nacional. Durante todo o tempo, insistimos muito na necessidade de cuidados pessoais para prevenir o contágio e constantemente pedimos responsabilidade e solidariedade através do lançamento da campanha “Solidariedade que transforma”. Privilegiamos o atendimento a jovens, pais e mães de famílias, tutores, mães solteiras, mães chefes de família com filhos pequenos e mulheres em situação de risco (tráfico de pessoas). Ao mesmo tempo, promovemos ações de capacitação para o atendimento psicológico, a autoestima e a superação do estresse. Também realizamos oficinas de hortas escolares para que famílias e comunidades conseguissem aumentar sua produtividade e reduzir o seu déficit nutricional. Durante a pandemia, intensificamos o trabalho que fazemos a anos junto a migrantes, deslocados e refugiados, fornecendo alimentos, remédios e ajuda para encontrar abrigo. Também oferecemos acompanhamento psicoemocional com o objetivo de aumentar a resiliência, promover uma convivência melhor e evitar a violência. Trabalhamos inclusive em parceria com os consulados do Canadá, Peru, Chile, Colômbia e El Salvador, para atender os migrantes que não podiam sair do país e que precisavam de acomodações. Da mesma forma, auxiliamos a repatriação, em voo humanitário, de cinco pessoas de nacionalidade colombiana. Além disso, trabalhamos com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) para tratar de questões relacionadas a providenciar acomodações para vítimas do tráfico humano.
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Resumindo, a pandemia alimentou nossa criatividade, nos obrigou a nos reinventar em meio a uma realidade para a qual ninguém estava preparado. Fiel à missão institucional e seguindo a forma de proceder das obras jesuítas, a Fé e Alegria Panamá enfrentou com bravura os desafios, manteve o espírito de estar presente onde a tecnologia (o novo asfalto) não chega. Através da proximidade, humanidade e dedicação, conseguimos criar novas formas de ser e de fazer educação popular em fronteiras que outros não alcançam. Estamos comprometidos com a qualidade, conscientes de que, mesmo que virtualmente, a educação é um ato humano que nasce do encontro e da profunda convicção de que, embora não seja o suficiente para mudar o mundo, pode transformar a vida das pessoas envolvidas. Por isso o trabalho deve ser criativo e crítico, de forma a colocar o educador e o aluno diante da realidade, e promover a solidariedade em todas as atividades educativas.
Por isso, nos orgulhamos em poder dizer que não fizemos o que podíamos, mas sim, o que tínhamos que fazer. Aprendemos a maximizar recursos, a educar e a aprender sem salas de aula. Inclusive, de alguma forma, eliminamos a formalidade no que já era informal, porque a educação não formal também corre o risco de se tornar formal. Descobrimos, mais do que nunca, que, como disse uma companheira, “educar é uma vocação” que nos impele a ser testemunhas da fé com alegria. Além dos programas, existe a realidade de um povo empobrecido que nos motiva a continuar, nos evangeliza, nos educa com a qualidade que só eles podem oferecer. O compromisso não se limita a “cumprir”, pois exige radicalidade ... não nos limitar a ser “verificadores de realizações” e “preenchedores de formulários e arquivos”, mas nos encorajar a enfrentar a vida junto daqueles que estão além do asfalto.
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Paraguai
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Testemunho
Selva A última vez que vi Selva foi em uma canoa no Banhado Norte, em maio de 2019. A enchente tinha devastado a região e, como diretora da Escola Caacupemí e da Fé e Alegria, ela estava decidida a não permitir que nenhuma criança fosse deixada de fora por causa da cheia. Então, quase todos os dias, eu entrava em uma canoa para levar os livretos com as tarefas até a casa dos que não podiam ir à escola. Me lembro do barulho da água na canoa, do caminho que percorríamos juntos e da profunda admiração que senti ao constatar o tamanho de sua vocação: Selva, com os pés molhados e um sorriso determinado, transcendeu o espaço físico da escola, para se tornar uma líder comunitária. Uma referência com todas as letras. É difícil esquecer o abraço das crianças e a alegria que sentiram ao encontrá-la. Na última fronteira do esquecimento. No último recanto da pobreza. Não seria uma pandemia que iria detê-la. Por isso, quando a quarentena começou, ela prometeu mais uma vez que nenhuma criança seria deixada de fora. No Banhado, rapidamente, perceberam que a educação virtual a distância não iria dar certo e, os diretores e coordenadores da Rede Fé e Alegria reavaliaram a situação para tentar resolver o desafio da exclusão digital. E, de repente, surgiu a ideia de usar uma ferramenta que eles já tinham: Frequência 1.300 A. M. Radio Fé e Alegria. Para isso, adaptaram as apostilhas que já eram usadas no PREBIR (Programa Rural de
Educação Intercultural Bilíngue via Rádio) voltado para jovens e adultos -, e as aplicaram em um programa infantil e juvenil.
“... quase todos os dias, eu entrava em uma canoa para levar os livretos com as tarefas até a casa dos que não podiam ir à escola
Desde então, uma engrenagem silenciosa fez o milagre acontecer: vários grupos desenvolvem planos de estudos que são transformados em roteiros para o rádio, que depois são gravados para ser transmitidos pela emissora ou pelo celular. O programador faz os ajustes e comprime os áudios para evitar que fiquem muito grades e que possam ser transmitidos. Quando não há acesso ao rádio, são transmitidos através de áudio do WhatsApp. E, assim, estão superando o isolamento, lutando diariamente para continuar. Eles vão à escola às segundas e quartas, para que os pais e irmãos mais velhos possam tirar qualquer dúvida que tenha surgido. Também não abandonaram os têm um ritmo de aprendizagem diferente. Nestes casos, o caderno de notas foi adaptado, conforme a situação particular de cada aluno. Selva se enche de orgulho quando me conta que em sua escola, até o momento, não 99
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houve nenhuma desistência. Pelo contrário, alguns alunos, por causa desse sistema, decidiram a fazer parte da instituição. “A distância é física, não emocional, não da missão”, conclui Selva. Quando fala novamente, retorna a imagem da canoa e a dimensão heroica da sua vocação. A missão que move o mundo daquela que, todos os dias, luta silenciosamente pelo digno direito à educação. Atualmente, a Fé e Alegria atende cerca de 9.600 alunos, alcança 7.000 famílias e conta com 570 professores e educadores. Nesse esforço conjunto, há professores, diretores, grupos de escritórios nacionais e de pessoas do rádio que trabalham até de madrugada para preparar os áudios e manter esta roda girando. Para que nesta pandemia, ninguém seja deixado de fora.
Lições e desafios
Rádio: um recurso educacional Para atenuar a pobreza e a fome provocadas pela pandemia, a Fe y Alegría Paraguai, em conjunto com outras obras sociais da Companhia de Jesus, começou uma campanha de coleta de alimentos e kits higiene para distribuir entre as populações mais vulneráveis que não recebem apoio do Estado. Vale destacar que, posteriormente, quando constatamos que a situação se prolongava, orientamos os programas de empreendedorismo e produtividade a se voltaram para a fabricação de sabonetes, géis de limpeza e máscaras. Ao constatar que não foi possível universalizar o ensino virtual em função dos sérios problemas de conectividade e da falta de recursos econômicos e tecnológicos dos alunos e de suas famílias, decidimos reforçar e ampliar o ensino através do rádio. Para isso, aproveitamos a longa e bem-sucedida experiência adquirida através do Programa Rural de Educação Bilíngue Intercultural (PREBIR), um programa de educação voltado a jovens e adultos aprovado pelo Ministério da Educação e Ciência do Paraguai e que, neste caso, foi adaptado para crianças pela Fé e Alegria e seus professores. Existem três fatores fundamentais para ter sucesso neste programa educacional através do rádio. Primeiro, estabelecer um horário específico para cada série escolar; segundo, as equipes devem preparar e entregar apostilas semanais para que se possa acompanhar as aulas previamente gravadas, realizar as tarefas e fazer uma
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autoavaliação; e por último, o apoio familiar que os alunos recebem em casa. Nesse sentido, vale destacar que a colaboração dos pais facilitou a integração e nos orientou sobre como continuar a desenvolver esta dimensão essencial e fundamental da educação popular. Para aumentar a cobertura, fizemos acordos com rádios comunitárias. O Ministério da Educação também aderiu ao projeto da rádio Fé e Alegria, o que permitiu que a rede de rádios educacionais – incluindo a Rádio Nacional do país – transmitisse as aulas que preparamos. Como a educação passou a acontecer, na maior parte das vezes, dentro de casa, também oferecemos formação pedagógica e humana às famílias, uma vez que estavam assumindo tarefas para as quais não foram preparadas. Trabalhamos para aumentar a produtividade das famílias, através da preparação de jardins, hortas móveis e canteiros, conseguimos não só colocar em prática os conhecimentos teóricos, como também fortalecemos os laços familiares. Em novembro de 2020, comemoramos a Semana da Fé e Alegria, durante a qual apresentamos as principais lições e experiências na busca de uma educação de qualidade com foco na equidade e igualdade em tempos de pandemia para todas as crianças e adolescentes. Ficaram evidentes a dedicação, o entusiasmo, a cooperação e a criatividade de todos os colaboradores, que não se intimidaram com os problemas, os enfrentaram com coragem e criatividade. Dedicamos o primeiro dia para o fortalecimento da identidade, o segundo para apresentar a experiência de educação à distância via rádio, e o terceiro para trabalhar com os jovens de forma a estimular a sua capacidade de liderar e de comprometê-los com uma sociedade mais justa e fraternal. No quarto dia, apresentamos os trabalhos
e as atividades realizadas para a promoção social e melhoria das condições de vida da população mais vulnerável. Encerramos a semana com uma palestra sobre Educação durante a crise. Com base no sucesso da experiência, o Pe. Ricardo Jacquet, S. J., diretor nacional da Fé e Alegria Paraguai, ressaltou a importância do rádio como uma plataforma educacional que alcança a todos os lugares, propôs que a Fé e Alegria possua um banco de aulas via rádio para todos os níveis e que também se considere seriamente, o desenvolvimento de um currículo próprio com material de qualidade - aprovado pelo Ministério da Educação - que atenda às demandas da nova educação. Para ele, entre as necessidades detectadas que devem continuar a ser tratadas, está a formação contínua de educadores em identidade e em aspectos pedagógicos e humanos. Ele propôs que, no nível federal, a Fé e Alegria insista na necessidade de reforçar a seguinte mensagem: a COVID-19 gerou uma crise educacional, a educação não pode ser deixada de fora das prioridades estratégicas dos colaboradores e dos governos. A educação está em crise e deve ser assegurada a todos e todas, como base essencial para a convivência e o desenvolvimento. É importante destacar que, para conseguir recursos e apesar das dificuldades, organizamos nossa tradicional rifa, para a qual tivemos que recorrer a pagamentos digitais e venda de bilhetes virtuais. A resposta superou todas as expectativas, conseguimos vender 23.000 bilhetes, tínhamos estabelecido a meta de atingir os 20.000. Isso mostra que a Fé e Alegria está plantada no coração do povo paraguaio que valoriza muito o seu serviço educacional para as populações mais carentes.
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Peru
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mos ações de diagnóstico, sensibilização e acompanhamento.
Testemunh
César Stalyn Castañeda Tang “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca” Paulo Freire Estou convencido de que, como em suas origens, é esta busca que incentiva o nosso movimento educacional e, ao mesmo tempo, se torna o combustível que estimula o trabalho de todos nós que fazemos parte de uma escola da Fé e Alegria. Há quem afirme que não estávamos preparados para enfrentar uma pandemia como a que vivemos ... nada mais longe da realidade. Nós, que trabalhamos na educação popular, conhecemos a luta diária de cada família e da importância da comunidade para superar as adversidades. Ter uma leitura da realidade a partir de um ponto de vista prospectivo, promover a liderança participativa, cultivar uma mística de trabalhar com paixão e manter laços estreitos com a comunidade, foram fatores decisivos para enfrentar a crescente incerteza gerada a partir de 06 de março de 2021, quando o primeiro caso de coronavírus foi anunciado no Peru. Embora o início do ano letivo estivesse atrasado um mês, tínhamos a convicção de que nossos alunos precisavam de nós e, desde o início do isolamento social obrigatório, realiza-
“Nós, que trabalhamos na educação popular, conhecemos a luta diária de cada família e a importância da comunidade para superar as adversidades...
Professora, estou voltando para Arequipa para fazer meu dever de casa. Professora, como tinha lhe dito, estou com saudades... professora, sinto muito a sua falta, quero ver o seu rosto, quero falar com você”. Esta mensagem, enviada por um aluno à sua professora, fez vibrar todas as fibras da nossa vocação. Precisávamos nos organizar e procurar atender às demandas: não tinham celular, tínhamos que providenciar; não tinham conexão com a Internet, tivemos que lançar o projeto Corações Solidários; se as famílias não estivessem conectadas, tínhamos que ir às suas casas; se precisassem de comida, todos poderíamos ajudar. Não havia motivo para este ser um tempo perdido para a educação. Muito pelo contrário: existem lições familiares e comunitárias que todos nós negligenciamos. Muitas vezes, é em situações extremas como as que vivemos que o ser humano mostra todo o seu potencial, toda a sua humanidade, seu ser transcendente.
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Da mesma forma que médicos, enfermeiros, agentes de segurança pública e todos os que estiveram na linha de frente, nós, professores, rapidamente, tivemos que mudar nossas práticas, adaptar recursos e materiais e acompanhar o processo de aprendizagem ao longo de dias exaustivos, mas muito gratificantes. Assim, procurando criar condições favoráveis para o trabalho remoto e o sucesso da aprendizagem, liderados pela equipe de tecnologia, conseguimos, com o patrocínio do Google for Education, implementar a plataforma Classroom, que demandou longas e cansativas jornadas de treinamento, trabalho em grupo e ajuda mútua.
“...convido-os a exercer suas funções pedagógicas com os olhos em Jesus Cristo, fonte inesgotável de vida, esperança e amor misericordioso.
Aos poucos, descobrimos que era possível realizar projetos como: patrocinar cem linhas telefónicas para alunos que não tinham acesso à internet; promover oficinas virtuais de dança, cosmetologia e costura para pais e mães; oferecer reforço para os alunos que precisavam; criar oficinas virtuais de xadrez, futebol, teatro, canto, música, inglês e programação Python para os alunos; promover oficinas de apoio emocional para alunos, pais e professores; palestras pedagógicas para professores; palestras 104
virtuais, entre outros. É esse processo de busca de respostas pertinentes que alimenta nossa fé e a nossa alegria. Sem dúvida, o vínculo com a comunidade e a liderança participativa fortalecem a gestão de cada uma de nossas escolas. Fazer o bem bem-feito demanda empenho, criatividade e paixão. No ano em que celebramos nossas bodas de ouro, convido-os a exercer suas funções pedagógicas com os olhos em Jesus Cristo, fonte inesgotável de vida, esperança e amor misericordioso. Como nos pede o Papa Francisco, enfrentemos com “coragem e tenacidade” os desafios da educação, com a certeza de que “somos todos um só”. Junto com a Santa Paola Frassinetti, padroeira da nossa instituição, peço que o Pai nos abençoe com sua onipotência, que o Filho nos abençoe com sua sabedoria e que o Espírito Santo nos abençoe com sua unidade. Amém. Durante 2020, várias estratégias criativas foram empregadas para fortalecer e faci-
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Lições e desafios
Inovar para enfrentar o futuro litar a aprendizagem, tais como: produção de maquetes; tabelas periódicas; laboratórios básicos e reciclagem (coisas que tinham em casa); gravamos vídeos que compartilhamos entre nós para nos motivar. Em relação à minha família, houve melhora na higiene, no uso de máscaras, nos cuidados para cozinhar, limpar e no uso de materiais específicos para a prevenção e controle do vírus, como o kit de primeiros socorros, novos produtos de limpeza, distribuição de alimentos e uso preventivo da medicina natural, como infusões, chás, entre outros. Durante este período de pandemia, conseguimos cumprir as tarefas planejadas para o ano letivo de 2020. Considero uma alegria ter assumido compromissos e desafios maiores para desenvolver competências e estratégias pedagógicas inovadoras em tempos difíceis como o da COVID-19.
Cientes dos graves impactos que a COVID-19 teve na educação, a Fé e Alegria Peru elaborou um plano de trabalho para os próximos de cinco anos. Nos dois primeiros, enfrentaremos a crise com o objetivo de garantir o ensino básico e evitar evasão de alunos. Depois, nos dedicaremos a recuperar os processos de aprendizagem e continuar avançando na direção de uma educação integral de qualidade. Isso inclui a necessidade de uma estratégia intersetorial que envolva a saúde e outras áreas. A ideia é que a escola seja um elo entre a saúde, a assistência humanitária e os serviços educacionais. Tudo isto deve ser acompanhado de apoio aos professores através de recursos pedagógicos e humanos e formação espiritual, da mesma forma que já vem sendo feito através do ciclo #JuevesDigital um conjunto de seminários virtuais que são transmitidos semanalmente na página do Facebook da instituição -, que se tornou um espaço de diálogo sobre o uso educacional da tecnologia da informação como resposta à necessidade de educação a distância. 105
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Entre os temas abordados, se destacam o uso de plataformas educacionais, as vantagens das ferramentas do Google no setor educacional, os recursos criativos para professores, os sistemas de gestão de ensino virtual, as lousas digitais, a tutoria virtual, a aprendizagem baseada em projetos integrados e experiência do uso da tecnologia em contextos rurais. Desta forma, a Fé e Alegria participa do intercâmbio e do diálogo de professores peruanos que buscam gerar propostas criativas que atendam às demandas da educação a distância. Por sua vez, com o programa de rádio Capsulitas de Opinión (Pílulas de Opinião), procuramos incentivar a leitura, a pesquisa e o pensamento crítico em meninas e meninos através do uso da tecnologia. Discutimos problemas cotidianos da vida, com alunos, professores e pais. O projeto foi um dos vencedores do Concurso Nacional de Projetos de Inovação Educacional “Ideias que Transformam”, organizado pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Peruana (FONDEP). Sabendo que a pandemia atingiu com mais rigor as populações mais vulneráveis, a Fé e Alegria Peru priorizou, durante a crise, as áreas rurais e a região amazônica ... duas das áreas mais afetadas e que receberam menos apoio do Estado. Para combater a exclusão digital, distribuímos tablets para alunos em áreas rurais ou remotas. Também intensificamos os esforços para atender os migrantes, tanto internos - que voltaram para o campo porque não conseguiam mais sobreviver na cidade, já que o confinamento os deixou sem trabalho - como também os migrantes internacionais, principalmente os venezuelanos. Como resultado de nossos esforços e conquistas e para divulgar e compartilhar nos-
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sa experiência e conhecimento a Fé e Alegria Peru lançou a “Proposta para garantir o ensino em tempos de crise”. Nela, apresentamos uma proposta ampla e original para garantir o direito a uma educação pública de qualidade, que proporcione as competências necessárias para a vida e o trabalho de cada aluno. A proposta é composta por seis elementos distintos, mas bem articulados entre si: 1. Aprender é o mais importante, é o que deve a ser assegurado, para isso priorizamos as competências essenciais através de um plano flexível. 2. As competências selecionadas e priorizadas que atendem a este contexto específico são trabalhadas através de projetos integrados, evitando atividades isoladas. 3. Para atuar com esta proposta, temos dois cenários: o dos alunos que têm acesso à internet, televisão ou rádio; e o daqueles que não tem acesso porque estão em áre-
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as muito remotas e, desta forma, não tem condições de continuar seus estudos. Criamos materiais didáticos específicos para esses alunos. 4. Algumas condições são necessárias para assegurar a implantação de tudo o que foi apresentado. Um ator fundamental nesse cenário é o professor ou professora. No contexto atual, e para concretizar esta proposta, precisamos de professores que tenham entendido que o seu papel mudou e que se sintam desafiados, para desenvolver novas competências pessoais e profissionais que garantam o aprendizado dos seus alunos diante de novas condições. 5. Precisamos de professores que reconheçam que sozinhos não conseguem ir muito longe. Por isso, o trabalho em equipe é a resposta da comunidade educacional a essa crise: nos organizamos para enfrentar a situação, procuramos entendê-la, traçamos metas e objetivos específicos e seguimos em frente.
6. Por último, mas não menos importante, é necessário contar com um sistema de acompanhamento para que todas as equipes e toda a comunidade educacional se sinta parte de um grupo que os apoia e dá suporte. Para enfrentar os desafios do futuro agora evidenciados pela pandemia, o Pe. Ernesto Cavassa, S.J., diretor da Fé e Alegria Peru, ressalta a necessidade de estabelecer alianças com diferentes atores (Estado, sociedade civil, grupos da Companhia de Jesus e da Igreja Católica) para garantir o direito de todos a uma educação de qualidade. Devemos insistir na mensagem de que a Fé e Alegria contribui para que os países possuam escolas públicas de qualidade. Cabe à Federação disponibilizar os novos recursos que vem sendo desenvolvidos por universidades, think tanks, entre outros, com o objetivo de não ficar de fora das conquistas relacionadas ao ensino.
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República Democrática do Congo
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Testemunho
Delphin Kangu Tundenge Desejo compartilhar em poucas palavras meu compromisso, coragem e destemor neste período de crise sanitária mundial provocada pela COVID-19. É importante começar reconhecendo que esta doença foi, e continua sendo, um fator preponderante para o aumento da miséria que aflige as populações mais vulneráveis. As condições de vida durante este período de pandemia não poderiam favorecer a paz e a segurança das famílias, a começar pela minha. Todos temiam contagiar-se, e até mesmo morrer. E eu, como pai de família, não era uma exceção. Vivo em Kisantu, com minha esposa. Meus filhos moram na capital Kinshasa, considerada o epicentro da doença. O fechamento das fronteiras e o estado de emergência paralisaram todas as atividades internas. Eu estava então impedido de ir até Kinshaha ajudar a sustentar os meus filhos. Como todos sabem esta pandemia levou à paralização de inúmeras atividades. Nós mesmos, como professores, enfrentamos grandes dificuldade para sobreviver com o baixíssimo salário pago pelo Estado ao final de cada mês. Enfrentamos momentos muito difíceis. Precisávamos lutar muito para sobreviver e também pensar junto com a Fé e Alegria para não perdermos o dinamismo. Para superar as dificuldades e sobreviver, coube a mim demonstrar muita coragem e valor. Eu precisava vencer o medo do contágio. Eu tinha me comprometido a ajudar meus irmãos e irmãs a compreender que a doença existia e que não podiam deixar-se
levar pelos falsos rumores de que a doença só atingia as pessoas ricas. Precisávamos perder o medo e encarar a vida de modo positivo. Era necessário lutar como um leão e dar continuidade aos nossos trabalhos no campo para garantir a nossa sobrevivência.
“Para superar as dificuldades e poder sobreviver, coube a mim demonstrar muita coragem e valor. Eu precisava vencer o medo do contágio.
Como coordenador da rede Fe e Alegr a de Kisantu, entendi que dev amos nos manter em contato com nossos parceiros educadores. Durante a primeira onda, eu j sentira a necessidade de escut -los, conversar com eles e transmitir-lhes a mensagem oficial sobre as consequ ncias da pandemia. De comum acordo com a equipe nacional, organizei sess es de conscientiza o com pais, professores e diretores sobre as medidas de preven o do cont gio. Aproveitei, tamb m, para conscientizar a comunidade atrav s de v rios programas da Fe e Alegr a na r dio da Diocese de Kisantu. Encorajada por mim nossa equipe local ajudou muito a superar o fechamento das escolas durante o primeiro confinamento que durou cinco meses – de mar o a agosto de 2020.
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Lições e desafios
Educar para acabar com todas as pandemias A Fe y Alegría está totalmente comprometida com uma educação de qualidade para todos e todas. Não há dúvida de que esta é uma tarefa que exige um compromisso responsável dos professores que são os principais atores da educação das crianças e que, todavia, trabalham com péssimas condições salariais. A difícil situação salarial já que que a educação oferecida por Fe e Alegria é gratuita somou-se à pandemia. Desde março de 2020, todos os professores do país, da mesma forma que todos os outros cidadãos, viram-se obrigados a permanecer confinados em suas casas sem uma atividade que lhes permitisse sobreviver e sustentar suas famílias, e sem contar com a ajuda necessária do Estado, o que acabou por agravar os níveis de fome e miséria. Em consequência, todos os professores deixaram de ir às escolas, abrindo assim, caminho para o desemprego forçado, cujas consequências sociais, no entanto, são complexas e muito difíceis de suportar. 110
Em termos gerais, embora doloroso, o período de confinamento gerou também benefícios pois permitiu aos professores fortalecer suas relações familiares. O fato de permanecerem sempre juntos permitiu o desenvolvimento de outras formas úteis para a vida em comum. Além disso, este momento contribuiu para que olhássemos para o outro de uma forma diferente. Da mesma forma, foi una oportunidade para pensar ainda mais nos alunos e redobrar os esforços para garantir-lhes o direito à educação, considerando sempre as medidas sanitárias de prevenção. Isto nos motivou a recorrer ao rádio como um recurso para alfabetizar e formar, meio gerador de consciência e que, também, nos ajudou a suportar o confinamento de forma mais agradável. A maioria dos programas começaram com o objetivo de conscientizar as pessoas que deveriam levar a sério as
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medidas preventivas. Imediatamente, percebemos e utilizamos y utilizamos seu potencial educativo tanto para os alunos nos como para os professores, uma formação que devemos aprofundar, tendo em vista nossas muitas carências pedagógicas. Em nosso país devemos enfatizar sempre a importância da educação como meio de elevar a qualidade de vida, já que são muitos os alunos – e sobretudo alunas- que não frequentam a escola. Isto pressupõe um trabalho sistemático com as famílias para convencê-las da importância da educação. Juntamente com a tarefa de garantir o direto à educação para todos e todas e avançarmos em termos de qualidade, enfrentamos o desafio de melhorar a infraestrutura, uma vez que nossas escolas são muito pobres... nem mesmo tem carteiras. Devemos também enfocar a educação na capacitação dos
alunos para o trabalho e a produtividade, de modo que possam melhorar suas vidas e sair da pobreza extrema. O diretor nacional da Fé e Alegria Congo, P. Alfred Kiteso, S. J., insiste que a Federação deve lançar uma campanha vigorosa a nível mundial sobre a necessidade de garantir a educação a todos e todas como base para um desenvolvimento humano sustentável, que combata a miséria, pois alguns países africanos estão acostumados a conviver com diversas pandemias, agora com a COVID-19, mas também outras como malária e ebola.
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República Dominicana
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Testemunho
Ana Digna Meu nome é Ana Digna Castillo. Tennho 15 anos, nasci na República Dominicana e hoje em dia lidero a Rede Juvenil da Fé e Alegria Dominicana. Quando entrei para o centro educacional da Fé e Alegria onde estudo hoje em dia, propuseram-me participar desta rede. Me explicaram o que ela faz e fiquei encantada com a ideia de que uma jovem possa tomar decisões sobre os problemas que afetam a sua comunidade. Um outro motivo que me levou a participar foi a ideia de que eu, como jovem, poderia mudar o meu contexto. Fazer parte da Rede me ajudou, sobretudo, pessoalmente, uma vez que me desenvolvo como pessoa, e mais, me ajuda a ser uma líder e referência capaz de motivar outros jovens a ter um impacto sobre os problemas que os afetam.
e estão se mobilizando para continuar com suas ações. E com o tempo, elas vão começar a dar resultados.
“... me ajuda a ser uma líder e referência para poder motivar outros jovens e ajudá-los a ter um impacto sobre os problemas que os afligem.
Atualmente, os principais problemas que afligem a minha comunidade são a desigualdade de gênero e o cuidado e o respeito pelo meio ambiente. Como jovem, estou em posição vulnerável – já que, no meus país, ocorrem muitos feminicídios. E estamos trabalhando, conscientizando os jovens e as jovens. Ao longo de todo esse processo aprendi que podemos transformar nossas realidades através da Rede. Primero, educando-nos, mobilizando-nos e, assim sensibilizando a comunidade. Recomendo a outros jovens que, embora sintam que o que estão fazendo não está produzindo resultados, que não desanimem porque, da mesma forma que eles e elas existem outros jovens que estão passando por situações semelhantes
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Luz del Alba de la Cruz A Escola Santo Niño Jesús está localizada entre Batey Lechería, uma comunidade de descendentes de haitianos, hoje em dia, habitada também por populações muito pobres da Re pública Dominicana. Antes da chegada das irmãs, faltavam à comunidade os bens e serviços básicos, como alimentos, moradia adequada, água potável, saúde e educação. A convivência entre os integrantes da comunidade era muito difícil.
“A comunidade educacional enfrentou o seguinte desfio: como continuar a garantir uma educação de qualidade durante esta crise?”
As irmãs e o restante do pessoal do centro educacional dedicaram-se a promover a convivência amistosa entre as pessoas, a igualdade de direitos, geração de oportunidades de trabalho, melhoria da saúde, nutrição adequada, cuidados com a infância, promoção de valores e uma educação integral de qualidade para os excluídos, baseada em valores cristãos e nos Direitos Humanos. Fomos sempre guiadas pelas palavras do P. José María Vélaz, S. J.: “A educação dos pobres não pode ser uma pobre educação”; e nas de Cornelia Conelly, fundadora da Congregação Santo Niño de Jesús, que repetia: “Ações, não palavras”. 114
Foi em 19 março de 2020, que nosso país entrou em quarentena devido à COVID-19. A comunidade educacional enfrentou o seguinte desafio: como continuar a garantir uma educação de qualidade durante esta crise? Desde o início, através da equipe da Relação Escola Comunidade, começamos a identificar as necessidades das pessoas, verificando que elas têm suas atividades durante o dia e ficar em casa implicava não ter o que comer. Foi assim que, desde o início decidimos entregar alimentos e kits de higiene aos idosos da comunidade, mães solteiras e pessoas mais vulneráveis. Para nós, a prioridade da educação da comunidade compreende uma visão integral das pessoas o que implica, também, colaborar com as necessidades básicas tais como, a alimentação e a saúde das pessoas. A escola não trabalha sozinha, trabalha em conjunto com a comunidade buscando soluções, pois somo chamados a ir mais além e não ser indiferentes aos da comunidade.
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Na área educacional, utilizamos diferentes estratégias para que nossas crianças consigam aprender e que o ensino chegue a eles de forma criativa apesar dos níveis baixíssimos de conectividade. Embora desde março de 2020 as escolas tenham ficado fechadas para o ensino presencial, a equipe de gestão e toda a equipe conseguiram que o processo educativo não fosse interrompido. Foram criados materiais de reforço escolar, grupos de WhatsApp para acompanhamento das famílias, entregaram materiais escolares para que as famílias pudessem apoiar a educação, e, também, um podcast compartilhado semanalmente em grupos de padres, além de outros recursos como o YouTube. Com a colaboração da Sociedad de Padres, Madres e Tutores, surgiu a ideia de escola a partir das mercearias, atividade que consistia em utilizar os estabelecimentos na área para colocar os podcasts gravados em dispositivos USB, como o objetivo de que todos
os alunos e suas famílias tivessem acesso à educação oferecida través do rádio, sem a necessidade de acesso à internet. Durante a pandemia nosso centro acompanhou as famílias, motivando-as e acreditando nos meninos e meninas. Por sua vez eles confiam no pessoal da escola que trabalha com amor, dando o melhor de si, em cada tarefa que realizamos. Concluindo, esta pandemia, nos ensinou, como Centro, a buscar a melhoria contínua a cada dia, dar o melhor de nós ao próximo, a buscar estratégias que ajudem nossos alunos a aprender, ser, fazer e conviver em meio a tantas dificuldades. Servir e contribuir para melhorar a vida das pessoas que vivem na comunidade nos enche de alegria. Acreditamos, firmemente, que todas as pessoas têm direito a uma educação integral de qualidade e para atingir este objetivo trabalhamos com coragem e entusiasmo. 115
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Muitos pais e mães se apropriaram dos processos educativos e do uso das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação).
Lições e desafios
Maus tratos zero, cuidado infinito A Fe e Alegria Dominicana vem atuando desde a emergência e não apenas se preocupou, como também tem atuado para dar continuidade aos diferentes processos, atendendo aos pedidos de assistência e prevenção durante o período de quarentena. A fim de garantir a educação durante a pandemia e enfrentar suas consequências, nós os educadores da Fé e Alegria fizemos um grande esforço para continuar ensinando e atendendo aos alunos à distância, e para tal, tivemos que enfrentar as consequências da exclusão digital e a carência em sua formação tecnológica. Fomos obrigados a aprender ao longo do tempo e demonstrar força e criatividade para poder superar os problemas e deficiências por outros meios. O WhatsApp foi a principal via de comunicação e interrelação. A estratégia de comunicação tem sido essencial, uma vez que foram criados grupos de estudantes, professores, pessoal administrativo e de apoio. As famílias também se engajaram e se comprometeram ativamente, a despeito de suas pesar de suas grandes limitações e fragilidades. 116
Quanto à motivação e ao desempenho, temos alunos altamente motivados pelo mundo virtual; até mesmo alunos que iam mal nos estudos estão agora muito bem. Temos também alunos que mantém seu baixo ritmo e outros cujo desempenho foi afetado pela passagem para o mundo virtual. A escola deveria levar em conta essa diversidade para, no futuro, poder responder aos diferentes processos de aprendizagem desses alunos. Podemos, no entanto, afirmar, que a Fé e Alegria Dominicana, hoje, mais do que nunca, até mais do que quando ainda não nos havíamos proposto a tal, é uma autêntica rede de redes –sobretudo através do WhatsApp–, que nos oferece uma verdadeira oportunidade para impulsionar a comunicação e a educação, embora seja necessária uma verdadeira formação pedagógica que garanta o uso mais educacional das tecnologias que estão hoje sendo utilizadas para transmitir conhecimentos e fomentar o autoaprendizado permanente e crítico. Em vista do aumento da pobreza provocado pela pandemia entre as famílias mais vulneráveis que dependem, sobretudo do trabalho informal, – que necessariamente foi suspenso -, colaboramos com a distribuição de alimentos e kits de higiene às populações mais necessitadas, fossem ou não ligadas a Fé e Alegría. Além dos insumos recebidos do governo, Fé e Alegria contou com ajuda significativa de empresas, grupos e organizações de apoio. Conscientes dos impactos no nível pessoal, familiar, social e educacional resultantes da pandemia, fomos obrigados a traçar uma nova rota que nos permita dar continuida-
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de à educação y reconectar com a confiança de viver com fé e alegria. Com este objetivo implementamos diferentes dinâmicas que compartilhamos através das redes sociais e plataformas tecnológicas, com as quais pretendemos desenvolver as capacidades emocionais, psicossociais e espirituais necessária que nos auxiliem a enfrentar, superar, curar e aprender em tempos da COVID-19. Como movimento de educação popular integral e de promoção social, que trabalha nos setores mais empobrecidos e vulneráveis do país, decidimos continuar nos aprofundando no tema da assistência como o eixo principal de nosso trabalho, através da “Proposta sobre habilidades socioemocionais e espirituais”. A proposta inclui numerosas dimensões, como o cuidado com o meio ambiente, com o outro e, muito especialmente, contra a violência de gênero e o cuidado pessoal no contexto da pandemia que enfrentamos desde o início de 2020. A Fé e Alegría assumiu com grande responsabilidade a formação para a convivência e o respeito, a incorporação da perspectiva de gênero em toda a sua gestão pedagógica e institucional, em seus programas curriculares e na vida cotidiana para fortalecer a educação e a qualidade, a promoção social e o desenvolvimento comunitário com enfoque na reflexão.
estão sensibilizando suas comunidades sobre os problemas associados à desigualdade, maus tratos e à violência e promovendo a atenção. Essas ações contribuíram, em grande parte, para fomentar o empoderamento e uma liderança de serviços de alunas e alunos. Em conclusão, Fé e desenvolveu 4 ações principais durante a pandemia: 1. Distribuição de alimentos às famílias mais necessitadas; 2. Projeto e implementação de uma estratégia de autocuidados para toda a comunidade educacional; 3. Professoras em ambiente virtual estratégia de autocuidado para toda a comunidade educacional; 4. E, projeto, elaboração e implementação de um plano para ano escolar para que a educação possa chegar às crianças “desde onde termina o asfalto”. Este último plano será implementado até o final do ano escolar em agosto de 2021.
Para tal, entre outras ações, lançamos a campanha “Maus tratos Zero, Cuidado infinito” nos 63 centros educacionais e respectivas comunidades, em 16 províncias em todo o país alcançado centenas de meninos e meninas adolescentes, professores, homens e mulheres, de forma virtual. Assim com a ajuda das redes e diversas tecnologias, os mais de 35.000 estudantes
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Memória 2020
Uruguai
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Testemunho
Alejandra Gutiérrez O Club de Niños Nuestro Lugar é um projeto educacional informal, frequentado pelas crianças depois da escola. Em 13 de março de 2020, como sempre às sextas-feiras fizemos um passeio com as crianças. Quando nos despedimos delas nesse dia, não podíamos imaginar que, daí em diante, tudo mudaria. A palavra que primeiro nos marcou foi incerteza. Naquele fim de semana não sabíamos o que nos esperava nos próximos dias. Resolvemos oficialmente que as crianças não iriam à escola nem aos nossos centros. Naquela segunda-feira fomos trabalhar tomados por esta sensação de incerteza indefinível. Mas esta sensação durou pouco. Como equipe, compartilhamos este sentimento e fizemos um pacto implícito de acompanhar o estava acontecendo. Foi, então que vieram as certezas: estávamos juntos e, juntos iríamos enfrentar o que viesse. Nos libertamos um pouco da incerteza e decidimos confiar. Havia muitas outras coisas que não dependiam de nós, mas as que dependiam iriamos vive-las desta forma. Num nível mais macro, os outros Centros da Fé e Alegria do Uruguai vivenciaram a mesma situação: ninguém sabia o que estava por vir, mas com certeza iríamos acompanhar os acontecimentos para enfrentar aquele período. Aqui, os centros nunca fecharam. A urgência alimentar tornou-se imperativa na agenda de todos e marcou o trabalho nesses primeiros meses, mas estávamos convencidos de que nosso trabalho teria que ir muito além disso. A entrega semanal de
alimentos a muitas dessas famílias representava uma oportunidade de encontrá-las e ver como estavam, e procurávamos uma forma de nos comunicar periodicamente com as que não víamos.
“Reservávamos tempo para refletir, para não cair num ativismo que perdera o sentido para não deixar de nos perguntar para que e porquê.”
Embora a incerteza continuasse presente ela foi perdendo seu papel central. Isso implicou escutar as famílias e as crianças, bem como o que se passava conosco como equipe e como rede, para não cair um ativismo que perdera o sentido para não deixar de nos perguntar para que e por quê. Quando no final de julho recebemos a primeira criança, é difícil descrever com palavras a dimensão do que vivenciamos. A alegria que nos transmitiram ao voltar foi comovente. Nos permitimos sentir tudo o que isto nos possibilitou, poder escutá-los e compreender e, também saber tudo que haviam vivenciado nestes meses em que não nos vimos. Saímos fortalecidos, sem dúvida. Decidimos confiar, acompanhar, escutar, porém sem que não houvesse momentos de desânimo e objetivos não alcançados. Fizemos o possível, e o que não podíamos entregamos a Deus. “¿Quem dentre vocês, por mais que se preocupe pode acrescentar uma única hora ao curso de sua vida?”, Mt. 6, 27. 119
Memória 2020
Lições e desafios
Os professores trabalharam muito, mas sempre com entusiasmo Quando chegou a pandemia, e foi dada a ordem para que as escolas fechassem, tivemos que dedicar os três primeiros meses a distribuir alimentos e kits de higiene às famílias dos nossos alunos que, obrigados a ficar em casa não puderam continuar com seus trabalhos informais e, em consequência, ficaram sem renda. Distribuímos milhares de sacolas com produtos doados pelo Estado e empresas privadas. E, embora a Missão da Fé e Alegria seja educar, fomos obrigados a prestar assistência humanitária para possibilitar a educação, em vista das dificuldades econômicas enfrentada pela população mais pobre devido à pandemia. Embora os professores estivessem prontos a colaborar desde o início, logo começaram a abordar a necessidade de continuar com a educação, pois lhes doía muito ver os alunos da Fé e AlegrIa ficarem para trás enquanto os alunos das escolas particulares continuavam a desfrutar esse benefício. 120
Isso nos obrigou a grandes esforços para chegarmos à educação virtual e à distância e superar os graves problemas que enfrentávamos. Como muitos não tinham computador, iniciamos uma campanha junto às empresas pedindo que doassem os que já não usavam mais por terem sido substituídos por outros mais modernos–, o que nos possibilitou oferecer estes instrumentos a muitas famílias. Juntamente com a doação, tivemos que superar o problema da rede cuja conexão era péssima ou nula, o que nos obrigou a lançar mão de outros tipos de instrumentos que nos permitiram dar continuidade os processos educacionais que haviam sido interrompidos e impedir a evasão, que imaginávamos poderia ser muito grande. Ademais, tivemos, também que nos engajar em um processo rápido de formação tanto com os professores quanto com as famílias visando o uso adequado destas novas tecnologias.
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É importante ressaltar que, apesar das dificuldades, professores e professoras da Fé e Alegria Uruguai fizeram um trabalho excepcional forjando a educação que sonhamos com vocação e entrega total. O padre Martín Haretche, Diretor da Fé e Alegria Uruguai, salienta com verdadeira emoção e agradecimento: “Os professores demonstraram grande entusiasmo e comprometimento. Trabalharam mais do que nunca... creio que até 3 vezes mais. Esforçaram-se com verdadeira coragem para enfrentar os novos desafios e assumiram, com coragem, as mudanças apressadas nas formas e estilos de educar, desde as condições do local, péssima conexão com a internet, dificuldades para manter a motivação dos pais de família, disponibilidade de plataformas ou dispositivos, facilidades para a incorporação das TIC para o aprendizado ou a resistência a utilizá-las”.
A pandemia nos possibilitou, também, uma maior articulação com as Fé e Alegria vizinhas - especialmente, com a Argentina. Formaram-se redes de professores para alimentar tanto a formação pedagógica quanto a emocional e a espiritual, e foram organizados foros e encontros virtuais, muito apreciados pelos participantes. Tivemos inclusive Missas virtuais; na que celebramos no dia de Pentecostes uniram-se educadores da Fé e Alegria do Chile e do Paraguai. Esse tipo de atividade abre caminho para estabelecer uma plataforma federativa regional entre os países do sul.
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Venezuela
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Testemunho
muita alegria e exibiram seus cadernos com muito orgulho.
Belkis Belkis é agora a coordenadora pedagógica de um núcleo rural da Fé e Alegria que compreende três escolinhas unitárias. Ela começou trabalhando como professora trabalhando com várias séries de uma só vez – foi também coordenadora de Pastoral. Mas continua sendo “a professora Belkis”. Seu coração se enche de alegria quando as crianças e as outras pessoas gritam felizes quando a veem passar: “Lá vem a professora Belkis”. Há dezenove anos ela vem educando nestas áreas cada vez mais perigosas com a chegada da mineração irregular com todas as suas sequelas de marginalidade e violência. Seu rosto reflete tristeza quando afirma: “às vezes as crianças não concluem o curso primário porque vão para as minas com seus pais. É forte. E, embora digam que há ouro, as crianças passam fome”. Belkis relembra que pouco tempo depois de começar a trabalhar neste núcleo rural, houve um surto de malária em 2002 e 2003. “Tínhamos uma maca no núcleo e as crianças chegavam a cair de tanto tremer.” A malária continua existindo na área, mas Belkis não pediu transferência para outro local. Lá perto não há um povoado com livrarias ou papelarias, apenas algumas mercearias com apenas uns poucos produtos. Para poder realizar as tarefas durante esta pandemia, organizaram um seminário cujo objetivo era fazer cadernos com folhas descartadas e com as que puderam recuperar dos cadernos de anos anteriores. A cola foi feita com a mandioca cultivada pelas famílias. Os pais e alunos colaboraram com
“Para poder executar as tarefas durante a pandemia organizaram um seminário visando a elaboração de cadernos com folhas descartadas e com as que puderam recuperar dos cadernos de anos anteriores.”
Belkis faz muito exercício físico, pois, embora viva na área, para chegar a cada uma das sedes ela precisa caminhar. Uma destas sedes está a trinta minutos de distância, mas há outra que exige duas horas de caminhada – e ela não se queixa-. Há quase duas décadas acolhendo e dando carinho às crianças, ela acha que ainda há muito a fazer. As pessoas não entendem por que ela continua neste trabalho com um salário que mal dá para suas necessidades, apesar da sua licenciatura. Ela afirma que o esforço de ajudar o próximo vale muito a pena e completa sua renda fazendo doces e tortas com produtos que colhidos na região e, ao mesmo tempo, ensina às mães e aos alunos.
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Memória 2020
Milber Milber vive em Pedregal, um povoado do município de Marcano no estado Nueva Esparta. É licenciada e tem mestrado em educação. Há oito anos trabalha na Escuela María Luisa Tubores da Fé e Alegria no mesmo município. Ela mora em uma zona afastada do núcleo. Não gosta de usar o transporte público ela não gosta dos horários incertos e, então vai a pé. Para cortar caminho atravessa currais e em meio às vacas corre por estes terrenos com outros professores.
“O que mais me encanta é caminhar pela comunidade quando todos me cumprimentam “ “Tchau professora!
Caminha quarenta minutos para ir e outros quarenta para voltar. Não se queixa, nunca falta. “Sinto-me muito feliz com meu trabalho. Gosto do que faço. Comecei na escola como regente de turma. Adoro crianças, mas há três anos a diretora me pediu que assumisse o cargo de coordenadora de pastoral e cidadania. Inicialmente eu não estava satisfeita, mas logo depois percebi sua importância”. “O mais difícil é ver a necessidade de que passam as famílias. Há muita fome e isso é muito triste. O que mais me encanta é caminhar pela comunidade quando todos me cumprimentam “ 124
“Tchau professora!”. É gratificante ver seus rostos cheios de alegria, saber que podemos adoçar um pouco suas vidas”. Belkis, sua diretora, comenta o espírito de solidariedade de Milber: “Está atenta a tudo e a todos. Mais de uma vez apareceu com um caminhão pipa para ajudar as professoras a lidar com o problema da água”. A escola fica numa zona muito pobre, e ao lado temos uma invasão. O Colégio só tem ensino fundamental. As crianças e a maioria dos professores vivem todos no setor. A internet é praticamente inexistente, e só os professores têm acesso. A maioria das famílias não tem smartphones que possibilitem a educação à distância, mas o pessoal está muito identificado com a escola e se esforça dar continuidade à educação. Reúnem-se semanalmente na casa dos professores que tem internet. Baixam os materiais enviados pela equipe nacional do Programa Escuela, manuais de instruções e vão copiando à mão as orientações para cada um dos alunos, embora precisem passar a tarde toda dedicados a esta tarefa. O pessoal de manutenção também ajuda nesta tarefa. Uma das funcionárias que tem uma caligrafia excelente nos ajuda. Em seguida distribuem essas páginas aos alunos. Alguns pais vão à casa das professoras para buscá-las. Um dos funcionários que tem uma bicicleta coopera também entregando as páginas nas casas dos alunos. A diretora é uma mulher extraordinária e estimuladora. Valoriza imensamente seu pessoal e, até mesmo, colabora com a educação da comunidade, enviando materiais educativos da Fé e Alegria à emissora comunitária.
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Lições e desafios
Corajosos e criativos durante a crise
Criamos equipes que trilharam novos caminhos para cumprir o compromisso de educar. Buscaram forças na fraqueza e semearam esperança e força espiritual para que os alunos auxiliados por seus pais, assumissem o desafio da sua formação. O pessoal de apoio, administrativo e os trabalhadores foram fiéis e heroicos, atendendo aos representantes, cuidando dos centros juntamente com vizinhos e comunidades organizadas. A generosidade de amigos, benfeitores e organizações internacionais contribuiu e permitiu que muitos de nossos alunos e nosso pessoal tivessem acesso a alimentação, transporte e medicamentos. Foi possível, também dar a acesso a smartphones para que fizessem suas tarefas escolares.
A pandemia chegou e agravou a miséria e os problemas que há anos nos afligem: carestia de alimentos, as deficiências de nosso sistema de saúde; o alto custo de qualquer medicamento; escassez de transporte público; falta de água, gás e gasolina; os apagões frequentes; e a impossibilidade de manter o distanciamento social já que é preciso sair para poder levar para casa o pão de cada dia. No nível nacional, o problema educacional agravou-se, pois não estávamos preparados para enfrentá-lo, nem contávamos com a infraestrutura necessária para a educação à distância. Nas palavras do P. Jaime Aristorena, S. J., diretor Nacional da Fé e Alegria, “2020 foi um ano difícil, atípico, em que criamos e inovamos respondemos a uma realidade diferente e desafiadora, mas nós a enfrentamos e dedicamos o melhor de nossos esforços. A gravíssima crise humanitária nos castigou até mesmo muito antes da pandemia. Toda a equipe e, sobretudo os professores e comunicadores não se deixaram amedrontar por ela.
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Memória 2020
Foi preciso organizar, tempo, espaços e ambientes. Identificamos os conhecimentos essenciais e priorizamos as habilidades cognitivas e sociais. Acompanhamos aspectos espirituais, socioemocionais e cognitivos de professores e alunos. Organizamos campanhas de comparecimento às aulas, de valorização da educação e da convivência, pedagogia do amor, resiliência e compromisso social. Contando com o apoio de muitos, em termos de alimentação atendemos a 48.079 alunos e 4.123 trabalhadores de 85 escolas. Implementamos o programa “Todos y todas a la escuela”, criando ambientes seguros e agradáveis, e doação de utensílios. Em 956 centros, alcançamos 59.253 alunos e 2.310 professores. Uma vez que nos consideramos mais do que uma escola, promovemos a reconstrução do tecido social, o fortalecimento das comunidades, educamos para o empreendimento, organizamos mães promotoras de paz, grupos juvenis através do Movimiento Juvenil Huellas, formamos líderes juvenis universitários, atendemos às nossas 7.450 crianças que ficaram para trás e promovemos, entre outros, ambientes de paz e de cidadania. Durante a pandemia, foi fundamental proteger os alunos e nosso pessoal do contágio do vírus. Nesse período o desafio foi atendê-los, à distância e trabalhamos arduamente para atingir este objetivo. Criamos equipes mistas e aprendemos a educar de forma emergencial em várias modalidades. Elaboramos uma grande variedade de materiais, guias, infográficos, publicações para redes sociais, hábitos saudáveis, prevenção da COVID-19, vídeos, aulas pelo rádio e microcomputadores visando cultivar a interiorização e a espiritualidade, prevenção da violência, uma cultura de paz e o acompanhamento das famílias.
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Nossas rádios educativas, com seus microfones abertos, enfatizaram a comunicação para salvar vidas, com serviços de informação úteis para as famílias e campanhas de prevenção de contágio. Aprendemos com nossos acertos e erros e estamos muito satisfeitos com os resultados alcançados, embora saibamos que ainda há muito a fazer. Nos institutos universitários, assumimos a proposta do aprendizado por projetos, comunidades de aprendizagem, uso do rádio e estratégias digitais. Para a capacitação multimodal dos professores elaboramos quinze manuais, conseguimos ajuda para aquisição e distribuição de equipamentos e o saldo dos seus telefones. Desenvolvemos a campanha “Maestros al teléfono”, com o objetivo de angariar recursos para comprar mil telefones.
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Aprendemos a nos cuidar, planejar para emergências, sempre levar em conta o contexto, a educar e gerenciar com poucos recursos, com equipamentos virtuais de monitoramento– e a acompanhar os professores e as famílias. Unimos criatividade a compromisso para chegar a nossos alunos e participantes usando a internet, redes sociais, WhatsApp, smartphones, emissoras de rádio, mensagens de texto, cartazes e, inclusive, visitas aos domicílios com apoio das organizações comunitárias –com recursos escassos, falta de equipamentos e péssimos serviços de conectividade. Fizemos dos pais nossos aliados responsáveis pela educação dos filhos. Todos estes elementos servem como diretrizes para continuarmos a fortalecer a educação no futuro. Para tal, como condição essencial, devemos continuar a reivindicar junto ao Estado e a sociedade um salário
digno para os educadores, pois as péssimas condições salariais do pessoal (menos de cinco dólares por mês), a qualquer momento podem derrubar todo o sistema educacional caso as medidas pertinentes não sejam tomadas. Continuaremos sem professores e, por conseguinte, sem escolas, porque “sem professores não há escolas”. Consideramos também de muita importância e muito necessário que a plataforma da Federação seja uma plataforma para o intercâmbio de boas práticas e experiências no enfrentamento de crises e, também, para o apoio solidário. Fé e Alegria, como movimento global de educação popular para todos e todas, deve consolidar sua presença e levantar sua voz nos espaços públicos para garantir que o proclamado direito à educação de qualidade seja uma realidade para todos e todas.
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Memória 2020
Quantos somos e onde estamos
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+ 935.844
Participantes
+ 40 mil
Trabalhadores
+ 1.5 mil
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Parcerias na missão
Companhia de Jesus
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JRS: Serviço Jesuíta a Refugiados www.sjrlac.org
CPAL: Conferência dos Provinciais de América Latina e do Caribe www.jesuitas.lat/es
JRM: Serviço Jesuíta aos Migrantes www.sjme.org
FLACSI: Federação LatinoAmericana de Colégios da Companhia de Jesus wwwwww.flacsi.net
Secretariado para a Justiça Social e a Ecologia da Companhia de Jesus www.sjcuria.global/es/secretariados-y-redes
AUSJAL: Associação de Universidades confiadas à Companhia de Jesus www.ausjal.org
Red Xavier www.xavier.network
ICAJE: Comissão Internacional para o Apostolado da Educação Jesuítica www.sjweb.infoeducation/icaje. cfm?LangTop=1&Publang=1
Alboan www.alboan.org/es
IAJU: Associação Internacional de Universidades Jesuítas www.iaju.org
Rede Claver www.jesuitas.lat/es/hacemos/ red-claver
EDUCATE MAGIS www.educatemagis.org
Magis Americas www.magisamericas.org
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União Internacional de Religiosas www.internationalunionsuperiorsgeneral.org/es
IBM www.ibm.org/initiatives/p-tech
Ole Comunications www.olecommunications.com
Organizações afins
CLADE www.redclade.org ACCENTURE www.accenture.com/es-es OIJ www.oij.org AECID www.aecid.es/ES UNESCO www.es.unesco.org INDITEX www.inditex.com/es/comprometidos-con-las-personas/ apoyo-a-la-comunidad/programas-educativos-de-entreculturas
PORTICUS www.porticus.com/en/home
ADVENIAT www.adveniat.org
ALER www.aler.org
CME www.campaignforeducation.org
CELAM www.celam.org
Diocese de Rottenburg – Stuttgart www.drs.de
Nações Unidas www.un.org
SEDATEX
CIEC www.ciec.edu.co
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Memória 2020
Nota:
Como nos organizamos
As equipes, comissões e redes têm um grupo de pessoas que são referências internacionais.
Assembleia C.DD.NN
Conselho Diretivo CD
Coordenador Geral CG
Comitês consultivos
Equipes e trabalhos de suporte Internacionalização
Estratégia Global
Formação de lideranças
Educação Popular
Proteção à criança
Equipe da Secretaria Executiva SE
Sustentabilidade Ação Pública
Comunicação e tecnologia Administração Planejamento e Projetos
Proteção à criança
Assessoria Equipe Coordenação Executiva ECE
Eixo Novas Fronteiras Eixo Novas Fronteiras
Eixo Sustentabilidade Eixo Ação Pública
Escola Virtual
Equipe de Lideranças de Iniciativas
Formação Pedagógica Qualidade Educacional Educação Inclusiva Jovens Ecologia Integral e Pan-Amazônica
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Avaliação e medição do impacto Género
Redes Iniciativas Federativas Migração Cidadania
Identidade e espiritualidade
Formação para o trabalho Cuidados na primeira infância
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Claros e transparentes 62,56% Indivíduos
18,68%
Fundos próprios
16,57%
Fundações/ Corporações
2,25% Governo
Fontes e Despesas de financiamento FIFYA 2020
48,89%
Formação para o trabalho
56,65%
Programas
27,03% Promoção Social
19,53%
Medição do impacto
7,09% Outros
4,7%
Educação em valores
36,26%
Administração
0,38%
Panamazonia
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Relatório sobre o parecer da auditoria das Demonstrações Financeiras de 2020
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Memória 2020
Diretoria 2020 -2021 Conselho Diretivo Pe. Carlos Fritzen, S.J. Coordenador Geral Federação Internacional de Fé e Alegria fi.coordinador@feyalegria.org Pe. Miquel Cortés Bofill, S.J. Diretor Fé e Alegria na Guatemala gt.director@feyalegria.org Pe. Daniel Villanueva, S.J. Vice-Presidente Entreculturas – Fé e Alegria na Espanha d.villanueva@entreculturas.org Sabrina Burgos Diretora Nuevas Fronteras y Acción Pública Fe y Alegría na Colômbia nuevasfronteras@feyalegria.org.co Miguel Molina Escalante Diretor Fé e Alegria em Honduras m.molina@feyalegria.org.hn Pe. Alfred Kiteso, S.J. Diretor Fé e Alegria na República Democrática do Congo talk.be08@yahoo.fr 136
Diretorias Nacionais Fernando Anderlic Diretor de Fé e Alegria na Argentina anderlic@feyalegria.org.ar Callao 542, C1022AAS -CABA, Buenos Aires Telefone:(5411) 52352281 www.feyalegria.org.ar
Pe. Francisco Pifarré, S.J. Diretor de Fé e Alegria na Bolívia direccionp@feyalegria.edu.bo Av. Arce N° 2519 esquina Plaza Isabel la Católica Zona San Jorge La Paz – Bolivia Telefones:(591) 2 – 2444134 / 2444136 / 2444139 www.feyalegria.edu.bo
Pe. Antonio Tabosa, S.J. Diretor de Fé e Alegria no Brasil antonio.tabosa@fealegria.org.br Rodrigo Lobato 141, Sumaré, São Paulo, SP, Brasil CEP 05030-130 Telefone: (55) 61 9944 9124 www.fealegria.org.br
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Pe. Tsayem Dongmo Saturnin, S.J. Diretor de Fé e Alegria na República do Chade dir.foijoietchad@gmail.com B.P. 8, Mongo, Chad Telefone: (235) 6776829 www.foietjoie-tchad.org
Pe. Juan Cristóbal García Huidobro, S.J. Responsável temporário de Fé e Alegria no Chile jgarciah@jesuits.net Lord Cochrane 110, Piso 3. Santiago, Chile Telefone: (56) 9 9757 2174 www.feyalegria.cl
Víctor Murillo Diretor de Fé e Alegria na Colômbia victormurillo@feyalegria.org.co Carrera 5 No. 34-39. Bogotá, Colombia. Telefone: (57) 1-3209360 www.feyalegria.org.co
Carlos Vargas Diretor de Fé e Alegria no Equador c.vargas@feyalegria.org.ec Calle Asunción OE 238 y Manuel Larrea (esquina) sector El Ejido, Apartado 17-08-8623. Quito – Ecuador Telefone: (593 2) 321 44 55 www.feyalegria.org.ec
J. Alejandro Calderón Tobar Diretor de Fé e Alegria em El Salvador a.calderon@feyalegria.org.sv Calle del Mediterráneo, S/N, entre Av. Río Amazonas y Av. Antiguo Cuscatlán, Col. Jardines de Guadalupe, Antiguo Cuscatlán, La Libertad, El Salvador. Apdo. Postal 662 Telefones: (503) 22431282 / 22439738 Pe. Daniel Villanueva, S.J. Vice-presidente de Entreculturas – Fé e Alegria em Espanha d.villanueva@entreculturas.org Calle Maldonado, 1A, 28006 Madrid – España Telefone: (34) 91-5902672 www.entreculturas.org Pe. Francisco Iznardo, S.J. Diretor de Fé e Alegria na Guatemala francisco.iznardo@feyalegria.org.gt 12 Avenida 2-07, Zona 1. Guatemala –Guatemala Telefone: (502) 2324-0000 www.feyalegria.org.gt Pe. Paul-Fils Belotte, S.J. Diretor de Fé e Alegria no Haiti ht.directeur@foietjoie.org Comunidad Jesuita 95, Route du Canape Vert, Port-au-Prince, Haiti, W.I Telefone: (509)409-5623 www.foietjoie-haiti.org
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Miguel Molina Escalante Diretor de Fé e Alegria em Honduras
Pe. Marco Tulio Gómez, S.J. Diretor de Fé e Alegria no Panamá
m.molina@feyalegria.org.hn Zona de la Compañía, dentro del Centro Técnico Loyola, Yoro – Honduras Telefones: (504) 26473516/2647-4741 www.feyalegria.org/honduras
pa.director@feyalegria.org Parque Alicante, final Calle Principal. Las Mañanitas, Panamá. República de Panamá. Telefone: (507) 66074757 www.feyalegria.org.pa
Pe. Florin Silaghi, S.J. Diretor de Fé e Alegria na Itália direzione@feyalegria.it Plaza San Fedele 4. Milán Telefone: 0286352305 www.feyalegria.org/italia Pe. Emile Ranaivoarisoa, S.J. Diretor de Fé e Alegria em Madagascar Mahamanina - B.P. 1200 Fianarantsoa 301 Madagascar Telefone: +261 344893643 eranaivoarisoa@yahoo.com Pe. Everardo Víctor, S.J. Diretor de Fé e Alegria na Nicarágua ni.director@feyalegria.org Walmart 1 c. al sur 3 1/2 c. abajo. Reparto San Martín, No. 36. Managua, Nicaragua Telefone: (505) 2266-4994 www.feyalegria.org.ni
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Nancy Raquel Fretes, odn Diretora de Fé e Alegria no Paraguai director@feyalegria.org.py Juan E. O’Leary N° 1.847 e/6a y 7a Proyectadas. Asunción – Paraguay Telefone: (595) 9826 22257 www.feyalegria.org.py Pe. Ernesto Cavassa, S.J. Diretor de Fé e Alegria no Peru ecavassa@feyalegria.org.pe Cahuide 884 Jesús María Lima 11 – Perú +51 1 471-3428 www.feyalegria.org.pe Pe. Alfred Kiteso, S.J. Diretor de Fé e Alegria na República Democrática do Congo talk.be08@yahoo.fr Communauté du Collège Boboto 7, Avenue Père Boka. B.P. 7245, Kinshasa I. République Démocratique du Congo
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Pe. José Ramón López, S.J. Diretor de Fé e Alegria na República Dominicana direccion@feyalegria.org.do Calle Cayetano Rodríguez 114, Gazcue, Santo Domingo. Dto. Nacional, República Dominicana. Apartado Postal: 25310 Telefone: +1 (829) 259 8430 www.feyalegria.org.do Martín Haretche Diretor de Fé e Alegria no Uruguai mharetche@feyalegria.org.uy Calle 8 de octubre No. 2738. Montevideo, Uruguay. Telefone: (598-2) 4872717 ext. 356 www.feyalegria.org.uy Pe. Manuel Jaime Aristorena, S.J. Diretor de Fé e Alegria na Venezuela ve.director@feyalegria.org Edif. Centro Valores, Piso 7, esquina Luneta, Altagracia. Caracas – Venezuela. Telefones: (58) 212–5647423 / 5631776 / 5645013 www.feyalegria.edu.ve
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Escritório e equipe de apoio à Coordenação Geral
Carrera 5 N° 34-39 Bogotá, Colômbia. (57) 314 868 4603 www.feyalegria.org
Formação de lideranças Miguel Cruzado fi.formacion@feyalegria.org Wendy Pérez wendy.perez@feyalegria.org.gt Escola Virtual Nancy Montero Olmos | fi.coordescuelavirtual@feyalegria.org
Coordenador Geral Pe. Carlos Fritzen, S.J. fi.coordinador@feyalegria.org Equipe da Secretaria Executiva
Administração, Planejamento e Projetos
Somarick Roca Robby Ospina Pe. Marco Tulio Gómez, S.J. Gerardo Lombardi (C) fi.secrejec@feyalegria.org
Administração Somarick Roca | fi.administracion@feyalegria.org
Equipe da Coordenação Executiva
Planejamento Robby Ospina | fi.planificacion@feyalegria.org
Eixo Educação Popular Gehiomara Cedeño | fi.educacionpopular@feyalegria.org
Projetos Gabriel Vélez | fi.proyectos@feyalegria.org
Eixo Novas Fronteiras Pe. Carlos Fritzen, S.J. | fi.coordinador@feyalegria.org
Serviços Aleida Betancurt | fi.servicios@feyalegria.org
Eixo de Sustentabilidade Gabriel Vélez | fi.sostenibilidad@feyalegria.org
Comunicação e Tecnologia
Eixo de Ação Pública Gerardo Lombardi | fi.accionpublica@feyalegria.org
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Janeth Angarita Cisneros | fi.adminescuelavirtual@feyalegria.org
Coordenação de Comunicação Gerardo Lombardi | fi.coordcomunicacion@feyalegria.org
Federação Internacional de Fé e Alegria
Gestão de conteúdo María Paula Arango | fi.comunicacion@feyalegria.org Suporte de Comunicação Erika Briceño | fi.soportecomunicacion@feyalegria.org Comunicação Digital Daniela Londoño | fi.comunicaciondigital@feyalegria.org Design Gráfico Pablo Ivorra | fi.imagengrafica@feyalegria.org Coordenação de Tecnologia José Ignacio Peraza | fi.coordtecnologia@feyalegria.org Suporte de Tecnologia Maximiliano Burgos | fi.soportetecnologia@feyalegria.org Internacionalização Pe. Carlos Fritzen, S.J. | fi.coordinador@feyalegria.org Pe. Daniel Villanueva, S.J. | d.villanueva@entreculturas.org María Luisa Berzosa | mlberzosa@gmail.com Pablo Funes | p.funes@entreculturas.org Luca Fabris | l.fabris@entreculturas.org Robby Ospina | fi.planificacion@feyalegria.org
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Memória 2020
Equipe Federativa Internacional
Referências Gabriel Vélez | fi.sostenibilidad@feyalegria.org Somarick Roca | fi.administracion@feyalegria.org
Formação Pedagógica
Ecologia integral e pan-amazônica
Líder Venezuela: Beatriz Borjas | beatrizborjasb@gmail.com Co-líder Equador: Beatriz García | beatriz.garcia@feyalegria.org.ec Referência Gehiomara Cedeño | fi.educacionpopular@feyalegria.org
Líder Peru: Irma Mariño| imarino@feyalegria.org.pe Co-líder Brasil: José Blanco jose.blanco@fealegria.org.br Referências P. Carlos Fritzen, S.J.| fi.coordinador@feyalegria.org P. Marco T. Gómez, S.J.| pa.director@feyalegria.org Robby Ospina| fi.planificacion@feyalegria.org
Calidad educativa Líder Ecuador: Marlene Villegas| m.villegas@feyalegria.org.ec Co-líderes Guatemala: Wendy Pérez | wendy.perez@feyalegria.org.gt Espanha: Yenifer López| y.lopez@entreculturas.org Referência Gehiomara Cedeño | fi.educacionpopular@feyalegria.org Avaliação e medição do impacto Líder Espanha: Lucila Rodríguez| l.rodriguez@entreculturas.org Co-líder Equipo de coordinación ejecutiva fi.secrejec@feyalegria.org
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Formação para o trabalho Líder Bolivia: Adela Colque| a.colque@formacionparaeltrabajo.org Co-líder Honduras: Óscar Cáceres o.caceres@feyalegria.org.hn Referência Gabriel Vélez| fi.sostenibilidad@feyalegria.org Jovens Líder Colômbia: Juan Pablo Rayo | fi.jovenes-ciudadania@feyalegria.org Colíderes Espanha: Jessica García | j.garcia@entreculturas.org
Federação Internacional de Fé e Alegria
Argentina: Yanina Garbesi | yaninagarbesi@feyalegria.org.ar Referência Gehiomara Cedeño | fi.educacionpopular@feyalegria.org Cidadania Líder Espanha: Irene Ortega | i.ortega@entreculturas.org Co-líder Colômbia: Por asignar Referência Gerardo Lombardi | fi.accionpublica@feyalegria.org Gênero Líder Nicarágua: Lucila Cerillo | fi.genero.coordinacion@feyalegria.org Co-líder Rep. Dominicana: Yesenia Caraballo | convivenciayciudadania4@feyalegria.org.do Referência Gehiomara Cedeño | fi.educacionpopular@feyalegria.org
Migração Líder Guatemala: Blanca Gutiérrez | blanca.gutierrez@feyalegria.org.gt Co-líder Haiti: Por asignar Referências Gerardo Lombardi | fi.accionpublica@feyalegria.org Gabriel Vélez| fi.sostenibilidad@feyalegria.org Identidade e espiritualidade Líder Paraguai: Catalino Corvalán | katatoto@gmail.com Co-líderes Chile: Macarena Rubio | mrubio@redignaciana.cl Madagascar: Por asignar Referências Gerardo Lombardi | fi.accionpublica@feyalegria.org P. Marco T. Gómez, S.J.| pa.director@feyalegria.org Cuidados na primeira infância
Educação inclusiva Líder Bolívia: Carmiña de la Cruz | areaespecial@feyalegria.edu.bo Co-líder Equador: Nelly Andrade | nelly.andrade@feyalegria.org.ec Referência Gehiomara Cedeño | fi.educacionpopular@feyalegria.org
Líder Uruguai: Fiorella Magnano | fmagnano@feyalegria.org.uy Co-líderes Congo: Arvie Muayi | mrubio@redignaciana.cl Colômbia: Fabiola Garcerá Arango| direccion.cali@feyalegria.org.co Referência Gehiomara Cedeño | fi.educacionpopular@feyalegria.org
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#ModoEmergenciaCovid19 feyalegriafi